domingo, 28 de abril de 2019

ATO DE GESTÃO DA DIREÇÃO DE UMA SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. NÃO CABIMENTO DE MANDADO DE SEGURANÇA.

Por Francisco Alves  dos  Santos Júnior

A vigente  Lei do Mandado de Segurança, Lei nº 12.016, de 2009, veda, no § 2º do seu art. 1º, a impetração de mandado de segurança contra ato de gestão dos Dirigentes das Estatais. 
O que vem a ser ato de gestão e o que o diferencia do ato de império, o ato administrativo ou ato de Autoridade que pode ser impugnado por mandado de segurança?
A Judiciário brasileiro vem firmando entendimento a respeito dessa matéria. 
Na sentença que segue, esse assunto é debatido. 
Boa leitura.



PROCESSO Nº: 0816758-44.2018.4.05.8300 - MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL
IMPETRANTE: S P DE S DO B LTDA
ADVOGADO: C.C;V.`P
IMPETRADO: CHESF - COMPANHIA HIDRO ELETRICA DO SÃO FRANCISCO
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO)


Sentença tipo C, registrada eletronicamente.

Ementa: - MANDADO DE SEGURANÇA. ATO DE GESTÃO.
Não cabe mandado de segurança contra ato de gestão.
Extinção do processo, sem resolução do mérito.

Vistos, etc.

1. Breve Relatório

S P DE S DO B LTDA - ME, pessoa jurídica qualificada na Inicial, impetrou inicialmente este Mandado de Segurança em face de PREGOEIRA RESPONSÁVEL a Ilmª Sra. V C DA S da COMPANHIA HIDRO-ELÉTRICA DO SÃO FRANCISCO-CHESF e a UNIÃO FEDERAL, na condição de pessoa jurídica. Requereu, em apertada síntese,  autorização judicial liminar para garantir a suspensão dos efeitos do certame editalício,  noticiado nos autos, qual seja, o Edital do Pregão Eletrônico PG-70.2018.6020(anexo), que tem por objeto o Gerenciamento de Frotas com Telemetria e Rastreamento de Veículos.





Decisão, sob id 4058300.8531801, na qual se determinou que o Impetrante completasse sua petição inicial para esclarecer o motivo pelo qual teria incluído a União Federal no polo passivo.
A Impetrante, na petição sob id  4058300.9023102, sustentou que, mesmo que se entendesse pela exclusão da União do polo passivo desta lide, ainda assim esse Juízo seria competente, em virtude de comprovada e pacífica jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que cabe writ contra Sociedade de Economia Mista Federal perante a Justiça  Federal.





É o relatório, no essencial.



Passo a decidir.

2. Fundamentação







2.1 - Preliminarmente, a UNIÃO há de ser excluída do polo passivo, porque não tem nenhuma vinculação com a noticiada licitação, promovida por Dirigentes da CHESF, na  gestão das atividades dessa Sociedade de Economia  Mista, sendo, pois, visível a sua ilegitimidade passiva ad causam.
2.2 - Neste Mandado de Segurança, impetrado contra ato que teria  sido praticado pela PREGOEIRA RESPONSÁVEL Sra. V C DA S, na licitação indicada  na  petição inicial, pugnando-se por  provimento judicial que assegure a suspensão dos efeitos do certame previsto no Edital do Pregão Eletrônico PG-70.2018.6020, que tem por objeto o Gerenciamento de Frotas com Telemetria e Rastreamento de Veículos da COMPANHIA HIDRO-ELÉTRICA DO SÃO FRANCISCO-CHESF





Instada a justificar a inclusão da União no polo passivo (Id. 4058300.8531801), a Impetrante  requereu fosse alterado o pedido inicialmente disposto na alínea "c", para que fosse intimada a Procuradoria da COMPANHIA  HIDRO-ELÉTRICA DO SÃO FRANCISCO-CHESF.





Pois bem.



Os atos de gestão, praticados por Dirigentes/Diretores de Estatais, entre as quais as Sociedades de Economia  Mista, como a CHESF, não podem ser impugnados via mandado de segurança. 
Nesse sentido, há regra expressa na Lei nº 12.016, de 2009, verbis:
"Art. 1º - (...).
§ 2o  Não cabe mandado de segurança contra os atos de gestão comercial praticados pelos administradores de empresas públicas, de sociedade de economia mista e de concessionárias de serviço público. "



A contratação de empresa para fins de "gerenciamento de Frotas com Telemetria e Rastreamento de Veículos", caso destes autos,   envolve atos de gestão dos Dirigentes da mencionada estatal e não ato de império, ato administrativo propriamente dito, ato de Autoridade, praticado por delegação de algum Ente ou Órgão Público Federal, que acarretaria a competência desta Justiça  Federal.  

Na prática atual do direito brasileiro, muitos atos podem ser enquadrados como de império e de gestão, mas alguns são induvidosamente de império e outros induvidosamente de gestão.

Por exemplo, a elaboração final do projeto de Lei do orçamento público, é sem dúvida um ato de império, privativo do Chefe do Poder Executivo. A transformação desse projeto em Lei é um ato de império, exclusivo do Poder Legislativo. A resolução de demandas, envolvendo essa Lei, é um ato de império, exclusivo do Poder Judiciário.

Mas a realização das despesas, decorrentes dessa Lei, quer seja por parte do Poder Executivo, do Poder Legislativo ou do Poder Judiciário, decorrentes de atos de cada um desses Poderes, não tenho dúvidas que se trata de um ato de gestão.

Ora, o ato de realizar licitação para os fins acima indicados, por parte do Dirigente de uma Estatal, instituída como Sociedade de Economia Mista,  que tem natureza jurídica de direito privado, sem dúvida nenhuma é ato de gestão, quer seja para atividade fim da Empresa que dirige, quer seja para atividades secundárias, pois estará apenas executando determinada dotação orçamentária aprovada para a Empresa.
Repito, só cabe mandado de segurança contra ato de Dirigente de Sociedade de Economia Mista relativamente aos atos institucionais, que são aqueles tipicos da Administração, entendidos como tais os que são oriundos de clara delegação de competência de Ente ou Órgão do Poder Público Federal.  
No julgamento do mandado de segurança, Processo nº 0005291-48.2011.4.05.8      Classe 126    Impetrante: ENERGIA EMPREENDIMENTOS LTDA,   Impetrado(a): DIRETOR-PRESDENTE DA COMPANHIA HIDRO ELÉTRICA DO SÃO FRANCISCO - CHESF, assim fundamentei a respectiva sentença, em caso aplicável, mutatis mutandis, ao presente:



"3. Embora a CHESF encontre-se constituída como sociedade de economia mista e esse tipo de pessoa jurídica não faça parte do rol do inciso I do art. 109 da Constituição da República, tenho que a Justiça Federal passou a ser competente para apreciar e julgar mandado de segurança praticado por seu Diretor-Presidente por força do art. 2º da Lei nº 12.016, de 07.08.2009, Lei essa que traça as novas regras sobre mandado de segurança.



4. Mas essa nova Lei veda a impetração de mandado de segurança contra atos de gestão(§ 2º do art. 1º dessa Lei) e o ato ora impugnado arvora-se em típico ato de gestão, pois envolve licitação pública, tendente à contratação de prestadora de serviço, para que a CHESF possa alcançar as finalidades do seu estatuto social, situação essa que se caracteriza como impropriedade do meio processual escolhido e que não pode ser aproveitado como o procedimento próprio para a questão em debate, implicando no indeferimento da petição inicial((art. 195-V do Código de Processo Civil), com a conseqüente extinção do processo, sem resolução do mérito(art. 267-I do Código de Processo Civil).



Indeferida a petição inicial de mandado de segurança, ainda que o mérito não seja resolvido, o entendimento doutrinário e jurisprudência reinante é que, nessa situação, o juiz nega a segurança.".


Referida sentença foi mantida pela 2ª Turma do TRF5A, cujo acórdão ficou com a seguinte ementa:



"ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. ERRO NA MODALIDADE RECURSAL. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE. ART. 244 DO CPC. POSSIBILIDADE. LICITAÇÃO. CONTRATAÇÃO DE PRESTADOR DE SERVIÇOS. ATO DE GESTÃO PRATICADO POR ADMINISTRADOR DE SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. VEDAÇÃO. ART. 1º, PARÁGRAFO 2º DA LEI Nº 12.016/2009. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA PARA IMPUGNAR O ATO. EXTINÇÃO DO PROCESSO. CONFIRMAÇÃO DA SENTENÇA. PRECEDENTES. APELAÇÃO IMPROVIDA.



1. Apelação interposta contra sentença proferida em sede de mandado de segurança, que extinguiu o processo sem resolução de mérito, reconhecendo a inadequação do remédio constitucional para impugnar ato de gestão de sociedade de economia mista.



2. Nos termos do artigo 244 do Código de Processo Civil, o ato processual somente pode ser considerado nulo e sem efeito se, além de inobservância da forma legal, não tiver alcançado a sua finalidade.  No caso concreto o recurso foi interposto dentro do prazo do apelo e as razões recursais se voltam contra os fundamentos expostos na sentença a quo. Aplica-se no caso o princípio da fungibilidade recursal, por se tratar de hipótese em que o recurso, mesmo não sendo o cabível para atacar a decisão, pode ser considerado válido, uma vez que foram atendidos os demais requisitos objetivos.



3. A Lei nº 12.016/2009 estabelece, em seu artigo 1º, parágrafo 2º, que não cabe mandado de segurança contra os atos de gestão comercial praticados pelos administradores de empresas públicas, de sociedade de economia mista e de concessionárias de serviço público.



4. Hipótese em que a ação mandamental foi impetrada contra ato de gestor da CHESF - Companhia Hidrelétrica do São Francisco, em Pregão Eletrônico realizado com o fito de contratar um terceiro prestador de serviços, para a realização de obras estruturais. Os serviços a serem realizados, à evidência, não guardam relação direta com a atividade de geração de energia que foi delegada pelo Poder Público à referida Companhia, constituindo-se de ato particular de gestão, que não se confunde com ato de autoridade, requisito necessário para viabilizar seu ataque pela via do mandado de segurança.



5. Ainda que praticado mediante procedimento licitatório, o ato ora impugnado  não pode ser entendido como vinculado à atividade estatal delegada, mas apenas como um mero ato de gestão.



6. Nos termos da súmula nº 333 do C. STJ é cabível o manejo do writ para atacar procedimento licitatório de empresa de economia mista ou empresa pública. Contudo, é pacífico que esse remédio constitucional é cabível contra os atos praticados por dirigentes de tais entidades, desde que tais possam ser reputados como típicos da Administração, entendidos como aqueles oriundos de explícita delegação de competência do Poder Público, o que não se verifica no caso dos autos.



7. Apelação improvida."[1]


Diante do quadro supra, tenho por inapropriado o uso do mandado de segurança para impugnação do mencionado ato, o que caracteriza a situação estabelecida no inciso IV do art. 485 do vigente Código de Processo Civil c/c o mencionado dispositivo da Lei nº 12.016, de 2009, o que impõe a extinção do processo, sem resolução do mérito.



Finalmente, quando o mandado de segurança é extinto, sem resolução do mérito, há precedentes antigos do STF, no sentido de que a segurança deve ser denegada, a respeito do que, data maxima venia, penso diferente, pois a segurança só pode ser denegada se houver apreciação do mérito, e, com a extinção do mandado de segurança, sem julgamento do mérito, a Impetrante pode, pela via processual própria e perante o Juízo competente, renovar o seu pleito.



Logo, haverá a extinção do feito, mas sem qualquer decisão quanto à segurança, porque o seu mérito não será apreciado.



3. Dispositivo



Posto isso:
3.1 - quanto à UNIÃO, indefiro a petição inicial, em face da sua clara ilegitimidade passiva ad causam,  e dou o processo por extinto, sem resolução do  mérito(art. 330,II c/c art.485, V, todos do CPC);
3.2 - de ofício, reconheço que o ato ora impugnado diz respeito a um ato de gestão, e não ato de Autoridade, e como contra ato de gestão não cabe a impetração de mandado de segurança, dou este processo por extinto, sem resolução do mérito(§ 2º do art. 1º da Lei nº 12.016, de 2009 c/c art. 485, IV do vigente Código de Processo Civil), ressalvando-se o direito de a ora Impetrante, pela via judicial própria(via ordinária), buscar o seu alegado direito, ficando prejudicado o pedido de concessão de medida liminar.



Outrossim, condeno a Impetrante nas custas processuais.



Sem verba honorária(art. 25 da Lei nº 12.016, de 2009).



Registre-se. Intimem-se.

Recife, 28.04.2019

Francisco Alves  dos Santos Júnior
 Juiz Federal, 2a Vara Federal/PE



(lsc)
________________________________________________________________
[1] Brasil. Tribunal Regional Federal da 5ª Região. 2ª Turma. Processo  nº 00052914820114058300, AC527173/PE, Relator Desembargador Federal Francisco Barros Dias. Julgamento em 27/09/2011, in Diário Judicial Eletrônico - DJe de 06/10/2011, p. 349.

Um comentário:

  1. Vide Sentença publicada neste blog, no dia 26.09.2020, sobre o mesmo tema, com nova roupagem e nova jurisprudência, envolvendo ato de gestão de Dirigente de uma Empresa Pública Federal. Na respectiva nota de rodapé, indica-se a norma legal que define o que vem a ser uma Sociedade de Economia Mista e uma Empresa Pública.

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