segunda-feira, 3 de setembro de 2018

ABATE-TETO. ACUMULAÇÃO LÍCITA DE CARGOS. DUPLA REMUNERAÇÃO. PRESCRIÇÃO. ATUALIZAÇÃO. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, SOB REPERCUSSÃO GERAL.

Por Francisco Alves dos Santos Jr


Interessantes temas são analisados na sentença que segue, no campo do direito administrativo. O Servidor Federal que puder, com base na Constituição, acumular dois cargos, poderá receber remuneração, relativa a cada cargo, até o limite máximo permitido por essa Carta. Descontos indevidos devem ser restituídos, observada a prescrição quinquenal, sem aplicação, quanto à correção monetária, da Lei nº 11.960, de 2009, com atualização até a data da expedição  dos  requisitórios.  Precedentes do STF, sob repercussão geral. 

Boa  leitura. 


Obs.: colaboração do Assessor Antonio Ricardo Teixeira.


PROCESSO Nº: 0815137-46.2017.4.05.8300 - PROCEDIMENTO COMUM AUTOR: V C DA R J  ADVOGADO: R J L P F  RÉU: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO 2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)




 Sentença tipo A, registrada eletronicamente



EMENTA: -  ABATE-TETO. INCIDÊNCIA DA REGRA DO TETO REMUNERATÓRIO CONSTITUCIONAL (ART.37, XI, da CF/88). LIMITAÇÃO DO TETO.MATÉRIA RECONHECIDA COMO DE REPERCUSSÃO GERAL.

- Prescrição das parcelas do quinquênio anterior ao da propositura desta ação.
- Nas situações jurídicas em que a Constituição Federal autoriza a acumulação de cargos, o teto remuneratório é considerado em relação à remuneração de cada um deles, e não ao somatório do que recebido, conforme entendimento do Plenário da Suprema Corte, sob repercussão geral.
- Atualização(correção monetária e juros de mora) também conforme outros precedentes, sob repercussão geral, da Suprema Corte.
- Procedência do pedido.




1. Relatório

V C DA R J, qualificado na inicial, ajuizou a presente Ação pelo Procedimento Comum, com pedido de tutela provisória em face da UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO - UFPE. Alegou em síntese que: a) seria professor titular do Departamento de Eletrônica e Sistemas da Universidade Federal de Pernambuco e que perceberia também aposentadoria como professor titular com Doutorado pela mesma Universidade, ou seja, seria detentor de dois cargos de professor; b) estaria sendo submetido a deduções nos seus rendimentos a título de abate-teto; c) a Ré estaria limitando a soma dos vencimentos e da aposentadoria do Autor, ao limite remuneratório previsto no inciso XI do art. 37 da Constituição Federal e subtraindo dos rendimentos do Suplicante (conjuntamente considerados) o valor da diferença entre o somatório da aposentadoria e dos vencimentos e o teto constitucional; d) a aplicação do abate-teto deveria ocorrer em atenção a cada cargo isoladamente, razão pela qual o abatimento realizado, que considera a soma dos rendimentos do Autor (aposentadoria e vencimentos) para fins de verificação do teto remuneratório, seria manifestamente ilegal. Teceu comentários, anexou documentos.
Atribuiu à causa o valor de R$ 5.311,31 (cinco mil, trezentos e onze reais e trinta e um centavos). 
Decisão proferida sob identificador nº 4058300.4082945, pela qual foi concedido à Parte Autora prazo para que emendasse a inicial, esclarecendo se estaria havendo redução ao teto do servidor apenas nos vencimentos ou se também nos proventos da aposentadoria, a fim de ser indicado o Juízo competente.
O Autor apresenta aditamento à Inicial (Id. 4058300.4099831), esclarecendo que os pedidos formulados são no sentido de fazer cessar a incidência do abate-teto em ambos os vínculos, apresenta novo valor da causa (R$ 227.847,60) e anexa o comprovante de recolhimento das custas complementares (Id. 4058300.4092304).
Decisão proferida sob identificador nº 4058300.4452899, pela qual foi deferido o pedido de tutela provisória de urgência antecipatória e determinou-se a citação da UFPE.
Contestação apresentada pela Ré (Id. 4058300.4797612). Aduziu, preliminarmente, como prejudicial de mérito, a prescrição quinquenal. No mérito, alegou que o instituto do Abate-Teto está previsto no inciso XII do art. 37 da CF/1988, com a nova redação dada pelo inciso XI do art. 3º da Emenda Constitucional nº 19/98 e que inexistente qualquer dever da Administração Pública em devolver valores descontados a título de "abate-teto", uma vez que sua atuação está pautada em preceitos constitucionais e sólida posição jurisprudencial.
Certidão anexada sob identificador nº 4058300.4798482, noticiando a interposição de agravo de instrumento, perante o TRF 5ª Região, em face da decisão que deferiu a antecipação da tutela.
Despacho no qual foi mantida a decisão agravada e determinou a intimação do Autor para manifestar-se sobre a contestação.
Réplica apresentada, requerendo a manutenção da tutela provisória e a procedência da ação (Id. 4058300.5314834).
Vieram os autos conclusos.
É o relatório no essencial.
Passo a decidir.

2- Fundamentação

2.1. Do julgamento antecipado da lide.
Por entender não haver necessidade de produção de outras provas além daquelas já constantes nos autos, suficientes, portanto, para o deslinde da demanda, decido proferir o julgamento antecipado, nos termos do art. 355, I, do Código de Processo Civil.

2.2. Exceção de prescrição

Quanto à exceção de prescrição quinquenal, esta não atinge o fundo do direito, porque os direitos previdenciários de fundo são imprescritíveis, de forma que merece acolhida apenas quanto às parcelas do quinquênio anterior ao da propositura desta ação.
Como esta ação foi proposta em 04.10.2017, encontram-se fulminadas pela prescrição as parcelas anteriores a 04.10.2012.

2.3. Do mérito

Cinge-se o presente feito à análise da possibilidade do direito de o Autor receber a íntegra do valor dos seus vencimentos do cargo de Professor Titular do Departamento de Eletrônica e Sistema da UFPE, bem como a íntegra do valor dos proventos de aposentadoria do cargo de Professor Titular com Doutorado, desde que, cada um, isoladamente, não ultrapasse o teto dos vencimentos  dos Servidores Públicos Federais.
O fato de serem pagos por uma mesma Autarquia não modifica o seu direito acima indicado, pois o acúmulo de dois cargos de Professor era e é permitido pela  Constituição da República.
Cumpre verificar os dispositivos dessa Carta e nos quais a matéria é tratada:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
[...]
XI - a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsidio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003)
[...]
XVI - é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
 b) a de um cargo de professor com outro técnico ou científico; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
(...)
§ 10. É vedada a percepção simultânea de proventos de aposentadoria decorrentes do art. 40 ou dos arts. 42 e 142 com a remuneração de cargo, emprego ou função pública, ressalvados os cargos acumuláveis na forma desta Constituição, os cargos eletivos e os cargos em comissão declarados em lei de livre nomeação e exoneração. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003)
[...]
§ 11 - Aplica-se o limite fixado no art. 37, XI, à soma total dos proventos de inatividade, inclusive quando decorrentes da acumulação de cargos ou empregos públicos, bem como de outras atividades sujeitas a contribuição para o regime geral de previdência social, e ao montante resultante da adição de proventos de inatividade com remuneração de cargo acumulável na forma desta Constituição, cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração, e de cargo eletivo. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 15/12/98)

Por seu turno, dispõe o art. 118 da Lei nº 8.112/90:

Art. 118. Ressalvados os casos previstos na Constituição, é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos.
 § 1º A proibição de acumular estende-se a cargos, empregos e funções em autarquias, fundações públicas, empresas públicas, sociedades de economia mista da União, do Distrito Federal, dos Estados, dos Territórios e dos Municípios.
 § 2º A acumulação de cargos, ainda que lícita, fica condicionada à comprovação da compatibilidade de horários.
 § 3º Considera-se acumulação proibida a percepção de vencimento de cargo ou emprego público efetivo com proventos da inatividade, salvo quando os cargos de que decorram essas remunerações forem acumuláveis na atividade. (Incluído pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)

A leitura dos dispositivos acima demonstra que se instituiu na Constituição da República, simultaneamente, a possibilidade de exercício cumulado de cargos públicos, bem como a limitação dos valores percebidos por tais agentes públicos ao teto do respectivo poder, ou seja, o subsídio dos Ministros do Supremo Tribunal Federal.

Cabe agora analisar a limitação dos valores recebidos.

A matéria objeto dos presentes autos foi recentemente analisada, em sede de repercussão geral, pelo Supremo Tribunal Federal - STF, nos autos dos REs 602.043 e 612.975:

"Ementa: TETO CONSTITUCIONAL - ACUMULAÇÃO DE CARGOS - ALCANCE. Nas situações jurídicas em que a Constituição Federal autoriza a acumulação de cargos, o teto remuneratório é considerado em relação à remuneração de cada um deles, e não ao somatório do que recebido.


                                              Decisão


Após o voto do Ministro Marco Aurélio (Relator), negando provimento ao recurso, no que foi acompanhado pelo Ministro Alexandre de Moraes, e o voto do Ministro Edson Fachin, dando provimento ao recurso, o julgamento foi suspenso. Ausente, justificadamente, o Ministro Celso de Mello. Falaram: pelo recorrente, Estado de Mato Grosso, o Dr. Lucas Dallamico, Procurador do Estado de Mato Grosso; e, pelo Sindicato dos Médicos do Distrito Federal - SINDMÉDICO/DF, o Dr. Alberto Pavie Ribeiro. Presidência da Ministra Cármen Lúcia. Plenário, 26.4.2017.


Decisão: O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Relator, vencido o Ministro Edson Fachin, apreciando o tema 384 da repercussão geral, negou provimento ao recurso e fixou a seguinte tese de repercussão geral:


"Nos casos autorizados constitucionalmente de acumulação de cargos, empregos e funções, a incidência do art. 37, inciso XI, da Constituição Federal pressupõe consideração de cada um dos vínculos formalizados, afastada a observância do teto remuneratório quanto ao somatório dos ganhos do agente público". Presidiu o julgamento a Ministra Cármen Lúcia. Plenário, 27.4.2017."[1]


(RE 602.043, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 27/04/2017, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-203 DIVULG 06-09-2017 PUBLIC 08-09-2017"(grifei e negritei).

Diante desse importante precedente do Plenário da Suprema Corte, sob repercussão geral, de observância obrigatória por todo o Judiciário Brasileiro (art. 927, III do CPC), há que se julgar pela procedência do pedido.
A verba honorária deve ser fixada moderadamente, porque, como já se trata de matéria pacificada na Suprema Corte, o(a) Patrono(a) da Parte Autora não deve de ter exercido muito esforço para edição da peça  inicial e acompanhamento do feito.

3. Conclusão

Posto isso:
3.1 - dou parcial acolhida à exceção de prescrição, pronuncio a prescrição das verbas do período anterior a 04.10.2012, posto que esta ação foi proposta em 04.10.2017 e, com relação às verbas prescritas, dou este processo por extinto, com resolução do mérito(art. 487, II, CPC);
3.2 - julgo procedentes os pedidos desta ação, mantenho a tutela provisória de urgência antecipatória, de modo que a UFPE continue observando, quanto ao teto do valor fixado para os Servidores Públicos Federais, o entendimento consignado naquela  decisão e na fundamentação supra, "afastada a observância do teto remuneratório quanto ao somatório dos ganhos do agente público", conforme a tese acima transcrita do Supremo Tribunal Federal, sob as penas da Lei, e também condeno a UFPE a pagar ao Autor os valores já descontados equivocadamente a título de abate-teto até o cumprimento da decisão antecipatória da tutela determinada anteriormente, ressalvadas as parcelas atingidas pela prescrição, tudo acrescido de correção monetária e juros de mora a partir da citação e de acordo com o Manual de Cálculos da Justiça Federal, observados os parâmetros indicados no julgamento do RE 870.947/SE, sob repercussão geral, pelo Plenário do STF, que concluiu que, mesmo depois da Lei 11.960/2009, continua válido o índice de correção monetária IPCA-E.[2];  e a atualização estender-se-á até a expedição dos requisitórios(STF, Plenário, repercussão geral)[3].
3.3 - outrossim, cond eno a parte ré ao reembolso das custas pagas pela parte autora e ao pagamento dos honorários advocatícios, que fixo no percentual de 10% sobre o montante da condenação efetivamente apurado na fase de liquidação do julgado, tudo nos termos do art. 85, §3º e §4º, II, do CPC/15;
3.4 - e dou este processo por extinto, com resolução do mérito(art. 487,I, CPC);
3.4 - sentença sujeita à remessa necessária, nos termos do artigo 496, inciso I e §3º do CPC/15, tendo em vista a condenação não ter se dado sobre "valor certo e líquido".
Registrada, intimem-se.


Recife, 03 de setembro de 2018

Francisco Alves dos Santos Jr.
  Juiz Federal, 2a Vara-PE.



(ARF)
















[1] Brasil. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 602.043, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 27/04/2017, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-203 DIVULG 06-09-2017 PUBLIC 08-09-2017.
[2] O Plenário do STF, no julgamento do RE 870.947/SE, sob repercussão geral, tema 810, concluiu que, mesmo depois da Lei 11.960, de 2009, continua válido o índice de correção monetária IPCA-E.
Brasil Supremo Tribunal Federal. Plenário. Recurso Extraordinário -  RE nº  870947/SE, Repercussão Geral. Tema 810. Relator Ministro Luiz Fux. Julgado em 20.09.2017. Ainda não publicado.

Disponível em:


http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=870947&classe=RE-RG&codigoClasse=0&origem=JUR&recurso=0&tipoJulgamento=M
[3]Brasil Supremo Tribunal Federal. Plenário. Recurso Extraordinário-RE 579.431/RS. Relator Ministro Marco Aurélio, Publicado no Diário Judicial Eletrônico – Dje de 19.04.2017[Repercussão Geral, Tema 96, Mérito].
Acesso em 10.10.2017. 

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