quarta-feira, 7 de novembro de 2018

CONTRATO PELO SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO-SFH. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. USO DO DINHEIRO DO FGTS. ESCOLHA DA SEGURADORA PELO MUTUÁRIO. APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR

Por Francisco Alves dos Santos Jr. 

Na sentença infra, são discutidas regras dos contratos submetidos ao sistema financeiro da habilitação - SFH à luz da legislação de regência e, sobretudo, de julgados e súmula do Superior Tribunal de Justiça e de julgado do Supremo Tribunal Federal.
Boa leitura. 

Obs.: sentença pesquisada e, em parte, minutada pelo Assessor 
Marcos Eduardo França Rocha


PROCESSO Nº: 0803713-41.2016.4.05.8300 - PROCEDIMENTO COMUM
AUTOR: C E DE P M
ADVOGADO: C R V Dos S
RÉU: CAIXA ECONOMICA FEDERAL - CAIXA
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)
 



Sentença tipo A, registrada eletronicamente. 
EMENTA: CIVIL. CONTRATO DE MÚTUO. SISTEMA DE AMORTIZAÇÃO CONSTANTE - SAC. APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. JUROS COMPOSTOS POSSIBILIDADE. ANATOCISMO. INOCORRÊNCIA. ESCOLHA DE SEGURADORA. UTILIZAÇÃO DO SALDO DO FGTS PARA AMORTIZAÇÃO/QUITAÇÃO DO SALDO DEVEDOR. POSSIBILIDADE. 
PROCEDÊNCIA PARCIAL.

Vistos, etc. 

1. Relatório

C E DE P M, qualificado na petição inicial, propôs esta ação revisional de contrato c/c pedido de tutela provisória de evidência/urgência em face da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CAIXA. Requereu, inicialmente, os benefícios da justiça gratuita e, sem prejuízo da tutela provisória, a realização da audiência de conciliação. Alegou, em síntese, que: i) em 20.08.2008, aderiu a um contrato por instrumento particular de compra e venda de unidade isolada e mútuo com obrigações e alienação fiduciária, de nº 815840000869, no qual a Ré é credora fiduciária, nos termos do contrato anexo[1], para financiamento imobiliário para aquisição da casa própria, no qual a Ré adota o sistema de amortização constante, denominado SAC; ii) o imóvel objeto de financiamento foi adquirido no valor de R$ 83.000,00, do qual R$ 25.000,00 foi pago com recursos próprios do Autor, e R$ 57.500,00 foi pago com o valor financiado pela Ré, conforme letra B e C do contrato, com o prazo de financiamento em 30 anos ou 360 meses, com juros contratuais a taxa nominal anual de 8,1600% e a efetiva anual de 8,4722%; iii) a parcela inicial teve início no valor de R$ 599,89, com o primeiro vencimento para 20.07.2008, todavia, não fosse a venda casada do seguro e o acréscimo de tarifas, o valor inicial da parcela seria de R$ 550,72; iv) a Requerida acresce sobre o valor da prestação o valor, mensal, de R$ 27,74, a título de seguros, e de R$ 21,43 sob a rubrica tarifas; v) a Requerida deixou de observar as próprias condições que impôs no contrato, no caso, em relação à taxa de juros efetiva, uma vez que no contrato essa taxa é de 8,4722% a.a., e pela manobra executada essa taxa salta para 10,21% a.a.; vi) já realizou o pagamento de 65 parcelas, que correspondem ao total de R$ 36.827,34, isto sem considerar os encargos cobrados por eventual mora; vii) haveria cobrança abusiva, seja pela conduta desleal da Requerida em incluir no contrato a venda casada dos seguros e da tarifa, ou pela utilização dos sistema de amortização que é prejudicial ao aderente do contrato, uma vez que tal oneração excessiva promoveu o desequilíbrio do contrato e impediu o Autor de realizar o pagamento de algumas parcelas; viii) por diversas vezes, procurou a Requerida para solicitar a disponibilização dos boletos, no entanto, esta se negou em fornece-los, impedindo, com isso, o adimplemento das parcelas que atrasou e, consequentemente, as que passaram a se vencer; ix) solicitou, também, a quitação das parcelas e do saldo devedor com base em seu FGTS, cujos depósitos em conta vinculada totalizam R$ 25.202,37, o que também foi negado pela Requerida; x) recebeu uma comunicação da Requerida com a pretensa intenção de notifica-lo de que o seu imóvel financiado será levado a leilão no dia 24.05.2016; xi) a notificação enviada pela CAIXA data de 18.04.2016, contudo, só foi entregue ao Autor em 26.04.2016, conforme se verifica no registro dos Correios, e, de acordo com a Cláusula Vigésima Nona, Parágrafo Segundo, para que o leilão ocorra é preciso que haja um prazo de 30 (trinta) dias entre a data da constituição da titularidade da propriedade em nome da Ré e a data do leilão; xii) a CAIXA também não observou o disposto na lei de regência, a qual exige a prévia notificação do devedor para a purgação da mora, o que não ocorreu, já que a única notificação recebida pelo Autor foi para a ciência da data do leilão. Teceu outros comentários. Colacionou precedentes. Ao final, requereu seja proferida decisão para, liminarmente: "1) conceder a tutela provisória de evidência ou de urgência, 'ab initio litis e inaudita altera parte', para que a Ré seja intimada a se abster, imediatamente, de realizar o leilão do imóvel em questão. A Ré possui uma Gerência especifica que promove os leilões dos contatos sob alienação fiduciária, é a Gerência de Filial Alienar Bens Móveis e Imóveis - GILIE/RE, com endereço à Praça Doutor Fernando Figueira, 30, 4º andar, Empresarial Cervantes, Ilha do Leite, Cidade: RECIFE/PE, por isso, pugna-se para que na tutela provisória essa Gerência também seja intimada a observar a determinação judicial. 2) também como concessão da tutela provisória de evidência ou de urgência, 'ab initio litis e inaudita altera parte', a deferir a consignação em juízo da parcela mensal de R$ 316,50, conforme planilha anexa (Planilha Evolutiva a Juros Simples), ou, sucessivamente a esta, a de deferir a consignação da parcela com o expurgo do indigesto prêmio do seguro e das tarifas, as quais correspondem, sucessivamente, nos seus vencimentos, a contar da primeira parcela, em R$ 550,72; 549,63; 548,55 e assim sucessivamente, nos termos descritos na planilha de evolução sob o Sistema de Amortização Constante- SAC (Planilha Evolutiva Sistema SAC), que fora produzida pelo Autor sem a cobrança dos seguros e das tarifas. 3) e, na remotíssima hipótese, caso Vossa Excelência entenda pela necessidade da consignação do valor integral da parcela, ou seja, inclusive do valor controverso, requer-se, ainda, a título de pedido sucessivo aos acima formulados, em relação a consignação, a conceder tutela provisória de evidência ou de urgência, 'ab initio litis e inaudita altera parte', para autorizar a consignação em juízo do valor das parcelas apontadas pela Ré na planilha de evolução teórica para demonstração dos fluxos referentes aos pagamentos e recebimentos considerados no cálculo do custo efetivo total (Planilha do Contrato). 4) conceder a tutela provisória de evidência ou de urgência, 'ab initio litis e inaudita altera parte', no sentido de determinar que a Ré libere os recursos do FGTS do Autor para a quitação do saldo devedor em aberto ou das parcelas vencidas, com base no valor de R$ 17.261,12, referente à dívida vencida no contrato, conforme se constata na pág. 08, da planilha de evolução de financiamento, já que o saldo devedor para quitação da dívida vencida, em 27/11/2015, foi de R$ 17.261,12, acrescidas das parcelas que se venceram a partir dessa data. E, por conseguinte, para que a Ré seja intimada a receber os recursos do FGTS do Autor para a quitação do saldo devedor em aberto ou das parcelas vencidas, nos limites acima. 5) deferida a consignação em juízo das parcelas e a quitação com o FGTS, a compelir a Ré, sob tutela provisória de evidência ou de urgência, a excluir o nome do Autor do SPC, SERASA e demais cadastros de devedores inadimplentes. 6) conceder a tutela provisória para determinar que a Ré se abster de qualquer medida constritiva em relação ao contrato em apreço, especialmente as que permitam a expropriação do bem. 7) a conceder a tutela provisória, intimando-se a Ré a cumpri-la, sob pena de multa diária, a ser fixada por Vossa Excelência, bem como sob pena do responsável pelo descumprimento da ordem judicial ser enquadrado no crime de desobediência, na prática de ato de obstrução da justiça e de ato de improbidade administrativa." Deu valor à causa. Instruiu a inicial com Instrumento de Procuração e documentos.
R. decisão (ID. 4058300.1992674), na qual foi concedido o benefício da assistência judiciária gratuita; foi deferido o pedido de tutela de urgência cautelar para determinar à CAIXA a suspensão do noticiado leilão extrajudicial, com a designação de audiência de tentativa de conciliação.
A CAIXA apresentou contestação (ID. 4058300.2066402). No mérito defendeu que o contrato o contrato habitacional é um financiamento PROC-CRED - CCFGTS - GEACI, contratado em 20.06.2008, cuja origem dos recursos é do Fundo de Garantia, com prazo de amortização de 360 meses, taxa de juros de 8,16% a.a., Sistema de Amortização Constante e garantia de Alienação Fiduciária; que o contrato habitacional se encontra na situação de inadimplência desde 20.12.2013; que diante da inadimplência do mutuário, depois de sua notificação para o pagamento dos valores em atraso, é iniciado o procedimento de consolidação da propriedade do imóvel para posterior alienação extrajudicial; que inexiste anatocismo no contrato realizado pelo Sistema de Amortização Constante - SAC; a não caracterização dos contratos do SFH como de adesão; não seria possível a utilização dos recursos do FGTS para quitação das prestações em atraso ou abatimento do saldo devedor junto ao SFH; que a cobrança do seguro é componente obrigatório do encargo mensal nos financiamentos imobiliários e que o mutuário tem direito de livre escolha da seguradora. Teceu outros comentários. Ao final requereu a total improcedência dos pedidos e a condenação da parte autora em honorários advocatícios.
A parte autora apresentou réplica à contestação (ID. 4058300.2293781).
A parte autora requereu a juntada dos comprovantes dos meses de MAI, JUN e JUL/2016 (ID. 4058300.2293782).
R. despacho (ID. 4058300.3864325) no qual foi determinada a intimação da parte autora para juntar os comprovantes de depósitos judiciais compreendidos entre os períodos de AGO/2016 até AGO/2017.
A parte autora requereu a juntada dos comprovantes de depósitos (ID. 4058300.4433958).
Certificada a juntada do Termo de Audiência realizada no CEJUSC, no qual não houve a realização de acordo (ID. 4058300.4758008 e ID. 4058300.4758021).
A CAIXA requereu dilação do prazo para analisar os comprovantes e se manifestar nos autos (ID. 4058300.4847047).
A CAIXA apresentou manifestação acerca dos depósitos e apontou que o contrato apresenta uma dívida total no valor de R$ 75.768,38, dos quais R$ 32.631,42 corresponderiam a 33 parcelas em atraso para os vencimentos OUT/2013, DEZ/2013 e ABR/2016 e DEZ/2017 até FEV/2017 + diferença de prestação, juros e multa, além dos juros diários e apontou a existência da despesa pelo processo de execução extrajudicial no valor de R$ 8.512,36 sob responsabilidade do mutuário (ID. 4058300.4865644) e juntou demonstrativos (ID. 4058300.4865645 até ID. 4058300.4865695).
Devidamente intimada, a parte autora não apresentou manifestação (ID. 4058300.5117227).
Vieram os autos conclusos.
É o relatório. 
Passo a fundamentar e a decidir. 

2. Fundamentação

2.1. RESUMO DOS PEDIDOS
Busca a parte autora a verificação do direito ou não da revisão do seu contrato de mútuo firmado no âmbito do Sistema Financeiro de Habitação para afastar o alegado excesso de cobrança decorrente do Sistema de Amortização Constante - SAC, da venda casada do seguro habitacional e da possibilidade de utilizar seu FGTS para quitação de prestações em atraso.

2.2. DA APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR À PRESENTE RELAÇÃO CONTRATUAL
A aplicabilidade ou não do Código de Defesa do Consumidor - CDC aos contratos vinculados ao Sistema Financeiro da Habitação - SFH foi sistematizada pela Ministra Eliana Calmon, quando do julgamento do Recurso Especial nº 489.701/SP (STJ - Primeira Seção, julgado em 28/02/2007, DJ 16/04/2007, p. 158).
Conforme a aludida Ministra "..., nos contratos regidos pelo FCVS, cujo saldo devedor é suportado por fundo público gerido pela CEF, sua feição pública atrairá a incidência das normas contratadas, com visão eminentemente cogente, pela natureza social da avença, sendo exceção as regras de direito contratual privado. Ao contrário, nos contratos sem a cobertura do FCVS preponderam as regras de Direito Privado, dentre as quais as normas civilistas e do Código de Defesa do Consumidor".
Com efeito, a aplicação desse entendimento independe da data da assinatura do contrato - antes ou depois da vigência do CDC -, pois, segundo o entendimento do próprio STJ, o contrato de mútuo habitacional, por ser de relação continuada, isto é, de trato sucessivo, permite a aplicação da lei nova aos fatos ocorridos durante sua vigência. Veja-se:
"AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. SFH. CONTRATO DE MÚTUO HABITACIONAL. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. APLICAÇÃO. POSSIBILIDADE. TABELA PRICE. CAPITALIZAÇÃO. SÚMULAS 5 E 7/STJ. EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL. INTIMAÇÃO PESSOAL. DECISÃO AGRAVADA MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS.

1 - Com relação à aplicação do CDC in casu, sendo o contrato de mútuo habitacional uma relação continuada, isto é, de trato sucessivo, a lei nova deve ser aplicada aos fatos ocorridos durante sua vigência.

(...)"
(AgRg no REsp 804.842/SC, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, QUARTA TURMA, julgado em 09/06/2009, DJe 22/06/2009).
Esse Tribunal findou por cristalizar esse seu sentimento em Súmula:
"Súmula 297 STJ - O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.".
2.3 - DO CASO CONCRETO
No caso dos autos, por se tratar de contratação SEM a cobertura do Fundo de Compensação de Variações Salariais - FCVS, afigura-se cabível a incidência das normas protetivas do CDC.
Ademais, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADI nº 2.591/DF[1] concluiu que o Código de Proteção e Defesa do Consumidor aplica-se aos contratos firmados com as Instituições Financeiras.

2.3.1 -  DA CAPITALIZAÇÃO DE JUROS - ANATOCISMO
No que tange à incidência de capitalização de juros, também conhecido tecnicamente como anatocismo, "que consiste em somar os juros obtidos ao capital, para servir esse resultado de base de cálculo à nova contabilização de juros", há de se fazer algumas considerações.
Como regra geral, tem-se que a cobrança de juros compostos, em período inferior a um ano, continua vedada pelo ordenamento jurídico brasileiro, em face do disposto no art. 4º da Lei de Usura (Decreto nº 22.626/33), o qual, nesse ponto, não se encontra revogado.
Desse modo, a cobrança de juros compostos, em período inferior a um ano, somente é admissível quando lei, ou ato normativo com força de lei, admita esta prática expressamente, como acontece, por exemplo, na concessão de créditos rurais (art. 5º do Decreto-Lei nº 167/67), créditos industriais (art. 5º do Decreto-Lei 167/67) e comerciais (art. 5º da Lei nº 6.840/80).
Nesse sentido, cumpre observar o Chefe do Executivo Federal haver editado a Medida Provisória (MP) nº 1.963-17, de 30 de março de 2000 (DOU de 31.03.2000), que, em seu artigo 5º, assim dispõe:
"Art. 5o Nas operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, é admissível a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano.


Parágrafo único. (...)"
Note-se que o artigo acima citado se mantém vigente por força das reedições da MP 1.963, da MP 2.087-27 (e reedições) e, por derradeiro pela MP 2.170/2001, cuja última versão data de 23.08.2001, ou seja, anterior a EC n.º 32/2001 (DOU de 12.09.2001), porquanto seus efeitos perduram, até que outra a revogue ou até que o Congresso delibere definitivamente sobre sua matéria, conforme disciplina o art. 2º da aludida EC.
Como a aludida MP 1.963-17 entrou em vigor apenas em 31.03.2000, somente a partir dessa data poderia ser considerada lícita a capitalização mensal de juros nas operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional. Logo, aos contratos firmados em data anterior a 31.03.2000, não se aplica tal permissivo, sob pena de ofensa à regra da irretroatividade dos efeitos da lei nova ("tempus regit actum").
Mas, como os contratos do Sistema Financeiro da Habitação - SFH, nesse particular(reajuste), submetem-se a regras de ei própria, essa Medida Provisória e respectivas alterações a eles não se aplicavam..
A Lei 4.380, de 1964, na  qual estão as regras desse Sistema, foi alterada, nesse particular, no  final do Segundo Governo Lula, pela Lei nº 11.977, de 2009, acrescentando àquela Lei o artigo 15-A, para prever expressamente a possibilidade de capitalização de juros com periodicidade mensal nas operações realizadas pelas entidades integrantes do Sistema Financeiro da Habitação - SFH. Veja-se o dispositivo:
"Art. 15-A. É permitida a pactuação de capitalização de juros com periodicidade mensal nas operações realizadas pelas entidades integrantes do Sistema Financeiro da Habitação - SFH."[2].
Antes do advento dessa alteração legal, não cabia a capitalização de juros nos contratos desse Sistema e nesse sentido o Superior Tribunal de Justiça - STJ analisou a matéria em sede de recurso repetitivo (artigo 543-C do CPC), nos seguintes termos:
"RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS VEDADA EM QUALQUER PERIODICIDADE. TABELA PRICE. ANATOCISMO. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS 5 E 7. ART. 6º, ALÍNEA "E", DA LEI Nº 4.380/64. JUROS REMUNERATÓRIOS. AUSÊNCIA DE LIMITAÇÃO.


1. Para efeito do art. 543-C:


1.1. Nos contratos celebrados no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação, é vedada a capitalização de juros em qualquer periodicidade. Não cabe ao STJ, todavia, aferir se há capitalização de juros com a utilização da Tabela Price, por força das Súmulas 5 e 7.


(...)"

(REsp 1070297/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 09/09/2009, DJe 18/09/2009)..
Óbvio que essa nova  regra, advinda como a Lei nº 11.977, só pode ser aplicada para  contratos firmados após a entrada em vigor dessa alteração legal.
E essa orientação foi acolhida pela 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, em julgado no qual foi interpretado o acórdão que tratava do assunto, com efeito repetitivo, Recurso Especial nº 1.070.297, verbis:

"RECURSO ESPECIAL. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. SFH. CAPITALIZAÇÃO ANUAL DE JUROS. POSSIBILIDADE. ENCARGOS MENSAIS. IMPUTAÇÃO DO PAGAMENTO. ART. 354 CC 2002. ART. 993 CC 1916.


1. Interpretação do decidido pela 2ª Seção, no Recurso Especial Repetitivo 1.070.297, a propósito de capitalização de juros, no Sistema Financeiro da Habitação.


2. Segundo o acórdão no Recurso Repetitivo 1.070.297, para os contratos celebrados no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação até a entrada em vigor da Lei 11.977/2009 não havia regra especial a propósito da capitalização de juros, de modo que incidia a restrição da Lei de Usura (Decreto 22.626/33, art. 4º). Assim, para tais contratos, não é válida a capitalização de juros vencidos e não pagos em intervalo inferior a um ano, permitida a capitalização anual, regra geral que independe de pactuação expressa. Ressalva do ponto de vista da Relatora, no sentido da aplicabilidade, no SFH, do art. 5º da MP 2.170-36, permissivo da capitalização mensal, desde que expressamente pactuada.


3. No Sistema Financeiro da Habitação, os pagamentos mensais devem ser imputados primeiramente aos juros e depois ao principal, nos termos do disposto no art. 354 Código Civil em vigor (art. 993 Código de 1916). Entendimento consagrado no julgamento, pela Corte Especial, do Recurso Especial nº 1.194.402-RS (Relator Min. Teori Albino Zavascki), submetido ao rito do art. 543-C.


4. Se o pagamento mensal não for suficiente para a quitação sequer dos juros, a determinação de lançamento dos juros vencidos e não pagos em conta separada, sujeita apenas à correção monetária, com o fim exclusivo de evitar a prática de anatocismo, encontra apoio na jurisprudência atual do STJ. Precedentes.


5. Recurso especial provido."

(REsp 1095852/PR, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 14/03/2012, DJe 19/03/2012)".
Nesse mesmo sentido foi o julgado proferido pela 3ª Turma desse mesmo Tribunal, no AgRg no Ag 1014387/RS. Veja-se:
"AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO ESPECIAL. ADMISSIBILIDADE. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA Nº 282/STF. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO. SÚMULA N.º 284/STF. CONTRATO DE FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO. SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO (SFH). JUROS. CAPITALIZAÇÃO. SISTEMA FRANCÊS DE AMORTIZAÇÃO (TABELA PRICE). SÚMULAS NºS 5 E 7/STJ.


(...)


3. A capitalização dos juros é vedada até a edição da Lei nº 11.977/2009, que incluiu o art. 15-A, à Lei nº 4.380/64, e passou a admitir sua pactuação em periodicidade mensal. (...)


4. Entendimento consolidado em sede de julgamento de recurso submetido à sistemática do art. 543-C do CPC (REsp 1.070.297/PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, DJe 18.9.2009).


5. Agravo regimental não provido."


(AgRg no Ag 1014387/RS, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 11/10/2011, DJe 19/10/2011)
2.3.1.1 - PRINCÍPIO DO ATO JURÍDICO PERFEITO
No presente caso, como o contrato foi firmado em 20.06.2008 (ID. 4058300.1990690, pag. 15/15), ou seja,  antes da edição da Lei nº 11.977/2009, não há de se permitir a cobrança de juros sobre juros na referida contratação, mesmo em relação às parcelas vencidas após a entrada em vigor da aludida lei, sob pena de ofensa ao ato jurídico perfeito, ou seja,  sob pena de ferimento da regra do inciso XXXVI ("a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada") do art. 5º da Constituição da República.
Mas, como a planilha de evolução do financiamento juntada aos autos (ID. 4058300.4865660) demonstra a inexistência de amortização negativa, temos que não está havendo  capitalização de juros. 

2.3.2 - PRINCÍPIO DA BOA FÉ OBJETIVA
A parte autora alega que houve violação ao princípio da boa-fé objetiva, por parte da Instituição financeira, que deixou de informar, previamente, ao Consumidor sobre as consequências da contratação a prazo pelo sistema de amortização de juros compostos, e teceu comentários sobre a aplicação do Sistema de Amortização Constante - SAC.
Da leitura do contrato apresentado, bem como da contestação ofertada pela CAIXA, é possível constatar que o contrato de mútuo com garantia fiduciária firmado entre a Parte Autora e a CAIXA, consoante item C7, prevê o Sistema de Amortização Constante - SAC, possibilitando ao mutuário a ciência dos valores da primeira e da última prestação, as quais evoluem de forma a permitir a cobrança de prestações decrescentes, o que de fato é constatado na Planilha de Evolução de Financiamento do Contrato nº 815840000869[3].
Cabe registrar, ainda, que ao assinar o contrato de mútuo com garantia fiduciária, cujo valor financiado pela CAIXA era de R$ 57.500,00 (cinquenta e sete mil e quinhentos reais), a Parte Autora tinha plena ciência do valor da primeira prestação (item C10 - Encargo inicial), que adicionada ao valor de seguro e à taxa de administração, totalizava R$ 599,89, em 20.07.2008. E quando da apresentação de sua contestação, a CAIXA juntou aos autos a Planilha de Evolução do Financiamento, na qual é possível visualizar a última parcela paga em 20.11.2013, com atraso, no valor de R$ 551,46, e com o saldo devedor de R$ 49.228,37.
Ou seja, o valor das prestações e do saldo devedor vêm diminuindo ao longo do financiamento, em conformidade com a modalidade do sistema de amortização pactuado no contrato, qual seja, o Sistema de Amortização Constante.
Também não se vislumbra irregularidades contratuais (pedidos 11 ao 20) quanto à cobrança de taxa de administração, limitação da parcela mensal, tampouco a taxa de juros que aponta o custo efetivo total, porquanto a existência de taxa nominal (8,1600%) e taxa efetiva (8,4722%) decorre da própria sistemática da operação financeira envolvida, sendo relevante ressaltar que há previsão contratual nesse sentido e que foram aceitas pelo Mutuário, quando firmou o contrato, de forma que não podem ser consideradas abusivas.

2.3.3 -  DO DIREITO DE TROCAR DE SEGURADORA - "VENDA CASADA".
A Parte Autora pretende seja-lhe garantido o direito de contratar livremente com outra Seguradora, formulando sua pretensão com base na Medida Provisória nº 2.197-43/2001. Por sua vez, a CAIXA sustenta que pela referida norma não ter conferido aos Mutuários o direito de escolha, e sim aos agentes financeiros.
A tese defendida pela CAIXA consta, de fato, da redação originária da Medida Provisória nº 2.197-43/2001, que dispunha sobre a matéria da seguinte forma:
"Art. 2º - Os agentes financeiros do SFH poderão contratar financiamentos onde a cobertura securitária dar-se-á em apólice diferente do Seguro Habitacional do Sistema Financeiro da Habitação, desde que a operação preveja, obrigatoriamente, no mínimo, a cobertura relativa aos riscos de morte e invalidez permanente.".
Tal dispositivo, contudo, foi alterado pela Medida Provisória nº 459/2009, para permitir a escolha da Seguradora pelos Mutuários (§1º). Veja-se:
"Art. 2º - Os agentes financeiros do SFH somente poderão conceder financiamentos habitacionais com cobertura securitária que preveja, no mínimo, cobertura aos riscos de morte e invalidez permanente do mutuário.


§ 1º - Para o cumprimento do disposto no caput, os agentes financeiros, respeitada a livre escolha do mutuário, deverão:


(...)".
Por conta da alteração promovida pela Medida Provisória nº  459/2009, o Superior Tribunal de Justiça - STJ decidiu, em sede de recurso repetitivo (REsp 969129/MG), não haver obrigatoriedade de o Mutuário contratar o referido seguro diretamente com o agente financeiro:
"RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. TAXA REFERENCIAL (TR). LEGALIDADE. SEGURO HABITACIONAL. CONTRATAÇÃO OBRIGATÓRIA COM O AGENTE FINANCEIRO OU POR SEGURADORA POR ELE INDICADA. VENDA CASADA CONFIGURADA.


1. Para os efeitos do art. 543-C do CPC: 1.1. No âmbito do Sistema Financeiro da Habitação, a partir da Lei 8.177/91, é permitida a utilização da Taxa Referencial (TR) como índice de correção monetária do saldo devedor. Ainda que o contrato tenha sido firmado antes da Lei n.º 8.177/91, também é cabível a aplicação da TR, desde que haja previsão contratual de correção monetária pela taxa básica de remuneração dos depósitos em poupança, sem nenhum outro índice específico.


1.2. É necessária a contratação do seguro habitacional, no âmbito do SFH. Contudo, não há obrigatoriedade de que o mutuário contrate o referido seguro diretamente com o agente financeiro, ou por seguradora indicada por este, exigência esta que configura "venda casada", vedada pelo art. 39, inciso I, do CDC.


2. Recurso especial parcialmente conhecido e, na extensão, provido.".


(REsp 969129/MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 09/12/2009, DJe 15/12/2009)
Tal permissivo, hoje, consta no artigo 79 da Lei nº 11.977/2009, fruto da conversão da aludida Medida Provisória nº 459/2009.
Por tais razões, deve ser garantido ao Mutuário o direito de, querendo, trocar de seguradora, respeitadas as exigências previstas no artigo 79 da Lei nº 11.977/2009.
2.3.4 - DA POSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DO FGTS PARA QUITAÇÃO DO SALDO DEVEDOR
Finalmente, é possível ao Mutuário, ou seu Cônjuge, a utilização do saldo existente em seu Fundo de Garantia por Tempo de Serviço - FGTS para a quitação/amortização do saldo devedor de financiamento imobiliário contratado.
Nesse sentido:
"PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. CIVIL. FGTS. ART. 20, VII, DA LEI 8.036/90. ROL EXEMPLIFICATIVO. LIBERAÇÃO DO VALOR DA CONTA VINCULADA PARA QUITAÇÃO DE CONTRATO DE FINANCIAMENTO DE IMÓVEL DO CÔNJUGE QUE NÃO É CO-PROPRIETÁRIO. REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL DE BENS.


POSSIBILIDADE. DIREITO À MORADIA. BEM-ESTAR DA FAMÍLIA. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO. ART. 944 DO CÓDIGO CIVIL (2002). FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. INCIDÊNCIA, POR ANALOGIA, DAS SÚMULAS 282 E 356/STF.


1. Hipótese em que se questiona a violação: (a) ao artigo 20 da Lei 8.036/90, ao fundamento de que seu rol seria taxativo e a liberação do FGTS do cônjuge da mutuária para quitação do imóvel não estaria contido entre as hipóteses apresentadas em seus incisos, eis que o marido não seria co-adquirente e o matrimônio se deu pelo regime da comunhão parcial de bens; (b) ao artigo 944 do Código Civil de 2002, pois o dano moral não teria sido fixado de forma moderada.


2. Não se conhece do recurso especial no atinente à violação ao artigo 944 do Código Civil de 2002, uma vez que ausente o imprescindível prequestionamento. Incidem, por analogia, as Súmulas 282 e 356/STF.


3. Esta Corte Superior possui entendimento pacífico no sentido de que o rol do artigo 20 da Lei 8.036/90 não tem natureza jurídica taxativa. Precedentes: REsp 664.427/RN, Primeira Turma, Rel. Min.


Luiz Fux, DJ de 22.11.2004; REsp 659.434/RS, Primeira Turma, Rel.


Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 24.4.2006; REsp 796.879/PR, Segunda Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ de 30.8.2006; REsp 716.089/RS, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 23.5.2006.









4. Assim, é possível a utilização do saldo fundiário de um cônjuge para quitação de contrato de mútuo habitacional firmado através do Sistema Financeiro da Habitação (SFH) titularizado pelo outro, em que pese serem casados no regime da comunhão parcial de bens. Além do caráter social do artigo, observa-se que a ratio assendi dos incisos V, VI e VII reflete a preocupação em se assegurar ao fundista o exercício do seu direito de moradia (art. 6º, caput, da Constituição) e, por conseguinte, o bem-estar de sua entidade familiar.


5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta extensão, não provido"


(REsp 1096973/RJ, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 03/09/2009, DJe 16/09/2009)
2.4 - DA SUCUMBÊNCIA 
E, diante do quadro supra, tem-se que houve sucumbência parcial das duas Partes.
A parte autora no que diz respeito a exclusão da cobrança de seguros e tarifas, revisar o contrato com limitação da taxa de juros em 8,1600%, declarar abusiva a incidência de juros remuneratórios sobre as parcelas em atraso, declarar ilegal o contrato de seguro imobiliário e a cobrança de tarifas nas parcelas de financiamento.
A Parte do polo passivo, a CAIXA, quanto à possibilidade de escolha da Seguradora e utilização do saldo existente na conta vinculada do FGTS para quitação/amortização do saldo devedor de financiamento imobiliário.
Logo,  aproximadamente,  foi a Parte Autora vencida em 5/7(cinco sétimo) dos pleitos e a Parte Requerida em 2/7 (dois sétimos).
Então, considerando as regras dos §§ 2º e 14 do art. 85 do Código de Processo Civil, cada Parte há de pagar ao Patrono da outra verba honorária sobre o valor da respectiva sucumbência.
Como se trata de matéria  já por demais  debatida, tenho que os Patronos das Partes não necessitaram desenvolver muito esforço para elaboração das suas peças e acompanhamento do andamento do feito, pelo que a verba honorária  há de ser  fixada no percentual mínimo legal de 10%(dez por cento) do valor causa, conforme regra do § 2º do art. 85 do vigente Código de Processo Civil.
Então, a Parte Autora  pagará verba honorária de 10%(dez por cento) sobre 5/7(cinco sétimo) do valor da causa e a Parte Requerida pagará essa verba no  percentual de 10%(dez por cento) sobre 2/7(dois sétimo) do mesmo valor.
O valor da causa será atualizado a partir do mês seguinte ao da propositura desta ação, pelos índices e forma fixados no manual de cálculos do Conselho da Justiça Federal - CJF, submetendo, vigentes na data da execução.
Custas, na mesma proporção
Mas, como a Parte Autora está em gozo do benefício da Justiça Gratuita, essa sua obrigação, inclusive  quanto às custas,  fica submetida à condição suspensiva do §3º do art. 98 do CPC, pelo prazo de cinco anos, ali fixado, após o  que,  caso a condição não se implemente, será automaticamente  extinta.

3. Dispositivo

Posto isso:
3.1) julgo parcialmente procedentes os pedidos e extingo o feito com resolução do mérito(art. 487, I do Código de Processo Civil), e determino que a CAIXA permita ao Mutuário, ora Autor,  utilizar o saldo de sua conta do FGTS e/ou, se casado ou em  união estável, também da conta FGTS da sua Esposa, para quitar/amortizar o saldo devedor de seu financiamento imobiliário, bem como permita ao Mutuário, ora Autor,  o direito de, querendo, trocar de Seguradora, devendo o  novo seguro ter as coberturas legais acima destacadas;
3.3) condeno as Partes, nas verbas de sucumbência,  na forma indicada no subtópico 2.2 da fundamentação supra.
Sentença não sujeita ao reexame necessário (art. 496, §3º, I do CPC).
Registrada, intimem-se.
Recife, 06.11.2018

Francisco Alves dos Santos Jr.
  Juiz Federal, 2a Vara-PE.



mef




[2] Com essa Lei do Governo Lula, quantos bilhões anuais são carreados para os cofres do o Bancos Privados?

[3] Contrato de financiamento com a CAIXA NUM: 4058300.1990690.

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