quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

MAIS UM DRAMA HUMANO NA SUCATEADA SAÚDE PÚBLICA BRASILEIRA: NEGAM A UM CIDADÃO, COM UMA BALA NO TÓRAX E OUTRA NA CABEÇA, UMA VAGA NA UTI. .

PROCESSO Nº: 0801033-15.2018.4.05.8300 - PROCEDIMENTO COMUM
AUTOR: F. A. S. N.
REPRESENTANTE: DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO
REPRESENTANTE(PAIS): MARIA JOSE ALVES
RÉUS: UNIÃO FEDERAL - UNIÃO.E ESTADO DE PERNAMBUCO
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL)

D E C I S Ã O
1. Breve Relatório
FRANCISCO ARAÚJO SILVA NETO e  MARIA JOSÉ ALVES, por intermédio da DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO propuseram esta AÇÃO ORDINÁRIA PARA TRANSFERÊNCIA DE PACIENTE PARA UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA, COM PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA contra a UNIÃO FEDERAL e o ESTADO DE PERNAMBUCO. Requereram, preliminarmente, os benefícios da Justiça Gratuita  bem como observância às prerrogativas da Defensoria Pública da União . Aduziram, em síntese, que:  o  autor, menor, estaria no Hospital da Restauração há mais de 20 dias, em estado gravíssimo, com uma bala alojada no cérebro; teria sido encaminhado, no dia 06/01/2018, ao referido Hospital, após ser vítima de uma tentativa de homicídio; apesar de já transcorridos mais de vinte dias, a bala permaneceria alojada na cabeça, criando, inclusive, sequelas no olho direito do adolescente; teria adquirido infecção bacteriana em um dos pulmões enquanto encontrava-se hospitalizado; o laudo médico, datado de 24/01/2018, informaria que o paciente segue grave e em uso de antibióticos, em ventilação mecânica e necessita de cuidados intensivos; segundo relato da genitora, a tentativa de homicídio teria sido motivada por questões pessoais; a vítima teria sido alvo de uma tentativa de vingança orquestrada por sua ex-companheira em conluio com mais dois outros suspeitos; já teria havido a prisão  de um dos executores, estando o outro, junto com a ex-companheira, foragidos; em estado gravíssimo, e sem a devida atenção médica, a vítima menor demandaria um intenso e árduo trabalho da equipe médica, a fim de livrar-se de um projétil, em área tão sensível como a região encefálica, cuja desatenção pode acarretar sequelas para o resto da vida; apesar do seu estado ser grave e urgente, não teria sido disponibilizado, sequer, transferência para uma UTI, apesar de já solicitado; haveria chances de viver deficitariamente, com visão mononuclear, ou, pior, vir a óbito.; conforme parecer médico do perito da DPU, Dr. Ronaldo Doering Mota (CRM-PE 23.008 e SIAPE 1.706.281), o enfermo necessitaria  URGENTEMENTE de suporte intensivo em UTI, pois necessitaria  de monitoração intensiva e pode potencialmente necessitar de intervenção imediata; ainda segundo o parecer do perito médico deste órgão defensório, a situação do demandante "trata-se de uma prioridade tipo 1, em uma escala de 1 (maior necessidade) à 4 (menor necessidade), e quadros como o do Assistido são os que mais se beneficiam de estar na UTI, pois se corretamente tratados, o quadro agudo tende a reversão em poucos dias; não teria sido disponibilizado um leito de UTI, seja no próprio Hospital da Restauração, seja em outro hospital da rede pública, ou até mesmo da rede privada, apesar de ter havido solicitação à Central de Leitos (número da senha 344920). Teceram outros comentários, notadamente acerca do direito constitucional à saúde e dignidade humana. Informaram ainda, para fins de cumprimento da tutela de urgência, seriam os seguintes hospitais privados que disporiam de UTI GERAL no Recife(Hospital Esperança, Real Hospital Português, Hospital Memorial São José, Hospital Jayme da Fonte, Hospital Santa Joana). Requereram, ao final, a concessão de tutela de urgência, de forma que se determine ao Estado de Pernambuco que transfira o autor para a UTI do Hospital da Restauração, tendo em vista seu estado gravíssimo, risco de morte, dificuldade de locomoção ou de outro hospital, público ou privado;  e por se tratar de prioridade tipo 1, conforme comprovado nos autos;  Ainda liminarmente, mas subsidiariamente, que fosse concedida a tutela de urgência, de forma que se determinasse ao Estado de Pernambuco que transfira o autor preferencialmente para algum hospital da rede privada, no prazo máximo de 12 (doze horas), custeando os valores da internação, com o consequente repasse financeiro pela União, uma vez que não há vagas na rede pública (se ainda está aguardando uma vaga pelo SUS é porque não há vagas disponíveis). Para tanto, a fim de não apresentar riscos à vida do demandante, a transferência dever se dar em uma UTI móvel e com acompanhamento de neurologista, oftalmologista e ortopedista (segundo informado pelo médico assistente à genitora do autor); ainda liminarmente, mas subsidiariamente, requereu-se que se determine ao Estado de Pernambuco que transfira o autor para uma UTI de algum hospital da rede pública ou particular, no prazo máximo de 12 (doze) horas, com o consequente repasse financeiro pela União. Para tanto, a fim de não apresentar riscos à vida do demandante, a transferência dever se dar em uma UTI móvel e com acompanhamento de neurologista, oftalmologista e ortopedista (segundo informado pelo médico assistente à genitora do autor). Finalmente, registraram que, para cumprimento da liminar, que haja intimação por mandado aos réus, com a máxima urgência, e haja notificação da Central de Leitos do Estado de Pernambuco[12] e da Secretaria de Saúde de Pernambuco[13], bem como realizada inspeção in loco pelo Oficial de Justiça nos principais hospitais privados da região metropolitana do Recife que possuem UTI Geral (Hospital Esperança, Real Hospital Português, Hospital Memorial São José, Hospital Jayme da Fonte, Hospital Santa Joana), até que seja certificada a existência de vagas em algum deles, evitando-se a alegação de ausência de vagas pelos réus como forma de se absterem de custear a internação na rede privada. Protestaram o de estilo. Inicial instruída com procuração e documentos.
É o relatório, no essencial.
Passo a decidir.
2. Fundamentação
1 - Indica a Defensoria Pública, na petição inicial, a opção de que este magistrado obrigue o Estado de Pernambuco ou a UNIÃO a providenciar, sob as expensas do SUS, a internação de FRANCISCO ARAÚJO SILVA NETO, ora Autor, que ainda é adolescente, em UTI de Hospital Privado, caso não exista vaga em UTI do Hospital da Restauração ou em outro Hospital Público.
A concessão da tutela de urgência se dá quando "houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo" (art. 300 do CPC).
Neste caso caímos em um problema crucial: pode o juiz obrigar a Direção Médica de um Hospital Público, às expensas do SUS,  fazer despesas que não estão previstas no seu orçamento, ou seja, que não tem base legal?
A rigor não, pois nenhum Servidor Público pode efetuar gastos à margem da Lei.
No entanto, diante da situação desesperadora do Autor,  e de sua família, por uma questão humanitária e não jurídico-legal, resta-me determinar que o Estado de Pernambuco e a UNIÃO, pelos respectivos Órgãos de saúde pública, no caso a Direção Médica do Hospital da Restauração, tomem imediatas providências para colocar o paciente, ora Autor, numa UTI do Hospital da Restauração ou de outro Hospital Público  e, caso não existam vagas, que seja transferido para a UTI de um Hospital Privado (Hospital Esperança, Real Hospital Português, Hospital Memorial São José, Hospital Jayme da Fonte, Hospital Santa Joana), que dispõem de UTI geral,  conforme mencionado na petição inicial, às expensas do Estado de Pernambuco, que deverá utilizar recursos do SUS, das verbas que já lhe foram repassadas pela UNIÃO e, caso o montante de tais verbas não comporte essa despesa, que se ressarça das verbas SUS que ainda lhe serão repassadas, com urgência urgentíssima.
A probabilidade do direito diante da previsão constitucional do direito à saúde (art. 196 da Constituição da República), bem como do direito à cidadania e à dignidade humana como fundamentos da República(respectivamente, incisos II e III do art. 1º da mencionada Carta Magna), encontra-se concretizada, no particular,  pelo Sistema Único de Saúde regido pela Lei 8.080/90.
Afinal, o estado de saúde do paciente é grave, conforme parecer médico acostado pela DPU  (iD. 4058300.4649004), bem como Ficha de Esclarecimento Médico do próprio Hospital da Restauração(ID 4058300.4643900), o qual se encontra ferido à bala, no tórax e na cabeça, entubado e sob efeito de antibióticos. 
3. Conclusão
Posto isso:
3.1 - concedo ao Autor FRANCISCO ARAÚJO SILVA NETO o benefício da imunidade prevista no inciso LXXIV do art. 5º da Constituição da República, vale dizer, de gozo da Justiça Gratuita. 
3.2 - DEFIRO o pedido de concessão liminar de tutela provisória de urgência de antecipação e determino que o Estado de Pernambuco e a UNIÃO, solidariamente, por intermédio da Direção Médica do Hospital da Restauração, disponibilizem, no prazo de 24 horas, leito em UTI , na rede hospitalar pública ou privada, indicadas acima e na  petição Inicial, optando-se pela rede hospitalar privada apenas se persistir a falta desse tipo de leito no Hospital da Restauração ou em outro Hospital Público, incluindo todos os tratamentos e exames que se fizerem necessários, sob pena de incidência de multa diária no valor de R$ 1.000,00, a ser paga solidariamente pelo Estado de Pernambuco e pela UNIÃO, sem prejuízo da responsabilização pessoal do respectivo Servidor e/ou Dirigente, responsável direto pelo cumprimento desta decisão, no campo administrativo, civil e criminal. . 
3.3 Se houver necessidade de transferência do autor, deve ser adotada toda a cautela necessária para evitar seu desgaste e agravamento de seu estado clínico.
3.4. Citem-se os Requeridos, na forma e para os fins legais, e os intimem, com a urgência que o caso requer, servindo a presente decisão como mandado, para o seu efetivo cumprimento no prazo assinalado, sob a pena já especificada.
3.5. Notifique-se a Central de Leitos do Estado de Pernambuco e da Secretaria de Saúde de Pernambuco.
3.6. Intime-se também o Diretor do Hospital onde o Autor encontra-se internado,  para as providências supra.
3.7.. Também Intimem-se a Parte Autora desta decisão.
Recife, 25 de janeiro de 2018.
Francisco Alves dos Santos Júnior
  Juiz Federal, 2a Vara-PE.


(lsc)

Nenhum comentário:

Postar um comentário