Por Francisco Alves dos Santos Júnior.
Um delicado assunto é debatido na sentença abaixo: pode alguém ser proibido de entrar no serviço público, em Organização Militar, por s encontrar com sobrepreso? A Legislação e o Edital que estabelecem a limitação harmoniza-se com o direito positivo e com a dogmática jurídica.
Boa leitura.
Obs.: sentença pesquisada e minutada pelo Assessor
SAULO DE MELO BARBOSA SOUSA |
PROCESSO Nº: 0804178-84.2015.4.05.8300 - PROCEDIMENTO COMUM
AUTOR: B C DA R C
ADVOGADO: J F J
RÉU: UNIÃO FEDERAL - UNIÃO.
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)
ADVOGADO: J F J
RÉU: UNIÃO FEDERAL - UNIÃO.
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)
SENTENÇA
Sentença Tipo A. Registrada Eletronicamente.
EMENTA:- ADMINISTRATIVO. CONCURSO SELETIVO PARA PROFISSIONAIS DE ARQUITETURA DA MARINHA. LIMITAÇÃO DE PESO. RAZOABILIDADE. SERVIDOR MILITAR.- Não é gratuita, nem fortuita, tampouco discriminatória, mas sim proporcional e razoável regra que veda o ingresso de pessoas com sobrepeso em Unidade das Forças Armadas do Brasil.- Improcedência dos pedidos.
Vistos, etc.
1. Relatório
B C DA R C,
qualificada na Inicial, ajuizou, no dia 26/06/2015, a presente "Ação de
Conhecimento com Pedido de Antecipação de Tutela", em face da UNIÃO.
Requereu, preliminarmente, os benefícios da Justiça Gratuita. Aduziu,
em síntese, que: fora aprovada e classificada dentro das vagas ofertadas
pelos promotores do certame para a especialidade de Desenho de
Arquitetura nos exatos termos do Edital de Concurso Público de Admissão
ao Curso de Formação para Ingresso no Corpo Auxiliar de Praças da
Marinha - (CP-CAP) em 2014; fora aprovada dentro do número de vagas para
fins de participação do período de adaptação, nos termos do item 15 do
Edital; o nome da Autora não teria constado no rol de aptos à matrícula
no Curso de Formação; a questão posta seria relacionada à discriminação
verificada pelo Laudo Médico da 2ª Junta Regular de Saúde-JRS/HNRe,
concluindo que pela inaptidão ao considerar como incapacitante em sede
da Inspeção de Saúde nas 'outras condições' referenciadas no anexo;
teria apresentado recurso administrativo na forma da previsão editalícia
sobre a inaptidão em sede da fase da 'DA INSPEÇÃO DE SAÚDE (IS)', sob o
argumento de ser portadora de uma condição incapacitante para o
exercício do cargo público a que concorreu; posteriormente, teria
protocolado, perante o Ilmo. Sr. Comandante - Geral da Escola de
Aprendizes de Marinheiros do Estado de Pernambuco - EAMPE, solicitando a
revisão administrativa da sua eliminação na fase da Inspeção de Saúde
(IS), fazendo anexar a prova documental; teria sido submetida a uma
Junta Regular de Saúde-JRS/HNRe em data de 06.04.2015, posteriormente,
já convocada nos dias 11 e 13 de maio do corrente ano para submeter-se
ao Teste de Aptidão Física (TAF), tendo sido considerada APTA; a Autora
fora tida como extraoficialmente inapta na fase anterior da Inspeção de
Saúde (IS); estaria enquadrada no Anexo IV, condições incapacitantes;
seria necessária uma perícia médica oficial nos termos dos artigos 145,
420 e seguintes do Código de Processo Civil de 1973. Teceu outros
comentários, notadamente acerca da pretensa inobservância quanto aos
preceitos constitucionais. Pugnou, ao final, pela concessão de tutela
antecipada, no sentido de tomar providência imediata a fim de determinar
o direito à convocação para o Período de Adaptação em 07.07.2015, e,
ato contínuo, uma vez aprovada, submeter-se a avaliação psicológica,
finalizando com o direito à matrícula no Curso de Formação para Ingresso
no Curso Auxiliar de Praças da Marinha. Protestou o de estilo. Inicial
instruída com procuração e documentos.
Em
29/06/2015, decisão concedendo à Autora os benefícios da justiça
gratuita e determinando, sob as penas do art. 284 do CPC/73, sua
intimação para que apresentasse documento relativo à sua aptidão no
Teste Físico (Id. 4058300.1170367), o que foi cumprido em 13/07/2015
(Id. 4058300.1201540).
Em 31/07/2015, foi exarada decisão indeferindo o pleito liminar e determinando a citação da União (Id. 4058300.1241020).
Contra a decisão supra foi interposto agravo de instrumento, ao qual foi negado seguimento (Id. 4050000.3058759).
A União apresentou Contestação. Aduziu, preliminarmente:
1) impossibilidade jurídica do pedido, eis que os argumentos expostos
na Inicial seriam inaceitáveis e 2) necessidade de citação dos
litisconsortes passivos necessários. No mérito, defendeu a
necessidade de aprovação na inspeção de saúde; que o estabelecimento de
requisitos específicos em função da carreira militar estaria pautada na
hierarquia e disciplina, princípios estes que estariam consagrados pela
Constituição da República; que para ser oficial das Forças Armadas, deve
o candidato ter maior rigor físico e melhor condição de saúde em
relação àqueles que almejam cargos públicos civis; que o concurso em
tela teve por objetivo o preenchimento de vagas destinadas à formação de
militares, não sendo este um concurso público em que os aprovados se
limitarão a exercer sua função técnica; que o atendimento ao pleito da
autora implicaria inobservância ao princípio da isonomia. Teceu outros
comentários. Transcreveu julgados. Pugnou, ao final, pela decretação de
improcedência dos pedidos. (Id. 4058300.1358553).
Certificado o decurso de prazo sem apresentação da Réplica (Id. 4058300.1578702).
Réplica apresentada, rebatendo os argumentos da defesa e reiterando os termos da Inicial (Id. 4058300.1584895).
As partes foram intimadas para dizer se teriam provas a produzir (Id. 4058300.1935895).
A
União se manifestou no sentido de não ter provas a produzir (Id.
4058300.2000969) e a Autora pugnou pela designação de perícia médica
(Id. 4058300.2029564).
Saneador
proferido sob identificador nº 4058300.3204754, no qual foram
rejeitadas as preliminares arguidas pela União e foi indeferida a
produção de prova pericial, não tendo as partes contra ela se insurgido.
É o relatório, no essencial.
Passo a decidir.
2. Fundamentação
O
ponto fulcral da demanda cinge-se em saber se a parte Autora é
detentora, ou não, do direito de obter provimento judicial para anular o
ato impugnado, que a considerou inapta para exercer a função pleiteada,
sob a alegação de que estaria com sobrepeso e se essa exigência fere os
princípios da legalidade, da isonomia e da
proporcionalidade(razoabilidade).
No que diz respeito ao princípio da legalidade,
a Constituição da República, nos artigos 142 e seguintes, ao tratar das
Forças Armadas, reserva à Lei o disciplinamento das exigências para
ingresso, conforme se segue:
Art. 142. ...§3º Os membros das Forças Armadas são denominados militares, aplicando-se-lhes, além das que vierem a ser fixadas em lei, as seguintes disposições:(...)X - a lei disporá sobre o ingresso nas Forças Armadas, os limites de idade, a estabilidade e outras condições de transferência do militar para a inatividade, os direitos, os deveres, a remuneração, as prerrogativas e outras situações especiais dos militares, consideradas as peculiaridades de suas atividades, inclusive aquelas cumpridas por força de compromissos internacionais e de guerra. (grifos acrescidos).
O
inciso II do art. 5º da Constituição da República estabelece que
ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em
virtude de Lei.
O
art. 37, inciso I, da mesma Carta traz regra no sentido de que os
cargos públicos são acessíveis aos brasileiros que preencham os
requisitos estabelecidos em lei.
O
ingresso de qualquer pessoa na Marinha e sua habilitação à matricula
nos respectivos cursos ou estágios destinados à formação ou adaptação de
oficiais e de praças, da ativa e da reserva, tem as regras
estabelecidas na Lei nº 11.279, cujo artigo 11-A traz os requisitos para
ingresso na marinha e, dentre eles, o relativa à inspeção de saúde, nos
seguintes termos:
IV - ser aprovado em inspeção de saúde, realizada por Agentes Médico-Periciais da Marinha, segundo critérios e padrões definidos pelo Comando da Marinha.
No
Edital do processo seletivo, que é a lei do certame, encontram-se
descritas as seguintes disposições referentes à inspeção de saúde:
10 - DA INSPEÇÃO DE SAÚDE (IS) (eliminatória).10.1 - A IS é a perícia médica que visa verificar se o candidato preenche os critérios e padrões de saúde exigidos para a carreira na MB e será realizada por Agentes Médico-Periciais da Marinha.10.2 - A IS será realizada nas áreas das Organizações Responsáveis pela Supervisão Regional (ORSR), que correspondem aos Comandos dos Distritos Navais, de acordo com exames e procedimentos médico-periciais específicos, observando-se as condições incapacitantes e os índices mínimos exigidos descritos no Anexo IV, no período previsto no Calendário de Eventos do Anexo II, conforme programação elaborada e anunciada pelas ORDI (dia, horário e local).10.2.1 - Independente da data que o candidato esteja marcado, o mesmo deverá ficar à disposição da Junta Regular de Saúde (JRS) e da Junta Superior Distrital (JSD), durante todo o período previsto para a realização da IS.10.3 - O candidato deverá comparecer ao local previsto para IS em jejum de doze horas, portando o comprovante de inscrição e documento oficial de identidade com fotografia e dentro da validade por meio do qual possa ser reconhecido.10.4 - (...)10.5 - Os candidatos julgados incapazes na IS, realizada pela JRS para ingresso, poderão requerer IS em grau de recurso em até 5 (cinco) dias a contar da data da comunicação do laudo pela JRS, e serão encaminhados à JSD da respectiva área, para serem submetidos à nova IS, em grau de recurso. Os candidatos que não comparecerem na data e hora marcadas para realização de IS em grau de recurso serão considerados desistentes, e sua IS arquivada por falta de comparecimento.(...)ANEXO IVINSPEÇÃO DE SAÚDE (IS)I - CONDIÇÕES INCAPACITANTES:(...)t) Outras condiçõesDoenças ou condições eventualmente não listadas nas alíneas anteriores, detectadas no momento da avaliação médico-pericial, poderão ser causa de Inaptidão, se, a critério da Junta de Saúde forem potencialmente impeditivas ao desempenho pleno das atividades militares.Doenças, condições ou alterações de exames complementares que demandem investigação clínica que ultrapasse o prazo máximo estipulado para inspeção de saúde prevista previsto no Edital do concurso/seleção constituirão causa de Inaptidão.II - ÍNDICES:a) Altura:A altura mínima é de 1,54m e a altura máxima é de 2,00m para ambos os sexos.b) Peso:Limites de peso: Índice de Massa Corporal (IMC) compreendido entre 18 e 30. Tais limites, que não são rígidos, serão correlacionados pelos Agentes Médico Periciais (AMP) com outros dados do exame clínico (massa muscular, conformação óssea, proporcionalidade, biotipo, tecido adiposo localizado, etc.).
Resta
incontroverso, nos autos, que a Autora, quando do exame de saúde, não
observou os requisitos antropométricos definidos em instrução do Comando
da Marinha e nas regras do edital, porque indiscutivelmente estava com
sobrepeso.
Então,
no que diz respeito ao princípio da legalidade, a Autora não tem razão,
porque realmente não observa exigência que foi fixada com base em
dispositivo legal.
Ressalte-se
que a Autora não trouxe aos autos qualquer documentação na qual se
especifique, precisamente, seu Índice de Massa Corpórea e que, da
leitura do recurso administrativo interposto pela Autora, verifica-se,
apenas, seu intento em adequar-se aos limites impostos no Edital até o
dia da concentração para o período de adaptação.
Resta,
então, analisar se tais regras, a legal e a administrativa, feririam os
princípios da isonomia e da proporcionalidade(razoabilidade), como
alegado na petição inicial.
A respeito do princípio da isonomia, ensina o jurista da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Dr. Celso Antônio Bandeira de Mello:
"Então, no que atina ao ponto central da matéria abordada procede afirmar: é agredida a igualdade quando o fator diferencial adotado para qualificar os atingidos pela regra não guarda relação de pertinência lógica com a inclusão ou exclusão no benefício deferido ou com a inserção ou arredamento do gravame imposto.""Em outras palavras: a discriminação não pode ser gratuita ou fortuita. Impende que exista uma adequação racional entre o tratamento diferenciado construído e a razão diferencial que lhe serviu de supedâneo. Segue-se que, se o fator diferencial não guardar conexão lógica com a disparidade de tratamentos jurídicos dispensados, a distinção estabelecida afronta o princípio da isonomia.".
Queira ou não, ainda que exercendo atividade na área de Arquitetura, a Autora, caso ingressasse na Marinha, seria uma Militar.
Tenho
que não é gratuita ou fortuita a exigência em questão, porque feita por
uma das Unidades das Forças Armadas do Brasil, com base em Lei, e não
deixa de ser razoável que uma Unidade Militar exija que os seus futuros
membros não ostentem sobrepeso, principalmente quando esse sobrepeso
está muito acima do normal, como no caso da Autora, conforme a prova dos
autos.
Ademais,
impende ressaltar que caso essa regra não fosse observada apenas em
relação à Autora aí sim haveria quebra do princípio constitucional da
isonomia.
Por fim, quanto ao princípio da proporcionalidade,
que consiste em observar-se aquilo que é razoável, ante o fundamentado
no subtópico anterior, creio que também não tenha sido contrariado,
pois, embora aparentemente antipática, a referida exigência é
proporcional ao meio militar, tendo para com este estreita relação
temática.
3. Conclusão
POSTO ISSO, ratifico a decisão que indeferiu o pleito antecipatório e julgo improcedentes os pedidos, e dou o processo por extinto, com resolução do mérito(art. 487, I, do CPC).
Como
consequência, condeno a Autora ao pagamento de custas e dos honorários
advocatícios, os quais fixo em 10% do valor atualizado da causa, nos
termos do art. 85, §2º, do CPC, suspensa, todavia, a exigibilidade de
tais verbas em face da gratuidade de justiça deferida(§ 3º do art. 98 do
CPC).
Caso
o agravo de instrumento, noticiado nos autos, ainda não tenha sido
julgado no TRF5R, remeta-se para os seus autos, aos cuidados do
respectivo Desembargador Federal Relator, cópia desta sentença, para os fins legais.
Com urgência.
Registre-se. Intimem-se.
Recife, 26 de julho de 2017
Francisco Alves dos Santos Júnior
Juiz Federal, 2ª Vara/PE
smbs
Nenhum comentário:
Postar um comentário