sábado, 20 de junho de 2015

MUNICÍPIO NÃO PODE SER RESPONSABILIZADO PELAS DÍVIDAS TRIBUTÁRIAS DA RESPECTIVA CÂMARA MUNICIPAL. O MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL E O TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO SÃO OBRIGADOS A TOMAR PROVIDÊNCIAS ADMINISTRATIVO-JUDICIAIS NO CAMPO DA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA E CRIMINAL CONTRA OS DIRIGENTES DAS CÂMARAS QUE NÃO CUMPREM AS OBRIGAÇÕES TRIBUTÁRIAS DESTAS.

Por Francisco Alves dos Santos Júnior


O Município não pode ser responsabilizado por obrigações tributárias da respectiva Câmara Municipal, porque esta tem autonomia político-administrativa e CNPJ próprio.
A decisão que segue, pesquisada e minutada pela Assessora Luciana Simões Correa de Albuquerque, trata desse assunto.
Boa leitura.
 
 
 
PROCESSO Nº: 0803997-83.2015.4.05.8300 - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO
AUTOR: MUNICIPIO DE BOM CONSELHO
ADVOGADO: PAULO GABRIEL DOMINGUES DE REZENDE (e outros)
RÉ: UNIÃO FEDERAL - UNIÃO.
2ª VARA FEDERAL - JUIZ FEDERAL TITULAR

 

1. Breve Relatório

O MUNICÍPIO DE BOM CONSELHO/PE ajuizou a presente Ação Ordinária com pedido de antecipação de tutela em face da União Federal (Fazenda Nacional). Aduziu, em síntese, que: o Autor, ente político municipal, teria como órgão, em suma, a Prefeitura (poder Executivo) e a Câmara Municipal (Poder Legislativo); tais órgãos, por força constitucional, gozariam de autonomia administrativa e, em razão dessa autonomia, o órgão Câmara Municipal seria responsável pelo adimplemento de suas obrigações tributárias, sejam elas principais ou acessórias; a Secretaria da Receita Federal do Brasil estaria lançando débitos decorrentes do descumprimento do mister que lhe caberia sob o CNPJ desta; o mesmo estaria ocorrendo com o órgão do Poder Executivo (Prefeitura); assim, ainda através do Ente (Município), as obrigações deveriam, por força constitucional, ser direcionadas aos respectivos órgãos (orçamentos) dos Poderes Executivo e Legislativo, não podendo um Poder responder pelos atos e obrigações do outro; a Ré, por intermédio de sua Secretaria da Receita Federal, estaria penalizando o órgão do Poder Executivo e legislativo, não podendo um poder responder pelos atos do outro; seria necessário destacar que o que se buscaria na presente ação seria a dissociação das responsabilidades do órgão do executivo daqueles do poder legislativo. Teceu outros comentários. Transcreveu julgados. Pugnou, ao final, pela concessão de tutela antecipada, no sentido de que fosse declarada a irresponsabilidade do Executivo Municipal (Prefeitura), por débitos do Legislativo Municipal (Câmara), afastando restrições à emissão de Certidão Negativa (art. 205 do CTN) ou certidão positiva com efeitos negativos (art. 206 do CTN) para o Município-Autor, por óbices decorrentes das obrigações fiscais da Câmara Municipal. Requereu, ainda, liminarmente, fosse determinado que a Ré se abstivesse na eventual cobrança administrativa ou judicial de débitos decorrentes de obrigações tributárias principais (tributos) ou acessórias (multas) por parte da Câmara, de direcionar tal cobrança sobre valores constitucionalmente devidos ao órgão do Poder Executivo, direcionando-o, tão somente, ao orçamento daquele órgão do Poder Legislativo. Requereu, ainda, fosse determinado que a Ré praticasse todos os atos necessários à efetivação da ordem judicial, sendo expressamente vedada a adoção de qualquer medida retaliativa, tais como inscrever o Autor no CADIN relativamente aos débitos objeto da Câmara Municipal.

Inicial instruída com procuração e documentos.

É o relatório, no essencial.  Passo a decidir.

2. Fundamentação

Na espécie, o interesse do Autor reside, dentre outros aspectos, em obter a certeza jurídica de que não lhe será negado certidão negativa em razão de eventual existência de débitos tributários ou irregularidades fiscais da respectiva Câmara de Vereadores. 

Cabe verificar a responsabilidade pelas obrigações tributárias, apurando se a responsabilidade deve recair sobre a Câmara Municipal ou sobre o Município.

Ressalte-se que a Constituição Federal consagra a autonomia e a independência administrativo-financeira entre os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário.

Sabe-se, ainda, que o Poder Legislativo Municipal, órgão do Município, por gozar de autonomia financeira, assegurada no artigo 29-A da Constituição Federal, possui receita própria, sujeita ao rígido controle orçamentário, cujo limite, caso ultrapassado, caracteriza, por expressa disposição constitucional, e na conformidade da Lei de Responsabilidade Fiscal-LC nº 101, de 2000, a prática de crime de responsabilidade.

Tenho que a responsabilidade fiscal é, no caso, única e exclusiva do Dirigente do mencionado Poder Legislativo Municipal, diante da autonomia administrativa e financeira conferida à Câmara Municipal, que possui, inclusive, CNPJ distinto do Município.

 É relevante a menção à autonomia, tendo em vista que o Poder Executivo não poderia compelir o Legislativo a recolher o valor devido, não podendo sofrer prejuízos em razão de conduta a que não deu causa. Sendo assim, cabe à União adotar os procedimentos de cobrança em face da Câmara Municipal.

O Município até pode, sob ordem judicial de eventual ação proposta contra a Câmara Municipal, reter verbas desta e repassá-las diretamente para eventuais credores desta, mas não pode tomar essa providência por conta própria, ou seja, sem ordem judicial.

Acerca do tema, confiram-se os julgados abaixo transcritos:

CONSTITUCIONAL, TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. DÍVIDA PREVIDENCIÁRIA DA CÂMARA DOS VEREADORES. IMPUTAÇÃO AO MUNICÍPIO. IMPOSSIBILIDADE. INDEPENDÊNCIA E HARMONIA ENTRE OS PODERES. AUTONOMIA FINANCEIRA E ADMINISTRATIVA. EMISSÃO DE CERTIDÃO DE NEGATIVA DE DÉBITO. POSSIBILIDADE. HONORÁRIOS. VALOR IRRISÓRIO. MAJORAÇÃO. PRECEDENTES DO STJ E DESTA CORTE.

1. A sentença julgou procedente pedido para fornecimento de CND ou CPD-EN, quando eventual negativa se fundar unicamente na existência de débitos tributários ou irregularidades fiscais da Câmara de Vereadores do Município autor.

2. A Carta Magna prevê a independência e harmonia entre os Poderes, garantindo-lhes autonomia financeira e administrativa.

3. "A Constituição Federal/1988 consagrou a independência e a autonomia administrativo-financeira entre os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Não se pode, assim, responsabilizar a Prefeitura (Executivo Municipal) por obrigações de responsabilidade da Câmara da Comuna (Legislativo Municipal)" (APELREEX 5299/PE, 3ª Turma, Rel. Des. Federal Geraldo Apoliano).

4. Não deve o Município ser penalizado com a não emissão de certidão positiva de débito com efeito negativo em seu favor, por descumprimento de obrigação acessória da Câmara, pois tal órgão goza de autonomia financeira e tem receita própria, estando, inclusive sujeita ao controle da Lei de Responsabilidade Fiscal.

5. Precedentes desta Corte na mesma esteira: AGTR 115160/PE, Rel. Des. Federal Manoel Erhardt; AC 485419, Rel. Des. Federal Geraldo Apoliano; AC 477790, Rel. Des. Federal Leonardo Resende Martins; AG 108698, Rel. Des. Federal Paulo Roberto de Oliveira Lima.

6. A jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de ser possível a majoração dos honorários advocatícios quando o valor arbitrado é irrisório. In casu, a r. sentença fixou em R$300,00 o valor da verba, (equivalente a 0,6% do valor da causa, que foi de R$50.000,00), quantia essa que é irrisória. Majoração dos honorários para R$3.500,00 (7% do valor da causa).

8. Apelação da Fazenda Nacional e remessa oficial não providas. Apelação do Município provida.

(PROCESSO: 00008703820134058302, APELREEX29683/PE, RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL SÉRGIO MURILO WANDERLEY QUEIROGA (CONVOCADO), Terceira Turma, JULGAMENTO: 09/01/2014, PUBLICAÇÃO: DJE 10/01/2014 - Página 103)

TRIBUTÁRIO. MUNICÍPIO. EMISSÃO DE CERTIDÃO DE REGULARIDADE FISCAL. NEGATIVA POR PARTE DA FAZENDA NACIONAL EM RAZÃO DA EXISTÊNCIA DE DÉBITO PREVIDENCIÁRIO DA CÂMARA DOS VEREADORES. IMPOSSIBILIDADE. AUTONOMIA. FINANCEIRA E ADMINISTRATIVA. IMPOSSIBILIDADE DE PENALIZAÇÃO DO MUNICÍPIO POR DÉBITOS TRIBUTÁRIOS DA CÂMARA MUNICIPAL. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. INOCORRÊNCIA. CABIMENTO DE CONDENAÇÃO DA UNIÃO FEDERAL AO PAGAMENTO DE HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS. (...)  2. A jurisprudência pátria é pacífica quanto ao entendimento no sentido de que, diante autonomia administrativo-financeira existente entre as funções do Poder do Estado, não é possível penalizar o Município pelo descumprimento de obrigações tributárias principais ou acessórias por parte da Câmara de Vereadores. (Precedentes) 3. A dívida tributária de titularidade da Câmara de Vereadores do Município Apelante não constitui óbice ao fornecimento de Certidões Negativas ou de Certidões Positivas com Efeito de Negativa àquela pessoa política. (Precedentes) (...)10. Apelação do MUNICÍPIO DE TUPANATINGA provida. 11. Apelação da UNIÃO improvida. (AC 00000448520134058310, Desembargador Federal Paulo Roberto de Oliveira Lima, TRF5 - Segunda Turma, DJE - Data::18/07/2013 - Página::242.)

Portanto, a responsabilidade pelo não pagamento das obrigações tributárias ou não tributárias principais e pelo descumprimento de obrigações acessórias(tributárias ou não)por parte do Legislativo Municipal deve recair tão somente sobre o órgão diretor da Câmara Municipal.

Diante de tal contexto, sem maiores delongas, a concessão da medida liminar é medida que se impõe.

3. Conclusão

Posto isso:
a) com urgência, dê-se ciência do Ministério Público Estadual e ao Tribunal de Constas do Estado para que, se for o caso, tomem imediatas providências contra os Órgãos de Direção da Câmara do Município ora Impetrante, no campo da Lei de Responsabilidade Fiscal, de Improbidade Administrativa e Criminal; e também, para os mesmos fins, ao Ministério Público Federal;

b) concedo medida liminar ao Município ora Autor e determino que a UNIÃO tome imediatas providências para que seja fornecida ao mencionado Município Certidão Negativa, se outro motivo não houver, e que se  abstenha de eventual cobrança administrativa ou judicial contra o Município de débitos decorrentes de obrigações tributárias principais (tributos) ou acessórias (multas)da respectiva Câmara Municipal e que também se abstenha de negativar o nome do Município-autor em Órgãos ou Entes de proteção ao crédito, tais como CADIN, SERASA, etc., tudo sob pena de fixação de multa a ser paga a favor do referido Município;

Finalmente, determino seja a UNIÃO,  na forma e para os fins legais e, com urgência, intimada da decisão supra, para o seu efetivo cumprimento;

P.I.

Recife, 20 de junho de 2015.

Francisco Alves dos Santos Júnior

  Juiz Federal, 2a Vara-PE

 

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