segunda-feira, 10 de junho de 2013

DIREITO TRIBUTÁRIO: DECADÊNCIA E PRESCRIÇÃO NA REPETIÇÃO DE INDÉBITO DE TRIBUTOS INDEVIDAMENTE PAGOS E SUBMETIDOS AO LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO.


Por Francisco Alves dos Santos Júnior

 

Firmou-se, no Superior Tribunal de Justiça-STJ, o entendimento segundo o qual a prescrição de crédito na repetição de indébito de tributo submetido a lançamento por homologação, indevidamente pago, por força da interpretação sistemática do inciso I do art. 168 e do inciso VII do art. 156, todos do Código Tributário Nacional – CTN,  só se iniciaria após a extinção do crédito tributário, que, como se sabe, pelo dispositivo legal por último referido(o inciso VII do art. 156 do Código Tributário Nacional – CTN), relativamente a tributos que se submetem a esse tipo de lançamento, só ocorre com a concretização da homologação desse lançamento, seja expressa ou tácita e não apenas pelo pagamento que, nessa hipótese, segundo o § 4º do art. 150 do referido Código, é resolúvel.  

E a Fazenda Pública, conforme o dispositivo legal por último mencionado,  tem o prazo decadencial de cinco anos para essa homologação, contado da data do fato gerador.

Como, regra geral, a Fazenda Pública silencia, ou seja, não faz a homologação expressa, concretiza-se a homologação tácita, no final desse prazo de cinco anos.

Daí, então, segundo a jurisprudência desse E. Tribunal, o prazo prescricional para o Contribuinte requerer a restituição de tributo,  indevidamente pago, só começaria a fluir a partir desse momento.

E por isso se dizia que, segundo o Superior Tribunal de Justiça-STJ, o contribuinte teria 5(cinco)anos(para a Fazenda Pública homologar e finalizar o lançamento) + 5(cinco)anos para o Contribuinte repetir(pedir a restituição), entendimento esse que se popularizou como “teoria dos cinco + cinco’.(1).
 

    Nota 1 - BRASIL. Superior Tribunal de Justiça-STJ. 1ª Seção. Embargos em Recurso Especial –ERESP nº 435.835/SC. Relator, para o acórdão,  Ministro José Augusto Delgado. Julgamento em 24.03.2004.[maioria]. Apud Superior Tribunal de Justiça-STJ, 1ª Turma,  Recurso Especial nº 714397, 2005/0005493-3, Relator Ministro Teori Zavascki, julgamento em 12.04.2005, Diário da Justiça de 02.05.2005, p. 236. 

    Então, veio à luz a Lei Complementar nº 118, de 09.02.2005, publicada no Diário Oficial da União de 09.02.2005, tendo entrado em vigor 120 dias após sua publicação, cujo art. 4º estabeleceu que o seu art. 3º teria efeito retroativo.

     A razio iuris desse art. 4º estaria no fato de que mencionado art. 3º teria caráter interpretativo e por isso, ante a regra do inciso I do art. 106 do Código Tributário Nacional – CTN, o seu efeito seria retroativo à data da entrada em vigor desse Código.

    Para melhor clareza, eis a redação desses dispositivos da Lei Complementar nº 118, de 2005:

    “Art. 3o Para efeito de interpretação do inciso I do art. 168 da Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional, a extinção do crédito tributário ocorre, no caso de tributo sujeito a lançamento por homologação, no momento do pagamento antecipado de que trata o § 1o do art. 150 da referida Lei.

      Art. 4o Esta Lei entra em vigor 120 (cento e vinte) dias após sua publicação, observado, quanto ao art. 3o, o disposto no art. 106, inciso I, da Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional.”.

O inciso I do art. 106 do Código Tributário Nacional estabelece que as Leis interpretativas retroagem à data da entrada em vigor da Lei que está sendo interpretada.

Mencionados dispositivos legais vieram à luz para se antepor ao entendimento acima resumido do Superior Tribunal de Justiça – STJ, vale dizer, para que o prazo de prescrição para o Contribuinte pedir a restituição de tributo, submetido a lançamento por homologação, passasse a ser de apenas cinco anos, contados do dia seguinte ao do pagamento indevido e não da data da extinção do crédito tributário(que ocorre com a homologação expressa ou tácita dos atos praticados pelo Contribuinte, tendentes ao lançamento), como consta do inciso I do art. 168 do Código Tributário Nacional(2).

     Nota 2 - O Contribuinte não realiza lançamento, porque, segundo o art. 142 do Código Tributário Nacional-CTN, esse é um ato privativo da Fazenda Pública. Logo, a Fazenda Pública não homologa o lançamento, mas sim realiza o lançamento com a homologação dos procedimentos até então realizados pelo Contribuinte.  

Logo, eliminou a possibilidade de contar-se cinco anos(para homologar) + cinco anos(para requerer a restituição), ficando apenas este último prazo, contado do pagamento indevido.

Seria mencionado art. 3º da Lei Complementar nº 118, de 2005,  uma nova regra, frente à regra do inciso I do art. 168 do Código Tributário Nacional-CTN, ou seria uma regra que apenas interpreta esta, como determinado no referido art. 4º dessa mesma Lei Complementar?

No ano de 1977, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal-STF decidiu que o prazo do inciso I do art. 168 do Código Tributário Nacional-CTN iniciar-se-ia a partir da data do pagamento indevido(3) e nesse sentido sempre se posicionou o jurista Luciano Amaro, no seu conhecido livro Direito Tributário Brasileiro, registrando ser inadequado o texto do inciso I do art. 168 do Código Tributário Nacional-CTN, o qual, ao invés de se referir a pagamento, refere-se à extinção do crédito tributário(4).
 

    Nota 3 – BRASIL. Supremo Tribunal Federal-STF, Segunda Turma. Relator Ministro Cordeiro Guerra. Julgado em 19.04.1977. Revista Trimestral de Jurisprudência-RTJ nº 81/428-431. Fiz referência a esse julgado no livro de minha autoria, denominado Decadência e Prescrição no Direito Tributário do Brasil – Análise das Principais Teorias Existentes e Proposta para Alteração da Respectiva Legislação, Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 261-262. 

    Nota 4 - Direito Tributário Brasileiro. 11ª Edição, revista e atualizada. São Paulo: Saraiva, p. 427

   E parece-me que, naquela oportunidade, referida Turma do Supremo Tribunal Federal decidiu com acerto, pois só poderia ser do pagamento, porque o Direito Tributário não pode modificar os institutos de direito privado(art.110 do Código Tributário Nacional-CTN)e, em direito privado, o prazo prescricional para repetição de indébito sempre se iniciou depois da ocorrência do pagamento indevido.

 No entanto, como vimos acima, o Superior Tribunal de Justiça-STJ não adotou este entendimento e firmou sua jurisprudência no sentido de que o prazo total chegaria a dez anos(os cinco anos decadenciais para a Fazenda Pública homologar e os cinco anos prescricionais para o Contribuinte requerer a restituição do indevidamente pago).

Com o advento da Lei Complementar 118, de 2005, que adotou mencionado posicionamento da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal-STF, qual seja, cinco anos da data do pagamento indevido, os Contribuintes foram ao Judiciário, sustentando a tese de que não se trataria de regra legal interpretativa, mas sim de uma nova regra, pelo que só poderia alcançar fatos(pagamentos indevidos)ocorridos depois da sua vigência, em face do princípio da irretroatividade das leis, agora expresso na alínea “a” do inciso III do art. 150 da Constituição da República.

O assunto chegou ao Superior Tribunal de Justiça-STJ e este, em um primeiro momento, concluiu que a nova Lei só seria aplicável a processos que se iniciaram após a sua entrada em vigor, entendimento esse que seria justificável caso as regras legais sobre esse assunto fossem de direito processual, que, como se sabe, aplicam-se imediatamente, inclusive aos processos em andamento. Mas como a matéria decadência/prescrição sempre foi de direito material, referida tese não vingou e logo, logo o próprio Superior Tribunal de Justiça-STJ tratou de mudar o seu entendimento, para o consignado no texto acima: a data do fato(o pagamento indevido), sendo que quanto este último entendimento há inúmeros julgados desse E. Tribunal, dentre os quais o acima indicado da sua 1ª Turma, relatado pelo Ministro Teori Zavascki(que hoje tem assento no Supremo Tribunal Federal do Brasil).
 
 Mas, essa matéria, depois do advento da Lei Complementar nº 118, de 2005,  também chegou ao Supremo Tribunal Federal-STF e o seu Plenário, em 04.08.2011,  no julgamento do Recurso Extraordinário nº 566.621/RS(5), interposto pela União em abril de 2007, por maioria, seis votos a quatro, decidiu que referida Lei só se aplicará a processos que sejam distribuídos após a data da sua entrada em vigor, ou seja, transformou o assunto decadência e prescrição que, no direito brasileiro, sempre foi de direito material, em assunto de direito  processual, como fizera o Superior Tribunal de Justiça – STJ em um primeiro momento, conforme vimos acima.

    Nota 5 -  Brasil. Supremo Tribunal Federal – STF. Recurso Extraordinário nº 566621/RS(Processo físico). Recorrente: União. Recorrido: RCAF. Intdo(A/S): Estado do Rio Grande do Sul. Relatora Ministra Ellen Grace. “Decisão: O Tribunal, por maioria e nos termos do voto da Relatora, negou provimento ao recurso extraordinário, contra os votos dos Senhores Ministros Marco Aurélio, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes. Ausente, licenciado, o Senhor Ministro Joaquim Barbosa. Presidiu o julgamento o Senhor Ministro Cezar Peluso. Plenário, 04.08.2011.” Dsponível em http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2565341,  acesso em 06.08.2011.

Portanto, o Plenário da Suprema Corte findou por concluir pela inconstitucionalidade da parte do art. 4º da referida Lei Complementar que determinava que se aplicasse ao art. 3º de tal Lei o inciso I do art. 106 do Código Tributário Nacional-CTN, isto é, estabelecia que tal regra seria interpretativa e, por isso, retroagiria à data em que o Código Tributário Nacional-CTN entrara em vigor.  

E, ao assim decidir, o Plenário do Supremo Tribunal Federal-STF, em 04.08.2011, findou por mudar o posicionamento da sua 2ª Turma, adotado no ano de 1977, no AI 69.363(AgRg)SP, acima referido, e, finalisticamente,  passou a admitir que o art. 110 do Código Tributário Nacional-CTN pode ser inobservado, ou seja, que leis do campo tributário podem modificar a definição, o conteúdo e o alcance dos institutos de direito privado.

Logo, o prazo prescricional de cinco anos, para o Contribuinte requerer a restituição de tributo, submetido a lançamento por homologação, passou a ser de cinco anos, contado da data da entrada em vigor da Lei Complementar nº 118, de 2005, vinculando-se à data da propositura da ação, vale dizer, para ações propostas antes da entrada em vigor dessa Lei continua se aplicando o entendimento dos “5 + 5”(prazo decadencial de cinco anos para a Fazenda Pública homologar os procedimentos praticados pelo Contribuinte + cinco anos de prescrição para o Contribuinte entrar com a ação judicial pleiteando a restituição do indevidamente pago), ou seja, nesse caso a Fazenda Pública terá que restituir o que foi pago nos últimos dez anos,  no entanto, para as ações propostas após a entrada em vigor da referida Lei, o prazo só retroage a cinco anos, vale dizer, a Fazenda Pública só terá que restituir o que foi pago indevidamente nos últimos cinco anos.

 Então, se o Contribuinte propuser a ação depois de cinco anos da entrada em vigor da Lei, nada terá a receber, porque a sua pretensão estará integralmente prescrita.

 

 

Um comentário:

  1. Recebi de um Leitor o seguinte "e mail":

    "Em 26/06/2013 00:53, Flavio escreveu:
    Exmo. Professor Francisco,

    Em primeiro lugar, gostaria muito de agradecê-lo pelo blog. Está nos meus favoritos, e, através dos casos trazidos por V. Exa., me atualizo, treino resolução de sentenças e busco me preparar para os concursos da magistratura. Muito obrigado mesmo!

    Fiquei com uma dúvida na postagem em que V. Exa. trouxe uma sentença que acolheu a prejudicial de prescrição veiculada nos embargos ao mandado monitório.

    A dúvida é a seguinte: Por que V. Exa. analisou a questão com base em critérios de intertemporalidade do art. 2.028? Houve provocação específica sobre o ponto?

    Como falei, treino com os casos propostos por V. Exa. Leio o relatório e faço a minha sentença como em uma prova. Só depois vejo fundamentação e dispositivo lançados pelo Senhor.

    Nesse caso, ao redigir minha sentença, não pensei em abordar a questão intertemporal. É certo que a pretensão nasce a partir da violação do direito subjetivo, que, no caso da CEF, ocorreu em 04.09.2006. Assim, não importaria para o deslinde da questão que o contrato de crédito bancário tenha sido assinado ainda sob a vigência do CC/16. Em verdade, s.m.j., importa é saber o momento do surgimento da pretensão.

    O artigo 2.028 do CC/02 disciplina a solução a ser dada quando a violação ao direito subjetivo já fizera nascer a pretensão sob a égide da lei revogada; o prazo prescricional já foi iniciado e se vê colhido por lei nova que o diminui. Assim, passada mais da metade do prazo antigo, a prescrição continua por este regulada. Caso contrário, inicia-se nova contagem a partir da publicação da Lei nova.

    Salvo melhor juízo, a fundamentação de que entre 04.09.2006 e a data de propositura da monitória ainda não eram passados dez anos (metade do prazo do art. 177, do CC/16) pode levar a erro. Com a devida vênia, a "contrario sensu", pode-se pensar que se a Caixa tivesse ajuízado a monitória somente em 05.09.2016 teria melhor sorte, já que lhe aproveitaria o prazo vintenário do Código antigo.

    Errei feio? Deixei de considerar algo?

    De toda forma, peço perdão a V. Exa. pelo atrevimento em enviar-lhe este e-mail (ainda por cima tão longo). Sei como são extensas as responsabilidades e incumbências da Magistratura e entenderei se V. Exa. não puder me responder.

    Agradeço muito a atenção, a divulgação do seu e-mail e, principalmente, o excelente blog.
    Com respeito,

    Flavio"

    Eis o que lhe respondi no mesmo 26 de junho de 2013:

    "Estou de férias, mas parece que fiz referência ao art. 2028 do novo CC porque o contrato foi firmado antes da vigência desse Código. Mas, como bem registrado por você, como a dívida foi vencida quando esse código já estava em vigor, bastava concluir que a dívida era líquida, para aplicação do prazo de cinco anos do inciso I do Parágrafo Primeiro do art. 206. Se a dívida não fosse líquida, então seria aplicável o art. 205(dez anos de prescrição). Se alguma das partes interpuser embargos de declaração, vou esclarecer. Mas a conclusão, com ou sem referência ao mencionado artigo, será a mesma.
    Obrigado pelos elogios ao blog.
    Peço-lhe autorização para publicar sua correspondência no blog, com essa resposta.

    abraços."

    Flávio respondeu-me, autorizando a publicação da sua questão, pedindo apenas para, por problemas profissionais, excluir o seu sobrenome, o seu endereço eletrônico e o nome da sua cidade Natal.

    Atendi ao seu pleito.

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