Por
Francisco Alves dos Santos Júnior
Firmou-se, no Superior Tribunal de Justiça-STJ, o
entendimento segundo o qual a prescrição de crédito na repetição de indébito de
tributo submetido a lançamento por homologação, indevidamente pago, por força
da interpretação sistemática do inciso I do art. 168 e do inciso VII do art.
156, todos do Código Tributário Nacional – CTN, só se iniciaria após a
extinção do crédito tributário, que, como se sabe, pelo dispositivo legal por
último referido(o inciso VII do art. 156 do Código Tributário Nacional – CTN),
relativamente a tributos que se submetem a esse tipo de lançamento, só ocorre
com a concretização da homologação desse lançamento, seja expressa ou tácita e
não apenas pelo pagamento que, nessa hipótese, segundo o § 4º do art. 150 do
referido Código, é resolúvel.
E a Fazenda Pública, conforme o dispositivo legal
por último mencionado, tem o prazo decadencial de cinco anos para essa
homologação, contado da data do fato gerador.
Como, regra geral, a Fazenda Pública silencia, ou
seja, não faz a homologação expressa, concretiza-se a homologação tácita, no
final desse prazo de cinco anos.
Daí, então, segundo a jurisprudência desse E.
Tribunal, o prazo prescricional para o Contribuinte requerer a restituição de
tributo, indevidamente pago, só começaria a fluir a partir desse momento.
E por isso se dizia que, segundo o Superior
Tribunal de Justiça-STJ, o contribuinte teria 5(cinco)anos(para a Fazenda
Pública homologar e finalizar o lançamento) + 5(cinco)anos para o Contribuinte
repetir(pedir a restituição), entendimento esse que se popularizou como “teoria
dos cinco + cinco’.(1).
Nota 1 - BRASIL.
Superior Tribunal de Justiça-STJ. 1ª Seção. Embargos em Recurso Especial –ERESP
nº 435.835/SC. Relator, para o acórdão, Ministro José Augusto Delgado.
Julgamento em 24.03.2004.[maioria]. Apud Superior Tribunal de Justiça-STJ, 1ª
Turma, Recurso Especial nº 714397, 2005/0005493-3, Relator Ministro Teori
Zavascki, julgamento em 12.04.2005, Diário da Justiça de 02.05.2005, p.
236.
Então, veio à luz a Lei Complementar nº 118, de
09.02.2005, publicada no Diário Oficial da União de 09.02.2005, tendo entrado
em vigor 120 dias após sua publicação, cujo art. 4º estabeleceu que o seu art.
3º teria efeito retroativo.
Para melhor clareza, eis a redação desses
dispositivos da Lei Complementar nº 118, de 2005:
“Art. 3o Para
efeito de interpretação do inciso I do art. 168 da Lei no 5.172, de 25 de outubro
de 1966 – Código Tributário Nacional, a extinção do crédito tributário ocorre,
no caso de tributo sujeito a lançamento por homologação, no momento do
pagamento antecipado de que trata o § 1o do art. 150 da referida Lei.
Art. 4o
Esta Lei entra em vigor 120 (cento e vinte) dias após sua publicação,
observado, quanto ao art. 3o, o disposto no art. 106, inciso I, da Lei no 5.172, de 25
de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional.”.
O inciso I do art. 106 do Código Tributário
Nacional estabelece que as Leis interpretativas retroagem à data da entrada em
vigor da Lei que está sendo interpretada.
Mencionados dispositivos legais vieram à luz para
se antepor ao entendimento acima resumido do Superior Tribunal de Justiça –
STJ, vale dizer, para que o prazo de prescrição para o Contribuinte pedir a
restituição de tributo, submetido a lançamento por homologação, passasse a ser
de apenas cinco anos, contados do dia seguinte ao do pagamento indevido e não
da data da extinção do crédito tributário(que ocorre com a homologação expressa
ou tácita dos atos praticados pelo Contribuinte, tendentes ao lançamento), como
consta do inciso I do art. 168 do Código Tributário Nacional(2).
Logo, eliminou a possibilidade de contar-se cinco
anos(para homologar) + cinco anos(para requerer a restituição), ficando apenas
este último prazo, contado do pagamento indevido.
Seria mencionado art. 3º da Lei Complementar nº
118, de 2005, uma nova regra, frente à regra do inciso I do art. 168 do
Código Tributário Nacional-CTN, ou seria uma regra que apenas interpreta esta,
como determinado no referido art. 4º dessa mesma Lei Complementar?
No ano de 1977, a 2ª Turma do Supremo Tribunal
Federal-STF decidiu que o prazo do inciso I do art. 168 do Código Tributário
Nacional-CTN iniciar-se-ia a partir da data do pagamento indevido(3) e nesse
sentido sempre se posicionou o jurista Luciano Amaro, no seu conhecido livro
Direito Tributário Brasileiro, registrando ser inadequado o texto do inciso I
do art. 168 do Código Tributário Nacional-CTN, o qual, ao invés de se referir a
pagamento, refere-se à extinção do crédito tributário(4).
Nota 3 – BRASIL.
Supremo Tribunal Federal-STF, Segunda Turma. Relator Ministro Cordeiro Guerra.
Julgado em 19.04.1977. Revista Trimestral de Jurisprudência-RTJ nº 81/428-431.
Fiz referência a esse julgado no livro de minha autoria, denominado Decadência
e Prescrição no Direito Tributário do Brasil – Análise das Principais Teorias
Existentes e Proposta para Alteração da Respectiva Legislação, Rio de
Janeiro: Renovar, 2001, p. 261-262.
Nota 4 -
Direito Tributário Brasileiro. 11ª
Edição, revista e atualizada. São Paulo: Saraiva, p. 427
E parece-me
que, naquela oportunidade, referida Turma do Supremo Tribunal Federal decidiu
com acerto, pois só poderia ser do pagamento, porque o Direito Tributário não
pode modificar os institutos de direito privado(art.110 do Código Tributário
Nacional-CTN)e, em direito privado, o prazo prescricional para repetição de
indébito sempre se iniciou depois da ocorrência do pagamento indevido.
No entanto, como vimos acima, o Superior
Tribunal de Justiça-STJ não adotou este entendimento e firmou sua
jurisprudência no sentido de que o prazo total chegaria a dez anos(os cinco
anos decadenciais para a Fazenda Pública homologar e os cinco anos
prescricionais para o Contribuinte requerer a restituição do indevidamente
pago).
Com o advento da Lei Complementar 118, de 2005, que
adotou mencionado posicionamento da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal-STF,
qual seja, cinco anos da data do pagamento indevido, os Contribuintes foram ao
Judiciário, sustentando a tese de que não se trataria de regra legal
interpretativa, mas sim de uma nova regra, pelo que só poderia alcançar
fatos(pagamentos indevidos)ocorridos depois da sua vigência, em face do
princípio da irretroatividade das leis, agora expresso na alínea “a” do inciso
III do art. 150 da Constituição da República.
O assunto chegou ao Superior Tribunal de
Justiça-STJ e este, em um primeiro momento, concluiu que a nova Lei só seria
aplicável a processos que se iniciaram após a sua entrada em vigor, entendimento
esse que seria justificável caso as regras legais sobre esse assunto fossem de
direito processual, que, como se sabe, aplicam-se imediatamente, inclusive aos
processos em andamento. Mas como a matéria decadência/prescrição sempre foi de
direito material, referida tese não vingou e logo, logo o próprio Superior
Tribunal de Justiça-STJ tratou de mudar o seu entendimento, para o consignado
no texto acima: a data do fato(o pagamento indevido), sendo que quanto este
último entendimento há inúmeros julgados desse E. Tribunal, dentre os quais o
acima indicado da sua 1ª Turma, relatado pelo Ministro Teori Zavascki(que hoje
tem assento no Supremo Tribunal Federal do Brasil).
Mas,
essa matéria, depois do advento da Lei Complementar nº 118, de 2005,
também chegou ao Supremo Tribunal Federal-STF e o seu Plenário, em
04.08.2011, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 566.621/RS(5),
interposto pela União em abril de 2007, por maioria, seis votos a quatro,
decidiu que referida Lei só se aplicará a processos que sejam distribuídos após
a data da sua entrada em vigor, ou seja, transformou o assunto decadência e
prescrição que, no direito brasileiro, sempre foi de direito material, em
assunto de direito processual, como fizera o Superior Tribunal de Justiça
– STJ em um primeiro momento, conforme vimos acima.
Nota 5
- Brasil. Supremo
Tribunal Federal – STF. Recurso Extraordinário nº 566621/RS(Processo físico).
Recorrente: União. Recorrido: RCAF. Intdo(A/S): Estado do Rio Grande do Sul.
Relatora Ministra Ellen Grace. “Decisão: O
Tribunal, por maioria e nos termos do voto da Relatora, negou provimento ao
recurso extraordinário, contra os votos dos Senhores Ministros Marco Aurélio,
Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes. Ausente, licenciado, o Senhor
Ministro Joaquim Barbosa. Presidiu o julgamento o Senhor Ministro Cezar
Peluso. Plenário, 04.08.2011.” Dsponível em http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2565341, acesso em 06.08.2011.
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Portanto, o Plenário da Suprema Corte findou por
concluir pela inconstitucionalidade da parte do art. 4º da referida Lei
Complementar que determinava que se aplicasse ao art. 3º de tal Lei o inciso I
do art. 106 do Código Tributário Nacional-CTN, isto é, estabelecia que tal
regra seria interpretativa e, por isso, retroagiria à data em que o Código
Tributário Nacional-CTN entrara em vigor.
E, ao assim decidir, o Plenário do Supremo Tribunal
Federal-STF, em 04.08.2011, findou por mudar o posicionamento da sua 2ª Turma,
adotado no ano de 1977, no AI 69.363(AgRg)SP, acima referido, e,
finalisticamente, passou a admitir que o art. 110 do Código Tributário
Nacional-CTN pode ser inobservado, ou seja, que leis do campo tributário podem
modificar a definição, o conteúdo e o alcance dos institutos de direito
privado.
Logo, o prazo prescricional de cinco anos, para o
Contribuinte requerer a restituição de tributo, submetido a lançamento por
homologação, passou a ser de cinco anos, contado da data da entrada em vigor da
Lei Complementar nº 118, de 2005, vinculando-se à data da propositura da ação,
vale dizer, para ações propostas antes da entrada em vigor dessa Lei continua
se aplicando o entendimento dos “5 + 5”(prazo decadencial de cinco anos para a
Fazenda Pública homologar os procedimentos praticados pelo Contribuinte + cinco
anos de prescrição para o Contribuinte entrar com a ação judicial pleiteando a
restituição do indevidamente pago), ou seja, nesse caso a Fazenda Pública terá
que restituir o que foi pago nos últimos dez anos, no entanto, para as
ações propostas após a entrada em vigor da referida Lei, o prazo só retroage a
cinco anos, vale dizer, a Fazenda Pública só terá que restituir o que foi pago
indevidamente nos últimos cinco anos.
Recebi de um Leitor o seguinte "e mail":
ResponderExcluir"Em 26/06/2013 00:53, Flavio escreveu:
Exmo. Professor Francisco,
Em primeiro lugar, gostaria muito de agradecê-lo pelo blog. Está nos meus favoritos, e, através dos casos trazidos por V. Exa., me atualizo, treino resolução de sentenças e busco me preparar para os concursos da magistratura. Muito obrigado mesmo!
Fiquei com uma dúvida na postagem em que V. Exa. trouxe uma sentença que acolheu a prejudicial de prescrição veiculada nos embargos ao mandado monitório.
A dúvida é a seguinte: Por que V. Exa. analisou a questão com base em critérios de intertemporalidade do art. 2.028? Houve provocação específica sobre o ponto?
Como falei, treino com os casos propostos por V. Exa. Leio o relatório e faço a minha sentença como em uma prova. Só depois vejo fundamentação e dispositivo lançados pelo Senhor.
Nesse caso, ao redigir minha sentença, não pensei em abordar a questão intertemporal. É certo que a pretensão nasce a partir da violação do direito subjetivo, que, no caso da CEF, ocorreu em 04.09.2006. Assim, não importaria para o deslinde da questão que o contrato de crédito bancário tenha sido assinado ainda sob a vigência do CC/16. Em verdade, s.m.j., importa é saber o momento do surgimento da pretensão.
O artigo 2.028 do CC/02 disciplina a solução a ser dada quando a violação ao direito subjetivo já fizera nascer a pretensão sob a égide da lei revogada; o prazo prescricional já foi iniciado e se vê colhido por lei nova que o diminui. Assim, passada mais da metade do prazo antigo, a prescrição continua por este regulada. Caso contrário, inicia-se nova contagem a partir da publicação da Lei nova.
Salvo melhor juízo, a fundamentação de que entre 04.09.2006 e a data de propositura da monitória ainda não eram passados dez anos (metade do prazo do art. 177, do CC/16) pode levar a erro. Com a devida vênia, a "contrario sensu", pode-se pensar que se a Caixa tivesse ajuízado a monitória somente em 05.09.2016 teria melhor sorte, já que lhe aproveitaria o prazo vintenário do Código antigo.
Errei feio? Deixei de considerar algo?
De toda forma, peço perdão a V. Exa. pelo atrevimento em enviar-lhe este e-mail (ainda por cima tão longo). Sei como são extensas as responsabilidades e incumbências da Magistratura e entenderei se V. Exa. não puder me responder.
Agradeço muito a atenção, a divulgação do seu e-mail e, principalmente, o excelente blog.
Com respeito,
Flavio"
Eis o que lhe respondi no mesmo 26 de junho de 2013:
"Estou de férias, mas parece que fiz referência ao art. 2028 do novo CC porque o contrato foi firmado antes da vigência desse Código. Mas, como bem registrado por você, como a dívida foi vencida quando esse código já estava em vigor, bastava concluir que a dívida era líquida, para aplicação do prazo de cinco anos do inciso I do Parágrafo Primeiro do art. 206. Se a dívida não fosse líquida, então seria aplicável o art. 205(dez anos de prescrição). Se alguma das partes interpuser embargos de declaração, vou esclarecer. Mas a conclusão, com ou sem referência ao mencionado artigo, será a mesma.
Obrigado pelos elogios ao blog.
Peço-lhe autorização para publicar sua correspondência no blog, com essa resposta.
abraços."
Flávio respondeu-me, autorizando a publicação da sua questão, pedindo apenas para, por problemas profissionais, excluir o seu sobrenome, o seu endereço eletrônico e o nome da sua cidade Natal.
Atendi ao seu pleito.