quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

O CÂNCER E O IMPOSTO DE RENDA BRASILEIRO



Por Francisco Alves dos Santos Jr.

     A sentença que segue foi mantida pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região, em acórdão de 26.07.2012, apelação e remessa obrigatória nº 21277/PE, publicado no DJE TRF5 nº 151, de 03.08.2012, publicado em 06.08.2012. 

     Na sentença, um importante assunto foi tratado: isenção do imposto de renda para pessoa com câncer, câncer esse que se encontraria aparentemente isolado, depois de operação e tratamento quimioterápico aos quais se submeteu a pessoa, que ficou com inúmeras sequelas. Não obstante a inexistência de recidiva visível, que afastaria a isenção tributária, esta foi mantida, em face da existência potencial do câncer no corpo da pessoa e das sequelas que a operação e o tratamento quimioterápico deixou.


Boa leitura!.



PODER JUDICIÁRIO FEDERAL
SEÇÃO JUDICIÁRIA DE PERNAMBUCO
2ª VARA

Juiz: Francisco Alves dos Santos Júnior
Processo nº 0003793-14.2011.4.05.8300 - Classe: 126 – Mandado de Segurança
Impetrante: J. V. A.
Adv.: R. T. de L., OAB/PE .....
Impetrado:  DELEGADO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL EM RECIFE/PE

Registro nº ...........................................
Certifico que eu, ......................  registrei esta Sentença às fls..........
Recife, ...../...../2011

Sentença tipo A


EMENTA: -  DIREITO TRIBUTÁRIO.  IMPOSTO DE RENDA. ISENÇÃO. NEOPLASIA MALIGNA.

Como a medicina não atesta com segurança que o câncer pode ser curado e considerando que essa doença mostrou-se ativa no corpo do ora Impetrante, que, após operação, ficou com seqüelas no seu aparelho urinário, continua o Impetrante com o direito de gozar da isenção do imposto de renda prevista em Lei para os portadores dessa doença.

Ratificação da medida liminar.

Concessão da segurança.

Vistos etc.

J. V. A., qualificado na Petição Inicial, impetrou, em 25/02/2011, este Mandado de Segurança com pedido liminar contra ato praticado pelo Ilmº Sr. DELEGADO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL – EM PERNAMBUCO. Alegou, em síntese, que após a sua aposentadoria do serviço público federal, o Impetrante teria lutado por vários anos contra o câncer que lhe teria consumido a saúde, identificado de modo tardio, e não teria logrado êxito nos tratamentos menos invasivos, como radiológicos e químicos; que, em novembro de 2000, teria se submetido a uma cirurgia de cistectomia radical, que importara na retirada de sua bexiga; que, porém, para novamente vencer o câncer, tivera que se submeter a tratamentos radiológicos e químicos por mais de cinco anos; que em agosto de 2005, teria solicitado isenção do Imposto de Renda concedida aos portadores de câncer, amparado na Resolução Normativa SRF nº 15/2001, art. 39, XXXIII do Decreto nº 3000/1999 e art. 6º, XIV da Lei nº 7.713/88, através de requerimento ao Ministério da Fazenda no Estado de Pernambuco; que, em perícia médica realizada pelo Ministério da Fazenda, teria sido constatado que o Impetrante, a partir de 22/09/2005, aparentemente teria vencido o mal que lhe ultrajava, conforme o lado médico em anexo, o que teria resultado no indeferimento do requerimento do Impetrante ao pedido de isenção do IRPF, sob o argumento de que o Impetrante em 22/09/2005 teria logrado êxito na cura da enfermidade; que, todavia, o Impetrante teria contraído seqüelas graves e irreversíveis advindas do tratamento da neoplasia, sendo a mais inconveniente a perda de sua bexiga, fazendo com o que Impetrante tenha que utilizar bolsas descartáveis fixadas ao seu ventre para coletar a urina, uma vez que o Impetrante não controlaria mais o fluxo; que, além disso, a medicina moderna não seria capaz de afirmar que o Impetrante gozaria de cura face aos vieses e gravidade da enfermidade causada pela doença; que o câncer não seria passível de cura absoluta e , neste sentido fez menção a manifestação de especialista em oncologia e aduziu que a jurisprudência seria pacífica no sentido de que, em se tratando de neoplasia maligna, não se exigiria a demonstração da presença de sintomas, nem a indicação de validade do laudo pericial, tampouco a comprovação de recaída da doença, para que o Contribuinte fizesse jus à isenção do IR prevista no art. 6º da Lei nº 7.713/88. Teceu outros comentários, e requereu: a concessão da medida liminar para que seja determinado à Autoridade apontada coatora que se abstenha de descontar o imposto de renda sobre os seus proventos de aposentadoria; a notificação da Autoridade apontada coatora; a ouvida do MPF; a concessão definitiva da segurança, para que a Autoridade apontada coatora cumpra a isenção do IR do Impetrante; a condenação da parte adversa nos ônus da sucumbência. Deu valor à causa e juntou instrumento de procuração e cópias de documentos, fls. 11/22.
Custas recolhidas, fl. 23.
Às fls. 25/26-vº, decisão fundamentada deferindo a tramitação prioritária do feito e concedendo a segurança liminarmente.
Notificada, a Autoridade apontada coatora apresentou o ofício nº 294/2011, que veio instruído com suas Informações (fls. 34/38). Arguiu preliminar de carência da ação por falta de interesse de agir em face da inadequação da via processual eleita, porque, segundo afirma, o tema ostentaria caráter técnico e demandaria a realização de prova pericial. No mérito, sustentou a legalidade da cobrança do Imposto de Renda do Impetrante, haja vista que já teria sido declarado curado da neoplasia maligna após perícia médica realizada, logo, sua situação não estaria subsumida ao art. 6º, XIV da Lei nº 7.713/88; que a interpretação jurisprudencial colacionada aos autos ofenderia ao art. 111, II do CTN; que, além disso, o Poder Judiciário não poderia atuar como legislador positivo instituindo isenções para hipóteses não albergadas por lei; que o gozo de benefício fiscal dependeria de previsão legal. Transcreveu o disposto no art. 165, §6º da Constituição da República/88 e o art. 14 da Lei Complementar nº 101/2000 e aduziu que a pretensão da Impetrante não mereceria ser acolhida.
À fl. 40, a União comunicou a interposição do recurso de agravo de instrumento contra a decisão de fls. 25/26-vº, e juntou aos autos o respectivo comprovante de interposição, fls. 41/48.
À fl. 51, o Impetrante ingressou com petição requerendo o cumprimento da decisão de fls. 25/26-vº, sob pena de pagamento de multa diária.
À fl. 52, a decisão agravada foi mantida e, ante a petição de fl. 51, foi determinado à União que comprovasse o cumprimento da decisão de fls. 25/26-vº.
À fl. 53, a União informou que foram tomadas todas as medidas necessárias ao cumprimento da  decisão de fls. 25/26-vº, e, para comprovar o alegado, juntou cópias de documento (fl. 54). E, à fl. 56, juntou cópia de documento (fls. 57/63), comprovando o cumprimento da mencionada decisão.
Às fls. 67/67-vº, a I. Representante do Ministério Público Federal ofertou r. Parecer aduzindo que não haveria interesse público a justificar sua manifestação nos autos, sem prejuízo de que o seu entendimento seja revisto em face de fato superveniente.
Extrato do computador, comprovando que o noticiado agravo de instrumento foi convertido em agravo retido(fls. 64-64vº).

É o relatório. Passo a decidir.

Fundamentação

1-      Preliminar – carência da ação por inadequação da via processual eleita.

Tenho esta preliminar por prejudicada, porque a matéria nela ventilada confunde-se com parte do mérito, uma vez que exige uma decisão sobre a situação do direito do Impetrante, se é líquido e certo, ou não.

2-      Mérito

O assunto em debate é delicado e exige do Judiciário submissão aos avanços da medicina no campo da terrível doença conhecida por câncer.
Resta incontroverso que o câncer mostrou-se ativo no corpo do ora Impetrante e, depois de submetido a uma operação(cistectomia radical), que importou na retirada da sua bexiga(pelo que ficou obrigado a usar bolsas coletoras de urina, as quais, como se sabe, geram um alto custo financeiro), e posterior submissão à violência de tratamentos radiológicos e químicos, por período superior a cinco anos, mostra-se essa doença aparentemente inativa.
Digo aparentemente, porque, segundo a doutrina médica reinante, não se pode atestar que, nessa situação, o Impetrante esteja “curado” dessa moléstia. 
Apenas pessoas ligadas à doutrina espírita e também católica trazem depoimentos de que, pela fé, foram “curadas” do câncer.  Mas isso não é científico.
Em que se basearam os médicos da Receita Federal para concluir que o Impetrante está “curado” do câncer? Não se sabe, porque a Autoridade apontada como coatora e a  UNIÃO não trouxeram para os autos os argumentos dos seus médicos.   
Embora não visível, o câncer pode encontrar-se, de forma latente, no corpo do Impetrante, podendo externar-se a qualquer momento.
Além do mais, passou o Impetrante a viver com as noticiadas seqüelas da referida operação e custos financeiros delas decorrentes.
Ora, a razio iuris da ora discutida isenção tributária decorreu exatamente da necessidade de permitir que as pessoas acometidas de determinadas moléstias, como a neoplasia maligna, possam ficar com a parcela dos seus ganhos, que seriam destinadas à Fazenda Nacional a título de imposto de renda, com a finalidade de poder custear as despesas com tais doenças.
Resta incontroverso, porque não contestado pela UNIÃO, que o ora Impetrante, em decorrência da referida doença, perdeu parte do corpo e passou a despender razoável quantia dos seus proventos de aposentadoria, na aquisição de bolsas de coletas de urina, para manter-se vivo, sem se falar nas demais despesas necessárias para recompor um pouco do conforto,  perdido em face das seqüelas deixadas pela operação.
E é por isso que, conforme demonstrado na decisão de fl. 25-26vº, várias turmas do E. Superior Tribunal de Justiça têm firme entendimento de que, em tais situações, o Contribuinte continua com o direito à referida isenção tributária. 
No mesmo sentido decidiu a segunda turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, verbis:

TRIBUTÁRIO. ISENÇÃO DE IMPOSTO DE RENDA. DOENÇA GRAVE. - Evidenciado que a autora teve câncer de mama e considerando que, em razão das peculiaridades da doença, dificilmente se pode considerar o paciente curado, faz jus a autora à isenção postulada.
(AC 200271070149083, DIRCEU DE ALMEIDA SOARES, TRF4 - SEGUNDA TURMA, 06/07/2005)

Conclusão

POSTO ISSO, tenho por prejudicada a preliminar de carência de ação, julgo procedentes os pedidos desta ação mandamental e concedo a segurança em caráter definitivo, ratificando a decisão fls. 25-26vº, para todos os fins de direito, devendo a UNIÃO restituir ao Impetrante, , com atualização pela tabela SELIC(§4º do art. 39 da Lei nº 9.250, de 1995), eventuais parcelas do imposto de renda que tenha sido retida na fonte dos seus proventos, após a data em que a Autoridade apontada como coatora foi notificada da referida decisão liminar. 
De ofício, submeto esta Sentença ao duplo grau de jurisdição e determino que a DD Autoridade Impetrada seja cientificada do seu inteiro teor, assim como o órgão de representação processual ao qual se encontra vinculada a Impetrada.
Sem verba honorária(art. 25[1] da Lei nº 12.016, de 2009, e Súmula 512 do C. Supremo Tribunal Federal)

P.R.I.
Recife, 29 de julho de 2011.

 

Francisco Alves dos Santos Júnior

      Juiz Federal da 2ª Vara/PE




[1]Art. 25.  Não cabem, no processo de mandado de segurança, a interposição de embargos infringentes e a condenação ao pagamento dos honorários advocatícios, sem prejuízo da aplicação de sanções no caso de litigância de má-fé.” 

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