quarta-feira, 21 de julho de 2010

O IMPOSTO DE RENDA E OS ASSOCIADOS DE COOPERATIVAS

Por Francisco Alves dos Santos Jr.


Segue uma sentença que aborda um assunto não muito debatido: há ou não imposto de renda sobre os juros das quotas-partes do capital integralizado, que as Cooperativas distribuiem para os respectivos Associados??
Leia a sentença e fique sabendo.
Boa leitura!


JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
Seção Judiciária de Pernambuco
2ª VARA

Juiz Federal: Francisco Alves dos Santos Júnior
Processo nº 2009.83.00.12061-6 - Classe 29 – Ação Ordinária
Autor: COOPERATIVA DE E. E. C. MÚTUO DOS SERVIDORES PÚBLICOS DOS PODERES EXECUTIVO E LEGISLATIVO NO ESTADO DE .....
Adv.: M, A. A. – OAB/PB ...
Réu: UNIÃO FEDERAL
Procurador da Fazenda Nacional


Registro nº ...........................................
Certifico que eu, .................., registrei esta Sentença às fls..........
Recife, ...../...../2010.

Sentença tipo A.

EMENTA: - TRIBUTÁRIO. JUROS. COOPERATIVA. RENDIMENTO DO ASSOCIADO.

Os juros das quotas-partes do capital integralizado, distribuídos por Cooperativa para seus Associados, nos limites legais, não gozam de isenção do imposto de renda.

Improcedência.


VISTOS ETC.

A COOPERATIVA DE ECONOMIA E CRÉDITO MÚTUO DOS SERVIDORES PÚBLICOS DOS PODERES EXECUTIVO E LEGISLATIVO NO ESTADO DE PERNAMBUCO - CREDIPE ajuizou, em 04.08.2009, a presente “Ação Declaratória de Inexistência de relação Jurídico-Tributária”, contra a UNIÃO, aduzindo, em síntese, que, no dia 26.03.2009, quando da realização da assembléia geral ordinária, teria sido deliberada a distribuição das sobras líquidas apuradas no exercício de 2008 aos seus cooperados, em consonância com o disposto no inciso VII do art. 4 da Lei nº 5.764/71; que, conforme decidido, às quotas-partes do capital dos cooperados seriam aplicados juros incidentes dobre a parcela integralizada, respeitado o limite de 12% ao ano; que seria previsto no Decreto nº 3.000, de 26.03.1999 (Regulamento do Imposto de Renda) que as empresas em geral deveriam proceder à retenção de 15% a título de imposto de renda, quando do pagamento ou crédito de tais juros aos respectivos beneficiários; que, todavia, o art. 182 da mencionada legislação abriria uma exceção, dispondo que, em se tratando de cooperativa, na hipótese de serem observados os critérios ali estatuídos, estaria fora do campo de incidência do imposto de renda, não sujeitando seus cooperados à respectiva retenção; que, se a cooperativa limitar-se a aplicar os juros ao capital integralizado até o máximo de 12% ao ano, não estaria obrigada a reter o imposto de renda à razão de 15%; que o fato gerador da obrigação questionada seria a ultrapassagem do percentual de 12%; que, se os juros aplicados pela cooperativa não ultrapassassem o limite de 12% ao ano, estar-se-ia diante da hipótese de não-incidência tributária; que, por precaução, a Autora destacara dos juros aplicados às quotas-partes do capital integralizado dos seus cooperados o percentual de 15%, havendo realizado o respectivo depósito judicial, por meio da ação cautelar preparatória de depósito (processo nº 2009.83.00.5715-3), de modo a suspender a exigibilidade do crédito tributário. Teceu outros comentários. Ao final, transcreveu: a citação da Ré; a procedência dos pedidos, para reconhecer a inexistência de relação jurídico-tributária que obrigasse a Autora a proceder à retenção do imposto de renda, à razão de 15% (quinze por cento), sobre os juros de 12% (doze por cento) ao ano, distribuídos às quotas-partes do capital integralizado de seus associados; a devolução do quantum depositado, por meio da cautelar preparatória. Deu valor à causa. Pediu deferimento. Instruiu a Inicial com instrumento de procuração e cópia de documentos (fls. 09/81).
Guia de recolhimento de custas (fl. 82).
Citada, a UNIÃO apresentou Contestação, às fls. 87/95, sustentando que a Autora não teria atentado para o fato de que a legislação não concederia isenção em face da distribuição de juros pagos ou creditados a sócio cooperado, a título de remuneração do capital, quando incidisse imposto de renda, pois na tributação desse imposto, o regime jurídico aplicável seria o do beneficiário dos rendimentos, não importando o regime jurídico aplicável à fonte pagadora; que a Autora estaria pretendendo a homologação, via inversa, das apurações por ela apresentadas, eximindo-se de quaisquer questionamentos acerca das mesmas futuramente; que, embora de maneira velada, o objeto da presente ação seria tolher a atuação fiscalizatória da Administração Pública Federal, de modo a não submeter os atos praticados pela Autora ao controle estatal; que a Receita Federal do Brasil já se manifestara no sentido de não ser possível, no momento, promover a apuração dos valores apresentados pela Autora, uma vez que a Declaração do Imposto de Renda Pessoa Jurídica, referente ao ano calendário de 2008, ainda não teria sido processada pelos sistemas da RFB; que não seria possível constatar se o depósito judicial fora ou não integral. Fez outros comentários. Ao final, requereu: o acolhimento da preliminar de não concessão do benefício de justiça gratuita; a improcedência dos pedidos formulados na Inicial, condenando a Autora ao pagamento de custas e honorários. Protestou o de costume. Pediu deferimento. Juntou cópia de documentos (fls. 94/102).
A Autora apresentou Réplica, às fls. 105/115, rebatendo os argumentos da Defesa e reiterando os termos da Inicial.
Petição da União, à fl. 119, sobre o destino a ser dado ao valor depositado.
Vieram os autos conclusos para julgamento.

É o Relatório.
Passo a decidir.

Fundamentação

Matérias Preliminares.

1. Resta prejudicada a análise de tal preliminar, suscitada pela UNIÃO, eis que a parte autora não formulou pedido de concessão dos benefícios da justiça gratuita, havendo, inclusive, recolhido as custas iniciais, conforme guia respectiva juntada à fl. 82.

2. A união também levanta preliminar de impossibilidade jurídica do pedido, porque a Parte Autora estaria apenas querendo livrar-se da fiscalização, que seria um ato privativo da Fazenda Pública e o faz nos seguintes termos: “..., atente-se que o objeto da presente ação encerra um pedido juridicamente impossível.” .
Realmente, qualquer medida da Fazenda Pública tendente ao lançamento do tributo, considerando que o lançamento é um ato potestativo e privativo do Administrador Tributário(art. 142 do Código Tributário Nacional), não pode sofrer suspensão, nem qualquer tipo de impedimento, até mesmo porque a Fazenda Pública tem o prazo de cinco anos para fazê-lo(§ 4º do art. 150 e inciso I do art. 173, todos do Código Tributário Nacional). Nem mesmo o Judiciário poderá impedir o Administrador Tributário de cumprir o seu poder-dever. A respeito do assunto já tive oportunidade de escrever:
“Na fase de realização do lançamento, tendo em vista a regra do art. 142 do Código Tributário Nacional, não pode o Judiciário determinar suspensão do andamento do respectivo processo administrativo, pois, segundo o art. 151-IV do CTN, o Judiciário só pode suspender a exigibilidade do crédito tributário, e só há crédito tributário exigível após a finalização do lançamento”.
Todavia, no presente caso, a Autora está querendo apenas que o Judiciário lhe reconheça o direito de não reter IR na fonte, relativamente a determinadas operações, sem prejuízo nenhum para a fiscalização das suas atividades e até mesmo dos fatos envolvidos neste processo, tampouco quanto à possibilidade de um lançamento revisional, a ser feito pela Fazenda Pública, relativamente aos fatos em debate neste feito, mesmo que seja judicialmente vencedora.
Assim, tenho que essa preliminar também não merece acolhida.

3. Ainda preliminarmente, esclareço, de ofício, que, no fundo, o contribuinte da parcela de imposto de renda em debate neste feito é o Associado da Autora, mas, quanto a esse imposto, na operação de retenção na fonte, a Autora é eleita pelo Código Tributário Nacional, art. 45, como substituta tributária destes, logo tem a Autora legitimidade para esta ação.

Matéria de Mérito

Infelizmente, até a presente data não veio à luz Lei Complementar, prevista na redação originária de uma das alíneas do inciso III do art. 146 da Constituição da República, regulamentando o “adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas”, como constou e consta desse dispositivo constitucional, não obstante já tenha sido alterado pela Emenda Constitucional nº 42, de 2003.
Logo, continua sendo aplicado às Cooperativas a respectiva Lei Orgânica, Lei nº 5.764, de 16.12.1971.
A Autora pretende que este Órgão Judiciário reconheça-lhe o direito de não reter na fonte IR, à alíquota de 15%, sobre os juros anuais de 12% das quotas-partes do capital integralizado de seus Associados, distribuídos a estes.
Reza o § 3º do art. 24 da referida Lei nº 5.764, de 16.12.1971, invocado na petição inicial:
“§ 3° É vedado às cooperativas distribuírem qualquer espécie de benefício às quotas-partes do capital ou estabelecer outras vantagens ou privilégios, financeiros ou não, em favor de quaisquer associados ou terceiros excetuando-se os juros até o máximo de 12% (doze por cento) ao ano que incidirão sobre a parte integralizada.”.
Essa Lei não regrou o tratamento tributário dessa operação, porque certamente o Legislador tinha em mente apenas regulamentar a constituição e funcionamento das Cooperativas.
A Autora sustenta que a parcela a ser distribuída aos associados, decorrentes do dispositivo legal acima transcrito, gozaria de isenção do imposto de renda e essa isenção estaria prevista nos §§ 1º e 2º do art. 182 do Regulamento do Imposto de Renda, aprovado pelo Decreto nº 3.000, de 1999.
Eis a redação desses dispositivos do referido Regulamento:
“Art. 182. As sociedades cooperativas que obedecerem ao disposto na legislação específica não terão incidência do imposto sobre suas atividades econômicas, de proveito comum, sem objetivo de lucro (Lei nº 5.764, de 16 de dezembro de 1971, art. 3º, e Lei nº 9.532, de 1997, art. 69).
§ 1º É vedado às cooperativas distribuirem qualquer espécie de benefício às quotas-partes do capital ou estabelecer outras vantagens ou privilégios, financeiros ou não, em favor de quaisquer associados ou terceiros, excetuados os juros até o máximo de doze por cento ao ano atribuídos ao capital integralizado (Lei nº 5.764, de 1971, art. 24, § 3º).
§ 2º A inobservância do disposto no parágrafo anterior importará tributação dos resultados, na forma prevista neste Decreto.”.
Note que, quanto ao aspecto tributário, o caput desse artigo 182 diz respeito à regulamentação do art. 69 da Lei nº 9.532, de 1997, que tem a seguinte redação:
“Art. 69. As sociedades cooperativas de consumo, que tenham por objeto a compra e fornecimento de bens aos consumidores, sujeitam-se às mesmas normas de incidência dos impostos e contribuições de competência da União, aplicáveis às demais pessoas jurídicas.”.
Constata-se, pela clareza dos dispositivos legais e regulamentares acima transcritos, que não trataram das parcelas que a Cooperativa distribuirá para os seus Associados, mas sim das atividades das próprias Cooperativas, ou seja, dizem respeito ao imposto de renda da próprias Cooperativas, e não do imposto de renda dos seus Associados.

Logo, tem razão a União quando, na sua contestação, alega que a questão diz respeito ao regime jurídico tributário aplicável ao Beneficiário dos rendimentos e não à Fonte Pagadora e nesse sentido indica várias r. decisões de julgadores administrativos.
Como consta de uma das r. decisões administrativas, transcritas na defesa da União, as isenções do imposto de renda estão arroladas no art. 39 do referido Regulamento e nele não se encontra arrolado o recebimento de juros sobre a quota-parte de capital de Cooperativa por parte dos seus Associados.
E, como se sabe, qualquer renúncia fiscal, entre a qual enquadra-se a isenção tributária, só pode ser reconhecida se consignada em Lei(§ 6º do art. 150 da Constituição da República).
E não havendo Lei dando isenção para o mencionado fato, não prospera o pleito desta ação.

Conclusão

POSTO ISSO: a) rejeito as matérias preliminares da defesa; b) julgo improcedentes os pedidos desta ação e condeno a Autora nas custas processuais e em verba honorária, que arbitro em 10%(dez por cento)do valor em questão, que é o valor da causa, o qual será atualizado a partir do mês seguinte ao da propositura desta ação, pelos índices de correção monetária do Manual de Cálculos do Conselho da Justiça Federal e acrescidos de juros de mora legais, à razão de 0,5%(meio por cento) ao mês, contados estes da data da intimação da execução desta Sentença, mas incidentes sobre o valor já monetariamente corrigido, sem prejuízo da multa do art. 475-J do Código de Processo Civil, caso se concretize a hipótese ali prevista.
Após o trânsito em julgado, converta-se o depósito em renda da União, sem prejuízo de esta exigir eventuais diferenças, por meio de lançamento revisional, caso não tenha ocorrido decadência do respectivo direito.

P.R.I.

Recife, 21 de julho de 2010.


Francisco Alves dos Santos Júnior
Juiz Federal, 2ª Vara-PE

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