segunda-feira, 30 de novembro de 2020

AÇÃO POPULAR. FALTA DE CAPACIDADE POSTULATÓRIA. BACHAREL EM DIREITO. EXTINÇÃO.

Por Francisco Alves dos Santos Júnior

No Brasil, aquele que não for advogado, inscrito na respectiva Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil, não pode assinar petição inicial de ação popular, perante o Judiciário, ainda  que tenha legitimidade ativa ad causam, por lhe faltar a denominada capacidade postulatória. 

Na sentença que segue, esse assunto é debatido a luz de julgado da Suprema Corte. 

Boa  leitura.


Obs.: sentença pesquisada e minutada pela Assessora Rossana Maria Cavalcanti Reis da Rocha Marques



 PROCESSO Nº: 0818860-68.2020.4.05.8300 - PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL

AUTOR: J R L B 
ADVOGADO: J R L B 
RÉU: ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL SECÇÃO DE PERNAMBUCO
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO)

Sentença tipo C.


EMENTA. AÇÃO POPULAR. PROCESSUAL CIVIL. PETIÇÃO INICIAL ESCRITA E ASSINADA POR BACHAREL EM DIREITO. AUSÊNCIA DE CAPACIDADE POSTULATÓRIA.

Extinção do processo, sem resolução do mérito, por falta de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido e regular, qual seja a capacidade postulatória.


Vistos etc.

1-Relatório

J R L B, Bacharel em Direito e Estagiário do curso de Direito, com qualificação completa na Petição Inicial, ajuizou em 27/11/2020, esta AÇÃO POPULAR em face do CONSELHO SECCIONAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL EM PERNAMBUCO, na pessoa do seu Presidente, Dr. BRUNO DE ALBUQUERQUE BAPTISTA, na qual pretende, em síntese:

"(...)requer que lhe seja declarada o cabimento e a tempestividade do pedido de Ação Popular, requerida por verificada irregularidade e ilegalidade de representatividade do Conselho Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil em Pernambuco, ora representada pela associação privada de classe profissional denominada Ordem dos Advogados do Brasil Secção de Pernambuco-OAB/PE, decorrendo assim no presente pedido para cessar situações de atos lesivos praticados com abuso de poder, ilegitimidade por incompetência e ilegalidade por desvio de finalidade; com evidentes constrangimentos ilegais praticados pelo Réu ao impor exigências desmedidas ao Autor e os demais examinados para o livre exercício laboral no âmbito das competências da Advocacia privada de direito público; apelo que o autor reiteradamente classifica como exigências impeditivas, abusivas e excessivas, e agora de ilegais e ilegítimas;

Requerendo por iguais razoes a imediata notificação e denunciação ao Ministério Público Federal em Pernambuco das práticas irregulares cometidas pelo demandado, sob a orientação da suspensão das suas atividades, referendadas àquelas que lhes são impedidas o exercício, dentre elas destacadas o direito de realizar o Exame da Ordem e o direito de decidir os pedidos de inscrição nos quadros de advogados e estagiários;

Requer, inclusive, a impugnação da Realização da Segunda Fase do Exame da Ordem Edição XXXI a ser realizado no Estado de Pernambuco com data prevista para dia 06/12/2020, por ilegalidade e consequente ilegitimidade ativa por parte da associação privada de classe profissional denominada Ordem dos Advogados do Brasil Secção de Pernambuco;

No que Autor passa requerer para mitigar essa situação danosa, em proveito ao processo, ao direito e a justiça, a exigência tão somente da aprovação na primeira Fase do Exame da Ordem aos examinados quanto cumprimento do Inciso IV, do Artigo 8º, da Lei nº 8.906/94, para Habilitação Profissional ao livre exercício da Advocacia Privada de direito público, com o direito estendido para todos os examinados que se encontram nestas condições de aprovados na primeira fase do exame da ordem inscritos através da OAB-PE para fazer a referida segunda fase do Exame da Ordem, em razão do periculum in mora e fumus boni iuris; proveito necessário para minimizar os danos dos atos lesivos reiterados que essa situação de ilegitimidade, ilegalidade e incompetência tem provocado;

Requer ainda a gratuidade da justiça com isenção de custas judiciais e do ônus da sucumbência, com fulcro no inciso LXXIII, do Artigo 5º da Constituição Federal, pela boa fé objetiva;

Requerendo, por fim, a citação do réu para apresentar sua defesa naquilo que lhe couber, por zelo ao Direito e a Justiça."

Atribuiu valor à causa e juntou documentos.   

Na Petição Inicial, o Autor pugnou pela distribuição desta  Ação Popular por dependência à ação de procedimento comum de nº 0806247-16.2020.4.05.8300T, distribuída em 19/03/2020, em trâmite nesta 2ª Vara Federal/PE, na qual pretende, em síntese:

"1) Que seja concedida a Tutela Provisória de Urgência, com fulcro no Art. 300, §2, do CPC, declarando que o modo de ser da relação jurídica efetiva aplicada do Art. 27 do Regulamento Geral previsto na Lei nº 8.906/94 torna-se  instrumento de supressão da necessidade de submissão à segunda fase da prova exame da OAB; cumulada com a condenação do réu na obrigação de fazer a inscrição do proponente no quadro de Advogado Profissional da OAB Seccional Recife/PE, segundo o Caput do Art. 497 do CPC, em razão do seu resultado prático equivalente; para salvaguardar iminente risco maior dano e perda irreparável do direito no melhor fazimento da justiça sob a égide do Periculum in mora e Fumus boni iuris. 2) Que seja Declarada o cabimento da ação declaratória do modo de ser de uma relação jurídica cumulada com obrigação de fazer, segundo o Art. 19, I, e o Caput do Art. 497, ambos do CPC. 3) Que seja Declarada a tempestividade, com fulcro no Art. 20 do CPC. 4) Que seja Declarada que efetiva aplicação e cumprimento, pelo examinado, do Art. 27 do Regulamento Geral previsto na Lei nº 8.906/94, seguida da obrigatoriedade de o examinado fazer a segunda fase da prova exame da OAB, esta última exigência seria somente mais uma situação de atraso ao fazimento da justiça e ao cumprimento dos direitos constitucionais disciplinados nos artigos 5º, XIII e 170, VII, VIII, da CF, que versam sobre o trabalho e a livre iniciativa. 5) Que seja Declarada cumprido o requisito necessário do compromisso legal, conforme dispõe em seu artigo 20º do Regulamento Geral previsto na Lei nº 8.906/94, sendo este de igual força, poder e teor tanto para celebração do compromisso de Advogado Estagiário quanto para o compromisso de Advogado Profissional perante a OAB. 6) Que seja Declarada o modo de ser da relação jurídica efetiva aplicada do Art. 27 do Regulamento Geral previsto na Lei nº 8.906/94 torna-se  instrumento de supressão da necessidade de submissão à segunda fase da prova exame da OAB. 7) Que seja condenado o réu na obrigação de fazer a inscrição do proponente no quadro de Advogado Profissional da OAB Seccional Recife/PE, segundo o Caput do Art. 497 do CPC, em razão do seu resultado prático equivalente."

Processo distribuído livremente por sorteio, consoante certidão sob id. 4058300.16752312.

2 - Fundamentação

2.1- Da prevenção

O Código de Processo Civil de 2015 - CPC/2015 determina, em seu art. 55, §§1º e 3º, que devem ser distribuídas por dependência as causas de qualquer natureza, quando lhes for comum o pedido ou a causa de pedir ou então, mesmo sem conexão entre elas, houver risco de decisões conflitantes ou contraditórias, caso decididas separadamente.

Pois bem, ante o risco de decisões conflitantes ou contraditórias, pois nos dois processos está em evidência o exame da OAB/PE, a ser realizado no próximo dia 06/12/2020, forçoso reconhecer a prevenção deste Juízo da 2ª Vara Federal/PE para processar e julgar esta ação.

2.2 - Da Autuação

Antes da publicação desta sentença, a Secretaria deve alteração a autuação para a classe de ação popular.

2.3 - Inicialmente, importante consignar que, nos autos do PJE nº 0806247-16.2020.4.05.8300T, ajuizado pelo ora Autor em face da ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL SECÇÃO DE PERNAMBUCO, este Juízo concedeu, parcialmente, a tutela provisória de urgência de antecipação e declarou que, enquanto a OAB/PE não realizasse a segunda fase do Exame de Ordem e não viesse à luz o respectivo resultado, o Autor poderia, uma vez que já cumpriu estágio e foi aprovado na primeira fase do Exame de Ordem, advogar, como se Advogado Habilitado fosse, e determinou que a OAB/PE, fornecesse documento escrito, com essa autorização, para que o ora Autor o exibisse como habilitação para advogar.

Ocorre que a OAB/PE interpôs recurso de Agravo de Instrumento em face da mencionada Decisão, e o E. TRF-5ª Região concedeu efeito suspensivo ao recurso, para sustar os efeitos e o cumprimento da decisão, até o pronunciamento da Turma.

Na sequência, a Parte Autora foi intimada, nos autos do PJE nº 0806247-16.2020.4.05.8300T, a regularizar representação processual, apresentando instrumento de procuração.

Recentemente, o mérito do Agravo de Instrumento foi julgado, conforme noticiado naqueles autos, e a Terceira Turma do E. TRF-5ª Região deu provimento ao AI manejado pela OAB/PE.

2.4 - Feitas essas considerações preambulares, passa-se a analisar esta Ação Popular.

2.4.1- Da legitimidade ativa

O Autor-Popular é cidadão brasileiro e, como prova da cidadania, apresentou o seu título eleitoral e, ainda, o comprovante de votação no primeiro turno das eleições municipais/2020.

Assim, encontra-se satisfeita a prova da cidadania exigida pela Lei nº 4.717, art. 1º, §3º, que o legitima a ingressar com esta Ação Popular.

2.4.2 - Da capacidade postulatória do Autor.

Em apertada síntese, o Autor-Popular pretende não se submeter à segunda fase do Exame da OAB/PE prevista para acontecer neste Estado de Pernambuco, no dia 06/12/2020, e impugna a referida segunda fase pelas razões aduzidas na Inicial. Requer, ademais, que a Decisão a ser proferida nestes autos alcance todos os Examinandos que se encontrem na mesma situação.

Trata-se de Ação Popular cuja Petição Inicial não está assinada por Advogado, mas por Bacharel em Direito, diplomado em curso de Direito, e que também é Estagiário em Direito.

Inicialmente, não se pode deixar de mencionar, consoante historiado, que o E. TRF-5ª Região deu provimento ao Agravo de Instrumento interposto pela OAB/PE em face da Decisão deste Juízo que autorizava o ora Autor, que já realizara e fora aprovado na primeira fase do Exame da OAB, a advogar, até que realizasse a segunda fase do Exame da OAB.

Ocorre que a mencionada Decisão fora suspensa  pelo E. TRF-5ª Região e, posteriormente, totalmente modificada no respectivo v. acórdão da mencionada d. Turma  do referido Tribunal.

Importante lembrar que no PJE nº 0806247-16.2020.4.05.8300T este Juízo não isentou o  Autor de realizar a segunda fase do Exame da OAB/PE; apenas se lhe permitiu  que exercesse a atividade profissional de Advogado, até que pudesse realizar a segunda fase do Exame da OAB/PE.

Nestes autos, o Autor pretende não se submeter à segunda fase do Exame da OAB, e impugna a própria segunda fase.

E, sem estar amparado em decisão judicial, e também sem estar assistido por Advogado regularmente inscrito na OAB, ingressou com esta Ação Popular e assinou a referida Petição Inicial.

Oportuno observar que a "Ação Popular" não se enquadra em nenhuma das exceções nas quais a lei concede à própria parte a capacidade de postular sozinha, sem assistência de Advogado, perante os órgãos do Poder Judiciário[1].

Assim, salvo em hipóteses excepcionais, nas quais não se enquadra a Ação Popular, não se pode ingressar em Juízo sem a presença de Advogado, regularmente inscrito na OAB.  

Nesse contexto, forçoso reconhecer a ausência de capacidade postulatória do Autor para ingressar com esta Ação Popular.

No sentido do exposto já decidiu o E. Superior Tribunal de Justiça, in verbis:

"PROCESSUAL CIVIL AÇÃO POPULAR MOVIDA POR PARLAMENTAR CONTRA O ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL E SEU GOVERNADOR CONCESSÃO DE LIMINAR PARA SUSPENDER O EMPREGO DE PESSOAL E RECURSOS PÚBLICOS NA PRÁTICA DE ATOS RELATIVOS AO DENOMINADO ORÇAMENTO PARTICIPATIVO SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA MEDIDA LIMINAR  AGRAVO REGIMENTAL CONTRA DECISÃO DO PRESIDENTE DO TRIBUNAL A QUO. NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO, POR FALTA DE CAPACIDADE POSTULATÓRIA DO AGRAVANTE. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 30, INCISO II, DA LEI Nº 8.906/94 RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E PROVIDO PARA REFORMAR O ACÓRDÃO RECORRIDO E ACOLHER A PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO DO REGIMENTAL.

I Não há confundir capacidade postulatória com legitimidade processual para propor ação.

II Na ação popular movida por parlamentar (Deputado Federal) contra Estado da Federação, não pode o autor, mesmo em causa própria e na condição de advogado, interpor como signatário único, recurso de agravo regimental, impugnando decisão que, no curso do processo, suspendeu liminar concedida em primeiro grau, porquanto está impedido de exercer a advocacia, no caso, a teor do disposto no artigo 30, inciso II, da Lei nº 8.906/94.

III Recurso especial parcialmente conhecido e provido, para reformar a decisão recorrida, acolhendo a preliminar de não conhecimento do agravo regimental. (REsp 292.985/RS, Rel. Ministro GARCIA VIEIRA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 27/03/2001, DJ 11/06/2001, p. 131[2]). (G.N.)

O C. Supremo Tribunal Federal - STF também já teve oportunidade de examinar a questão, consoante se extrai da r. Decisão exarada pela Ministra Carmem Lúcia, que, por motivo de incompetência absoluta do STF, não conheceu da Petição Inicial da Ação Popular.

No que interessa ao caso em apreço, eis o que constou da r. Decisão in verbis:

"(...)

3. Registre-se, inicialmente, que a petição inicial não foi assinada por advogado regularmente inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, o que seria suficiente para o não-conhecimento da ação.

É que, apesar de ser direito de todo cidadão postular judicialmente, a capacidade postulatória é constitucionalmente conferida a advogado.

Neste sentido, por exemplo, a lição de Cândido Rangel Dinamarco, segundo o qual:

'Tem duas importantes razões de ser a indispensabilidade do advogado, proclamada constitucionalmente e refletida no Estatuto do Advogado (art. 2º). A primeira delas é a conveniência técnica de confiar a defesa a pessoas com capacitação profissional adequada e sujeitas a um regime organizacional e disciplinar imposto por entidade de categoria estruturada para tanto (a Ordem dos Advogados do Brasil). A segunda é a conveniência psíquica de evitar as atitudes passionais da parte em defesa própria; como puro profissional, que não é o titular dos interesses em conflito, ele não fica tão envolvido como a parte nas angústias e acirramentos de ânimos a que esta está sujeita. O advogado profissionalmente bem formado opera como eficiente fator de arrefecimento dos conflitos e reúne condições muito melhores que a parte para argumentar racionalmente, evitar condutas agressivas ou desleais e eventualmente negociar a conciliação com o advogado da parte contrária (DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. Vol. II. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 287).

(...)" (Pet. 4342/SP - São Paulo. Petição. Relator (a): Min. Cármem Lúcia. Julgamento: 27/08/2008. Publicação DJe-173 DIVULG 12/09/2008 PUBLIC 15/09/2008. Partes REQTE.(S): JOSÉ CARLOS BARBOSA REQDO.(A/S): CAIXA ECONÔMICA FEDERAL REQDO.(A/S): CAIXA SEGURADORA S/A[3]).

Ademais, o Estatuto da OAB dispõe que os atos praticados por quem não possui capacidade postulatória são nulos, ou seja, inválidos.

Reza o art. 4º da Lei nº 8.906/94:

"Art. 4º São nulos os atos privativos de advogado praticados por pessoa não inscrita na OAB, sem prejuízo das sanções civis, penais e administrativas.

Parágrafo único. São também nulos os atos praticados por advogado impedido - no âmbito do impedimento - suspenso, licenciado ou que passar a exercer atividade incompatível com a advocacia."

Com essas considerações, não será recebida a "petição inicial", ante a falta de um pressuposto de constituição e desenvolvimento válido e regular, qual seja a capacidade postulatória, sendo imperativa a extinção do processo, sem resolução do mérito.

3 - Dispositivo

Posto isso:

3.1 - Preliminarmente, antes de publicar esta sentença, determino que a Secretaria deste Juízo providencie a alteração da classe processual desta ação, para Ação Popular.

 3.2 -  Ainda preliminarmente. ante o exposto, de ofício, extingo o processo, sem resolução do mérito, por ausência de pressuposto de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo (CPC, art.   485, inc. IV, §3º).

Sem custas e sem honorários (CRFB/88. Art. 5º, LXXIII).

De ofício, submeto esta sentença ao duplo grau de jurisdição obrigatório (Lei nº 4.717/65, art. 19, caput).

R.I.

Recife, 30.11.2020.

Francisco Alves dos Santos Júnior

Juiz Federal da 2ª Vara Federal/PE


 

 



[1] Ações que se processam nos Juizados Especiais Cíveis (causas de até 20 salários mínimos/Lei nº 9.099/95, art. 95), Juizado especial Federal e Juizado da Fazenda Pública Estadual, e também nas ações de alimentos (Lei nº 5.478/68, art. 2º), em ações de habeas corpus e nas reclamações trabalhistas (CLT, art. 791).

[2] BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/pesquisar.jsp Acesso em: 30/11/2020.

[3] BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Disponível em: https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/despacho102374/false Acesso em: 30/11/2020.

  

A PRESCRIÇÃO DE PARCELAS DO SALDO DEVEDOR DE IMÓVEIS FINANCIADOS PELA CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF, CEDIDOS À EMPRESA GESTORA DE ATIVOS - EMGEA.

Por Francisco Alves  dos  Santos Júnior


Na sentença infra, discute-se a interessante questão da prescrição aquisitiva de imóveis do SFH, bem como de parcelas  do saldo devedor dos contratos de financiamento ainda que por esse sistema, firmados com a Caixa Econômica Federal - CEF e cedidos à Empresa Gestora  de Ativos - EMBEA.

Boa leitura. 


 PROCESSO Nº: 0823538-63.2019.4.05.8300 - PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL

AUTOR: F DE A A 
ADVOGADO: C V C P e outros
RÉU: CAIXA ECONOMICA FEDERAL e outro
ADVOGADO: R L G 
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO)


Sentença tipo B, registrada eletronicamente

EMENTA: DIREITO ECONÔMICO. DIREITO CIVIL. PRESCRIÇÃO DE PARCELAS DO SALDO DEVEDOR DE CONTRATO DE FINANCIAMENTO DE IMÓVEIS. BAIXA NA  HIPOTECA.

-A fluência do prazo de prescrição, relativa a contrato sob prestação, ocorre a partir do dia seguinte ao final da data de vencimento da última prestação.

-Inércia da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF e da EMPRESA GESTORA DE ATIVOS - EMGEA na cobrança de parcelas do(s) saldo(s) devedor(es).

-Inaplicabilidade, ao caso, do entendimento de Turmas do E. STJ da impossibilidade de aquisição de imóvel do SFH por usucapião(prescrição aquisitiva).

-Reconhecimento da prescrição da pretensão das CAIXA e EMEA cobrarem parcelas do saldo devedor, bem  como da obrigação de ambas, solidariamente, darem baixa na(s) respectiva(s) hipoteca(s). 

-Procedência.


Vistos etc..

1. Relatório

F DE A A, qualificado na petição inicial, propôs esta ação declaratória de prescrição com cancelamento definitivo de hipoteca e tutela provisória de urgência em caráter antecedente em face da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CAIXA e da EMPRESA GESTORA DE ATIVOS - EMGEA, pleiteando, liminarmente, a suspensão do leilão extrajudicial dos imóveis objeto dos autos, marcado para o dia 26/11/2019. Requereu, preliminarmente, a concessão de prazo para juntar aos autos instrumento de procuração e comprovante de recolhimento de custas. Alegou, em síntese, que: a) teria adquirido os imóveis caracterizados como lojas nº 3, 4, 5 e 6 do Conjunto Comercial, localizado na Avenida Dr. Cláudio Gueiros Leite, nº 2235, bairro do Janga, Paulista/PE, aquisição esta advinda após assinatura da Escritura Pública de Mútuo com Garantia Hipotecária firmado com o vendedor e, especialmente, com a CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, datada do mês de agosto de 1992, nos precisos termos das matrículas nº 25.313, 25.315, 25.185 e 25.317, respectivamente; b) o mútuo, no valor de CR$ 46.500.000,00 (cada um dos imóveis), teria suas condições de pagamento indicadas no R-2 das referidas matrículas, cujo conteúdo informa que ele deveria ser pago em 120 (cento e vinte) parcelas mensais, a primeira vencendo no dia 31/08/1992; c) considerando que o pagamento da dívida teve início no dia 31 de agosto de 1992, e considerando que o prazo total para quitação do mesmo era de 120 (cento e vinte) meses, ou seja, 10 (dez) anos seria certo afirmar que o dito financiamento terminou por ver vencer a última parcela no dia 31 de agosto de 2002; d) passados quase 17 (dezessete) anos da data indicada como do vencimento da última parcela do contrato e embora o autor não ostente termo de quitação do mesmo, não teria havido, por parte da instituição bancária credora, ou mesmo da EMGEA, qualquer ação efetiva com o objetivo de cobrar valores que estivessem em aberto, seja ela extrajudicial ou mesmo judicial, EXCETO medida cautelar de protesto distribuída no ano de 2008, quando já prescrita a obrigação; e) em 09 novembro de 2019 e novamente em 21 de novembro de 2019, teria sido surpreendido com a publicação de edital de leilão extrajudicial no Jornal Folha de Pernambuco, dando conta que o imóvel por ele adquirido seria alvo de leilão extrajudicial por dívida decorrente do contrato acima identificado. Teceu outros comentários acerca da prescrição da obrigação. Protestou o de estilo. Deu valor à causa. Instruiu a inicial com documentos.

Decisão (ID. 4058300.12766834) na qual foi determinada a intimação da parte autora para, no prazo de 15 (quinze) dias, juntar aos autos o Instrumento de Procuração e o comprovante de recolhimento das custas e, com relação aos imóveis, deferiu-se, em parte, o pedido de antecipação dos efeitos da tutela, apenas, para determina a suspensão de todo e qualquer procedimento executivo tendente a sua alienação a terceira pessoa ou a sua integração no patrimônio da CAIXA ou da EMGEA, especialmente os noticiados leilões, até ulterior decisão judicial, assim como foi determinada a expedição de ofício ao Cartório de Registro de Imóveis no qual se encontram registradas as escrituras dos imóveis em questão.

Ofício expedido (ID. 4058300.12851775)

Certificada a juntada do recibo de envio do ofício (ID. 4058300.12873409).

A parte autora requereu a juntada do Instrumento de Procuração e do comprovante de recolhimento das custas (ID. 4058300.13056446 e ID. 4058300.13056449).

Ofício resposta do 1º Serviço Notarial e Registral - Paulista/PE noticiando o cumprimento da determinação deste Juízo (ID. 4058300.13194056).

Ato ordinatório (ID. 4058300.13205248) no qual a parte autora foi intimada para tomar ciência do ofício resposta do Cartório competente.

Certificado o encaminhamento para o setor de expedientes a fim de dar ciência ao leiloeiro (ID. 4058300.13205328).

A CAIXA/EMGEA apresentaram contestação (ID. 4058300.13246759). Em preliminar defenderam a inexistência de prescrição. No mérito pontuaram a legalidade das cláusulas contratuais, do pacta sunt servanda e da inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor. Defenderam a existência de previsão da prorrogação do prazo contratual e da responsabilidade dos mutuários por eventual saldo residual; a legalidade da execução extrajudicial prevista no Decreto-Lei nº 70/66; da não inversão do ônus da prova. Ao final, requereram a total improcedência dos pedidos da parte autora e o deferimento dos argumentos declinados na contestação, com a condenação da parte autora ao pagamento do ônus oriundos de sua sucumbência (ID. 4058300.13246759).

Ato ordinatório (ID. 4058300.13304533) no qual a parte autora foi intimada para, querendo, apresentar réplica.

A parte autora apresentou réplica (ID. 4058300.13347487), oportunidade na qual defendeu a efetiva ocorrência da prescrição e inexistência de prorrogação do prazo para amortização; apontou a irrelevância da força obrigacional do contrato e da inaplicabilidade do CDC, por ser matéria estranha ao pedido autoral, uma vez que o mérito da questão paira apenas sobre a prescrição das obrigações; apontou a ilegalidade de procedimento sob a luz do Decreto-Lei nº 70/66 diante da inexistência e obrigação válida a ser executada; a ausência de prova da qual não se desincumbiram as demandadas; requereu, ainda, a correção do valor da causa. Teceu outros comentários. Ao final, requereu seja: avaliada a necessidade de correção do valor da causa; declarada a prescrição de todos os débitos porventura existentes em relação ao contrato de compra e venda; confirmada a medida liminar inicialmente deferida para suspender em definitivo a realização de leilão extrajudicial dos imóveis objeto do contrato supracitado; determinada a expedição de ofício ao Oficial Registrador do Cartório do 1º Serviço Notarial e Registral da Comarca de Paulista/PE, a fim de que seja procedida a baixa definitiva das hipotecas de 1º grau, constantes das matrículas de nº 25.313, 25.315, 25.185 e 25.317 das lojas nº 3, 4, 5 e 6 do Conjunto Comercial, localizado na Avenida Dr. Cláudio Gueiros Leite, nº 2235, bairro do Janga, Paulista/PE.

A CAIXA/EMGEA requereram o julgamento do feito (ID. 4058300.15941754).

A EMGEA requereu a inclusão do nome do advogado RICARDO LOPES GODOY, OAB/PE1931A (ID. 4058300.15941755). E juntou Instrumento de Procuração (ID. 4058300.15941758).

Vieram os autos conclusos.

É o relatório. Decido.

2. Fundamentação

2.1. Representação Processual CAIXA/EMGEA

O pedido de cadastramento da habilitação do(a)(s) advogado(a)(s) acima indicado(a)(s) pela CAIXA e EMGEA já foi atendido, é tanto que o(s) seu(s) nome(s) está(ao) anotado(s) como Patrono(a)(s) dessa(s) Empresa(s) na distribuição deste processo.

2.2. Julgo antecipadamente este feito, de acordo com o estado do processo, por entender desnecessária qualquer outra dilação probatória, uma vez que a documentação acostada nos autos permite-me extrair a conclusão para esta demanda (art. 355, I, CPC).

2.3. Do Mérito

2.3.1. Da Prescrição

Busca a p arte autora a declaração da prescrição da pretensão das partes do polo passivo (CAIXA/EMGEA) de cobrarem valores de prestações relativas ao financiamento de quatro imóveis junto à CAIXA.

2.3.1.1 - Prescrição Aquisitiva - Usucapião - de Imóvel do SFH

Conforme já registrado na decisão sob o id. 4058300.12766834, os imóveis objeto de financiamento pela CAIXA, pelo sistema financeiro de habitação, não são passíveis de aquisição prescritiva (usucapião), conforme entendimento acolhido pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça:

"O imóvel da Caixa Econômica Federal vinculado ao Sistema Financeiro de Habitação, porque afetado à prestação de serviço público, deve ser tratado como bem público, sendo, pois, imprescritível"[1]

No mesmo sentido também decidiu a Quarta Turma do STJ[2].

2.3.1.2 -Prescrição da Pretensão de Cobrança de Valores  do Saldo Devedor

Mas, o entendimento descrito  no subitem anterior,  não se aplica à cobrança a ser feita pela CAIXA e/ou pela EMGEA de parcelas(prestações ou do saldo devedor)de contratos de financiamento de imóveis,  por qualquer  tipo de sistema, inclusive pelo Sistema Financeiro da Habitação.

Examinemos, pois, se houve ou não prescrição da pretensão de as CAIXA e EMGEA cobrarem parcelas dos saldos devedores, relativos aos três imóveis em questão, indicados na petição inicial.

Embora a Parte Autora não tenha apresentado sua via do contrato, assim como a CAIXA/EMGEA também não o fizeram, consta nos registros dos imóveis sob as matrículas de nº 25.313, 25.315, 25.185 e 25.317, todas do 1º Serviço Notarial e Registral - Paulista/PE (Id. 4058300.12763053, 4058300.12763070, 4058300.12763094 e 4058300.12763099), o registro R-2, no qual foi anotado que o financiamento da credora hipotecária (CAIXA) seria pago em 120 meses, ou 10 (dez) anos, com a primeira prestação vencendo no pretérito dia 31.08.1992.

Logo, pelas informações constantes nos autos, a última prestação do financiamento vencera no pretérito dia 31.08.2002 e, nas pesquisas nos sistemas TEBAS e PJe, os únicos processos vinculados ao autor (FRANCISCO DUCLERC MODESTO SIMEÃO - CPF 037.359.824-68) são uma medida cautelar de protesto, distribuída em 07.01.2008 e baixada (entregue) em 25.01.2008 e esta ação.

O contrato objeto dos autos foi assinado durante a vigência do Código Civil de 1916, de sorte que a contagem do prazo prescricional seria realizada levando em consideração o art. 177 do CC/1916, verbis:

"Art. 177. As ações pessoais prescrevem, ordinàriamente, em vinte anos, as reais em dez, entre presentes e entre ausentes, em quinze, contados da data em que poderiam ter sido propostas. (Redação dada pela Lei nº 2.437, de 1955).".     (Vigência)

A partir de janeiro de 2003, com a vigência do Código Civil de 2002, o prazo para cobrança desse tipo de débito passou a ser regulado pelo art. 206, §5º:

"Art. 206. Prescreve:

(...)

§ 5º Em cinco anos:

I - a pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular;".

Com a alteração(redução)do prazo prescricional, o próprio Código Civil de 2002 trouxe uma regra de transição para definir qual seria o prazo aplicável às relações jurídicas. Vide o artigo 2.028:

"Art. 2.028. Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada."

No caso dos autos, como não havia transcorrido mais de 05 (cinco) anos entre o vencimento da dívida (31.08.2002) e a entrada em vigor do Código Civil de 2002 (11.01.2003), prevalecerá a contagem do prazo prescricional deste.

Logo, a prescrição da cobrança de eventual saldo devedor ocorreu em 12.01.2008, porque o marco inicial de contagem do novo prazo de prescrição é o dia 11.01.2003, ou seja, a data de entrada em vigor do Código Civil de 2002 e não a data do fato gerador.

Não houve, por parte da CAIXA, tampouco da EMGEA, qualquer comprovação de que teria promovido atos para a execução da dívida no intervalo apresentado no parágrafo anterior, sendo forçoso o reconhecimento da prescrição do fundo de direito para a cobrança(ordinária ou executiva) das parcelas pendentes.

Nesse sentido:

"CIVIL. SFH. CONTRATO DE MÚTUO. INADIMPLÊNCIA DESDE O ANO DE 2001. AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO PARA EXECUÇÃO DA DÍVIDA ANTECIPADA. PRESCRIÇÃO. OCORRÊNCIA. CONTAGEM DO PRAZO A PARTIR DA VIGÊNCIA DO NOVO CÓDIGO CIVIL. PRECEDENTES DA TURMA. PROVIMENTO DO APELO.

1. Apelação do particular em sede de ação revisional de contrato de mútuo, em que em sede de apelo discute apenas a ocorrência de prescrição do débito das parcelas vencidas e não pagas, desde o ano de 2001, diante da omissão da Caixa Econômica Federal em promover a execução extrajudicial de tais valores.

2. Havendo inadimplência do mutuário, em relação ao seu contrato de mútuo firmado com a CEF, a dívida será antecipada a partir da terceira prestação sem que tenha ocorrido sua quitação. Na hipótese, é fato incontroverso que o particular se encontra inadimplente desde o ano de 2001, com o encerramento do contrato no ano de 2010, depois de vencida e não paga a última prestação em 10/07/2010.

3. Inexiste nos autos prova de ter o agente financeiro promovido à notificação do mutuário para pagamento do débito em aberto, mas tão somente afirma em sua apelação ter tomado providências acerca da sua cobrança. Não comprovada nos autos notificação pessoal do mutuário concedendo-lhes o prazo de vinte dias para a purgação da mora, de acordo com o art. 31, §1º, do Decreto-Lei nº 70/66, ou de qualquer documento que comprove tais providências, é de se reconhecer a ausência de qualquer ato de execução extrajudicial para cobrança do débito.

4. Prevendo o Código Civil anterior o prazo de 20 anos para a cobrança da dívida, mas, na data da entrada em vigor do Novo Código Civil (12.01.2003), havendo decorrido menos de 02 anos do surgimento da pretensão da CAIXA (o que deu ensejo à execução da dívida foi o inadimplemento do mutuário ocorrido em março de 2001), o novo termo final da prescrição foi antecipado para 12/01/2008 (05 anos após o início da vigência do Novo Código Civil), sendo este prazo incontroverso.

5. Não obstante a afirmativa da CEF de que promoveu atos para execução da dívida, não demonstrou tais providências, sendo a hipótese de se reconhecer a prescrição do fundo de direito para a Caixa Econômica Federal em promover a execução em tela, diante do transcurso do lustro prescricional, na hipótese, de cinco anos, a contar da entrada em vigor do novo Código Civil, que findou em 13/01/2008, declarando-se por quitada a dívida do contrato em tela, com a respectiva liberação da hipoteca do imóvel, após o trânsito em julgado da presente ação.

6. Precedentes da Turma: (AC 200883000035475, Desembargador Federal Paulo Gadelha, TRF5 - Segunda Turma, DJE - Data::23/09/2010 - Página::598.); (PROCESSO: 200981000006414, AC530735/CE, DESEMBARGADOR FEDERAL FRANCISCO WILDO, Segunda Turma, JULGAMENTO: 08/11/2011, PUBLICAÇÃO: DJE 17/11/2011 - Página 405); (AC 200980000000770, Desembargador Federal Rubens de Mendonça Canuto, TRF5 - Segunda Turma, DJE - Data::28/01/2010 - Página::172.). 7. Apelação do particular provida."[3].

Cabe registrar, ainda, que, embora a CAIXA aponte previsão contratual para prorrogação do contrato para a liquidação do saldo devedor residual, da leitura dos documentos juntados aos autos, não é possível identificar a existência de cláusulas com a previsão de responsabilidade, por parte do mutuário, em adimplir eventual saldo devedor após o pagamento das 120 (cento e vinte) prestações previstas em contrato.

Nesse ponto, inclusive, incumbiria à referida Empresa pública indicar expressamente onde estaria registrada essa previsão em contrato, o que não ocorreu.

Logo, patente a ocorrência da prescrição da possibilidade de as Requeridas cobrarem da Parte Autora as referidas  parcelas de saldo devedor do financiamento dos três imóveis  referidos na  petição inicial.

Prescrita a possibilidade de as CAIXA e EMGEA cobrarem mencionadas  parcelas,   tem-se que houve quitação do(s) financiamento(s), pelo que são obrigadas a dar baixa na(s) respectiva(s) hipoteca, pois a Parte Autora passou a fazer jus ao domínio pleno de tais  imóveis.

2.4. Da sucumbência

As Partes do polo passivo sucumbiram integralmente, pelo que serão condenadas nas respectivas verbas e, considerando o esforço e dedicação do Patrono da Parte Autora, tenho que mencionada verba deve ser aplicada no percentual médio legal de 15%(quinze por cento), conforme regra do § 2º do art. 85 do vigente Código de Processo Civil.

3. Dispositivo

Posto isso, julgo procedentes os pedidos desta ação e:

3.1 - pronuncio a prescrição da pretensão das ora Requeridas relativamente aos saldos devedores dos imóveis em questão e, com relação aos respectivos valores, dou por quitada a dívida da Parte Autora e por extinta esta ação,  com  resolução do  mérito(art. 487, inciso  II, do Código de Processo Civil);  e

3.2 - como consequência do consignado no subitem anterior, condeno as Requeridas, solidariamente, a providenciarem, no prazo máximo de 15(quinze) dias, baixa nas hipotecas dos  referidos imóveis,  perante o Cartório do 1º Serviço Notarial e Registral da Comarca do Paulista, perante o qual fizeram mencionada hipoteca, sob pena de pagamento de multa mensal correspondente a 10%(dez por cento) do valor dos saldos devedores, cuja prescrição foi acima reconhecida, sem prejuízo da responsabilização pessoa do Servidor e/ou respectiva Chefia das mencionadas Empresas públicas, ora Rés, no campo do direito civil, administrativo e criminal, bem como de referida baixa ser determinada por este Juízo diretamente ao mencionado Cartório, sob as expensas das ora Requeridas, sem prejuízo da mencionada multa e,  com relação a este pleito, dou o processo por extinto, com resolução do mérito(art. 487, I, CPC).

 

3.3 - Finalmente, condeno as Requeridas,  pro rata, mas solidariamente, ao pagamento de honorários advocatícios, que serão pagos ao Patrono da Parte Autora, no percentual médio de 15%(quinze) por cento sobre o valor atualizado das verbas tidas acima como prescritas, atualização(correção  monetária) a ser feita desde a data da citação até a data do efetivo pagamento, pelos índices do manual de cálculos do manual de cálculos do Conselho da Justiça Federal.

Registrada. Intimem-se.

Recife/PE, 30.11.2020.

Francisco Alves dos Santos Júnior

Juiz Federal da 2ª Vara da JFPE

mef




[1] Brasil. Superior Tribunal de Justiça. 3ª Turma. REsp 1448026 / PE RECURSO ESPECIAL 2014/0081994-7. Relatora Ministra Nancy Andrighi, julgado em 17.11.2016, in Diário Judicial Eletrônico - DJe de 21.11.2016.

Disponível em

https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=66923978&num_registro=201400819947&data=20161121&tipo=5&formato=PDF

Acesso em 30.11.2020

[2] ______________________________4ª Turma. AgInt no REsp 1513476 / AL AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL 2015/0002997-2. Relator Ministro Luis Felipe Salomão, julgado em 09.10.2018, in Diário Judicial Eletrônico - DJe de 15/10/2018.

https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=88702089&num_registro=201500029972&data=20181015&tipo=5&formato=PDF acesso em 30.11.2020

[3] Brasil. Tribunal Regional Federal da 5ª Região, 2ª Turma, AC 00153206020114058300, Desembargador Federal Francisco Wildo, in DJE de 05/07/2012, p. 398.

DECADÊNCIA DO PODER-DEVER DE ÓRGÃO DA UNIÃO REVER ATO ADMINISTRATIVO QUE LHE CAUSOU DANOS FINANCEIROS.

Por Francisco Alves dos  Santos Júnior


Segue um caso de decadência do poder-dever de Órgão da União refazer ato que lhe causou prejuízo jurídico-financeiro, no campo de progressão funcional de servidor público. 

Boa leitura. 





PROCESSO Nº: 0804757-56.2020.4.05.8300 - PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL 

AUTOR: T B J 
ADVOGADO: T E T V R e outros
RÉU: UNIÃO FEDERAL - UNIÃO.
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)

 

 Sentença tio A


    EMENTA: - DIREITO ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. PROGRESSÃO.PROMOÇÃO. REVISÃO DE PROVENTOS PELA ADMINISTRAÇÃO. DECADÊNCIA.

    - A Administração Pública tem o poder-dever de rever seus próprios atos, conforme a Súmula nº 473 do Supremo Tribunal Federal, desde que o faça no prazo legal de 5(cinco) anos(art. 54 da Lei nº 9.784, de 1999).

    - Reconhecimento da decadência  do direito de a UNIÃO exercer o seu poder-dever revisional dos proventos  do  Autor.

    - Condenação da UNIÃO a restabelecer os proventos do Autor, pagando as respectivas diferenças da noticiada redução, bem como em verba honorária.

     - Procedência.


Vistos, etc.

1. Relatório

Trata-se de procedimento comum, com pedido de antecipação dos efeitos da tutela, movido por T B J, em face da UNIÃO FEDERAL. Alegou em síntese, que: a) teria tomado posse no cargo de Analista Judiciário - Oficial de Justiça Avaliador do Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região, em 31 de janeiro de 2005, encontrando-se lotado na 1ª Vara do Trabalho do Cabo de Santo Agostinho; b) ao longo dos anos teria progredido gradativamente nos níveis salariais previstos para o cargo de Analista Judiciário, tanto por progressões funcionais (dentro da mesma classe), quanto por promoções (passagem do último nível salarial de uma classe para o primeiro da classe seguinte); c)teria logrado a promoção para o Nível Salarial 6 em agosto de 2010, através do Ato nº 650/2010, do Presidente do TRT da 6ª Região; d) em agosto de 2019, uma comissão do TRT6 designada para identificar irregularidades em progressões funcionais relacionadas à inobservância do interstício mínimo de 1 ano, teria entendido que a promoção deferida ainda no ano de 2010 ao Demandante padeceu de vício relacionado ao não cumprimento da carga horária mínima de cursos de aperfeiçoamento; e) em 9 de setembro de 2019, o Exmo. Sr. Desembargador Presidente e a Diretora da Secretaria de Gestão de Pessoas do TRT da 6ª Região publicaram atos por meio dos quais anularam a promoção datada de 2 de agosto de 2010 e em razão dessa medida, na prática, o Demandante, que já havia atingido o Nível Salarial 13 (máximo de sua carreira) desde 31 de janeiro de 2017, sofreu significativo descenso em seu nível salarial atual, que passou a ser o NS10, com consequente perda remuneratória; f) teria sido informado, mediante contato telefônico, sobre a intenção do TRT6 de levar a efeito descontos mensais destinados a restituir aos cofres públicos as diferenças remuneratórias que o Tribunal considera indevidas, em razão da anulação da promoção em questão; g) não resta alternativa ao Demandante senão socorrer-se da prestação jurisdicional, a fim de estancar os efeitos do desfazimento da promoção que lhe fora regularmente concedida no ano de 2010, bem como para obstar a realização dos descontos mensais em seus estipêndios. Teceu comentários, citou textos de lei e da jurisprudência dos tribunais em defesa de seu pleito e ao final requereu:

    "a)      Seja deferida, em caráter antecedente e liminar, tutela provisória, com o fim específico de determinar à Demandada que devolva o Requerente ao nível salarial 13, a fim de que volte a receber a remuneração correspondente a esse nível vencimental (em voga antes da despromoção), obstando-se, ainda, a realização de qualquer desconto de valores considerados indevidos pelo TRT da 6ª Região;

    a.1) Subsidiariamente, caso se entenda pela inviabilidade da concessão da tutela provisória com a finalidade de restaurar o nível vencimental do Requerente, postula seja deferia a tutela provisória apenas para obstar a realização de quaisquer descontos dos valores considerados como pagamentos a maior pelo TRT da 6ª Região;

Ao final, requer seja decretada a invalidação dos atos que procederam à anulação do Ato TRT/GP nº 650/2010 e de todas as promoções posteriores, em efeito cascata, confirmando-se, em todos os seus termos, a tutela provisória requerida para devolver em definitivo o Requerente ao nível vencimental 13 (último da carreira a que pertence) e impedir a realização de qualquer desconto de diferenças remuneratórias, condenando-se a Demandada, ainda, ao pagamento de todas as diferenças remuneratórias decorrentes da despromoção (a partir de outubro de 2019) e daquilo que o TRT da 6ª Região venha a descontar dos estipêndios do Requerente, a título de restituição ao erário, incidindo juros de mora e correção monetária até a data do efetivo pagamento."

 Em decisão acostada sob Id. 4058300.13685480, foi deferido parcialmente o pedido de tutela provisória de urgência, apenas para determinar que a UNIÃO, por seus Órgãos próprios, inclusive  pelo mencionado TRT6R, se abstivesse de efetuar descontos no contracheque do Autor relativos aos valores que lhes  foram pagos em decorrência das progressões vencimentais concretizadas no âmbito do TRT  6ª Região.

A UNIÃO, em petição acostada sob Id. 4058300.13784085, informa que não houve qualquer desconto relativo ao reposicionamento do servidor THIAGO BRENNAND JORGE.

Citada, a UNIÃO apresentou contestação (Id.4058300.13978000). Não apresentou preliminares. Alegou em síntese, que a auditoria do Conselho Superior da Justiça do Trabalho, no exercício de sua competência, constatou a irregularidade nas progressões concedidas aos servidores do TRT6 ao longo de suas carreiras. As irregularidades verificadas foram de natureza operacional, uma vez que a contagem de tempo para a progressão funcional deveria computar apenas o tempo de efetivo exercício, não considerados, obviamente, os períodos de licenças e participação em cursos de formação e em casos de faltas injustificadas. Aduziu ainda, que a Administração Pública não incorrera em erro interpretativo, mas sim de fato (erro operacional), o que permitiria a reposição ao Erário, conforme jurisprudência pacífica dos nossos tribunais. Pugnou pela improcedência dos pedidos.

Certidão acostada sob Id. 4058300.14338101 informando que a Parte Autora interpusera Agravo de Instrumento perante o TRF 5ª Região, em face da decisão de Id. 4058300.13685480.

O Autor apresentou réplica à contestação, anexada sob Id.4058300.14438485, rechaçando os argumentos apresentados na contestação e reiterou os pedidos da petição inicial.

Vieram os autos conclusos.

 É o breve relatório.

Passo a fundamentar e a decidir.

2. Fundamentação

Julgo este feito antecipadamente, de acordo com o estado do processo (art. 355, CPC), por entender desnecessária qualquer dilação probatória.

2.1. Do Mérito

Objetiva a Parte Autora provimento judicial para que seja decretada a anulação do Ato TRT/GP nº 286/2019, que procedeu com a anulação do Ato TRT/GP nº 650/2010 e de todas as promoções posteriores, em efeito cascata, confirmando-se, em todos os seus termos, a tutela provisória requerida para devolver em definitivo o Requerente ao nível vencimental 13 (último da carreira a que pertence) e impedir a realização de qualquer desconto de diferenças remuneratórias.

Pelos documentos acostados aos autos, Anexo I do Ato 286/2019, o Ato 650/2010 assegurou ao Autor a progressão funcional do Nível NS05 para o Nível NS06, com início dos efeitos financeiros a partir de 02/08/2010 (Id. 4058300.13978004).

Pelos contracheques anexados aos autos (Id. 4058300.13660491 e 13660482) é possível constatar que a partir de outubro de 2019 ocorreu a alegada redução salarial.

Ou seja, de agosto de 2010 até setembro de 2019, o Autor recebera os seus proventos de acordo com as progressões sucessivas a partir do Ato TRT GP 650/2010.

Portanto, o Autor recebeu seus proventos por 9 anos, sem que Administração tenha exercido no tempo hábil o direito de anulação, qual seja, no prazo de 5(cinco) anos, conforme regra do art. 54 da Lei nº 9.784, de 1999.

Realmente, conforme assentado na jurisprudência, a Administração Pública tem o poder-dever de rever seus próprios atos, e nesse sentido é a Súmula nº 473 do Supremo Tribunal Federal:

 "Súmula n.º 473 - A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial."

Mas, desde que a Administração o faça no prazo legal, acima indicado.

Teria ocorrido a decadência quinquenal para a revisão em tela, nos termos do art. 54 da Lei 9.784/1999, conforme alega o Autor em sua exordial?

Creio que sim.

Vejamos.

Eis o texto do art 54 da Lei nº 9.784/1999:

    "Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.

    § 1º No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo de decadência contar-se-á da percepção do primeiro pagamento.

    § 2o Considera-se exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato.".

A UNIÃO, em sua contestação, não enfrentou e nem comentou a alegada decadência exposta pelo Autor na petição  inicial e limitou-se apenas a discorrer sobre a inexistência de erro jurídico de interpretação da Lei por parte da Administração, pois teria havido mero erro material.

Ademais, não se tratou de erro material, como sustentado pela UNIÃO, mas sim de erro jurídico de interpretação das regras legais e administrativas, na  implementação da progressão funcional do Autor. 

Depreende-se que o Autor vem recebendo os seus proventos, de boa-fé, com base no Ato 650/2010 do Tribunal Regional do Trabalho, há 9 anos, sem qualquer impugnação por parte da Administração Pública.

Então, quando o Tribunal Regional do Trabalho baixou o Ato TRT - GP nº 286/2019, em 09 de setembro de 2019, tornando sem efeito o Ato 650/2010 no tocante às progressões/promoções do Autor e concedeu novas progressões fixadas neste mesmo Ato, portanto, 9(nove) anos depois, já não poderia fazê-lo, porque esse seu poder-dever já se encontrava fulminado pela decadência quinquenal legal,  acima apontada.

3. Dispositivo                                               

Posto isso:

3.1. julgo procedentes os pedidos desta ação, com acolhimento da exceção de decadência quinquenal, levantada pela Parte Autora, pronuncio a decadência do direito de a UNIÃO FEDERAL, por seu Órgão  próprio,   exercer o seu poder-dever de editar Ato tornando sem efeito Atos concedidos modificando as progressões/promoções do Autor a partir de agosto de 2010, pelo que cancelo o Ato TRT - GP nº 286/2019 de 09 de setembro de 2019, pela qual mencionada modificação foi concretizada, restabeleço aquele Ato TRT GP nº 650/2010, retornando o Autor ao mesmo nível de vencimentos em que estava até outubro de 2019, quando ocorreu a modificação, e condeno a ora Requerida a restabelecer os proventos do Autor nos valores e parâmetros pagos até outubro de 2019, sem prejuízo de eventuais reajustes/aumentos concedidos em datas posteriores, bem como a pagar as diferenças vencidas, retroativamente à data que sofreu redução por conta do mencionado Ato TRT-GP nº 286/2019, de 09 de setembro de 2019, ora cancelado, com correção monetária e juros de mora  na forma indicada no Manual de Cálculos do Conselho da Justiça Federal - CJF, no qual já se encontra incorporado o entendimento do Plenário do Supremo Tribunal Federal no acórdão relativo ao RE 870.945/SE[1], estendendo-se mencionada atualização até a data da expedição do(s) requisitório(s), conforme julgado do Plenário do Supremo Tribunal Federal [2].

 3.2. Outrossim, com base nos §§ 2º ao 5º do art. 85 do CPC, condeno a UNIÃO a pagar ao(s) Patrono(s) do Autor verba honorária, que arbitro no mínimo legal, observada a gradação do invocado § 3º do art. 85 do CPC, sobre o valor total das diferenças acima indicadas, bem como sobre as 12(doze) primeiras parcelas das diferenças em questão que voltarão a ser pagas nos proventos do Autor(§ 9º do art. 85 do CPC).

3.3 Se o mencionado agravo de instrumento, interposto pelo ora  Autor, ainda não tiver sido julgado, que se remeta cópia desta sentença para os respectivos autos, aos cuidados do d.  Desembargador Federal Relator, para os  fins  legais.

3.4. Sentença não sujeita ao duplo grau de jurisdição, porque o valor total não corresponderá ao valor de 1.000 (hum mil) salários mínimos (art. 496, §3º, inciso I do CPC).

Registre-se. Intime-se.

Recife, 30.11.2020

Francisco Alves dos Santos Júnior

 Juiz Federal da 2a Vara da JFPE.

___________________________________________________

[1]  Brasil Supremo Tribunal Federal. Plenário. Recurso Extraordinário -  RE nº  870947/SE, Repercussão Geral. Tema 810. Relator Ministro Luiz Fux. Julgado em 20.09.2017. Ainda não publicado.

Disponível em:

http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=870947&classe=RE-RG&codigoClasse=0&origem=JUR&recurso=0&tipoJulgamento=M

[2] Brasil Supremo Tribunal Federal. Plenário. Recurso Extraordinário-RE 579.431/RS. Relator Ministro Marco Aurélio, Publicado no Diário Judicial Eletrônico - Dje de 19.04.2017[Repercussão Geral, Tema 96, Mérito].

 Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2598262

 Acesso em 10.10.2017.