terça-feira, 25 de janeiro de 2022

O TAXISTA, QUANDO PERDE O SEU TÁXI POR CONTA DA VIOLÊNCIA URBANA. FAZ JUS À AQUISIÇÃO DE NOVO VEÍCULO PARA TAL FIM, COM ISENÇÃO DO IPI, AINDA QUE NÃO COMPLETADO O PRAZO DE 2(DOIS) ANOS ENTRE A COMPRA DAQUELE VEÍCULO E A SUA PERDA ALHEIA A SUA VONTADE.

 Por Francisco Alves dos Santos Jújior

Se o veículo adquirido com isenção do IPI deixa de existir no patrimônio do adquirente por fato alheio a sua vontade, como acidente com perda total, assalto ou roubo etc., tem o direito de adquirir outro veículo, com isenção do IPI, ainda que não se tenha completado o prazo de uso fixado na Lei para tal fim. 

No caso que segue, um Taxista, na atribulada Rio de Janeiro, perdeu o seu veículo-táxi, adquirido com isenção do IPI,  por ato decorrente de violência urbana, sequestro seguido de roubo, antes de completar o prazo legal de uso, então faz jus à nova aquisição com o referido benefício legal. 

Boa leitura.


PROCESSO Nº: 0800864-86.2022.4.05.8300 - MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL

IMPETRANTE: R M DA C
ADVOGADO: Danielle Da Costa Tatagiba De Souza
IMPETRADO: UNIAO FEDERAL/FAZENDA NACIONAL
AUTORIDADE COATORA: DELEGADO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL NO RECIFE/PE
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)


D E C I S Ã O


1. Breve Relatório

R M DA C, qualificado na Inicial, impetrou este Mandado de Segurança em face do DELEGADO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL EM RECIFE. Aduziu, em síntese, que: o Impetrante, que exerceria atividade de condutor autônomo de passageiro na categoria de automóvel (táxi), na cidade de São João de Meriti, teria adquirido o veículo CHEVROLET TRACKER 12T A PR, Ano/Mod.: 2020/2021, Placa: RIU1E67, Chassi: 9BGEP76B0MB144352, no dia 31 de agosto de 2020, no valor de R$ 81.943,29 (oitenta e um mil, novecentos e quarenta e três reais e vinte e nove centavos); teria celebrado contrato de seguro junto à empresa Porto Seguro, sob a Apólice Renovada de nº: 0531861664214, sendo acordado entre as partes que,  em caso de Colisão, Roubo, Furto e Incêndio, seria indenizado tão somente 78% (setenta e oito porcento), da tabela FIPE; no dia 05 de Janeiro de 2022, o Impetrante fora vítima da violência urbana que assolaria a cidade do Rio de Janeiro há anos (sequestro relâmpago seguido de roubo), cujo resultado teria sido o roubo de seu veículo e demais bens, conforme Registro de Ocorrência nº: 064- 00212/2022-01; após o fim da tramitação de ressarcimento junto à seguradora, sendo cumprido o contrato, com o pagamento de 78% (setenta e oito por cento) da tabela Fipe, o Impetrante, em 20/01/2022, com o intuito de adquirir um outro veículo, para que assim pudesse retornar com as suas atividades laborativas, teria aberto requerimento junto à Impetrada, para a isenção de IPI, sob o PROTOCOLO - 22000.006643; o pedido de isenção fora analisado e no dia 23/01/2022 fora negado, por meio do seguinte  Despacho Decisório Eletrônico "De acordo com o requerimento apresentado, constatou-se que o interessado adquiriu veículo com isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) há menos de 2 anos (Enquadramento legal: art. 2º, Lei n.º 8.989, de 24 de fevereiro de 1995). Diante do exposto, NÃO RECONHEÇO o direito ao gozo do benefício fiscal pleiteado."; em face da negativa da Autoridade Coatora, alternativa não restaria ao Impetrante senão bater às portas do Poder Judiciário para que lhe fosse assegurado o direito líquido e certo de adquirir veículo com isenção do IPI, sem a limitação temporal prevista na Lei 8.989/95, posto que fora privado de seu bem por furto. Teceu outros comentários. Pugnou, ao final, pela:

a) A conceder medida liminar inaudita altera parte, com fundamento no art. 7º, inciso III da Lei nº 12.016/09 e demais dispositivos pertinentes, para determinar que a Autoridade Coatora emita imediata autorização para o Impetrante adquirir veículo, concedendo a isenção do IPI;

b) Que se notifique o coator do conteúdo da petição inicial, enviando-lhe a segunda via apresentada com as cópias dos documentos acostados à Exordial;

c) Que se suspenda o ato que deu motivo ao pedido, quando houver fundamento relevante e do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida, caso seja finalmente deferida, sendo facultado exigir do impetrante caução, fiança ou depósito, com o objetivo de assegurar o ressarcimento à pessoa jurídica. Automotor com a isenção do IPI, conforme previsto no artigo 2º da Lei nº 8.989/95, sem a limitação temporal de 2 anos;

d) Notificar a Autoridade Coatora, na pessoa do Ilustríssimo Senhor AUDITOR - FISCAL DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL DE RECIFE, membro dos quadros da União, por seu procurador, ou quem lhe faça às vezes, para que preste as informações que entender pertinentes;

e) Ao final, conceder a segurança para, em confirmando a medida liminar concedida, assegurar o direito de o  Impetrante adquirir novo veículo automotor com isenção do IPI, sem a limitação temporal de 2 anos;

f) A teor do que prescreve o art. 7º, II, da Lei do Mandado de Segurança, que se dê ciência do feito ao órgão de representação judicial da pessoa jurídica interessada, no caso a PROCURADORIA- GERAL DA FAZENDA NACIONAL através de seu Procurador- Chefe; g) Seja ouvido o representante do Ministério Público.

Inicial instruída com procuração e documentos.

É o relatório, no essencial.

Passo a decidir.

2. Fundamentação 

A concessão de liminar em mandado de segurança exige a concorrência dos dois pressupostos legais: a relevância do fundamento (fumus boni juris) e o perigo de um prejuízo se do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida caso, ao final, seja deferida (periculum in mora).    

Cinge-se a questão de mérito, basicamente, à verificação do direito de a parte autora não se submeter ao lapso temporal de 2 (dois) anos instituído pelo art. 2º Lei 8985/95 para fruição de nova isenção de IPI na aquisição de veículo automotor, na hipótese de perda do veículo anterior por motivo de roubo.
 
Neste exame preliminar, penso assistir razão ao Impetrante, eis que a exigência de intervalo de 2 (dois) anos para fruição da isenção fiscal em debate visa evitar a utilização indevida do benefício, o que não parece ser o caso dos autos, haja vista a perda do veículo anterior em decorrência de ato alheio à vontade do impetrante (roubo), ato de violência urbana, sequestro e roubo do veículo, devidamente documentado (Id. 4058300.21791996).

Obviamente, essa documentação apresentada deverá ser chegada pela UNIÃO - FAZENDA NACIONAL e, se for o caso, poderá ser impugnada.  
 
Esclareça-se, por oportuno, que a norma legal não prevê que a limitação temporal de 2 anos aplica-se mesmo em casos de circunstâncias alheias à vontade do contribuinte, tais como furto, roubo ou perda total decorrente de acidente.

Desta feita, parece-me que a Instrução Normativa RFB nº 1.769/17, ao estender a restrição para essas hipóteses (artigo 1º, parágrafo 2º), acabou por extrapolar a previsão legal, limitando o exercício do direito legal pelo contribuinte.
 
Nessa linha de raciocínio, tenho que a limitação contida no art. 2º da Lei nº 8.989/95 deve ser interpretada no sentido de vedar nova aquisição voluntária, no lapso de 2 (dois) anos, não se aplicando à hipótese de compra de veículo com a finalidade de apenas repor bem anterior, suprimido do patrimônio do cidadão por circunstância alheia à sua vontade.
 
A propósito do tema, trago os seguintes julgados, aplicáveis mutatis mutandis ao caso presente:

"PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO. SÚMULA 284/STF. IPI. VEÍCULO UTILIZADO POR PROFISSIONAL TAXISTA. ISENÇÃO. ALIENAÇÃO EM PERÍODO INFERIOR AO ESTABELECIDO NA LEGISLAÇÃO. INCIDÊNCIA, RESSALVADA A HIPÓTESE EM QUE A TRANSFERÊNCIA DA PROPRIEDADE SE DÁ PARA O FIM DE INDENIZAÇÃO, PELA SEGURADORA, EM CASO DE SINISTRO QUE IMPLICA PERDA TOTAL DO BEM.

1. Não se conhece de Recurso Especial em relação a ofensa ao art. 535 do CPC quando a parte não aponta, de forma clara, o vício em que teria incorrido o acórdão impugnado. Aplicação, por analogia, da Súmula 284/STF.

2. Define o art. 6º da Lei 8.989/1995, em sua redação original, que perde o benefício da isenção do IPI o profissional motorista de táxi que o alienar, antes de três anos, a pessoas que não satisfaçam às condições e requisitos estabelecidos em legislação própria.

3. A suspensão do IPI, no ponto, tem finalidade extrafiscal, qual seja a de estimular os meios de transporte público - no caso, nas condições especificadas em lei, facilita-se a aquisição de veículo que é instrumento de trabalho do profissional taxista.

4. Cessa o benefício, contudo, se houver alienação antes do prazo definido na legislação tributária (originalmente, 3 anos; atualmente, 2 anos). O objetivo é coibir a celebração de negócio jurídico que, em caráter comercial ou meramente civil, atraia escopo lucrativo.

5. Na hipótese dos autos, contudo, a situação é diversa. A transferência da propriedade (no caso, sucata) decorreu do cumprimento de cláusula contratual, requisito para o recorrido receber a indenização devida pela companhia de seguro, após acidente em evento que implicou perda total do automóvel.

6. Nesse contexto, ausente a intenção de utilizar a legislação tributária para fins de enriquecimento indevido, deve ser rejeitada a pretensão recursal.

7. Recurso Especial não provido."(destaquei)[1]

* * *

"PROCESSO Nº: 0815874-10.2021.4.05.8300 - APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA APELANTE: FAZENDA NACIONAL APELADO: GILBERTO DE SOUSA E SILVA ADVOGADO: Pedro Del Pretes De Sousa Coutinho CURADOR: CARMEM LUCIA DE SOUSA E SILVA RELATOR(A): Desembargador(a) Federal Leonardo Carvalho - 2ª Turma JUIZ PROLATOR DA SENTENÇA (1° GRAU): Juiz(a) Federal Nilcéa Maria Barbosa Maggi EMENTA: TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. ISENÇÃO. IPI. VEÍCULO. PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA FÍSICA. LEI 8.989/1995. OBTENÇÃO DE NOVA ISENÇÃO ANTES DE EXPIRADO O PRAZO DE 02 ANOS. POSSIBILIDADE. SINISTRO. FATO ALHEIO À VONTADE DO IMPETRANTE.

1. Trata-se de apelação e remessa necessária em face de sentença que, em sede de mandado de segurança, julgou procedente o pedido, concedendo o mandamus, para determinar à autoridade coatora conceder ao impetrante a isenção do IPI para aquisição de veículo automotor nacional, por ser portador de deficiência mental severa, proferindo, em consequência, julgamento com resolução de mérito, nos termos do art. 487, I, do Código de Processo Civil. Sem condenação em honorários advocatícios, a teor do disposto no art. 25 da Lei 12.016/2009 e das Súmulas 512 do STF e 105 do STJ.

2. A FAZENDA NACIONAL, em suas razões de apelação, defende, em síntese: a) a Medida Provisória 1.034/2021 estabeleceu mudanças na isenção de IPI para pessoas com deficiência, pretendendo o contribuinte, no presente caso, afastar referido limite para que a isenção possa alcançar veículo de valor superior, bem como o novo limite temporal para que a isenção possa ser utilizada a cada 2 anos; b) limitação para aquisição de veículos com valor de até R$ 70.000,00 (setenta mil reais) visando atender a seletividade, capacidade contributiva e essencialidade do produto na norma tributária; c) inexistência de afronta ao princípio da anterioridade; d) ausência de direito líquido e certo.

3. A Lei nº 8.989/95 instituiu a isenção do IPI na aquisição de automóveis quando adquiridos por pessoas portadoras de deficiência física ou mental.

4. No art. 3º do citado diploma legal, restou previsto que o referido benefício será reconhecido pela Secretaria da Receita Federal, mediante prévia verificação de que o adquirente preenche os requisitos previstos em lei, o que deve ser observado pela Administração Tributária quando de suas instruções normativas.

5. Nos termos da sentença, na hipótese, a condição de portador de deficiência mental severa do impetrante foi atestada através de Laudo exigido pela Receita Federal e elaborado pelo DETRAN/PE (ID nº 4058300.19844673). No aludido laudo, constou a informação no sentido de ser o impetrante portador de deficiência mental severa, CID 10 F72, tratando-se de deficiência enquadrada no artigo 1º, inciso IV, da Lei n.º 8.989/95.

6. Quanto ao lapso temporal de 02 anos para a aquisição de veículo automotor com isenção do IPI, vislumbra-se que a hipótese dos autos comporta distinções.

7. No caso concreto, que o veículo adquirido no ano de 2019 sofreu perda total em acidente de trânsito, evento este inesperado e alheio à vontade do impetrante. Tem-se, nesse cenário, que o impetrante não está buscando novo benefício fiscal para vender o carro comprado em 2019 com valores economicamente proveitosos, para adquirir veículo automotor zero com benefícios fiscais, por mera liberalidade, inexistindo, portanto, violação aos fins da legislação aplicável à espécie.

8. O juízo a quo demonstrou, com propriedade, que a limitação temporal (2 anos) para nova isenção na compra de automóvel não se aplica nos casos em que o contribuinte comprova que o veículo anteriormente adquirido sofreu acidente com perda total e houve o recolhimento do imposto em tela, a posteriori, quando do recebimento da indenização pela seguradora.

9. A restrição incerta na Lei nº 8.989/95 busca, em verdade, evitar possíveis abusos e desvios de finalidade do desconto fiscal conferido (interpretação teleológica da norma), o que, de certo, não se verifica no caso.

10. Verifica-se no presente caso a necessidade do impetrante/apelado em se valer da referida benesse, antes de escoado o prazo bienal, por não se mostrar razoável ou proporcional que este seja penalizado por algo que não deu causa, ou seja, fato alheio à sua vontade, já que houve perda total do seu veículo em razão de sinistro. Precedentes. Precedente. TRF5. PROCESSO: 08043553820214058300, REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL, DESEMBARGADOR FEDERAL ANDRÉ CARVALHO MONTEIRO (CONVOCADO), 2ª TURMA, JULGAMENTO: 14/09/2021. 11. Apelação e remessa necessária improvidas."(destaquei) [2]

Tenho assim por configurada, pois, a relevância do fundamento.

Quanto ao perigo da demora, reputo caracterizado, haja vista a necessidade de utilização do bem pelo Impetrante.

3. Dispositivo

Posto isso:

3.1 - defiro o pedido de medida liminar e determino que a DD Autoridade apontada como coatora tome todas as providências necessárias que assegurem a emissão de autorização para o Impetrante adquirir veículo com isenção do IPIl, para uso como táxi;

3.2 - Notifique-se a DD. Autoridade Coatora para apresentação de informações (art. 7º,I, da Lei nº 12.016, de 2009), bem como para CUMPRIR a medida liminar supra, sob as penas ali estabelecidas; 

3.3 - Dê-se ciência desdt writ ao órgão de representação judicial da UNIÃO - FAZENDA NACIONAL, qual seja, a Procuradoria Geral da Fazenda  Nacional em  Recife-PE, para os fins do inciso II do art. 7º da Lei nº 12.016, de 2009.

3.6 -  Após, abra-se vista ao Ministério Público Federal para o r. parecer (art. 12 da Lei nº 12.016/2009).

3.4 - Sucessivamente, voltem-me os autos conclusos para julgamento.

Recife, 25.01.2025.

Francisco Alves dos Santos Júnior

Juiz Federal, 2ª Vara/PE

(lsc)

________________________________

[1] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1310565/PB, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/08/2012, DJe 03/09/2012.

Disponível em STJ - Jurisprudência do STJ. Acesso em 25/01/2022.

[2] BRASIL. Tribunal Regional Federal da 5ª Região. PROCESSO: 08158741020214058300, APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA, DESEMBARGADOR FEDERAL LEONARDO HENRIQUE DE CAVALCANTE CARVALHO, 2ª TURMA, JULGAMENTO: 23/11/2021.

Disponível em Julia | Pesquisa Inteligente (trf5.jus.br). Acesso em 25/01/2022.

Nenhum comentário:

Postar um comentário