Por Francisco Alves dos Santos Júnior
Um detalhado estudo sobre a necessidade de restituição de valores de benefício previdenciário, obtido ilicitamente, com participação ativa da Benefíciária na fraude. A regra de prescrição aplicável ao caso, o não reflexo da prescrição criminal no campo civil-administrativo. A jurisprudência do STF e do STJ a respeito do assunto.
Boa leitura.
Obs.: sentença pesquisada e minutada pela assessora MARIA PATRICIA PESSOA DE LUNA
PROCESSO Nº: 0802064-75.2015.4.05.8300 -
PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL
AUTOR: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RÉU: M A DA R P L
ADVOGADO: P R De C M
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO)
Sentença
tipo A
EMENTA: ADMINISTRATIVO.
PREVIDENCIÁRIO. CIVIL. AÇÃO DE COBRANÇA. RESTITUIÇÃO AO ERÁRIO DE VALORES
RECEBIDOS INDEVIDAMENTE A TÍTULO DE BENEFÍCIO DE APOSENTADORIA POR TEMPO
DE SERVIÇO. DANO AO ERÁRIO.
- Comprovada a
participação da Ré na conduta ilícita (fraude) em prejuízo à Autarquia
Previdenciária, cabível a exigência da devolução das parcelas pagas do
benefício.
Procedência.
Vistos etc.
1.
Relatório
O Instituto
Nacional do Seguro Social - INSS, qualificado na inicial, propôs, em
07/04/2015, a presente "AÇÃO ORDINÁRIA DE COBRANÇA" em face de
M A DA R P L. Alegou, em síntese, que: em regular
Processo Administrativo, teria restado comprovado que a parte Ré recebeu de
forma fraudulenta benefício previdenciário; quando da concessão do
benefício previdenciário, 42/102.498.535-8 (aposentadoria por tempo de
contribuição), a parte Ré teria se utilizado de vínculos empregatícios
fictícios nas empresas Imobiliária Santa Maria Ltda. (período de 26/12/69 a
10/01/70) e Casas Irmãos Pinto Ltda. (período de 11/02/1970 a 31/01/1996),
utilizando-se ainda de NIT que não lhe pertencia (fraude), o que teria levado à
concessão indevida do referido benefício previdenciário à Parte Ré; no processo
administrativo nº 35204-0031902012573, a parte ré teria sido ouvida, tendo
afirmado em sua defesa que os documentos teriam sido entregues ao advogado que
providenciou sua aposentadoria, e que o mesmo somente lhe devolveu a memória de
cálculo; constatada a ilegalidade, o INSS, após contraditório, teria procedido
à cessação do benefício, em 01/09/2007 (DCB); o recebimento indevido do
benefício previdenciário da parte Ré teria acarretado ao erário o prejuízo de
R$ 614.512,96 (seiscentos e quatorze mil, quinhentos e doze reais e noventa e
seis centavos), atualizados até 04/2015; a parte Ré teria iniciado o
recebimento indevido de valores em 31/01/1996 (DIB), tendo deixado de fazê-lo
apenas em 31/05/2007 (DCB), quando descoberta a ilegalidade e cessado o
pagamento do benefício; a parte Ré teria sido instada a proceder à devolução de
tais valores, quedando-se inerte. Discorreu sobre os fundamentos da ação de
cobrança; a vedação ao enriquecimento ilícito; a imprescritibilidade da ação de
ressarcimento em caso de dolo, fraude ou má-fé. Teceu outros comentários.
Transcreveu dispositivos constitucionais, legais e ementas de decisões
judiciais. Requereu, ao final: "b) seja acatada a tese da
imprescritibilidade da pretensão da presente ação de ressarcimento, haja vista
a existência de ato ilícito cometido pela Parte Ré, o que justifica a aplicação
da regra imposta pelo art. 37, § 5º da Constituição Federal de 1988; c) ao
final, seja julgado procedente o pedido, para declarar a existência do
enriquecimento sem causa e o consectário dever do Réu em ressarcir ao Erário
a quantia indevidamente percebida, condenando-o ao pagamento do valor
percebido, corrigido monetariamente e acrescido de juros de mora, conforme
fundamentação." Protestou o de estilo. Deu valor à causa. Inicial
instruída com documentos.
Determinada
a citação da Parte Ré (id. 4058300.993373).
Certidão
juntada aos autos pela Sra. Oficiala de Justiça, na qual foi informado que não
houve citação da Parte Ré (id. 4058300.1163799).
Despacho
de01/10/2015 (id. 4058300.1380133), no qual foi deferida a suspensão do
feito, conforme requerido pelo Autor/INSS (id. 4058300.1372224).
Conforme
certidão juntada aos autos, pela Sra. Oficiala de Justiça, não houve citação da
Parte Ré (id. 4058300.1888135).
Determinada
citação da Ré por hora certa (id. 4058300.3012996).
Certidão
juntada aos autos pela Sra. Oficiala de Justiça, informando novo endereço da
Parte Ré (id. 4058300.3487270).
Determinada
a citação da Ré por carta rogatória (id. 4058300.4287222).
Citada, a Ré
apresentou Contestação (id. 4058300.9741824). Alegou, como prejudicial
de mérito, exceção de prescrição. No mérito, alegou, em síntese, que: a
remansosa jurisprudência pátria estaria consolidada no sentido de que, havendo
por parte da Autarquia má aplicação de norma jurídica, interpretação equivocada
e erro da administração, não se autorizaria, por si só, a devolução de valores
recebidos indevidamente a título de benefício previdenciário, já que, em tese,
teriam sido recebidos de boa-fé pelos segurados; tais valores seriam
considerados de natureza alimentar, sendo, portanto, irrepetíveis; a autarquia
federal não teria comprovado a ocorrência de fraude ou ilegalidade no ato
concessório do beneficio previdenciário em questão, tampouco a má-fé da ora
demandada, que não se presumiria, tendo ocorrido mero erro administrativo no
ato de concessão do amparo previdenciário, mostrando-se indevido o seu
ressarcimento; o TRF da 5ª Região lavrou acórdão nos autos da Apelação Criminal
n. ACR 12937-PE, no sentido de decretar a extinção da punibilidade em favor da
ora defendente, em razão da ocorrência de prescrição da pretensão punitiva do
Estado, no que tange ao crime de estelionato, praticado contra o INSS, inserto
no art. 171, §3o, do CPB. Teceu outros comentários. Transcreveu dispositivos
legais e ementas de decisões judiciais. Requereu, ao final, a improcedência do
pedido. Protestou o de estilo. Juntou instrumento de procuração.
O INSS
apresentou Réplica à Contestação (id. 4058300.9973377).
Despacho no
qual foram as partes intimadas acerca da produção de provas (id.
4058300.12408065).
Certificado
o decurso de prazo sem manifestação das partes (id. 4058300.14275893).
É o
relatório, no essencial.
Passo a
decidir.
2.
Fundamentação
2.1 - De
início, por entender não haver necessidade de produção de outras provas além
daquelas já constantes nos autos, decido proferir o julgamento antecipado da
lide, nos termos do art. 355, I, do Código de Processo Civil.
2.2 - Da
exceção de prescrição
O C. STF, ao
julgar o Recurso Extraordinário nº 669.069, com repercussão geral, ao discutir
o alcance do disposto no § 5º do art. 37 da Constituição da República/88,
firmou o entendimento no sentido de que é prescritível a ação de reparação
de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil, no que não se
enquadram os casos tipificados como de improbidade administrativa e
ilícito penal.
O v. Acórdão
está assim ementado, verbis:
"Ementa:
CONSTITUCIONAL E CIVIL. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. IMPRESCRITIBILIDADE. SENTIDO E
ALCANCE DO ART. 37, § 5º, DA CONSTITUIÇÃO.
1. É
prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de
ilícito civil.
2. Recurso
extraordinário a que se nega provimento. (RE 669069, Relator(a): Min.
TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno, julgado em 03/02/2016, ACÓRDÃO ELETRÔNICO
REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-082 DIVULG 27-04-2016 PUBLIC 28-04-2016)."
Por ocasião
do julgamento do recurso de Embargos de Declaração, esclareceu-se
o conceito de ilícito civil:
"(...)
3. Nos
debates travados na oportunidade do julgamento ficou clara a opção do Tribunal
de considerar como ilícito civil os de natureza semelhante à do caso concreto
em exame, a saber: ilícitos decorrentes de acidente de trânsito. O conceito,
sob esse aspecto, deve ser buscado pelo método de exclusão: não se
consideram ilícitos civis, de um modo geral, os que decorrem de infrações ao
direito público, como os de natureza penal, os decorrentes de atos de
improbidade e assim por diante. Ficou expresso nesses debates, reproduzidos
no acórdão embargado, que a prescritibilidade ou não em relação a esses outros
ilícitos seria examinada em julgamento próprio. Por isso mesmo, recentemente, o
Supremo Tribunal Federal reconheceu a repercussão geral de dois temas
relacionados à prescritibilidade da pretensão de ressarcimento ao erário: (a) Tema 897 - "Prescritibilidade da pretensão de
ressarcimento ao erário em face de agentes públicos por ato de improbidade
administrativa"; e (b) Tema 899 - "Prescritibilidade da pretensão de ressarcimento ao erário
fundada em decisão de Tribunal de Contas".
Desse modo,
se dúvidas ainda houvesse, é evidente que as pretensões de ressarcimento
decorrentes de atos tipificados como ilícitos de improbidade administrativa,
assim como aquelas fundadas em decisões das Cortes de Contas, não foram
abrangidas pela tese fixada no julgado embargado. (...)" (RE 669069 ED,
Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno, julgado em 16/06/2016, ACÓRDÃO
ELETRÔNICO DJe-136 DIVULG 29-06-2016 PUBLIC 30-06-2016).
Então, são
prescritíveis, observando-se o prazo legal que trata da matéria.
No presente
caso, pretende o INSS, ora Autor, sejam ressarcidos ao Erário os valores que a
Parte Ré teria recebido de forma fraudulenta decorrentes da
concessão indevida do benefício de aposentadoria por tempo de serviço, NB
42/102.498.535-8, durante o período compreendido entre 31/01/1996 (DIB) e
01/09/2007 (DCB), quando, descoberta a ilegalidade e, após o devido
contraditório, foi cessado o pagamento do referido benefício.
Conforme
documentação trazida pelo INSS (id. 4058300.972160 a 4058300.972176), a
Ré, após ser comunicada de irregularidades na concessão do seu benefício de
aposentadoria por tempo de serviço, tomou ciência do processo administrativo nº
35204-0031902012573, para cobrança dos valores recebidos indevidamente, tendo,
inclusive, apresentado defesa administrativa. Constatada a existência de
irregularidades no benefício concedido, foi providenciado o envio de notitia
criminis ao Ministério Público Federal para apuração de possível ilícito
penal, bem como remetida cópia do processo ao setor de cobrança e recuperação
de créditos daquela autarquia previdenciária.
Os
procedimentos de cobrança pela Autarquia Autora se iniciaram em 2012, tendo a
ora Ré sido notificada para o ressarcimento ao erário em 20/03/2013 (id.
4058300.972192), quedando-se, porém, inerte.
Em
09/01/2013, o Ministério Público Federal ofereceu denúncia contra a ora Ré em
razão da prática de conduta criminosa tipificada no art. 171, § 3º, do Código
Penal Brasileiro, sendo esta recebida em 18/01/2013 -- 13ª Vara Federal -
Processo nº 0013355-52.2008.4.05.8300 (id. 4058300.972187 a 4058300.972196),
cujo feito transitou em julgado em 07/11/2017[1].
Além disso,
como se sabe, o processo administrativo interrompe a prescrição e também
impossibilita seu curso durante a tramitação do processo, conforme dispõe o
art. 4º do Decreto 20.910/1932, verbis:
"Art.
4º Não corre a prescrição durante a demora que, no estudo, ao reconhecimento ou
no pagamento da dívida, considerada líquida, tiverem as repartições ou
funcionários encarregados de estudar e apurá-la."
Assim, vê-se
que entre a data da notificação administrativa da Ré para pagamento dos valores
percebidos indevidamente (20/03/2013) e a data da propositura da presente ação
(07/04/2015), decorreram pouco mais de dois anos, o que se permite concluir não
estar configurada a inércia da Autarquia Previdenciária, ora Autora.
Com essas
considerações, por qualquer ângulo que se analise a questão, conclui-se pela
não ocorrência da prescrição no presente caso.
2.2 Do
mérito propriamente dito
2.1 Pretende
o INSS, ora Autor, o ressarcimento ao Erário dos valores que a Parte Ré teria
recebido de forma fraudulenta decorrentes da concessão indevida
do benefício de aposentadoria por tempo de serviço (NB 42/102.498.535-8),
quando fora descoberta a ilegalidade e cessado o pagamento do referido
benefício, valores esses que, atualizados até abril de 2015, montam em R$
614.512,96 (seiscentos e catorze mil quinhentos e doze reais e noventa e seis
centavos).
Aduz a
Autarquia Autora que, após avaliação/revisão de que trata o art. 11 da Lei nº
10.666/2003, fora identificado recebimento indevido decorrente da concessão do
benefício de aposentadoria por tempo de serviço da Ré (NB 42/102.498.535-8),
consistente na não confirmação de vínculos empregatícios nas empresas
Imobiliária Santa Maria Ltda. (período de 26/12/1969 a 10/01/1970) e Casas
Irmãos Pinto Ltda. (período de 01/02/1970 a 31/01/1996), e ainda pelo fato de
ter utilizado NIT que não lhe pertencia, conforme "Relatório Conclusivo
Individual", elaborado pela Coordenação de Monitoramento Operacional de
Benefícios da Gerência Executiva do INSS no Recife, extraído do Processo
Administrativo acostado (id. 4058300.972164):
"1-Trata-se
de processo de aposentadoria por tempo de serviço nº 42/102.498.535-8,
encaminhado a este Serviço de Monitoramento Operacional de benefícios para
análise do ato concessório.
(...)
3- O
benefício foi concedido com base no tempo de serviço correspondente a 26 anos e
06 dias, considerados os períodos /empresas 26/12/1969 a 10/01/1970 -
Imobiliária Santa Marta Ltda, 11/02/1970 a 31/01/1996 - Casas Irmãos Pinto Ltda
(fls. 30 e 45).
4 - Conforme
pesquisa efetuada no sistema informatizado da Previdência Social, o NIT nº
1.032.200.822-8, utilizado na concessão do benefício pertence à pessoa de Amaro
Israel dos Santos; e que os períodos computados não foram localizados no
CNIS-Cadastro Nacional de Informações Sociais.
(...)
7- Visando
assegurar o amplo direito de defesa da interessada, foi emitido o Oficio de
Defesa de fls. 13, por ela datado e assinado, dando-lhe ciência dos indícios de
irregularidades apurados.
8- Em
20/07/2007, a interessada apresentou a defesa de fls. 15/20 a ela juntando
apenas cópia de memória de cálculo, RG e CPF.
9- Da
apreciação da defesa, a qual não foi juntado nenhum novo documento que
demonstrasse a regularidade da concessão do benefício, conclui-se pela
suspensão do pagamento da aposentadoria por tempo de serviço, tendo em vista
não ficar comprovado o vínculo de emprego nos períodos de 26/12/69 a 10/01/1970
e 11/02/1970 a 31/01/1996 relativos, respectivamente as empresas Imobiliária
Santa Marta Ltda e Casas Irmãos Pinto Ltda, para os quais foi realizada a
pesquisa de fls. 39/40 com resultado negativo, não se configurando em
consequência a condição de segurada da Previdência Social da interessada, nos
termos do artigo 9º, inciso I, aprovado pelo Regulamento do Decreto 3.048 de 06
de maio de 1999.
(...)
12 - Ante o
exposto, conclui-se que o benefício de Aposentadoria por Tempo de Serviço
42/102.498.535-8, em nome de MARIA ADELAIDE DA ROCHA PINTO LOPES, foi concedido
irregularmente, tendo ela recebido indevidamente, no período de 31/01/1996 a
31/05/2007 (NPG para as competências 06, 07 e 08/2007) , o montante de
R$238.223,95(Duzentos e trinta e oito mil e duzentos e vinte e três reais e
noventa e cinco centavos) atualizado com base nos índices estabelecidos pela
Portaria MPAS-GM 415 DE 16/10/2007.
(...)"
Registra a
Autarquia Autora que a ora Ré fora devidamente notificada para apresentação de
defesa na esfera administrativa, tendo seu benefício sido suspenso e
posteriormente cancelado (01/09/2007 - DCB). Após regular procedimento
administrativo, fora instada a proceder à devolução dos valores recebidos
indevidamente, porém, a cobrança restou infrutífera.
2.2 Por sua
vez, a Ré, em sua contestação, alegou, em apertada síntese, que a Autarquia
Autora não comprovou a ocorrência de fraude ou ilegalidade no ato concessório
do beneficio previdenciário em questão, tampouco a má-fé da ora Ré, tendo
ocorrido mero erro administrativo no ato de concessão do amparo previdenciário,
mostrando-se indevido o ressarcimento pleiteado na petição inicial.
Pois bem.
2.3 A
questão de mérito, portanto, cinge-se a decidir sobre a exigibilidade do
ressarcimento ao Erário dos valores recebidos indevidamente pela ora Ré, a
título de aposentadoria por tempo de serviço, pedido este fundado em alegação
de conduta dolosa/fraudulenta e na vedação do enriquecimento ilícito.
2.3.1 O
Código Civil, nos artigos 876 e 884, estabelece:
"Art.
876. Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a
restituir; obrigação que incumbe àquele que recebe dívida condicional antes de
cumprida a condição."
"Art.
884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será
obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores
monetários."
2.3.2 No
caso dos autos, persegue o INSS, ora Autor, um suposto crédito (restituição de
benefício recebido indevidamente) decorrente de um ato ilícito (fraude)
atribuído à Ré, ou seja, trata-se de um nítido caso de responsabilidade civil.
Nesse
sentido, para ilustrar, confira-se julgado do E. TRF da 5ª Região:
"PROCESSUAL
CIVIL E TRIBUTÁRIO. APELAÇÃO. EXECUÇÃO FISCAL. CRÉDITO ORIUNDO DA CONCESSÃO
INDEVIDA DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO APURADA EM PROCESSO ADMINISTRATIVO. INSCRIÇÃO
EM DÍVIDA ATIVA. COBRANÇA ATRAVÉS DE EXECUÇÃO FISCAL. IMPOSSIBILIDADE.
INSCRIÇÃO REALIZADA ANTES DA EDIÇÃO DA MP Nº 780/2017. ART. 115, PARÁGRAFO 3º,
DA LEI Nº 8.231/91. NÃO PROVIMENTO.
1. No REsp
nº 1.350.804/PR, julgado sob a sistemática dos repetitivos, o STJ assentou que,
inexistindo lei expressa, a inscrição em dívida ativa (efetivada com base no
art. 154, parágrafo 4º, II, do Decreto nº 3.048/99) não é a forma adequada para
a cobrança de valores indevidamente recebidos a título de benefício previdenciário,
segundo previsto no art. 115, II, da Lei nº 8.213/91, os quais devem se
submeter à ação de cobrança por enriquecimento sem causa, ali se apurando a
responsabilidade civil do beneficiário.
2. Com a
edição da Medida Provisória nº 780, de 19.05.2017, acrescentou-se o parágrafo
3º ao art. 115 da Lei nº 8.213/91, possibilitando-se a inscrição em dívida
ativa dos créditos constituídos pelo INSS, em razão de benefício previdenciário
ou assistencial pago indevidamente ou além do devido.
3. No caso
dos autos, ao tempo da inscrição em dívida ativa (11.02.2000), não existia
norma que autorizasse a inscrição de crédito apurado pelo INSS, em razão do
pagamento indevido de benefício previdenciário, não sendo a execução fiscal a
via adequada para a cobrança de tal crédito.
4. O caso é
de emissão de nova CDA, se a dívida não estiver prescrita, não podendo o
exequente aproveitar a CDA antiga, cujos vícios não são passíveis de purgação.
5. Apelação
não provida.
(PROCESSO:
00001285320194059999, AC - Apelação Civel - 600594, DESEMBARGADOR FEDERAL ÉLIO
WANDERLEY DE SIQUEIRA FILHO, Primeira Turma, JULGAMENTO: 21/03/2019,
PUBLICAÇÃO: DJE - Data::28/03/2019 - Página::33)"
2.3.3 Por
sua vez, a possibilidade de o INSS rever e anular os atos de concessão de
benefícios, quando eivados de vícios que o tornem ilegais, resta consagrada nas
Súmulas 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal:
A
administração pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos."
A
administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os
tornam ilegais, porque dêles não se originam direitos; ou revogá-los, por
motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e
ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial."
E tem tal
revisão expressa previsão legal contida nos artigos 53, da Lei nº 9.784/1999,
103-A, da Lei nº 8.213/1991, e 11, da Lei nº 10.666/2003, respectivamente:
Lei nº
9.784/1999
"Art.
53. A Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício de
legalidade, e pode revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade,
respeitados os direitos adquiridos."
Lei nº
8.213/1991
"Art. 103-A. O
direito da Previdência Social de anular os atos administrativos de que decorram
efeitos favoráveis para os seus beneficiários decai em dez anos, contados da
data em que foram praticados, salvo comprovada
má-fé.
(Incluído pela Lei nº 10.839, de 2004)
§ 1o No caso de efeitos patrimoniais
contínuos, o prazo decadencial contar-se-á da percepção do primeiro
pagamento.
(Incluído pela Lei nº 10.839, de 2004)
§ 2o Considera-se exercício do direito
de anular qualquer medida de autoridade administrativa que importe impugnação à
validade do ato.
(Incluído pela Lei nº 10.839, de 2004)".
Lei nº
10.666/2003
"Art.
11. O Ministério da Previdência Social e o INSS manterão programa permanente de
revisão da concessão e da manutenção dos benefícios da Previdência Social, a
fim de apurar irregularidades e falhas existentes."
2.3.4 No
caso concreto, o benefício em questão, requerido pela Ré em 29/02/1996, na
APS/Casa Amarela/Encruzilhada, Recife/PE, foi concedido com base no tempo de
serviço correspondente a 26 anos e 06 dias, considerados os períodos/empresas
(26/12/1969 a 10/01/1970 - Imobiliária Santa Marta Ltda.; e 11/02/1970 a
31/01/1996 - Casas Irmãos Pinto Ltda.). Após regular trâmite administrativo,
assegurados o contraditório e a ampla defesa, em 01/09/2007, restou cancelada a
aposentadoria por tempo de serviço da Ré (NB 42/102.498.535-8), em razão de o
benefício ter sido concedido/obtido mediante apresentação de documentação
irregular, com dados falsos sobre períodos de trabalho, inclusive com a
utilização de número de identificação (NIT) que pertencia a outro trabalhador.
Recebida a
denúncia do Ministério Público Federal em razão da prática de conduta criminosa
(estelionato), foi a ora Ré condenada pelo dd. Juízo da 13ª Vara Federal --
Processo nº 0013355-52.2008.4.05.8300 (id. 4058300.972187 a 4058300.972196)
como incursa nas sanções do art. 171, § 3º, do Código Penal Brasileiro, que
assim dispõe:
"Art.
171 Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio,
induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer
outro meio fraudulento:
Pena -
reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa.
(...)
§ 3º A pena
aumenta-se de um terço, se o crime é cometido em detrimento de entidade de
direito público ou de instituto de economia popular, assistência social ou beneficência."
Destacam-se
abaixo alguns trechos extraídos da r. sentença penal que condenou a Ré no
mencionado delito:
"Com
estes esclarecimentos prévios, volto-me mais uma vez ao caso em apreço para
observar que, nos autos, há prova de que a acusada, valendo-se de dados
falsos sobre períodos de trabalho - de 26/12/69 a 10/01/70, junto a empresa
IMOBILIARIA SANTA MARTA LTDA, e 11/02/70 a 31/01/96, junto à empresa CASAS
IRMÃOS PINTO LTDA (fls. 201/202) - obteve benefício previdenciário
indevidamente, mantendo o INSS em erro.
Foi o que se
inferiu após pesquisa efetuada no sistema informatizado da Previdência Social, em
face da constatação de que o NIT nº 1.032.200.822-8, utilizado na concessão do
benefício da acusada, pertence na verdade a AMARO ISRAEL DOS SANTOS, bem assim
que os períodos acima, computados na concessão do benefício da acusada, não
foram localizados no CNIS-Cadastro Nacional de Informações Sociais.
(...)
Ao ser
interrogada, a acusada disse que após o cancelamento da sua aposentadoria
mudou-se para Portugal; que seus pais eram donos das empresas Irmãos Pinto
(Cristal), uma lanchonete e a Imobiliária Santa Marta; que antes mesmo de
começar a trabalhar o seu pai começou a pagar o seu INSS; que depois de casada
começou a ajudar na lanchonete; que nesse tempo conheceu uma pessoa chamada
José Urtiga que se ofereceu para ajudar a conseguir sua aposentadoria; que esse
senhor pediu seus documentos pra ver se ela, interroganda, tinha tempo de
serviço suficiente para se aposentar; que depois de um tempo ele disse que a
interroganda podia se aposentar, mas tinha que passar uma procuração específica
para requerer a aposentadoria; que por esse serviço ele lhe pediu um salário
mínimo; que passados uns dois meses ele disse que estava tudo certo; que não
imaginava que ele estivesse fazendo nada errado; que nunca trabalhou na
Imobiliária Santa Marta; que trabalhou na Casas Irmãos Pinto Ltda, mas não
recolhia o INSS como empregada; que pagava o carnê individual; que não sabe
explicar porque constou como funcionária dessa empresa; que José Urtiga devia
ser um "enrolador"; que não sabe quem é Amaro Israel dos Santos; que
trabalhou na lanchonete e nas Casas Irmãos Pinto durante muito tempo, mais de
vinte anos, mas não sabe precisar o período exato; que na Polícia disse que não
trabalhou nas Casas Irmãos Pinto porque não era empregada registrada; que
entregou todos os seus carnês de recolhimento ao Sr. José Urtiga; que José
Urtiga nunca devolveu seus documentos, e depois sumiu; que nunca foi a uma
agência do INSS procurar obter informações sobre a sua aposentadoria; que
quando entregou os seus carnês ao Sr. Urtiga ele disse que ela, interroganda,
tinha mais de vinte e cinco anos de recolhimentos.
Como visto,
em suas declarações, a acusada tentou fazer crer que acreditava ter direito à
aposentadoria, pois teria recolhido contribuições como autônoma por mais de
vinte anos.
(...).
Portanto, a
prova é vasta e precisa, no sentido de tornar induvidosa tanto a materialidade
quanto a autoria delitivas, nos exatos moldes descritos na peça acusatória.
(...).
Assim, a
materialidade do delito é patente, bem como a autoria delitiva, não pairando
dúvidas sobre o cometimento de estelionato, nos moldes já explicitados, por
parte da denunciada." (G.N.)
Com vistas à
reforma da sentença condenatória, a defesa interpôs recurso de apelação, e, no
E. Tribunal Regional Federal da 5ª Região, o recurso foi parcialmente provido,
reconhecendo-se, de ofício, a extinção da punibilidade da Ré, tendo em vista
a prescrição da pena privativa de liberdade, conforme v. acórdão assim
ementado:
"PENAL
E PROCESSUAL PENAL. ESTELIONATO PRATICADO CONTRA O INSS. ART. 171, PARÁG. 3O.,
DO CPB. MATERIALIDADE E AUTORIA EVIDENCIADAS. DOLO DEMONSTRADO. PENA-BASE
EXASPERADA. PROVIMENTO PARCIAL DO APELO.
1. Restam
devidamente evidenciadas a materialidade e autoria do delito de estelionato
qualificado descrito na peça acusatória do Parquet Federal, estando comprovado
que a acusada, valendo-se de dados falsos sobre períodos de trabalho,
supostamente ocorridos em 26/12/69 a 10/01/70, junto à empresa imobiliária
Santa Marta Ltda., e em 11/02/70 a 31/01/96, junto à empresa Casas Irmão Pino
Ltda., obteve benefício previdenciário indevidamente, mantendo em erro o INSS.
2. O
Relatório Conclusivo Individual da autarquia previdenciária registrou que o NIT
da aposentadoria por tempo de contribuição apresentado pela acusada
pertenceria, na verdade, a AMARO ISRAEL DOS SANTOS, e que os períodos
computados não foram localizados no CNIS - Cadastro Nacional de Informações
Sociais. Apresentou conclusão se posicionando pela concessão irregular do
benefício, o que teria repercutido no recebimento indevido, no período de
31/01/1996 a 31/05/2007, do montante de R$ 238.223,95.
3. Dolo
na conduta da acusada que resta devidamente comprovado; consciência e vontade
direcionadas à prática do crime de estelionato. A acusada, apesar de ter dito
que recolheu contribuições como autônoma, não trouxe qualquer documento
suficiente a comprovar suas afirmativas; ao contrário, o que existe nos autos é
a informação de que não há qualquer registro no CNIS em nome da ré.
4. Em seu
interrogatório, a ré disse que pagou a quantia de um salário mínimo a
determinado despachante para que este lhe ajudasse em sua aposentadoria. De
fato, como fundamentou o Magistrado, tal quantia é bem elevada para uma simples
ajuda, o que, somado aos demais elementos de prova colhidos no decorrer do
caderno processual, chama a atenção e corrobora o entendimento de que conhecia
a acusada a situação irregular.
5. Não foi
alicerçada em elementos concretos a afirmação de que seria negativa a
personalidade da ré. A versão apresentada pela acusada em sua defesa não pode
ser utilizada para efeito de majorar a sua pena-base, sob o enfoque de que
seria pessoa articulada, ardilosa, experiente e de má-fé, e, portanto, de
personalidade desaprovada, como registrou o Magistrado.
6.
Diminuição da pena-base da acusada para o montante de 1 ano e 6 meses de
reclusão. Na segunda fase, não foram observadas circunstâncias agravantes e
atenuantes.
7. Mantém-se
o aumento de 1/3 da pena, em virtude da causa de aumento do parág. 3o., do art.
171, do CPB, o que repercute em uma penalidade privativa de liberdade
definitiva de 2 anos de reclusão, a ser cumprida em regime inicialmente aberto
(art. 33, parág. 2o., c, do CPB). A pena de multa reduz-se para 80 dias-multa,
sendo o valor do dia-multa o fixado na decisão condenatória.
8. Conforme
os elementos constantes do caderno processual, o benefício previdenciário
indevido foi pago à ré até junho de 2007, data de cessação da permanência
(termo inicial do cômputo do prazo prescricional), e a peça acusatória do
Parquet somente foi recebida em 18 de janeiro de 2013, ou seja, mais de 5 anos
após o fato, tempo suficiente ao reconhecimento da causa extintiva da punibilidade,
já que a penalidade de 2 anos repercute no prazo prescricional de 4 anos (art.
109, inciso V, do CPB).
9. Dá-se
parcial provimento à apelação apenas para reduzir a pena-base aplicada à
acusada MARIA LEUDA FERREIRA DE SOUSA, quanto ao delito do art. art. 171,
parág. 3o., do CPB (estelionato com causa de aumento), e declarar, de
ofício, a extinção da punibilidade da ré, tendo em vista a prescrição da pena
privativa de liberdade, pela pena aplicada in concreto, tudo em consonância
com os arts. 108, IV, 109, inciso V, e art. 110, parág. 1o., do CPB (na redação
dada pela Lei 7.209/84).
(PROCESSO:
200883000133552, APELAÇÃO CRIMINAL, DESEMBARGADOR FEDERAL ROGÉRIO ROBERTO
GONÇALVES DE ABREU (CONVOCADO), 1ª TURMA, JULGAMENTO: 12/05/2016, PUBLICAÇÃO:
19/05/2016)". (G.N.)
Da leitura
do v. acórdão supratranscrito, vê-se que restaram comprovadas a materialidade e
a autoria do delito de estelionato praticado pela ora Ré.
O mencionado
acórdão foi mantido pelo Col. Superior Tribunal de Justiça, que negou provimento
ao recurso especial interposto pelo Ministério Público Federal, em v. decisão
monocrática, havendo o feito transitado em julgado em 07/11/2017[2].
Note-se que,
contrariamente à tese levantada pela ora Ré, a decretação da prescrição da
pretensão punitiva do Estado impede, tão somente, a formação do título
executivo judicial na esfera penal, mas não fulmina o interesse processual da
Autarquia Previdenciária, ora Autora, no exercício da pretensão indenizatória
aqui deduzida pelo mesmo fato.
A propósito,
reza o art. 935, do Código Civil:
"Art.
935. A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo
questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor,
quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal."
Do conjunto
probatório dos autos, portanto, restou robustamente comprovado, tanto na esfera
administrativa, quanto na esfera penal, que a então beneficiária, ora Ré,
obteve sua aposentadoria por tempo de serviço por conduta dolosa/fraudulenta,
devendo, pois, ser ressarcido o prejuízo causado ao erário, uma vez que o
enriquecimento sem causa é vedado no ordenamento jurídico pátrio.
Diante desse
cenário, impõe-se que a ora Ré restitua aos cofres do erário mencionados
valores, devidamente atualizados(correção monetária e juros de mora), na forma
e pelos índices do manual de cálculos do Conselho da Justiça Federal.
3. Dispositivo
Posto isso:
3.1 Rejeito
a exceção de prescrição levantada pela Parte Ré.
3.2 julgo
procedentes os pedidos formulados na petição inicial e condeno a Ré a
restituir ao INSS, ora Autor, a quantia de R$ 614.512,96 (seiscentos e catorze
mil quinhentos e doze reais e noventa e seis centavos), atualizada até abril de
2015, sem prejuízo da atualização a partir de maio de 2015, correção monetária
e juros de mora, na forma e pelos índices do Manual de Cálculos do Conselho da
Justiça Federal, até a data da efetiva restituição.
3.3
Outrossim, condeno a Ré ao pagamento de verba honorária, que, à luz do § 2º do
art. 85 do Código de Processo Civil, arbitro no mínimo legal de 10% (dez por
cento) sobre o valor total da condenação, já devidamente atualizado.
3.4
Finalmente, dou o processo por extinto, com resolução do mérito, nos termos do
art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil.
Custas ex
lege.
Registre-se.
Intimem-se.
Recife, 25.02.2021
Francisco Alves dos Santos Júnior
Juiz Federal da 2a Vara da JFPE.
(mppl)
an
[1] Brasil. Superiror Tribunal de Justiça. REsp
nº 1679069 / PE (2017/0149892-4) autuado em 27/06/2017.
Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/pesquisa/
Acesso em 22.02.2021.
[2] v. nota 1.
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