Por Francisco Alves dos Santos Júnior
Na sentença abaixo publicada, constata-se que nem sempre se pode utilizar do Mandado de Segurança para pleitear algum alegado direito. Esse procedimento judicial no direito brasileiro não permite a sua utilização quanto existem fatos que necessitam ser comprovados por outros documentos que não foram acostados com a petição inicial, ou pelo depoimento pessoal do Impetrante, diligências em determinados locais e ainda possível ouvida de Testemunhas, ainda que por indicação do Juiz, como as referidas em documentos constantes dos autos.
E, em situações como a acima descrita, resta ao Juiz indeferir a petição inicial e extinguir o mandado de segurança, sem resolução do mérito, ressalvando ao Impetrante buscar a sua pretensão pela via judicial próprio, sendo que no caso a mais apropriada seria o procedimento comum.
Boa leitura.
PROCESSO Nº: 0809017-16.2019.4.05.8300 - MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL
IMPETRANTE: I F DOS S C
ADVOGADO: O I F N
IMPETRADO: CONSELHO REGIONAL DE EDUCACAO FISICA DA 12 REGIAO PERNAMBUCO/ALAGOAS - CREF12/PE-AL
AUTORIDADE COATORA: PRESIDENTE SR. LÚCIO FRANCISCO ANTUNES BELTRÃO NETO
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)
IMPETRANTE: I F DOS S C
ADVOGADO: O I F N
IMPETRADO: CONSELHO REGIONAL DE EDUCACAO FISICA DA 12 REGIAO PERNAMBUCO/ALAGOAS - CREF12/PE-AL
AUTORIDADE COATORA: PRESIDENTE SR. LÚCIO FRANCISCO ANTUNES BELTRÃO NETO
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)
Sentença tipo C, registrada eletronicamente
EMENTA: - MANDADO DE SEGURANÇA. DILAÇÃO PROBATÓRIA.
Se restam dúvidas sobre a real frequência do Impetrante em curso presencial na noticiada IES e como não cabe dilação probatória nos estreitos limites do Mandado de Segurança, cabe a extinção do processo, sem resolução do mérito, ressalvando-se o esgotamento da via judicial ordinária, na qual o Impetrante poderá, com a respectiva largueza probatória, provar a lisura da sua formatura.
Extinção do processo, sem resolução do mérito.
Vistos etc.
1. Relatório
I F DOS S C, qualificado na Inicial, impetrou este Mandado de Segurança, com pedido de liminar, em face do CONSELHO REGIONAL DE EDUCAÇÃO FÍSICA DA 12ª REGIÃO, neste ato representada pelo seu Presidente Sr. Lúcio Francisco Antunes Beltrão Neto.
Inicialmente, discorreu sobre a injusta resistência encontrada pelos
professores e profissionais de Educação Física ao solicitarem a inclusão
de categoria junto aos Conselhos Profissionais. Aduziu, em apertada
síntese, que: o óbice apresentado pelo Conselho Regional de Educação
Física da 12ª Região cingiria-se à anômala fiscalização que a autarquia
profissional viria promovendo em face das instituições de ensino,
justificando seus atos em suposta prudência, ultrapassando o prazo de resposta previsto para expedir as cédulas profissionais; o
injusto óbice levantado pelas autoridades coatoras viria causando
prejuízos à parte impetrante, impossibilitando-a de trabalhar,
fazendo-se mister o reconhecimento da ilegalidade da fiscalização
promovida, assim como a imediata expedição de sua cédula profissional
permitindo-lhe exercer a profissão cursada seguindo todas as
formalidades legais. Teceu outros comentários. Transcreveu dispositivos
legais e ementas de decisões judiciais. Pugnou, ao final, fosse
concedida liminarmente a segurança pleiteada: "1 - Conceder, em análise dos autos, a segurança pretendida inaudita altera pars, em sede LIMINAR,
reconhecendo, consoante o disposto no inciso III do artigo 7° da Lei
12.016/09, a ilegalidade da fiscalização anômala promovida pelo Conselho
Regional de Educação Física da 12.ª Região, fazendo prevalecer o
conteúdo da Nota Técnica 387/2014 - SERES/MEC, determinando a imediata
expedição, caso a procedência de seu diploma seja o único óbice, da
cédula profissional da parte impetrante, permitindo-lhe exercer a
profissão cursada" (sic). No mérito, requereu: "4 - Conceder
a segurança pleiteada, reconhecendo, consoante o disposto no inciso III
do artigo 7° da Lei 12.016/09, a ilegalidade da fiscalização anômala
promovida pelo Conselho Regional de Educação Física da 12.ª Região,
fazendo prevalecer o conteúdo da Nota Técnica 387/2014 - SERES/MEC,
determinando a imediata expedição, caso a procedência de seu diploma
seja o único óbice, da cédula profissional da parte impetrante,
permitindo-lhe exercer a profissão cursada" (sic). Inicial instruída com procuração e documentos.
R. despacho proferido em 30/05/2019 (id. nº 4058300.10710824),
no qual se determinou a intimação do Impetrante para ofertar
esclarecimentos referentes à tramitação do processo indicado no sistema
PJe como prevento (PJe nº 0800608-27.2019.4.05.8308S), cujos autos
eletrônicos foram remetidos para a Seção Judiciária do Ceará.
A Parte Impetrante, em atenção ao r. despacho supra, apresentou manifestação (id. nº 4058300.10787851).
Decisão proferida em 05/07/2019 (id. nº 4058300.11083111),
na qual foi determinada a intimação do Impetrante para acostar nos
autos comprovante do noticiado pedido de desistência formulado no
Mandado de Segurança nº 5029601-30.2019.4.02.5101, em trâmite na 1ª Vara
Federal do Ceará.
Em
cumprimento à decisão supra, a Parte impetrante pugnou pela juntada da
petição postulando a desistência do feito em trâmite na Seção Judiciário
do Ceará, bem como a respectiva sentença homologatória (id. nº 4058300.11286702).
R. decisão proferida em 10/09/2019 (id. nº 4058300.11743724),
na qual foi indeferida a medida liminar pleiteada, bem como se
determinou a notificação da autoridade apontada como coatora para
apresentar suas informações legais; ciência ao órgão de representação
judicial do mencionado Conselho; e vista ao MPF para o r. parecer legal.
A Autoridade apontada como coatora, o Presidente do Conselho Regional de Educação Física da 12ª Região/PE-AL - CREF12/PE-AL, prestou as informações (id. nº 4058300.12554459).
Preliminarmente, suscitou a ocorrência de litispendência; inadequação
da via judicial escolhida por ausência de direito líquido e certo. No
mérito, alegou, em síntese, que: o Impetrante teria solicitado Registro
Profissional junto ao CREF12/PE, tendo alegado ter concluído o curso de
Bacharelado em Educação Física na Faculdade Piracanjuba-FAP;
administrativamente teria sido realizado procedimento padrão, de buscar,
através de ofício, junto às Instituições de Ensino Superior,
informações sobre a veracidade dos documentos apresentados, ao que teria
sido respondido que o mesmo teria concluído o curso; entretanto, não
constaria a informação do "campus" onde havia sido realizado o curso; o
questionamento acerca do local onde o Requerente teria cursado/assistido
aulas seria pertinente, uma vez que o Impetrante residiria em
Petrolina/PE, e o único campus da Instituição emitente dos documentos
ficaria em Piracanjuba/GO, cerca de 1600 km; dúvidas acerca da
regularidade do curso teriam surgido, no momento em que ao realizar
busca no site "e-MEC", teria sido observado que o Ministério da Educação
teria autorizado Educação Física apenas presencial, na sede da
Instituição; teria sido realizado consulta ao site da Faculdade, onde
também constaria a informação de cursos de Educação Física apenas na
modalidade presencial; teria sido realizada consulta à DISUP/MEC pelo
CREF12/PE através dos OFÍCIOS 165/2019 e 166/2019, sendo respondido que a
solicitação de esclarecimentos desta natureza deveria ser enviada à
SERES/MEC, o que teria sido realizado, sem reposta até o presente
momento, por meio do Ofício 333/2019; em primeiro contato com a
Instituição, teria sido informado que os concluintes que haviam
solicitado Registro junto ao CREF12/PE, teriam cursado inteiramente
"online"; em um segundo contato, o Diretor Acadêmico da Faculdade
Piracanjuba-FAP teria informado que o curso tratava de uma
complementação (em Bacharelado) para alunos que já possuíam graduação em
Licenciatura, sendo que as aulas eram ministradas em locais diversos da
sede, sem especificar a forma, o local ou marco regulatório que
autorizasse curso fora de Piracanjuba/GO; teria afirmado ainda que essa
complementação poderia ser realizada fora da sede da Instituição, haja
vista que não ultrapassava 20% da carga horária total do curso
presencial; até a presente data, o conselho estaria aguardando resposta
dos questionamentos solicitados por e-mail; tendo em vista a
improbabilidade de o impetrante ter cursado presencialmente o curso de
bacharelado em Educação Física, distante cerca de 1600 km de sua
residência, assim como da ausência de autorização do MEC para a
realização do curso online, a Comissão de Documentação do Conselho, em
reunião realizada no dia 31/05/2019, teria resolvido suspender todos os
pedidos de registro que estão na mesma situação, até pronunciamento do
MEC, do CONFEF e da Faculdade acerca de tal situação. Discorreu sobre a
regulamentação da profissão de Educação Física e sobre a criação,
objetivos, competência e jurisdição dos Conselhos Federal e Regionais de
Educação Física (sistema CONFEF/CREFs, criado pela Lei Federal nº
9.696, de 1º/09/1998, publicado D.O.U. em 02/09/98). Teceu outros
comentários. Pugnou, ao final, pelo acolhimento das preliminares
arguídas e que seja negado o pedido de concessão da liminar. Em
julgamento definitivo que seja denegada a segurança.
O Ministério Público Federal
ofertou seu r. parecer, pugnando pela extinção do feito sem resolução
do mérito, diante da inadequação da via processual eleita, nos termos do
artigo 485, inciso IV, do CPC c/c § 5º, do artigo 6º da Lei 12.016/2009
(id. nº 4058300.12993693).
É o relatório, no essencial.
Passo a decidir.
2. Fundamentação
2.1 Preliminares
2.1.1 Da litispendência
A
Autoridade apontada como coatora, o Ilmo. Sr. Presidente do Conselho
Regional de Educação Física da 12ª Região/PE-AL - CREF12/PE-AL,
suscitou, em suas Informações (id. nº 4058300.11898994),
preliminarmente, a ocorrência de litispendência com o Mandado de
Segurança nº 0808996-40.2019.4.05.8300, que tramita(ou) na MM. 7ª Vara
da Justiça Federal/PE.
Esclarece ainda que foram distribuídas várias ações mandamentais, com o mesmo objeto do presente mandamus, que estariam em tramitação por diversas varas desta Seção Judiciária de Pernambuco, relacionadas na petição inicial.
Configura-se
litispendência ou a coisa julgada, quando há reprodução de ação
idêntica a outra anteriormente ajuizada, adotando, o CPC, a teoria da
tríplice identidade de ações, ou seja, são idênticas as demandas que
possuem as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido (CPC,
art. 337, §§ 1º e 2º).
Há
litispendência quando se repete ação que está em curso; há coisa
julgada, quando se repete ação que já foi decidida por sentença, de que
não caiba recurso (CPC, art. 337, 3º e 4º).
Relativamente à preliminar de litispendência, não assiste razão à Parte Impetrada, porque inexiste identidade de partes.
Desse
modo, conforme se observa, embora a causa de pedir e os pedidos possam
ser idênticos, a Parte Impetrante é distinta em cada uma das ações
relacionadas na inicial, o que afasta a ocorrência de litispendência,
que requer para a sua configuração, como dito, tríplice identidade: de
partes, de causa de pedir e de pedido.
Não merece acolhida, portanto, a preliminar de litispendência levantada pela Parte Impetrada.
2.1.2 Da Inadequação da via eleita - ausência do direito líquido e certo do Impetrante
Em
suas informações, aduz a Autoridade apontada como coatora que a
utilização do presente mandado de segurança seria inadequada, pois neste
tipo de ação a prova deveria ser pré-constituída, o que não teria
ocorrido neste caso, haja vista a necessidade de dilação probatória, uma
vez que os documentos acostados a petição inicial não demonstrariam de
forma incontroversa o suposto direito líquido e certo do Impetrante.
Afirma que o "ponto
principal da discussão está no fato de não existir no momento da
solicitação de Registro, e nem até o presente, certeza quando a validade
do curso ofertado, haja vista que o mesmo é autorizado pelo MEC para
ofertar Educação Física apenas presencialmente, na sua sede, em Goiás.
Informações estas, estão disponíveis no site do e-MEC e na própria
página da Instituição, sendo que o Impetrante reside e sempre residiu em
Pernambuco, conforme documentação por ele apresentada no CREF12/PE, e
nos Autos".
Registra
ainda que não há sequer um "ato" do Impetrado contra o qual pese a
alegação de arbitrariedade, sendo, também neste aspecto, descabido o
Mandado de Segurança.
Com efeito, o mandado de segurança é remedium juris para
proteção de direito líquido e certo, resultando, porém, de fato
comprovado de plano, devendo o pedido vir embasado em provas
claras, límpidas, já que, no procedimento do mandamus, é inadmissível a dilação probatória.
Os
Conselhos de Categorias Profissionais têm amplos poderes de
investigação, quando há algum indício de que aquele que nele pretende se
registrar para o exercício da respectiva atividade profissional exibe
diploma eivado de dúvidas, como a levantada nas informações da
Autoridade apontada como coatora.
O
espancamento de tais dúvidas dependeria de provas, tais como: o
Impetrante morou na cidade onde se encontra sediada a noticiada IES?
Pois, segundo apurou a Autoridade Impetrada, junto a órgãos próprios do
Ministério da Educação, mencionada IES só poderia ministrar cursos
presenciais.
Isso não está comprovado.
Se
o ora Impetrante estudou, presencialmente, na mencionada IES, no Estado
de Goiás, por que não juntou comprovantes de despesas de viagens e de
hospedagens no local?
Também não há comprovação da presença física do Impetrante às aulas do referido curso.
Nem a forma como pagou as mensalidades ou semestralidades ou anuidades do seu curso.
E etc. e etc. e etc.
Noto
que no Ofício, acostado sob id 4058300.12554501, que Autoridade do MEC
remeteu para o CREF7ªR, também não houve nenhuma menção à situação do
ora Impetrante, mas se esclareceu que o curso de Educação Física fora
autorizado, mas ainda estava em processo para reconhecimento e,
quanto a forma de ser ministrado, remeteu-se o Destinatário ao site do
MEC, que foi consultado pela ora Autoridade Impetrada e constatou-se que
seria presencial.
Como
decidir o mérito de questão tão delicada e importante, sem tomar o
depoimento do Autor, sem ouvir Dirigentes da mencionada IES, e
Testemunhas, nem realizar a colheita de outras provas, como as acima
indicadas, não existentes nos autos?
Tenho
que realmente, como bem alegado pela DD Autoridade apontada como
coatora, estamos diante da situação prevista no inciso IV do art. 485
do vigente CPC, que tem a seguinte redação.
"Art. 485 - O juiz não resolverá o mérito quando:
IV - verificar a ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo".
É
que exigências do art. 1º e 6º da Lei 12.016, de 2009, que dizem
respeito à prova pré-constituída para o mandado de segurança, não estão
de todo atendidas.
Há
mais dúvidas do que certezas quanto à formatura legal do ora Impetrante
no curso de Educação Física, atividade de alta importância na
atualidade, pois esse tipo de profissional lida com pessoas, de todas as
idades, na correção de defeitos físicos, no aprimoramento do físico e
da mente, na manutenção da saúde físico-mental dos seus clientes e até
mesmo no ensino a alunos que poderão vir a ser seus futuros colegas de
trabalho.
Então,
ninguém pode receber autorização de um Conselho de Categoria
Profissional para exercer tão importantes atividades, como pretende o
ora Impetrante, se não houver plena certeza da lisura da sua formatura e
da obtenção do respectivo diploma, tudo conforme as detalhadas
informações da DD Autoridade apontada como coatora.
Esclarece
ainda a Autoridade Impetrada que foram requeridas várias solicitações
de alunos, com domicílio em Pernambuco, todos egressos do curso de
Bacharelado em Educação Física da Faculdade de Piracanjuba - FAP, com
sede no estado de Goiás, razão pela qual, considerando ser bastante
improvável tais alunos terem cursado presencialmente o curso de
Bacharelado em Educação Física, distante cerca de 1.600 km de suas
residências, assim como a ausência de autorização do MEC para a
realização do curso de Educação Física a distância, a Comissão de
Documentação do Conselho Impetrado resolveu suspender todos os pedidos
de registro que estão na mesma situação do ora Impetrante, até
pronunciamento do MEC, do CONFEF e da Faculdade de Piracanjuba/GO acerca
de tal situação (id. nº 4058300.12554481).
Então, resta-me extinguir o processo, sem resolução do mérito, ressalvando-se ao Impetrante a via ordinária, na qual poderá realizar amplas provas
no sentido de que realmente foi regular os seus anos de estudo na
mencionada IES, ressalva esta hoje estabelecida no art. 19 da Lei nº
12.016, de 2009.
Oxalá,
o MPF desperte para questão e peça a devida apuração nas vias legais
próprias, até mesmo porque, segundo as Informações da DD Autoridade
apontada como coatora, há inúmeros outros casos, envolvendo a mesma IES.
3. Dispositivo
Posto
isso, rejeito a preliminar de litispendência, mas acolho a preliminar
de impropriedade do meio processual escolhido e, com base na
fundamentação jurídico-legal indicada acima, dou este processo por
extinto, sem resolução do mérito, denegando a segurança, mas ressalvando
ao ora Impetrante a possibilidade de rediscutir o assunto na via
judicial ordinária, caso o seu alegado direito não tenha sido fulminado
pela decadência ou prescrição.
Custas pelo Impetrante.
Sem verba honorária, ex lege.
Registre-se. Intimem-se.
Recife, 30.01.2020Francisco Alves dos Santos Júnior
Juiz Federal, 2a Vara Federal/PE
(mppl)
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