quinta-feira, 9 de janeiro de 2020

DOENÇA GRAVE. PROVENTOS DE APOSENTADORIA. ISENÇÃO DO IMPOSTO DE RENDA PESSOA FÍSICA. IMPROCEDÊNCIA.

Por Francisco Alves dos Santos Júnior

Segue sentença que trata de interessante matéria do direito tributário brasileiro, legislação e jurisprudência, pertinente à isenção do imposto de renda, pessoa física, concedida sobre proventos de aposentadoria para pessoas com doença grave, arrolada em Lei. 
Merece destaque a competente atuação da Procuradora da Fazenda Nacional que atuou no caso, em defesa da UNIÃO - FAZENDA NACIONAL. 
Preliminarmente, o feito também envolve a questão do direito à Assistência Judiciária e matéria processual, relativa ao que vem a ser Jurisdição Voluntária, Ação Declaratória, etc. 

Boa leitura. 


PROCESSO Nº: 0800840-63.2019.4.05.8300 - OUTROS PROCEDIMENTOS DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA
REQUERENTE: A C B
ADVOGADO: V B C Do N
REQUERIDO: FAZENDA NACIONAL
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO)


Sentença tipo A.
EMENTA: TRIBUTÁRIO.DIFERENÇAS DE PROVENTOS. DOENÇA NÃO ARROLADA EM LEI.
-Segundo a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, em REsp representativo de controvérsia(art. 543, C, CPC), é taxativo o rol de doenças do art. 6º da Lei nº 7.713, de 1988, não comportando interpretação extensiva.
-A doença indicada pelo Autor não se encontra no rol de doenças desse dispositivo legal, sendo apenas objeto de projeto de lei em tramitação no Congresso Nacional.
-O grande esforço e dedicação da Procuradora da Fazenda Nacional impõem arbitramento de verba honorária acima do mínimo legal, sobre o valor atualizado, pelos índices da tabela SELIC, que se pretendia repetir.
            -Improcedência
Vistos, etc.

1. Breve Relatório

A C B, qualificado na Inicial, ajuizou esta  Ação Declaratória de Isenção de Imposto de Renda, Cumulada com Pedido de Restituição de Indébito, com concessão liminar de Tutela Provisória de Urgência em face da  UNIÃO - FAZENDA NACIONAL.  Requereu, preliminarmente, os benefícios da Justiça Gratuita. Aduziu o Autor, em síntese, que: teria realizado Acordo Judicial na ação tombada sob o nº 0024365-30.2001 (anexa), na qual se buscava receber seus proventos de complementação de aposentadoria; de tal valor, R$ 374.390,08 (trezentos e setenta e quatro mil trezentos e noventa reais e oito centavos), teria sido retido na fonte, correspondente ao IR, valor este indevido, uma vez que o Autor seria portador de Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica, conforme documentos anexos; o Autor precisaria, e muito, deste dinheiro, retido indevidamente, para custeio do seu tratamento; a complementação de aposentadoria, reforma ou pensão, recebida de entidade de previdência complementar, Fundo de Aposentadoria Programada Individual (Fapi) ou Programa Gerador de Benefício Livre (PGBL) e os valores recebidos a título de pensão em cumprimento de acordo ou decisão judicial, ou ainda por escritura pública, inclusive a prestação de alimentos provisionais recebidos por portadores de moléstia grave deveriam ser considerados isentos. Teceu outros comentários. Transcreveu precedentes. Pugnou, ao final, pela concessão liminar de tutela provisória de urgência antecipatória, a devolver o desconto do imposto de renda retido na fonte sobre o valor de R$ 374.390,08, sob pena da aplicação de multa diária.
Inicial instruída com procuração e documentos.
Decisão, sob id 4058300.9806900, deferindo provisoriamente os benefícios da Justiça Gratuita e indeferindo o pleito antecipatório.
A União (Fazenda Nacional) apresentou Contestação (Id. 4058300.9981600). Preliminarmente, impugnou o pedido de concessão dos benefícios da Justiça Gratuita, uma vez que  o autor teria realizado tal pedido sob o fundamento que não teria "condições financeiras de arcar com os custos e despesas do processo", mas que não teria juntado qualquer documento que comprovasse a situação de hipossuficiência ou mesmo de risco ao comprometimento das obrigações familiares. No mérito, defendeu que o pedido formulado fosse julgado improcedente, eis que para a concessão da isenção do IR seria necessário que a moléstia indicada fosse uma daquelas previstas em Lei, o que não seria o caso e que, caso estivesse em algum rol legal, necessitaria de submissão do Autor à perícia oficial. Teceu outros comentários. Transcreveu precedentes (Id.4058300.9981600).
A parte autora apresentou réplica, rebatendo os argumentos da defesa e reiterando os termos da Inicial (Id. 4058300.10436674).
Decisão, sob id 4058300.11772556, intimando a parte autora para comprovar, documentalmente, seus gastos e os de sua família, com saúde, educação, moradia etc e apresentar suas duas últimas declarações do IRPF (declaração COMPLETA) para fins de apreciação da impugnação da justiça gratuita.
A parte autora pugnou pela juntada de documento (Id. 4058300.11896603).
É o relatório, no essencial.
Passo a fundamentar e a decidir.

2. Fundamentação

2.1 - Matérias Preliminares.
2.1.1 - Ação de Repetição de Indébito. Jurisdição Contenciosa
Inicialmente, registro que não se trata, como consignado na petição inicial, de ação declaratória, mas sim de ação condenatória, como o é toda ação cuja pretensão principal seja a repetição de alegado indébito. Não há nada a ser meramente declarado, mas sim uma situação que se pretende seja reconhecida, pretensão essa, se acolhida, implicará em condenação da Parte Ré em restituição das parcelas do IR que foram retidas na fonte.
Também não se trata, como indicado pela Parte Autora, de ação de jurisdição voluntária, pois patente a sua feição contenciosa.
Então, preliminarmente e antes de publicar esta sentença, deve a Secretaria fazer as devidas retificações na autuação, principalmente quanto à classe e ao tipo de jurisdição, que é claramente contenciosa.
2.1.2 - Da Impugnação ao Benefício da Justiça Gratuita
Observo que, ante a impugnação ao benefício da justiça gratuita, formulada pela União (Fazenda Nacional) quando da Contestação, a parte autora foi instada a comprovar, documentalmente, seus gastos e os de sua família, com saúde, educação, moradia etc e apresentar suas duas últimas declarações do IRPF (declaração COMPLETA), conforme decisão sob identificador 4058300.11772556, o que não foi integralmente cumprido (vide documentos acostados sob Ids.  4058300.11896603 e 4058300.11896614).
Por outro lado, tendo o Autor recebido a vultosa quantia, pois só de imposto de renda retido na fonte pagou mais de  trezentos mil reais, encontra-se apto a arcar com as custas judiciais e, caso vencido, com as respectivas verbas de sucumbência.
Assim, há se ser revogado o benefício da justiça gratuita, concedido provisoriamente na decisão inicial.
2.2 - Matéria de Mérito
Pugna a parte autora por provimento jurisdicional que lhe assegure o reconhecimento do direito à isenção do imposto de renda, relativamente à verba de R$ 374.390,08, diferenças de proventos de aposentadoria que recebeu e que se encontram descritas na petição inicial, com a consequente condenação da UNIÃO - FAZENDA NACIONAL a lhe devolver o valor de imposto de renda retido na fonte sobre mencionada verba. 
Aduziu o Autor, em síntese, que teria realizado Acordo Judicial em ação de nº 0024365-30.2001, na qual buscou receber seus proventos de complementação de aposentadoria. Mencionou, ainda, que de tal valor, R$ 374.390,08 (trezentos e setenta e quatro mil trezentos e noventa reais e oito centavos), fora retida parcela a titulo de imposto de renda, parcela tal que reputaria indevida, uma vez que seria portador de Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica, conforme documentos anexos.
Pois bem.
Como bem alegado na contestação da UNIÃO - FAZENDA NACIONAL, o cerne da questão está na interpretação do inciso XIV do artigo 6º da Lei nº 7.713/1988, o qual tem a seguinte redação:
"Art. 6º - Ficam isentos do imposto de renda os seguintes rendimentos percebidos por pessoas físicas:
(...)
XIV - os proventos de aposentadoria ou reforma motivada por acidente em serviço e os percebidos pelos portadores de moléstia profissional, tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltiplaneoplasia maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, hepatopatia grave, estados avançados da doença de Paget(osteíte deformante), contaminação por radiação, síndrome da imunodeficiência adquirida, com base em conclusão da medicina especializada, mesmo que a doença tenha sido contraída depois da aposentadoria ou reforma; (Redação dada pela Lei nº 11.052, de 2004). [destaquei]"
A doença indicada pelo Autor, "Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica", não se encontra expressamente prevista nesse dispositivo legal.
Importante sublinhar a existência do Projeto de Lei n. 1.613/2015,  em tramitação no Congresso Nacional, cuja ementa tem a seguinte redação:
"Altera o inciso XIV do art. 6º da Lei nº 7.713, de 22 de dezembro de 1988, com a redação dada pela Lei nº 11.052, de 29 de dezembro de 2004, para incluir entre os rendimentos isentos do imposto de renda os percebidos pelos portadores de doença pulmonar obstrutiva crônica - DPOC."[1]
Entretanto, em consulta à tramitação do aludido projeto [1], vê-se que a proposição ainda se encontra sujeita à apreciação do Plenário, circunstância esta desfavorável ao pleito autoral.
Finalmente, impende registrar, como também bem alegado na contestação da UNIÃO - FAZENDA NACIONAL,  que a esse respeito o Superior Tribunal de Justiça afirmou, categoricamente, que a relação de doenças descritas no rol do inciso XIV, da Lei 7.713/88 é taxativa, não admitindo interpretação analógica ou extensiva, consoante trecho da ementa abaixo transcrito:
"TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C, DO CPC. IMPOSTO DE RENDA. ISENÇÃO.  SERVIDOR PÚBLICO PORTADOR DE MOLÉSTIA GRAVE. ART. 6º DA LEI 7.713/88 COM ALTERAÇÕES POSTERIORES. ROL TAXATIVO. ART. 111 DO CTN. VEDAÇÃO À INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA.
 1. A concessão de isenções reclama a edição de lei formal, no afã de verificar-se o cumprimento de todos os requisitos estabelecidos para o gozo do favor fiscal. 2. O conteúdo normativo do art. 6º, XIV, da Lei 7.713/88, com as alterações promovidas pela Lei 11.052/2004, é explícito em conceder o benefício fiscal em favor dos aposentados portadores das seguintes moléstias graves: moléstia profissional, tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, hepatopatia grave, estados avançados da doença de Paget (osteíte deformante), contaminação por radiação, síndrome da imunodeficiência adquirida, com base em conclusão da medicina especializada, mesmo que a doença tenha sido contraída depois da aposentadoria ou reforma. Por conseguinte, o rol contido no referido dispositivo legal é taxativo (numerus clausus), vale dizer, restringe a concessão de isenção às situações nele enumeradas. 3. Consectariamente, revela-se interditada a interpretação das normas concessivas de isenção de forma analógica ou extensiva, restando consolidado entendimento no sentido de ser incabível interpretação extensiva do aludido benefício à situação que não se enquadre no texto expresso da lei, em conformidade com o estatuído pelo art. 111, II, do CTN. (Precedente do STF: RE 233652 / DF - Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA, Segunda Turma, DJ 18-10-2002. Precedentes do STJ: EDcl no AgRg no REsp 957.455/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/05/2010, DJe 09/06/2010; REsp 1187832/RJ, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/05/2010, DJe 17/05/2010; REsp 1035266/PR, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/05/2009, DJe 04/06/2009; AR 4.071/CE, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 22/04/2009, DJe 18/05/2009; REsp 1007031/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 12/02/2008, DJe 04/03/2009; REsp 819.747/CE, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, SEGUNDA TURMA, julgado em 27/06/2006, DJ 04/08/2006).4. In casu, a recorrida é portadora de distonia cervical (patologia neurológica incurável, de causa desconhecida, que se carcateriza por dores e contrações musculares involuntárias - fls. 178/179), sendo certo tratar-se de moléstia não encartada no art. 6º, XIV, da Lei 7.713/88.5. Recurso especial provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/2008."[2].
Ademais, como ainda registrado na contestação da UNIÃO - FAZENDA NACIONAL, ainda que a doença apontada pelo Autor estivesse arrolada em Lei, teria o Autor que ser submetido a perícia oficial, conforme regra do art. 30 da Lei nº 9.250, de 1995, ainda em vigor, submissão essa que tenho por desnecessária, uma vez que a apontada doença não se encontra legalmente arrolada como passível de gerar a isenção do imposto de renda.
Diante de todo o exposto, a decretação de improcedência dos pedidos é medida que se impõe.
2.3 - Diante do quadro supra e da bem elaborada contestação, assinada pela d. Procuradora da Fazenda Nacional, Dra. RITA DE CASSIA RAMALHO TEMPORAL, tenho que o Autor deve ser condenado nas verbas de sucumbência, devendo a verba honorária, graças ao esforço e dedicação da referida Procurador, ser arbitrada acima do mínimo legal, observada a regra do § 2º do art. 85 do vigente Código de Processo Civil, tomando-se por base o valor do imposto de renda retido na fonte + multa, que se pretendia repetir, indicado como valor da causa. 

3. Dispositivo

Diante de todo o exposto:
3.1 - Preliminarmente:
3.1.1 - reconheço que não estamos diante de caso que envolve jurisdição voluntária, mas sim jurisdição contenciosa, tampouco que estamos diante de ação declaratória e, sim, de ação condenatória e, por isso, determino que a Secretaria tome as providências indicadas no subitem 2.1 supra, tendentes à alteração da autuação;
3.1.2 - revogo a concessão provisória do benefício da Assistência Judiciária e concedo ao Autor o prazo de 15(quinze) dias para recolher as custas judiciais, sobre o valor indicado como "valor da causa", devidamente atualizado pelos índices da tabela SELIC, por se tratar de matéria tributária, sob pena de execução forçada, por não mais caber a aplicação do art. 290 do CPC, uma vez que já se processou a instrução do feito.
3.2 - No mérito, julgo improcedentes os pedidos desta ação e dou o processo por extinto, com resolução do mérito (art. 487, I, CPC), condenando a Parte Autora nas custas judiciais e ao pagamento da verba honorária, que, em face do esforço e dedicação da mencionada Procuradora da Fazenda Nacional, Dra. RITA DE CASSIA RAMALHO TEMPORAL, arbitro em 13% (treze por cento) do valor que se pretendia fosse restituído, qual seja, o valor do imposto de renda retido na fonte, indicado como valor da causa, devidamente atualizado pelos índices da tabela SELIC, por se tratar de matéria tributária(aplicação analógica e contrario senso do § 4º do seu art. 39 da Lei nº 9.250, de 1995).
Registre-se. Intimem-se.

Recife, 09.01.2019

Francisco Alves dos Santos Júnior
 Juiz Federal,2a Vara Federal/PE.


________________________________________________

[1] Disponível em https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=1279694

Acesso em 08.01.2020

[2] Brasil. Superior Tribunal de Justiça. Primeira Seção. Recurso Especial - REsp nº 1.116.620-BA, Rel. Luiz Fux,  julgado em 09.08.2010, in Diário da Justiça Eletrônico - DJe de 25.08.2010.

Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?livre=ISEN%C7%C3O+E+IMPOSTO+E+RENDA+E+ROL+E+TAXATIVO&repetitivos=JULGADO+E+CONFORME+E+%22RECURSOS+REPETITIVOS%22&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO&p=true.

Acesso em 08.01.2020.




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