Por Francisco Alves dos Santos Júnior
Na decisão infra, as questões relativas a remédios experimentais são discutidas à luz de julgados do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça.
Boa leitura.
Obs.: decisão pesquisada e minutada pela Assessora Luciana Simões Correa de Albuquerque.
PROCESSO Nº: 0816918-35.2019.4.05.8300 - PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL
AUTOR: L P DA S
REPRESENTANTE: DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO
RÉU: UNIÃO FEDERAL - UNIÃO. e outro
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)
AUTOR: L P DA S
REPRESENTANTE: DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO
RÉU: UNIÃO FEDERAL - UNIÃO. e outro
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)
D E C I S Ã O
1. Breve Relatório
L P DA S, qualificada na Inicial, ajuizou esta Ação Ordinária com pedido de antecipação de de tutela em
face da UNIÃO FEDERAL e do ESTADO DE PERNAMBUCO. Requereu,
preliminarmente, os benefícios da Justiça Gratuita bem como observância
às prerrogativas inerentes à Defensoria Pública da União. Aduziu, em
síntese, que teria sido diagnosticada com NEOPLASIA DE CÓLON (CID 10 C16), razão pela qual estaria solicitando o medicamento BEVACIZUMABE (AVASTIN) para dar continuidade ao tratamento da doença; a patologia teria sido detectada em
2011; após ter sido submetida, no Hospital da Restauração, a
procedimento cirúrgico, a autora teria seguido com o tratamento
oncológico no IMIP, local onde teria enfrentado a quimioterapia; um
novo tumor teria surgido em 2013, ocasião em que teria se submetido a
uma outra cirurgia; em 2018, de forma lamentável, teria havido recidiva
da doença, o que teria levado a paciente à nova ressecção; no mesmo
ano, teriam aparecido micronódulos no seu pulmão, iniciando, assim,
tratamento quimioterápico; na
tentativa de reverter esse quadro reincidente, a Dra. Andrezza Laynne
Alves (CRM 17063), oncologista clínica, teria prescrito, conforme
receituário anexo, tratamento com o fármaco BEVACIZUMABE, na dose de 490
mg a cada 15 dias, concomitantemente à quimioterapia; a medicação,
embora imprescindível para tratamento oncológico, não seria fornecida de
forma gratuita pelo SUS, conforme negativa oriunda da Secretaria de
Saúde do Estado anexa. Teceu outros comentários. Pugnou, ao final, pela
concessão da antecipação dos efeitos da tutela , inaudita altera parte, para que sejam os Réus compelidos a disponibilizar, no prazo máximo de 72 (setenta e duas) horas, o medicamento BEVACIZUMABE,
na dosagem e forma prescritas e pelo tempo que se fizer necessário ao
tratamento. Protestou o de estilo. Inicial instruída com procuração e
documentos.
Foi
prolatada decisão determinando a remessa dos autos ao NATS (Id.
4058300.11705706), que ofertou parecer (Id. 4058300.11935654).
As partes se manifestaram sobre o parecer do NATS (Ids. 4058300.12010994, 4058300.12029543 e 4058300.12141291).
A parte autora renovou o pedido de apreciação do pleito antecipatório (Id. 4058300.12549797).
É o relatório, no essencial.
Passo a decidir.
2. Fundamentação
2.1. Da concessão provisória da Justiça Gratuita
De início, tenho que o pedido de concessão do benefício da Justiça Gratuita será concedido provisoriamente, até a contestação, porque deve a Parte Ré também ser dele intimado para, querendo, a seu respeito manifestar-se.
2.2. Das premissas a serem observadas sobre o tema
Programaticamente,
o direito à saúde integra o sistema de proteção da Seguridade Social e
configura direito social prestacional, expressamente consagrado nos art.
6º e 196 da vigente Constituição da República.
O
seu objeto programático (constituído por prestações materiais na esfera
da assistência médica e hospitalar) está vinculado, de forma
contundente, ao direito à vida e ao princípio da dignidade da pessoa
humana, devendo ser analisado nesta perspectiva e à luz do direito
positivo concretizador dessa programação constitucional, sem desprezar a
dogmática jurídico-constitucional que estrutura o sistema como um todo,
especialmente os princípios da universalidade da saúde pública, com as
limitações do princípio da legalidade e da igualdade de tratamento.
E
no centro disso tudo exsurge a tenebrosa escassez de recursos, cuja
alocação exige escolhas trágicas pela impossibilidade de atendimento
integral a todos.
O Supremo Tribunal Federal traçou diretrizes que devem ser ponderadas na solução de conflitos, que podem ser assim resumidas:
I. É de natureza solidária a responsabilidade dos entes da Federação no serviço público de saúde;
II. Em princípio, o conteúdo do serviço público de saúde restringe-se às políticas adotadas pelo SUS. Por isso, "deverá ser privilegiado o tratamento fornecido pelo SUS em detrimento de opção diversa escolhida pelo paciente, sem que não for comprovada a ineficácia ou a impropriedade da política de saúde existente".
III. Sujeitam-se ao controle judicial as políticas públicas eleitas pelo SUS pela não inclusão de fármacos e procedimentos. Não basta afirmar o direito à saúde para obrigar o SUS a fornecer fármaco ou a realizar procedimento não incluído no sistema. É indispensável a realização de ampla prova para demonstrar a existência da situação singular ("razões específicas do seu organismo") da ineficácia ou impropriedade do tratamento previsto no SUS.
IV. A Administração Pública não é obrigada a fornecer fármaco sem registro na ANVISA, já que sua inclusão no Sistema Único de Saúde depende prévio registro.
De
outro prisma, decidiu o Superior Tribunal de Justiça - STJ, no Recurso
Especial nº 1.657.156/RJ, representativo da controvérsia, com
publicação em 12/09/2018, sobre a concessão de medicamento não constante
nos Protocolos Clínicos do SUS e estabeleceu a exigência de três
requisitos cumulativos para autorizar sua concessão na via judicial, verbis:
"i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS;
ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito;
iii) existência de registro do medicamento na ANVISA, observados os usos autorizados pela agência."
Modula-se
os efeitos do presente repetitivo de forma que os requisitos acima
elencados sejam exigidos de forma cumulativa somente quanto aos
processos distribuídos a partir da data da publicação do acórdão
embargado, ou seja, 4/5/2018
Em
sede de embargos de declaração, opostos pelo Estado do Rio de Janeiro, o
Superior Tribunal de Justiça -STJ esclareceu que, no caso do
fornecimento de medicamentos fora da lista do SUS, conforme precedente
estabelecido no citado repetitivo, o requisito do registro na ANVISA
afasta a obrigatoriedade de que o poder público forneça remédios para
uso off label - aquele prescrito para um uso diferente do que o
indicado na bula, fora do rótulo -, salvo nas situações excepcionais
autorizadas pela Agência, modificando um trecho do acórdão a fim de
substituir a expressão existência de registro na Anvisa para existência
de registro do medicamento na Anvisa, observados os usos autorizados
pela agência.
O
Relator do recurso, ministro Benedito Gonçalves, ressaltou que o
esclarecimento em embargos de declaração é necessário para evitar que o
sistema público seja obrigado a fornecer medicamentos que, devidamente
registrados, tenham sido indicados para utilizações off label que não sejam reconhecidas pela ANVISA nem mesmo em caráter excepcional.
Segundo
o Relator, ainda que determinado uso não conste do registro na ANVISA,
na hipótese de haver autorização, mesmo precária, para essa utilização,
deve ser resguardado ao usuário do SUS o direito de também ter acesso ao
medicamento.
Todavia, mais recentemente, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu, em 22/05/2019,
que o Estado não pode ser obrigado a fornecer medicamento experimental
ou sem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa),
salvo em casos excepcionais. A decisão foi tomada, por maioria de votos,
no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 657718, com repercussão geral reconhecida, de relatoria do ministro Marco Aurélio.
Com efeito, o Plenário, por maioria de votos, fixou a seguinte tese para efeito de aplicação da repercussão geral:
"1) O Estado não pode ser obrigado a fornecer medicamentos experimentais.
2) A ausência de registro na Anvisa impede, como regra geral, o fornecimento de medicamento por decisão judicial.
3) É possível, excepcionalmente, a concessão judicial de medicamento sem registro sanitário, em caso de mora irrazoável da Anvisa em apreciar o pedido (prazo superior ao previsto na Lei 13.411/2016), quando preenchidos três requisitos:
I - a existência de pedido de registro do medicamento no Brasil, salvo no caso de medicamentos órfãos para doenças raras e ultrarraras;
II - a existência de registro do medicamento em renomadas agências de regulação no exterior;
III - a inexistência de substituto terapêutico com registro no Brasil.
4) As ações que demandem o fornecimento de medicamentos sem registro na Anvisa deverão ser necessariamente propostas em face da União.".
Mencionada
Suprema Corte ainda vai decidir quanto aos medicamentos, já aprovados
pela ANVISA, mas que, devido ao alto custo e à ausência de forças
orçamentárias para custeá-los, ou ainda pelo fato de que possam ser
substituídos por outros fármacos que se encontram nas listas de
procedimentos do SUS, não foram incluídos rol dos medicamentos que
podem ser fornecidos pelo SUS.
Essa matéria já se encontra sub judice, no Recurso Extraordinário n.º 566.471-RN, mas ainda pendente de julgamento.
Fixadas tais premissas, passo a analisar o caso concreto.
2.3. Do laudo pericial/NATS
Trata-se
de ação ordinária, com pedido de tutela antecipada, proposta em
desfavor da União e do Estado de Pernambuco, objetivando provimento
jurisdicional que condene aos Réus a fornecerem à Autora o medicamento
BEVACIZUMABE (AVASTIN®) para o tratamento da doença que a acomete.
Aduz
a Autora que é portadora de neoplasia de cólon, já tendo sido submetida
a diversos tratamentos; no entanto, na tentativa de reverter o seu
quatro clínico, tendo em vista que já houve duas recidivas da doença,
tendo aparecido, dessa última vez, inclusive, micronódulos no pulmão, de
forma que a sua médica assistente indicou o tratamento com o fármaco
pleiteado. Argumenta, ainda, que o mesmo teria sido negado pela
Secretaria de Saúde do Estado de Pernambuco.
Pois bem.
Em
face do convênio firmado entre o Tribunal Regional Federal da 5ª
Região e pelo Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, os caso foi
remetido ao Núcleo de Assessoria Técnica em Saúde (NATS) do TJPE, cuja
conclusão foi a seguinte (Id. 4058300.11935654):
"À exceção de 6 medicamentos, não há padronização de drogas pelo Ministério da Saúde para o tratamento dos cânceres no SUS. As instituições habilitadas pelo SUS para o tratamento do câncer devem seguir seus protocolos de tratamento sendo de sua responsabilidade o fornecimento integral de todo o tratamento necessário ao doente.
Quanto ao medicamento BEVACIZUMABE, o mesmo foi avaliado pela CONITEC que não recomendou a sua incorporação ao SUS.
É importante destacar que o prognóstico para uso de medicamentos nessa condição não é de obtenção da cura, mas sim a possibilidade de aumentar a sobrevida do paciente livre de progressão da doença.".
Diante
do panorama fático-jurídico, embora não se desprezando o sofrimento da
Autora e de seus familiares, vejo-me na obrigação de negar a sua
pretensão liminar.
Acerca
do tema, tenho que não pode o Administrador Público ser substituído por
decisão judicial, ate mesmo pelo fato de que a decisão da inclusão de
medicamento na lista do SUS envolve, não só assunto médico, como também
assunto orçamentário, cuja palavra final cabe ao Legislativo.
Se
o medicamento estivesse na lista do SUS e não fosse fornecida pela
Secretaria de Saúde do Estado, aí sim caberia ao Judiciário obrigar essa
Secretaria a fornecê-lo.
Mas não, como demonstrado, não é o caso.
E
tudo isso passa pelos princípios da universalidade da saúde pública,
mesclado com o princípio da legalidade e, sobretudo, como princípio da
igualdade de tratamento(se todos só podem receber medicamento do Estado
que conste da lista do SUS, ou não situações excepcionais acima
indicadas) por que apenas a Parte Autora poderia receber o referido
medicamento, se não enquadra em tais situações?).
Sendo assim, em face de todas essas considerações, tenho que o indeferimento do pleito antecipatório é medida que se impõe.
3. Disposição
Diante de todo o exposto, concedo os benefícios da justiça gratuita e indefiro o pleito antecipatório.
Citem-se as partes Rés, na forma e para os fins legais.
No momento oportuno, intimem-se as partes quanto as provas que eventualmente pretendam produzir.
Intimem-se. Cumpra-se.
Recife, 19.11.2019
Francisco Alves dos Santos Júnior
Juiz Federal, 2a Vara Federal/PE.
(lsc)
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