segunda-feira, 29 de julho de 2019

PLANO DE SAÚDE. A QUALIDADE DE DEPENDENTE IDOSA NÃO PODE FICAR VINCULADA AOS PADRÕES DA DECLARAÇÃO DO IR, PORQUE FERE REGRAS CONSTITUCIONAIS E LEGAIS DE AMPARO AO IDOSO

Por Francisco Alves dos Santos Júnior


Pode uma regra administrativa de um Plano de Saúde de Servidores da Administração Pública criar critério de enquadramento de uma Mãe como Dependente do filho-Servidor, de forma contrária às regras da Constituição da República e da Lei do Estatuto do Idoso quanto à manutenção ou ampliação do amparo ao idoso? 
Na sentença que segue, esse assunto é amplamente debatido. 
Boa leitura. 



PROCESSO Nº: 0806384-66.2018.4.05.8300 - PROCEDIMENTO COMUM
AUTOR: R S C DE O e Outra ADVOGADO: E L S ADVOGADO: P S C De ORÉUS: UNIÃO FEDERAL - UNIÃO. e OUTRO  2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)



Sentença Tipo A, registrada eletronicamente. 




Vistos, etc.

EMENTA: - PLANO DE SAÚDE. DEPENDENTE. RENDA. EXCLUSÃO. NÃO CABIMENTO.
Se a Dependente de Segurado de Plano de Saúde, atualmente com mais de 80(oitenta) anos de idade,  não tem benefícios previdenciários com reajustes vinculados aos índices de atualização da Tabela do IRPF, tampouco o rendimento do próprio Segurado, e se a referida Tabela não é reajustada pelo índice de reajuste do benefício previdenciário da mencionada Dependente, tampouco pelo índice de reajuste dos vencimentos do seu Filho, o Segurado, não pode a sua(da Segunda Autora) qualidade de Dependente ficar vinculada a valor enquadrável no rol de dependentes do IRPF, porque fere a lógica do sistema e contraria regras da Constituição da República e da Lei do Estatuto do Idoso, as quais orientam no sentido do mais completo amparo ao idoso, com alargamento dos benefícios ao passo que a sua idade aumenta.
Procedência.


1. Relatório

R S C DE O e N C DE O, qualificados na inicial, ajuizaram a presente AÇÃO ORDINÁRIA DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA em face da UNIÃO FEDERAL e do CONSELHO GESTOR DO PROGRAMA DE SAÚDE E ASSISTÊNCIA SOCIAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO. Requereram preliminarmente, a prioridade na tramitação do feito. Aduziram, em síntese que: a) o primeiro demandante seria técnico administrativo do Ministério Público da União e teria inserido sua mãe, segunda demandante, no Programa de Saúde e Assistência Social - Plan-Assiste, desde 26/10/2006, porque recebia apenas 02 salários mínimos de aposentadoria/pensão e seria sua dependente economicamente; b) em 2007, a segunda demandante teria sido diagnosticada com Câncer no ovário, atualmente em estágio IV, com metástase; c) no corrente ano, o primeiro demandante, ao receber da segunda demandante os comprovantes de rendimento, para fins de declaração do Imposto de Renda, constatou que os valores auferidos em 2017 teriam excedido o teto fixado pela Receita Federal para fins de inclusão de dependente, no total de R$ 22.847,86; d) o primeiro demandante teria  procurado a ajuda da ADUSEPS - Associação de Defesa dos Usuários de Seguros, Planos e Sistemas de Saúde, a qual enviou um Ofício ao Plan-Assiste, em 25 de abril de 2018, levando ao conhecimento do Plano de Saúde Réu os fatos específicos da segunda demandante, no intuito de evitar o corte no resectivo serviço de assistência à saúde; e) em 02 de maio de 2018, o Diretor de Assistência e Benefícios Sociais do Plan-Assiste/MPF, proferiu despacho negando o pleito de permanência da segunda demandante no plano. Fundamentou seu pedido citando textos de lei e da jurisprudência pátria, anexou documentos e ao final requereu o deferimento do pedido de Tutela Provisória de Urgência, no sentido de que fosse determinada a permanência da segunda demandante, Sra. N C DE O, no Programa de Saúde e Assistência Social do Ministério Público da União - PLAN-ASSISTE, independentemente de comprovação de que ela seja dependente do seu filho, primeiro demandante, para fins de Imposto de Renda.
R. Decisão proferida sob identificador nº 4058300.5367567,  pela qual foi deferida a tutela provisória de urgência e determinado que a União e o Conselho Gestor do Programa de Saúde e Assistência Social do Ministério Público da União mantivessem a Autora, N C DE O, no Programa de Saúde e Assistência Social do Ministério Público da União -PLAN-ASSISTE, como dependente do Autor, R S C DE O, independentemente da comprovação de ser ela dependente para fins de Imposto de Renda.
Devidamente citada, a União apresentou contestação sob identificador nº 4058300.5696785 requerendo a improcedência dos pedidos.
O Conselho Gestor do Programa de Saúde e Assistência Social do Ministério Público da União foi citado por meio de Carta Precatória anexada sob identificador nº 4058300.5955608 e deixou transcorrer o prazo sem apresentar contestação, conforme certidão de Id. 4058300.9857658.
A Parte Autora apresentou réplica à contestação requerendo a procedência dos pedidos formulados na exordial.
Pelas peças anexadas sob identificadores nªs 4058300.14791747 e 4058300.15328530 é possível constatar que a União interpôs Agravo de Instrumento, com pedido de efeito suspensivo, autuado no TRF 5ª Região sob o nº 0810227-10.2018.4.05.8300, contra decisão que deferiu o pedido de tutela de urgência. Consultando a movimentação processual comprova-se que o pedido de efeito suspensivo foi indeferido liminarmente (Id. 4050000.11666348) e na sequência, conforme acórdão proferido pela Terceira Turma, foi negado provimento ao Agravo de Instrumento (Id. 4050000.13040746).
 Vieram os autos conclusos.
É o breve relatório. 
Fundamento e decido. 


2. Fundamental

2.1 - Preliminarmente,  cabe a decretação da revelia do Conselho Gestor do Programa de Saúde e Assistência Social do Ministério Público da União, sem os respectivo efeitos, quer pelo fato de que a UNIÃO apresentou contestação, quer tendo em vista que se trata de pessoa jurídica de direito público, cujos bens  são indisponíveis(incisos I e II,  respectivamente, do art. 344 CPC).
2.2 - Nos presentes autos, a controvérsia consiste em saber se a Autora Necy Carvalho de Oliveira pode permanecer na qualidade de dependente no plano de saúde de titularidade de seu filho, independentemente da comprovação de sua dependência para fins de Imposto de Renda.

Por meio da decisão inicial, proferida pela d. Juíza Federal Substituta desta 2ª Vara/PE, Dra. DANIELLI FARIAS RABÊLO LEITÃO RODRIGUES, a Tutela Provisória de Urgência foi concedida com a determinação de que a União e o Conselho Gestor do Programa de Saúde e Assistência Social do Ministério Público da União mantivessem a Autora, N C DE O, no Programa de Saúde e Assistência Social do Ministério Público da União -PLAN-ASSISTE, como dependente do Autor, R S C DE O, independentemente da comprovação de ser ela enquadrável como dependente para fins de Imposto de Renda.

Apresentada contestação por parte da União e com o silêncio do Conselho Gestor do Programa de Saúde e Assistência Social do MPU, nada de novo foi apresentado no sentido de desconstituir os argumentos expostos na fundamentação daquela r. Decisão.

E, consta, também, nos autos que em sede de agravo de instrumento, interposto pela União, a Egrégia Terceira Turma do TRF 5ª Região negou provimento ao recurso e manteve a decisão agravada.

Sendo assim, adentrando no mérito, tenho que merece ser ratificada a mencionada r. Decisão, proferida pela MM. Juíza Federal Substituta da 2ª Vara/PE, Dra. DANIELLI FARIAS RABELO LEITÃO RODRIGUES, da qual transcrevo alguns trechos da sua d. fundamentação: verbis:
"2. Fundamentação 
2.1 (...).

2.2. Da tutela provisória de urgência

 (...).
Nos presentes autos, pretende-se a título tutela de urgência seja determinado aos Réus a permanência da Autora N C de O, como dependente no plano de saúde de titularidade de seu filho, independentemente da comprovação de sua dependência para fins de Imposto de Renda.

Pelo que se depreende da documentação anexada aos autos, a segunda Autora, N C de O é uma pessoa idosa, com 81 anos, e com grave problema de saúde (câncer no ovário, atualmente com metástase) e desde o ano de 2006 é dependente do seu filho, o primeiro Autor, R S de C de O, no Plan-Assiste.
De acordo com o Regulamento Geral do Plan-Assiste, à época de sua inclusão (Id. 4058300.5360409):

  "II - dependentes econômicos:
   (....)
  (...)
 c) os pais, inclusive adotantes, o padrasto ou a madrasta com renda familiar de até três salários mínimos que constem como dependentes na Declaração de Imposto de Renda do titular.".

E foi em face desse regulamento que a segunda Autora foi inscrita, aprovada e vinculada como dependente no PLAN-ASSISTE, tendo em vista ser mãe com renda familiar de até três salários mínimos e constar na declaração de imposto de renda do seu filho como dependente.


O rendimento auferido pela segunda Autora ao longo de 2017, incluído o 13º salário, atingiu a cifra de R$ 24.205,00, quando o teto fixado pela Receita Federal, para fins de inclusão de dependentes no Imposto de Renda, naquele ano, era de R$ 22.847,86, desde 2015. Com isso, a segunda Autora não pôde ser incluída como dependente do seu filho na declaração do IR 2017/2018.


Atualmente, a Norma Complementar nº 13/2017, estabelece em seu art. 1º, inciso II, alínea "c":


    "Art. 1º São beneficiários do PLAN-ASSISTE, na condição de:
    (...)
    II - dependentes:
    (c) o pai ou o padrasto e a mãe ou a madrasta que constem como dependentes ou pensionistas na declaração de imposto de renda do titular.;
    (...)"

Numa interpretação restritiva da regra acima, considerou-se que a segunda Autora deixara de cumprir um dos requisitos para a sua configuração como dependente econômica do titular do plano (figurar como dependente na declaração do Imposto de Renda), o que levou à sua exclusão do plano de assistência à saúde.


Em face da questão posta, vislumbro o preenchimento dos requisitos para a concessão da tutela de urgência, invocada pelos Autores.


Primeiramente, cumpre consignar o que está disposto na Constituição da República sobre o direito dos idosos:

"Art. 1o É instituído o Estatuto do Idoso, destinado a regular os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos.

Art. 2o O idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhe, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade.
Art. 3o É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.". 
No caso dos autos, a Autora é uma pessoa idosa, com mais de 80 anos e com graves problemas de saúde, sendo obrigação da sociedade assegurar-lhe o direito à vida e à saúde, conforme disposição constitucional. Tal direito não pode ser restringido por norma infra legal.


Com efeito, a segunda Autora continua recebendo mensalmente parcos rendimentos, tendo ultrapassado por muito pouco o limite para inclusão como dependente no Imposto de Renda do seu filho."
E isso só ocorreu porque a UNIÃO não cumpriu com o seu dever social e moral de atualizar a tabela do IRPF, a qual, inexplicavelmente, encontra-se  congelada desde 2015, quando o benefício previdenciário da autora gozou de atualização, embora meramente monetária e abaixo do reajuste do salário mínimo, findou por ultrapassar o mínimo para ser considerada dependente perante o IRPF, por conta da referida imoralidade: falta de atualização dos valores da tabela do IRPF.
O equilíbrio econômico-financeira das obrigações das duas Partes exigiria que a referida Tabela fosse atualizada, pelo menos pelo mesmo índice de reajuste do beneficio da referida Dependente, a ora Segunda Autora, ou pelo mesmo índice de reajuste de vencimentos do seu Filho, o Segurado e ora Primeiro Autor. 
Note-se que não existe mais o requisito cumulativo de que o ascendente aufira menos de 3 (três) salários mínimos para sua inclusão como dependente no plano de saúde, assim como acontecia quando da inserção da segunda Autora no Plan-Assiste, há 12 anos.
Então, as regras não poderiam ser mudadas unilateralmente, porque os Autores têm direito adquirido a esse requisito, especialmente a Dependente, a Segunda Autora, por conta da proteção constitucional e legal a que faz jus, conforme já demonstrado e ao que retornaremos abaixo.

Por outro lado, o valor do benefício da Autora, sempre reajustado por índice inferior ao de um salário mínimo, nunca ultrapassou o patamar de três salários mínimos e só ultrapassa o mínimo da referida Tabela do IRPF, na declaração do IR do seu Filho, o Primeiro Autor, pelas razões já expostas: a falta de atualização da famigerada Tabela do IRPF, no mínimo pelos índices de reajuste do benefício da Segunda Autora. 

Ora, se o poder aquisitivo da Segunda Autora, frente ao valor do salário mínimo,  cai, ano a ano, porque o valor do seu benefício é reajustado por índice inferior ao do reajuste do salário mínimo, não pode ser punida com a exclusão do rol de dependentes do seu Filho perante a Entidade de Plano de Saúde do  Emprego Público deste, em face da culpa única e exclusiva da UNIÃO, na qual encontra-se no rol de Órgãos o Ministério Público Federal, onde trabalha o seu Filho, o Primeiro Autor.

Princípios de Justiça orientam de que, nessa situação, deve-se manter os parâmetros de quando a Sra. Mãe do Primeiro Autor, a Segunda Autora, foi admitida no referido Plano de Saúde, uma vez que o descompasso, meramente financeiro, decorre de, repito, culpa única e exclusiva da UNIÃO, a qual, de forma imoral, não atualiza a referida Tabela do IRPF. 

Por outro lado, a mencionada regra do referido Plano de Saúde, de vincular a renda do Dependente a valor fixado para cada Dependente na declaração do IRPF do Servidor Segurado, não se mostra razoável, pois o que tem a ver mencionado Plano com o IR dos Beneficiários?

Os  Parâmetros que gozariam de um equilíbrio justo mínimo seriam os que já adiantei: 1) atualização da Tabela do IRPF pelo mesmo índice de atualização do valor do benefício da Segunda Autora e dos vencimentos do Primeiro Autor; ou,  2) aquele da renda da data da inclusão da Dependente, ora Segunda Autora, isto é, vinculação da sua renda, naquela data, à luz do total de salários mínimos que ganhava quando da sua inclusão: tome-se o valor total da renda da ora Segunda Autora, na data em que foi incluída como dependente, e divida pela valor de um
salário mínimo, e chegue ao total de salários mínimos que a Segunda Autora ganhava naquela época, sem dúvida alguma, constatar-se-á que ganha, hoje,  um número de salários mínimos bem menor do que ganhava naquela época. E isso decorre do fato, já dito: aqueles que se aposentaram ganhando mais de um salário mínimo, perdem ano a ano frente ao valor do salário mínimo, porque o total de tais benefícios é reajustado por índice inferior ao do reajuste do salário mínimo.

O mencionado arcabouço jurídico constitucional e legal não admite que norma infra legal elimine o mencionado direito de uma idosa, que já conta com mais de 80(oitenta) primaveras, sem descurar que o Primeiro Autor vem pagando, religiosamente, o valor do mencionado Plano de Saúde há mais de 12(doze)anos.
Não pode, exatamente agora quando a sua Mãe já com mais de 80(oitenta)anos de idade e mais necessita de utilizar-se dos recursos do Plano de Saúde, vê-la dele excluída, porque há uma singela e ilógica norma administrativa, que fere todo o mencionado conjunto de regras constitucionais e legais, asseguradoras dos direitos dos idosos e que, ao invés de ser reduzidos,  devem é ser ampliados com o passar do tempo.

Não, isso não é aceitável, não pode acontecer.

Nessa situação, sem maiores delongas, a decretação da procedência dos pedidos é medida que se impõe.


3. Dispositivo

POSTO ISSO, ratifico a mencionada r. Decisão Inicial, na  qual se deferiu o pedido de tutela provisória de urgência de antecipação, julgo procedentes os pedidos, tornando definitiva a determinação constante na  mencionada r. Decisão, para todos  os fins de direito, e dou este processo por extinto, com resolução do mérito(art. 487, I, CPC).

Outrossim, condeno às Rés, pro rata, ao ressarcimento do valor atualizado das custas desembolsadas pelos Autores, com atualização pelos índices da tabela SELIC, por ser um tributo, a partir do mês seguinte ao do efetivo desembolso,  e a pagar ao(à,s) Patrono(a,s) dos Autores verba honorária advocatícia, a qual, à luz dos §§ 2º e 8º do art. 85 do vigente Código de Processo Civil,  arbitro em R$ 3.000,00 (três mil reais), que serão atualizados(correção monetária e juros de mora) pelos índices do manual de cálculos do Conselho da Justiça Federal, vigentes na data da execução, sendo que os juros de mora incidirão sobre o valor já monetariamente corrigido, mas somente a partir do trânsito em julgado desta sentença ou de acórdão que venha a substituí-la(§ 19 do art. 85, CPC).

Sentença sujeita ao duplo grau de jurisdição (art. 496, I do CPC).

Registre-se. Intimem-se.


Recife, 20.07.2019

Francisco Alves dos Santos Júnior

Juiz Federal, 2a Vara Federal/PE.




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