Por Francisco Alves dos Santos Júnior
Importantes matérias tributárias são debatidas na decisão que segue, envolvendo inclusive recente julgado do Superior Tribunal de Justiça, editado com efeito repetitivo.
Boa leitura.
Obs.: Pesquisa feita pela Assessora Luciana Simões Correa de Albuquerque
PROCESSO Nº: 0814011-87.2019.4.05.8300 - MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL
IMPETRANTE: U C O D'A S/A
ADVOGADO: L E C T De M M e outros
IMPETRADO: FAZENDA NACIONAL
AUTORIDADE COATORA: DELEGADO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL EM RECIFE
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)
IMPETRANTE: U C O D'A S/A
ADVOGADO: L E C T De M M e outros
IMPETRADO: FAZENDA NACIONAL
AUTORIDADE COATORA: DELEGADO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL EM RECIFE
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)
D E C I S Ã O
- Breve Relatório
U C O D'Á S.A., qualificada na Inicial, impetrou este MANDADO
DE SEGURANÇA PREVENTIVO COM PEDIDO DE LIMINAR contra ato do Sr.
DELEGADO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL EM RECIFE, representada em juízo
pela Procuradoria Regional da Fazenda Nacional - PGFN da 5ª Região.
Aduziu, em síntese, que: a Impetrante desenvolveria atividade
agroindustrial no setor sucroalcooleiro, comercializando produtos
derivados da cana-de-açúcar (etanol e açúcar); em 30/09/1999, a
impetrante teria ajuizado a Ação Ordinária de Indenização contra a União
(Proc. nº NPU 0012745-02.1999.4.05.8300 - Doc. 03) -, postulando que
fosse a Ré condenada a pagar indenização por danos emergentes "em
virtude da suspensão do pagamento do subsídio de equalização da
cana-de-açúcar, após o advento da Lei n. 8.383/91, causando sérios
prejuízos à suplicante, como, de resto, às outras Usina localizadas no
Norte/Nordeste dos País, no período entre janeiro de 1992 e outubro de
1998, em função da adoção, quanto aos derivados de cana, de preços
unificados em todo o Brasil, sem observar as disparidades regionais, no
que tange aos custos da matéria-prima.; após regular tramitação,
teria sido proferida sentença julgando procedente o pedido formulado,
nos termos ali transcritos; referida sentença teria sido mantida
integralmente nas demais instâncias, consoante se extrai do Acórdão do
TRF5, que teria negado provimento à Apelação da União e à Remessa
Oficial (fls. 538/539 da ação ordinária); do Acórdão do STJ - que não
conhecera do Recurso Especial (fls. 630/631); do Acórdão do STJ - que
teria rejeitado os Embargos de Declaração da União (fls. 647/648) e,
finalmente; da Decisão Monocrática da Ministra Relatora do STF que teria
negado seguimento ao Recurso Extraordinário (fls. 679/681) (Doc. 05); o
feito teria transitado em julgado em 27/02/2009 (Doc. 06), tendo a
Autora ingressado com Execução de sentença, na forma do art. 475-B do
CPC/1973, então vigente, no valor de R$ 60.710.216,69 (sessenta milhões, setecentos e dez mil, duzentos e dezesseis reais e sessenta e nove centavos),
atualizado até a data da propositura da execução em 18/04/2011 (Doc.
07); a União teria oposto Embargos à Execução (proc. nº
0007723-40.2011.4.05.8300) - Doc. 08, no bojo do qual teria sido
determinada a realização de laudo pericial (Doc. 09), tendo o MM. Juízo
de 1º grau, ao final, julgado improcedentes os da referida ação de
Embargos à Execução e determinado o prosseguimento da execução "com os valores apresentados pelo Perito Contábil, no importe de R$ 89.708.116,03 (oitenta e nove milhões, setecentos e oito mil, cento e dezesseis reais e três centavos), atualizado até 12/2012"
(Doc. 10); a União teria interposto Recurso de Apelação ao qual fora
dado provimento parcial pelo E. TRF da 5ª Região apenas para determinar
que a Execução de Sentença prosseguisse, não pelo valor calculado pelo
Senhor Perito, por ser superior ao valor executado, e sim pelo valor
calculado e executado pela Autora (Doc. 11); contra referido Acórdão, a
União teria interposto Recurso Especial e Recurso Extraordinário
insurgindo-se tão somente quanto ao índice de correção monetária do
valor da indenização, pedindo a aplicação do artigo 1º-F, da Lei
9.494/1997, com a redação dada pela Lei nº 11.960, de 29/06/2009, que
teria determinado a utilização da correção pela TR (poupança partir
30/06/2009 (doc. 12); diante desse resultado, restando incontroverso o
valor do principal da indenização, a impetrante teria peticionado nos
autos da ação ordinária Proc. nº NPU 0012745-02.1999.4.05.8300,
requerendo a expedição do precatório da parcela incontroversa da
condenação, com fulcro no §4º do art. 535 do CPC/2015 (doc. 13);
intimada a União, teria finalmente concordado com a inscrição em
precatório do valor incontroverso de R$ 39.984.067,79 (trinta e nove milhões, novecentos e oitenta e quatro mil, sessenta e sete reais e setenta e nove centavos)
corrigidos pela SELIC até a data base de 20/12/2018, conforme defendido
e calculado pela União Federal em sua manifestação (Doc. 14); fixado o
valor incontroverso, foi determinada sua inscrição em precatório,
consoante decisão anexa (Doc. 15), tendo, em consequência, sido emitido o
precatório n. 2019.83.00.007.000298, na data de 28/06/2019 (Doc. 16);
autuado no TRF5 e individualizado em 28/06/2019, referido requisitório
teria sido inscrito em precatório sob o n. PCR 179324-PE, NPU n.
0342140-33.2019.4.05.0000 e atualizado em 04 de julho de 2019 para o
montante de R$ 40.320.752,94 (quarenta milhões, trezentos e vinte mil, setecentos e cinquenta e dois reais e noventa e quatro centavos);
uma única controvérsia persistiria no aludido processo e seria
atinente ao índice de correção monetária a ser aplicado sobre o valor
indenizatório, este já incontroverso e já inscrito em precatório; não
haveria controvérsia quanto ao valor do prejuízo auferido pela
Impetrante nem tampouco quanto à natureza dessa condenação (indenização
por dano emergente); em relação ao tratamento tributário a ser conferido
aos valores recebidos a título de indenização em decorrência de decisão
judicial, todavia, a Receita Federal, em pronunciamentos recentes, a
exemplo das Soluções de Consulta nº 455/2017 e nº 76/2019 (doc. 17),
ambas editadas por sua Coordenação-Geral de Tributação - COSIT, cujas
conclusões teriam efeito vinculante para a Administração Fiscal Federal,
estariam impondo uma série de restrições à regra da não incidência de
Imposto de Renda e CSLL sobre os valores recebidos a título de
indenização por danos patrimoniais; a sobredita Solução de Consulta
COSIT nº 455-2017 determinaria que algumas "parcelas" do valor recebido a
título de indenização por danos patrimoniais deveriam ser consideradas
como acréscimo patrimonial e, consequentemente, deveriam compor a base
de cálculo dos tributos acima referidos; por esdrúxulo que pudesse
parecer tal entendimento, para a Receita Federal, vinculados ao valor da
indenização, haveria (i) parcelas deduzidas como despesas, bem como
valores relativos a (ii) correção monetária e (iii) juros legais
contados a partir da citação do processo judicial os quais constituiriam
acréscimo patrimonial, não se caracterizando como indenização; a
integralidade dos valores recebidos a título de indenização por danos
emergentes, neles incluídos correção monetária e juros, representaria
mera recomposição de patrimônio, o que não autorizaria sua adição à
receita e ao resultado tributáveis como "acréscimo patrimonial"; como
poderia ser conferido na sentença proferida no processo NPU 0012745-02.1999.4.05.8300,
a indenização da qual teria resultado o precatório PCR 179324-PE seria
qualificada como indenização destinada a recompor prejuízo suportado
pela impetrante, sendo incabível sua consideração como acréscimo
patrimonial para fins de adição à receita e ao resultado tributáveis; os
valores atinentes à correção monetária e juros de mora não deveriam
sofrer tributação, na medida em que representariam genuína recomposição
do patrimônio do credor pela impontualidade do devedor na realização do
pagamento; a Impetrante estaria apurando o resultado tributável pelo
IRPJ e pela CSLL por meio da sistemática do lucro real anual (vide DCTFs
- Doc. 18); estaria obrigada a efetuar recolhimentos mensais a título
de estimativa do IRPJ devido ao término do período sobre os acréscimos
patrimoniais, consoante previsão do art. 2º da Lei n. 9.430/96, art. 32
da Lei n. 8.981/95 e art. 17 da IN 390/04; no presente caso, os Embargos
à Execução opostos pela União Federal ainda não teriam transitado em
julgado; considerando que a Receita Federal possui entendimento de que
os valores a serem recebidos passam a ser receita tributável pelo IRPJ e
pela CSLL já a partir da data da expedição do precatório (vide ADI SRF
25/2003 - Doc. 19), a Impetrante deveria, no entender da Receita
Federal, incluir referidos valores como receita tributável já a partir
de 30 de julho do corrente ano, sob pena de se sujeitar a autuação;
teria a impetrante justo receito de que lhes seriam exigidos valores
indevidos a título de Imposto de Renda e CSLL sobre os valores
creditados a título de indenização, não lhe restando outra alternativa
senão o ajuizamento do presente writ, para lhe assegurar o
direito líquido e certo de não ser compelida ao pagamento dos referidos
tributos sobre o valor da indenização, bem como dos juros moratórios e
correção monetária decorrentes da demora da União na reparação aos danos
sofridos. Teceu outros comentários. Transcreveu precedentes. Pugnou, ao
final, pela concessão de medida liminar para determinar à autoridade
impetrada que se abstenha de exigir o IRRF e a CSLL sobre a indenização
concedida nos autos do processo n. 0012745-02.1999.4.05.8300, cujo
montante foi definido nos autos do processo n. 0007723-40.2011.4.05.8300, incluindo também
os juros moratórios e a correção monetária sobre ela incidentes,
assegurando-se a suspensão da sua exigibilidade até o final julgamento
do feito, nos termos do artigo 151, IV, do CTN. Inicial instruída com
procuração e documentos.
É o relatório, no essencial.
Passo a decidir.
2. Fundamentação
Para
a concessão da liminar, exige-se a presença simultânea dos dois
pressupostos estabelecidos no inciso III do artigo 7º da Lei nº
12.016/2009, quais sejam, demonstração da relevância do fundamento (fumus boni iuris) e perigo da demora (periculum in mora).
Pugna
a Impetrante por provimento jurisdicional liminar no sentido de
determinar que a autoridade impetrada se abstenha de exigir o IRRF e a
CSLL sobre a indenização concedida nos autos do processo n.
0012745-02.1999.4.05.8300, cujo montante foi definido nos autos do
processo n. 0007723-40.2011.4.05.8300, incluindo também os juros
moratórios e a correção monetária sobre ela incidentes, assegurando-se a
suspensão da sua exigibilidade até o final julgamento do feito, nos
termos do artigo 151, IV, do CTN. Inicial instruída com procuração e
documentos.
Da
análise dos autos e diante do historiado na petição inicial, vê-se que a
Impetrante detém provimento jurisdicional favorável, nos seguintes
termos:
Isto posto, julgo procedente a pretensão deduzida na petição inicial, determinando o pagamento da indenização alusiva à adoção do sobre-preço na aquisição da cana-de-açúcar de seus fornecedores, no período entre janeiro de 1992 e outubro de 1998, no período entre janeito de 1992 e outubro de 1998, nos quantitativos constantes no seu Livro LPD, concernente à diferença dos preços da cana de açúcar praticados para o Estado de São Paulo e a região Nordeste, em função da supressão do subsídio de equalização anteriormente pago a tal título. (GN)
Prima facie,
extrai-se do conteúdo dessa decisão que mencionado crédito judicial,
obtido pela ora Impetrante na noticiada ação judicial, tem natureza
indenizatória.
Ora,
créditos com natureza indenizatória não se caracterizam como renda
(inciso I do art. 43 do Código Tributário Nacional, Lei 5.172, de 1966)
e, embora enquadráveis como proventos de qualquer natureza, não sofrem
incidência do Imposto sobre Renda e Proventos de Qualquer Natureza,
porque não implicam acréscimo patrimonial, como exigido pelo inciso II
desse mesmo dispositivo legal, uma vez que apenas repõe uma perda.
Registre-se que os mencionados atos administrativos, que estão a respaldar a exigência tributária em debate, não podem sobrepor-se à mencionada Lei Complementar, em face de regras do inciso III do art. 146 da vigente Constituição da República, que tem a seguinte redação:
Art. 146. Cabe à lei complementar:
I - (...);
II - regular as limitações constitucionais ao poder de tributar;
III - (...);
a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, ases de cálculo e contribuintes;
b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;
c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas.".
E,
como consequência da não incidência do mencionado Imposto sobre Renda,
também não incidirá a Contribuição Social sobre Lucro Líquido-CSLL,
primeiro porque a Constituição estabelece que essa Contribuição incide
apenas sobre o lucro(art. 195, I, "c") e, se a verba é indenizatória,
não há que se falar em lucro e, segundo, porque a Lei que a
instituiu(Lei nº 7.689, de 15.12.1988), já com inúmeras alterações,
estabelece que a sua base de cálculo será "valor do resultado do
exercício, antes da provisão para o imposto de renda", quando, não
sendo tal crédito considerado renda, não será considerada nessa valor do
resultado do exercício para tal finalidade tributária.
Tem-se, então, prima facie, que,
relativamente aos mencionados tributos, o recebimento do mencionado
crédito indenizatório não caracteriza os respectivos fatos geradores,
sendo, pois, caso de não incidência.
Quanto
aos juros moratórios e correção monetária incidentes sobre o valor da
indenização recebido, tenho que, conforme defendido na petição inicial,
sendo apenas acessórios do principal, a este incorporam-se com a mesma
natureza indenizatória.
Nesse contexto, não desconheço julgado Superior Tribunal de Justiça, relativo ao REsp 1138695/SP, em regime de recursos repetitivos, no qual se firmou a tese de que os juros incidentes na repetição do indébito tributário, inobstante a constatação de se tratarem de juros moratórios, encontram-se dentro da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, dada a sua natureza de lucros cessantes, compondo o lucro operacional da empresa. (tema 505).
Mas esse julgado, com relação ao qual, data maxima venia, quanto aos juros de mora, guardo reservas[1], não se aplica ao presente caso, no qual o principal tem clara natureza indenizatória, natureza essa que incorpora-se aos respectivos juros de mora, porque dela mero acessória.
E
a correção monetária, sendo mera reposição do poder aquisitivo da
moeda, nunca implica em acréscimo do patrimônio, mas mera manutenção
deste.
3. Dispositivo
Posto
isso, concedo a pleiteada medida liminar, suspendendo a exigibilidade
do IRPJ e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido-CSLL sobre a
totalidade do valor indenizatório acima descrito, recebido pela ora Impetrante da própria
UNIÃO, inclusive sobre as respectivas parcelas de
juros de mora e de correção monetária.
Notifique-se
a DD Autoridade apontada como coatora, para cumprir a decisão supra,
sob as penas do art. 26 da Lei nº 12.016, de 2009, bem como para
apresentar as informações(art. 7º, I, dessa Lei) e também que se dê
ciência deste mandado de segurança ao Órgão de
Representação(Procuradoria Geral da Fazenda Nacional em Recife-PE) da
UNIÃO, na forma e para os fins do inciso II desse art. 7º dessa Lei.
No momento oportuno, encaminhem-se os autos ao Ministério Público Federal para que oferte r. Parecer.
Sucessivamente, voltem-me os autos conclusos para julgamento.
Intimem-se. Cumpra-se.
Recife, 25.07.2019
Francisco Alves dos Santos Júnior
Juiz Federal, 2a Vara Federal/PE.
______________________________________________________
[1]
Como os juros de mora sempre têm natureza indenizatória, pois
representam a paga pelo uso indevido, por parte do Devedor, do dinheiro
do Credor, ainda que o principal não tenha natureza indenizatória,
mencionados tributos não poderiam incidir sobre os valores de tais
juros, porque, tendo natureza indenizatória, estes não implicam em acréscimo patrimonial,
pelo que o respectivo recebimento não constitui fato gerador dos
mencionados tributos(IRPJ e CSLL), conforme as regras acima indicadas do
Código Tributário Nacional.
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