terça-feira, 24 de janeiro de 2017

BUSCA E APREENSÃO DE BENS MÓVEIS. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. NOVA LEGISLAÇÃO.

Por Francisco Alves do Santos Júnior

Houve uma grande modificação no Decreto-lei nº 911, de 1969, que trata da ação de busca e apreensão de bens móveis, financiados pelo contrato de alienação fiduciária. Essa modificação legislativa decorre do novo posicionamento do Supremo Tribunal Federal - STF, pelo qual se impediu, por força da Convenção Americana de Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário, a prisão do depositário infiel, decorrente de inadimplemento nesse tipo de relação contratual. 
Então, como que para compensar essa derrota das Instituições Financeiras perante a nossa Suprema Corte, o Congresso Nacional modificou mencionado Decreto-lei, dando mais força e agilidade na ação de busca e apreensão e na cobrança do respectivo crédito, integral ou remanescente. 
A sentença que segue foi editada à luz dessa nova legislação de força.
Boa leitura.   


PROCESSO Nº: 0802290-51.2013.4.05.8300 - BUSCA E APREENSÃO EM ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA
AUTOR: CAIXA ECONOMICA FEDERAL - CEF.
Adv.: Dr. Ricardo Carneiro da Cunha, OAB/PE 23.404-D
RÉ: M J DA S
 Adv.: Defensor(a) da Defensoria Pública da União
2ª VARA FEDERAL - JUIZ FEDERAL

 
Sentença registrada eletronicamente
Sentença tipo A



EMENTA:- DIREITO CIVIL. MEDIDA CAUTELAR. BUSCA E APREENSÃO. CONTRATO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. MOTOCICLETA. DEMONSTRAÇÃO DA MORA DO DEVEDOR. PROVA HÁBIL E IDÔNEA. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO.
-Com a contestação, na qual não se negou a mora, esta ficou comprovada.
-O contrato em questão, no que diz respeito às prestações já pagas, calcado nas regras do art. 2º do Decreto-lei nº 911, de 1969, amolda-se ao art. 53 do Código de Proteção e Defesa do Consumidor.
-O art. 3º do Decreto-lei nº 911, de 1969, autoriza, com a constituição em mora do Devedor, a busca e apreensão liminar do bem.
-Se o Devedor Fiduciante atrasar o pagamento das prestações do contrato de alienação fiduciária e o bem dado em alienação fiduciária não for encontrado, o Credor Fiduciário pode, entre outros meios, valer-se da ação executiva para cobrar a integralidade ou o restando da dívida, conforme seja o caso
Procedência do pedido. 


Vistos, etc.

1. Relatório

A CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CAIXA, devidamente qualificada e representada, ajuizou a presente ação de busca e apreensão em face de M J DA S, com o objetivo de conseguir a busca e apreensão do veículo MOTOCICLETA/ YAMAHA/YBR, Ano/Modelo: 2011/2011, Chassi:   9C6KE1510B0021640,  Renavam:  355300230, UF/Placa:  PE/ PE/PEO0579,  Cor:  PRETA, objeto de alienação fiduciária, a fim de permitir à Credora/Requerente liquidar ou amortizar o débito de responsabilidade do Devedor/Requerido. Alegou, em síntese, que o Requerido teria firmado Contrato de Abertura de Crédito - Veículos com o Banco Panamericano, sob o nº 000046050553, vinculado a uma Nota Promissória; que a Requerida não estaria honrando as obrigações assumidas, e sua inadimplência estaria caracterizada desde 15/05/2012; que a dívida vencida, posicionada para o dia 27/05/2013, atingiria a cifra de R$ 13.296,45 ( Treze mil, duzentos e noventa e seis reais e quarenta e cinco centavos); que a Devedora teria sido constituído em mora, conforme comprovariam os documentos que instruíram a inicial; que o crédito teria sido cedido à Caixa Econômica Federal e teriam sido observadas as formalidades impostas nos arts. 288 e 290 do Código Civil Brasileiro, nos termos da documentação que instruiu a inicial. Ao final, requereu a liminar para a busca e apreensão do veículo automotor identificado; a citação da Requerida; a procedência da ação, com a condenação da Requerida em custas e honorários advocatícios e a execução forçada, em caso de não ser localizado o bem.  Protestou pela produção de provas e atribuiu valor à causa.  Instruiu inicial com documentos.
Decisão que indeferiu o pedido liminar.[1]
A CEF requereu a conversão da ação de busca e apreensão em execução por título extrajudicial[2], o qual foi indeferido.[3] Requereu, então, conversão em ação de depósito,[4] que também foi indeferido.[5]
A Requerida foi citada e apresentou contestação.[6] Requereu inicialmente o benefício da justiça judiciária gratuita e a observância das prerrogativas estabelecidas no art. 44 da LC 80/94, com redação da LC nº 132/09, que trata da organização da Defensoria Pública da União. Aduziu, em síntese, que a ação deveria ser extinta sem resolução do mérito, por faltar uma das condições da ação para seu prosseguimento, que seria a devolução das quantias pagas antes da apreensão do veículo. No mérito alega excesso de execução e requer seja declarado, incidenter tantum, a inconstitucionalidade da norma inscrita no art. 5º, caput e parágrafo 1º da MP nº 2.176-36/2001.
Réplica à contestação.[7]
É o relatório. 
Decido.

2. Fundamentação

2.1 - O principal argumento da defesa da Requerida, calcado no art. 53 do Código de Proteção e Defesa do Consumidor,  é no sentido de que só caberá a busca e apreensão do bem se o Banco Requerente restituir as parcelas que já pagou, decorrentes do noticiado contrato de alienação fiduciária do veículo em questão.
Todavia, esse dispositivo não comporta essa interpretação.
Eis o seu texto:
"Art. 53 - Nos contratos de compra e venda de móveis ou imóveis, mediante pagamento em prestações, bem como nas alienações fiduciárias em garantia, consideram-se nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas em benefício do credor que, em razão do inadimplemento, pleitear a resolução do contrato e a retomada do produto alienado."
O que esse dispositivo veda é que no contrato de alienação fiduciária, caso destes autos, conste cláusula que imponha ao Consumidor a perda das prestações já pagas no caso de inadimplemento.
Mencionado dispositivo legal tem que ser interpretado em conjunto com as regras da Legislação Específica, estabelecidas para o contrato em debate, no Decreto-lei nº 911, de 1969, com as inúmeras alterações que já sofreu, e também no Código Civil.
O art. 3º desse Decreto-lei autoriza a busca e apreensão, no caso de mora do Devedor, que tem que ser decretada liminarmente pelo Juiz.
A única exigência, pois, é a comprovação da mora do Devedor.
Na decisão sob identificador nº 4058300.167907, foi indeferido o pedido de busca e apreensão, liminarmente, porque não restara comprovada a constituição da Devedora, ora Requerida, em mora.
Todavia, agora essa comprovação está nos autos, porque, citada, a Devedora contestou, mas não negou que realmente se encontra em mora, relativamente a várias prestações do mencionado contrato.
E quanto às prestações já pagas, o Decreto-lei nº 911, de 1999, estabelece no seu art. 2º, verbis:
"Art. 2o  No caso de inadimplemento ou mora nas obrigações contratuais garantidas mediante alienação fiduciária, o proprietário fiduciário ou credor poderá vender a coisa a terceiros, independentemente de leilão, hasta pública, avaliação prévia ou qualquer outra medida judicial ou extrajudicial, salvo disposição expressa em contrário prevista no contrato, devendo aplicar o preço da venda no pagamento de seu crédito e das despesas decorrentes e entregar ao devedor o saldo apurado, se houver, com a devida prestação de contas. (Redação dada pela Lei nº 13.043, de 2014)".
Vale dizer, o Banco,  Credor Fiduciário,  leva o bem à alienação, soma o valor da alienação com o valor das prestações já pagas e caso do resultado dessa soma surgir valor superior ao consignado no contrato de alienação fiduciária, o Banco devolve ao Devedor(no caso, a Requerida)a parcela que superar o valor do contrato. Logo, mencionado dispositivo, que se encontra repetido como cláusula do contrato em debate,  veicula regra que busca vedar o enriquecimento ilícito do Devedor e amolda-se ao artigo 53 do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, porque não transfere automaticamente para o Credor as parcelas que o Devedor já pagou em decorrência do contrato, pois considera tais parcelas com parte do pagamento do valor acordado e até garante ao Devedor o recebimento de eventual parcela, após a alienação do veículo para Terceiro, que seja maior que o valor do contrato.
Não se pode esquecer que, por força das regras legais do contrato de alienação fiduciária, o Credor continua sendo o detentor do domínio pleno, com posse indireta do bem financiado, cabendo ao Devedor apenas a posse direta(Código Civil, art. 1.368-B c/c art. 1.361 e respectivo § 2º do mesmo Código). Ou seja, a propriedade continua com o Credor e o Devedor só a adquire se quitar todas as prestações do contrato.

2.2 - Na decisão acostada sob identificador nº 4058300.30424, datada de 17.02.2014, neguei à Requerente a conversão da busca e apreensão em ação executiva, porque naquela data não havia base legal para tal pleito. Mas agora isso é possível, por força do art. 101 da Lei nº 13.043, de 13.11.2014, pelo qual os arts. 4º e 5º do Decreto-lei 911, de 1969, passaram a ter a seguinte redação:
"Art. 4o Se o bem alienado fiduciariamente não for encontrado ou não se achar na posse do devedor, fica facultado ao credor requerer, nos mesmos autos, a conversão do pedido de busca e apreensão em ação executiva, na forma prevista no Capítulo II do Livro II da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil. 
"Art. 5o Se o credor preferir recorrer à ação executiva, direta ou a convertida na forma do art. 4o, ou, se for o caso ao executivo fiscal, serão penhorados, a critério do autor da ação, bens do devedor quantos bastem para assegurar a execução."
Logo, se o bem não for encontrado, a Requerente poderá pedir a conversão desta ação de busca e apreensão em ação executiva, por uma das formas consignadas nesses dispositivos legais.

3. Dispositivo

Do exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido (art. 487, I, do Código de Processo Civil), determino, desde já, com base no § 9º do art. 2º do Decreto-lei nº 911, de 1969, que se faça, pelo RENAJUD, a devida restrição no RENAVAM do veículo em questão, restrição essa que deverá ser retirada após a efetiva apreensão, e também a expedição do mandado de busca e apreensão do bem descrito no Contrato de Abertura de Crédito nº 000046050553, devendo a Oficiala de Justiça descrever o estado de conservação do veículo e, em seguida, proceder à entrega do bem à Área Depósito e Transporte de Bens Ltda,  situada no endereço Rua Vinte e Um de Abril, n. 541, Bairro de Afogados, Recife/PE, na pessoa de Edinaldo José do Nascimento, CPF(MF) Nº. 025.994.794-60, portador da cédula de identidade n. 5.148.030 SSP/PE, indicado como depositária pela ora Requerente, ficando a Sra. Oficiala de Justiça, desde já, por medida de segurança pessoal, requisitar ao Departamento de Polícia Federal local agente de polícia desse Departamento para lhe acompanhar nessa diligência. 
Outrossim, caso o veículo em questão seja efetivamente apreendido, por força do § 1º do art. 2º do Decreto-lei nº 911, de 1969, reconheço, cinco dias após a apreensão,  consolidada a respectiva propriedade e a posse plena e exclusiva no patrimônio da Requerente, para todos os fins indicados nesse dispositivo legal.

Finalmente, caso o referido veículo não vier a ser encontrado, fica a ora Requerente autorizada a requerer a transformação desta ação de busca e apreensão em ação executiva, por uma das formas indicadas nos arts. 4º e 5º do Decreto-lei nº 911, de 1969. 

Condeno a Requerida nas custas, despesas processuais em em verba honorária que, considerando o esforço e dedicação do Patrono da Requerente, à luz dos §§ 2º e 3º do art. 85 do vigente Código de Processo Civil, arbitro em 13%(treze)por cento do valor remanescente da dívida contratual, corrigida monetariamente e acrescida de juros de mora, na forma delineada no respectivo contrato ou, na ausência de previsão contratual, pelos índices do manual de cálculos do Conselho da Justiça Federal - CJF, mas submeto a respectiva cobrança às condições suspensiva e temporária do § 3º do art. 98 do mencionado Diploma Processual, por se encontrar a Requerida no gozo do benefício da Justiça Gratuita. 

R. I.   


Recife, 24 de janeiro de 2017.

Francisco Alves dos Santos Júnior
Juiz Federal, 2ª Vara/PE           




[1] Decisão inicial. Id. 4058300.167907
[2] Pedido de conversão. Id. 4058300.192550
[3] Decisão indeferindo a conversão. ID. 4058300.304241
[4] Pedido de conversão em depósito. Id. 4058300.370033
[5] Decisão indeferindo a conversão em depósito. Id. 4058300.473311
[6] Contestação. Id. 4058300.986765.
[7] Réplica. Id. 4058300.1432553

[8] Notificação. Id. 4058300.166320

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