Por Francisco Alves dos Santos Jr
A decisão que segue analisa, como questão de fundo, o protesto em cartório de título de crédito da Fazenda Pública, uma inovação do direito positivo do Brasil decorrente da Lei Federal nº Lei nº
12.767/2012, e, como questão preliminar, a problemática da figura da Autoridade coatora ou impetrada.
Obs.: a questão de fundo foi pesquisada e minutada pela Assessora Maria Patrícia Pessoa de Luna.
Boa leitura.
PROCESSO Nº: 0800264-75.2016.4.05.8300 - MANDADO DE SEGURANÇA
IMPETRANTE: F C DE C LTDA - ME
ADVOGADO: M V G DOS S
IMPETRADO: UNIÃO FEDERAL - UNIÃO.
2ª VARA FEDERAL - JUIZ FEDERAL TITULAR
IMPETRANTE: F C DE C LTDA - ME
ADVOGADO: M V G DOS S
IMPETRADO: UNIÃO FEDERAL - UNIÃO.
2ª VARA FEDERAL - JUIZ FEDERAL TITULAR
D E C I S Ã O
1. Breve Relatório
F C DE C LTDA - ME, qualificada na Inicial, impetrou este Mandado de Segurança com pedido de liminar em face de ato atribuído ao DELEGADO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL NO RECIFE,
pretendendo a suspensão do Protesto de Certidão de Dívida Ativa, na
qual a protestante seria a Fazenda Nacional. Alegou, em apertada
síntese, que teria sido surpreendida com a intimação de um protesto de
certidão de dívida ativa, na qual a protestante seria a Fazenda
Nacional, ora impetrada, sob a alegação de que a impetrante teria um
débito no valor de R$ 4.771,12; em razão do protesto, a Impetrante
estaria sendo impedida de conseguir crédito, inclusive para pagamento da
folha de funcionários, o que agravaria ainda mais a sua situação
financeira; nossa doutrina e jurisprudência teria entendimento
bastante solidificado no sentido de que não seria possível aceitar
protesto de certidão de dívida ativa; tal procedimento se afiguraria
completamente irregular, uma vez que estaríamos diante de um caso onde
não seria possível o protesto de certidão de dívida ativa, sendo tal
procedimento irregular, e seu dispositivo inconstitucional; o
entendimento predominante diz que a nossa legislação não permitiria o
protesto de certidão de dívida ativa. Transcreveu dispositivos legais e
decisões judiciais. Teceu outros comentários. Pugnou, ao final, que:
seja deferida a liminar, no intuito de que se promova a suspensão do
Protesto de Certidão de Dívida Ativa; se notifique a Impetrada do
conteúdo desta inicial para se prestar as informações que achar
necessárias; se julgue procedente o presente Mandado de Segurança para
ratificar a liminar em sede de sentença, além de promover o imediato
cancelamento do protesto em comento; por fim, requer seja ouvido o MPF, e
espera a Impetrante a concessão em definitivo da segurança. Deu valor à
causa. Inicial instruída com procuração e documentos.
Intimada para emendar a inicial, a Impetrante apresentou petição em 27/01/2016 (identificador nº 4058300.1660043), instruída com um documento.
É o relatório, no essencial. Passo a decidir.
2. Fundamentação
2.1 - Da autuação
A
Impetrante, na petição sob identificador 4058300.166004, apresentada em
27.01.2016, emendou a petição inicial, indicando como Autoridade coatora
o Sr. PROCURADOR REGIONAL DA FAZENDA NACIONAL da 5ª REGIÃO e juntou o
documento sob identificador 4058300.1660044, segundo o qual o
apresentante do título a protesto foi o PROCURADORIA GERAL DA FAZENDA
NACIONAL. Como não é dado ao Judiciário escolher contra quem a Parte
quer litigar, que se retifique a autuação, substituindo a Delegacia da
Receita Federal, como constou da primeira autuação, feita pelo(a)
Patrono(a) da Impetrante, pela Autoridade por ela indicada na petição de
emenda à inicial acima referida, qual seja, PROCURADOR REGIONAL DA
FAZENDA NACIONAL DA 5ª REGIÃO.
E se é
assim, ao invés de UNIÃO FEDERAL - UNIÃO, como constou, que se substitua
por UNIÃO - FAZENDA NACIONAL, devendo esta, por meio do seu Órgão de
Representação Judicial, a Procuradoria Regional da Fazenda Nacional da
5ª Região, ser cientificada deste mandado de segurança, na forma e para os fins do
inciso II do art. 7º da Lei nº 12.016, de 2009.
O presente mandado de segurança objetiva, em sede de liminar, obter a suspensão do Protesto de Certidão da Dívida Ativa.
A concessão de liminar em mandado de segurança exige a concorrência dos dois pressupostos legais: a relevância do fundamento (fumus boni juris) e o perigo de um prejuízo se do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida caso, ao final, seja deferida (periculum in mora).
No caso
dos autos, a Impetrante se insurge contra o protesto da CDA acima
mencionada. Argumenta que a função do protesto seria provar a
impontualidade e o inadimplemento do devedor para constituí-lo em mora,
enquanto a da CDA seria a de executar o devedor; acentuando a
desnecessidade de a Fazenda Pública realizar o protesto para o fim
específico de constituir em mora o devedor, vez que a credora teria
todos os instrumentos necessários para execução dos seus créditos, nos
termos da Lei 6.830/80.
Não
visualizo, contudo, a ilegalidade apontada pela Impetrante. Desde a
promulgação da Lei nº 12.767/2012, que introduziu o parágrafo único ao
art. 1º da Lei nº 9.492/1997, passou a existir previsão expressa no
ordenamento jurídico acerca da possibilidade de protesto de certidão da
dívida ativa, verbis:
"Art. 1º Protesto é o ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida.
Parágrafo único. Incluem-se entre os títulos sujeitos a protesto as certidões de dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas autarquias e fundações públicas. (Incluído pela Lei nº 12.767, de 2012)"
Nesse
sentido, o Col. STJ acompanhou a mudança legislativa e passou a permitir
o aludido protesto, com alteração de sua jurisprudência, conforme
aresto abaixo colacionado:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. PROTESTO DE CDA. LEI 9.492/1997.
INTERPRETAÇÃO CONTEXTUAL COM A DINÂMICA MODERNA DAS RELAÇÕES SOCIAIS E O "II PACTO REPUBLICANO DE ESTADO POR UM SISTEMA DE JUSTIÇA MAIS ACESSÍVEL, ÁGIL E EFETIVO". SUPERAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO STJ.
1. Trata-se de Recurso Especial que discute, à luz do art. 1º da Lei 9.492/1997, a possibilidade de protesto da Certidão de Dívida Ativa (CDA), título executivo extrajudicial (art. 586, VIII, do CPC) que aparelha a Execução Fiscal, regida pela Lei 6.830/1980.
2. Merece destaque a publicação da Lei 12.767/2012, que promoveu a inclusão do parágrafo único no art. 1º da Lei 9.492/1997, para expressamente consignar que estão incluídas "entre os títulos sujeitos a protesto as certidões de dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas autarquias e fundações públicas".
3. Não bastasse isso, mostra-se imperiosa a superação da orientação jurisprudencial do STJ a respeito da questão.
4. No regime instituído pelo art. 1º da Lei 9.492/1997, o protesto, instituto bifronte que representa, de um lado, instrumento para constituir o devedor em mora e provar a inadimplência, e, de outro, modalidade alternativa para cobrança de dívida, foi ampliado, desvinculando-se dos títulos estritamente cambiariformes para abranger todos e quaisquer "títulos ou documentos de dívida". Ao contrário do afirmado pelo Tribunal de origem, portanto, o atual regime jurídico do protesto não é vinculado exclusivamente aos títulos cambiais.
5. Nesse sentido, tanto o STJ (RESP 750805/RS) como a Justiça do Trabalho possuem precedentes que autorizam o protesto, por exemplo, de decisões judiciais condenatórias, líquidas e certas, transitadas em julgado.
6. Dada a natureza bifronte do protesto, não é dado ao Poder Judiciário substituir-se à Administração para eleger, sob o enfoque da necessidade (utilidade ou conveniência), as políticas públicas para recuperação, no âmbito extrajudicial, da dívida ativa da Fazenda Pública.
7. Cabe ao Judiciário, isto sim, examinar o tema controvertido sob espectro jurídico, ou seja, quanto à sua constitucionalidade e legalidade, nada mais. A manifestação sobre essa relevante matéria, com base na valoração da necessidade e pertinência desse instrumento extrajudicial de cobrança de dívida, carece de legitimação, por romper com os princípios da independência dos poderes (art. 2º da CF/1988) e da imparcialidade.
8. São falaciosos os argumentos de que o ordenamento jurídico (Lei 6.830/1980) já instituiu mecanismo para a recuperação do crédito fiscal e de que o sujeito passivo não participou da constituição do crédito.
9. A Lei das Execuções Fiscais disciplina exclusivamente a cobrança judicial da dívida ativa, e não autoriza, por si, a insustentável conclusão de que veda, em caráter permanente, a instituição, ou utilização, de mecanismos de cobrança extrajudicial.
10. A defesa da tese de impossibilidade do protesto seria razoável apenas se versasse sobre o "Auto de Lançamento", esse sim procedimento unilateral dotado de eficácia para imputar débito ao sujeito passivo.
11. A inscrição em dívida ativa, de onde se origina a posterior extração da Certidão que poderá ser levada a protesto, decorre ou do exaurimento da instância administrativa (onde foi possível impugnar o lançamento e interpor recursos administrativos) ou de documento de confissão de dívida, apresentado pelo próprio devedor (e.g., DCTF, GIA, Termo de Confissão para adesão ao parcelamento, etc.).
12. O sujeito passivo, portanto, não pode alegar que houve "surpresa" ou "abuso de poder" na extração da CDA, uma vez que esta pressupõe sua participação na apuração do débito. Note-se, aliás, que o preenchimento e entrega da DCTF ou GIA (documentos de confissão de dívida) corresponde integralmente ao ato do emitente de cheque, nota promissória ou letra de câmbio.
13. A possibilidade do protesto da CDA não implica ofensa aos princípios do contraditório e do devido processo legal, pois subsiste, para todo e qualquer efeito, o controle jurisdicional, mediante provocação da parte interessada, em relação à higidez do título levado a protesto.
14. A Lei 9.492/1997 deve ser interpretada em conjunto com o contexto histórico e social. De acordo com o "II Pacto Republicano de Estado por um sistema de Justiça mais acessível, ágil e efetivo", definiu-se como meta específica para dar agilidade e efetividade à prestação jurisdicional a "revisão da legislação referente à cobrança da dívida ativa da Fazenda Pública, com vistas à racionalização dos procedimentos em âmbito judicial e administrativo".
15. Nesse sentido, o CNJ considerou que estão conformes com o princípio da legalidade normas expedidas pelas Corregedorias de Justiça dos Estados do Rio de Janeiro e de Goiás que, respectivamente, orientam seus órgãos a providenciar e admitir o protesto de CDA e de sentenças condenatórias transitadas em julgado, relacionadas às obrigações alimentares.
16. A interpretação contextualizada da Lei 9.492/1997 representa medida que corrobora a tendência moderna de intersecção dos regimes jurídicos próprios do Direito Público e Privado. A todo instante vem crescendo a publicização do Direito Privado (iniciada, exemplificativamente, com a limitação do direito de propriedade, outrora valor absoluto, ao cumprimento de sua função social) e, por outro lado, a privatização do Direito Público (por exemplo, com a incorporação - naturalmente adaptada às peculiaridades existentes - de conceitos e institutos jurídicos e extrajurídicos aplicados outrora apenas aos sujeitos de Direito Privado, como, e.g., a utilização de sistemas de gerenciamento e controle de eficiência na prestação de serviços).
17. Recurso Especial provido, com superação da jurisprudência do STJ.
(REsp 1126515/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/12/2013, DJe 16/12/2013)
No caso em tela, ante os argumentos expostos, não tenho por preenchido o requisito do fumus boni juris a socorrer a tese da Impetrante.
Ausente o pressuposto supracitado, entendo desnecessária a análise da presença do periculum in mora,
tendo em vista, conforme delineado no corpo desta decisão, que a
concessão do provimento demanda a concomitância dos pressupostos.
3. Conclusão
Posto isso:
3.1 -
determino que a Secretaria deste Juízo retifique a autuação, quanto às
pessoas que devem figurar no polo passivo, na forma indicada no subitem
2.1 da fundamentação supra;
3.2 - indefiro a pretendida medida liminar;
3.3 -
notifique-se a Autoridade apontada como coatora, na forma e para os fins
do inciso I do art. 7º da Lei nº 12.016, de 2009;
3.4 -
dê-se ciência ao órgão de representação judicial da UNIÃO - FAZENDA
NACIONAL, na forma e para os fins do inciso II do art. 7º da Lei nº
12.016, de 2009;
3.5 - no momento oportuno, ao Ministério Público da União - MPU para, querendo, apresentar o r. parecer legal.
P.I.
Francisco Alves dos Santos Júnior
Juiz Federal, 2ª Vara-PE
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