terça-feira, 29 de março de 2016

IRPF. ISENÇÃO. RENDA DECORRENTE DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS A ÓRGÃO DA ONU. NORMA DE DIREITO INTERNO E NORMA DE DIREITO INTERNACIONAL.

Por Francisco Alves dos Santos Jr.

Interessante matéria de direito tributário internacional é debatida na sentença que segue, bem como a prescrição tributária. 
Boa leitura. 


Obs.: sentença pesquisada e minutada pelo Assessor Marcos Eduardo França Rocha.



PROCESSO Nº: 0803050-29.2015.4.05.8300 - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO
AUTOR: C A C DE A F
ADVOGADO: ROBERTO DE AZEVEDO MOREIRA NETO
RÉU: FAZENDA NACIONAL
2ª VARA FEDERAL - JUIZ FEDERAL

 
Sentença registrada eletronicamente
Sentença tipo A

EMENTA: PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS TÉCNICOS ESPECIALIZADOS CONTRATADO PELO PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA DESENVOLVIMENTO - PNUD. IRPF. ISENÇÃO.
A Lei interna e as normas internacionais das quais o Brasil é signatário concedem isenção do Imposto de Renda para Pessoa Física que presta serviços remunerados para Programas da ONU.
Rejeitada exceção de prescrição, à luz das regras da Lei Complementar nº 118, de 2005, e do entendimento do Plenário do STF a respeito dessa Lei.
Procedência.


Vistos, etc.

1. Relatório


C A C DE A F, qualificado na petição inicial, propôs esta ação declaratória de inexistência de relação jurídico-tributária c/c repetição de indébito tributário em face da UNIÃO (FAZENDA NACIONAL). Alegou, em síntese, que: a) foi servidor do PNUD/ONU através do contrato nº 2005/002117 que vigorou entre 09 de setembro de 2005 a 18 de agosto de 2006, exercendo durante todo este período a função específica de Administrador de rede local e dos serviços de TI do DATASUS/CTI I; e através do contrato nº AS-10701/2006 que vigorou entre 22 de agosto de 2006 a 17 de julho de 2007, exercendo durante todo este período a função específica de Consultoria técnica em implementação de manutenção corretiva e alteração de legislação, bem como a documentação dos módulos de internação e marcação de consulta do SISREG web alterados, em ambos exercidos naquele organismo internacional[1]; b) os serviços eram prestados dentro de programa de cooperação técnica mantido pelo governo brasileiro com a ONU; c) os documentos apresentados comprovam que o Autor estava submetido às regras contratuais estipuladas pela ONU, sendo contratados sem a aplicabilidade da legislação trabalhista e previdenciária brasileira; d) a prestação de serviços ao PNUD/ONU se sujeita às normas e procedimentos estabelecidos pelo Organismo e que não correspondem àqueles vigentes no Brasil, pois são compatíveis com condições e circunstâncias de trabalho peculiares aos organismos internacionais, sendo também atingida por prerrogativas e privilégios previstos nas Convenções e Acordos firmados pelos Estados Membros da ONU; e) a Delegacia da Receita Federal em Pernambuco desenvolveu várias Notificações de Lançamentos, entre elas a endereçada para o Autor[2], que foram direcionadas aos servidores de Organismo Internacional, em especial do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD, objetivando o lançamento do imposto de renda pessoa física sobre os rendimentos pagos por aquele organismo aos seus servidores, que no entender da autoridade tributária eram tributáveis; f) foi surpreendido pela notificação da Delegacia da Receita Federal em Pernambuco exigindo o recolhimento do imposto de renda pessoa física sobre os rendimentos do trabalho pagos pelo PNUD, no ano-calendário de 2006, constando como 'descrição do fato' no Auto de Infração[3]. Teceu outros comentários. Transcreveu precedentes jurisprudenciais. Ao final, requereu a procedência do pedido e a declaração da "inexistência da relação jurídica-obrigacional que determine o recolhimento do imposto de renda pessoa física sobre os rendimentos pagos pelo PNUD/ONU ao autor, nos anos-calendário de 2006 e 2007, uma vez que tais estão alcançados pelo benefício da isenção". Deu valor à causa. Instruiu a inicial com Instrumento de Procuração e documentos. Comprovou o recolhimento das custas.

R. despacho[4] que determinou a citação da União (Fazenda Nacional).

A União (Fazenda Nacional) apresentou contestação[5]. Em prejudicial de mérito apontou a ocorrência da prescrição quinquenal. No mérito, que a isenção tributária nada mais é que exceção à regra geral de tributação; que a isenção tributária que o autor persegue é restrita a funcionários nomeados para quadro efetivo da ONU e não a técnicos que tenham avenças para prestação de serviços a tal organismo, por mais que, porventura, venham a ter reconhecido vínculo empregatício na seara trabalhista; que o art. V, Seção 18, letra b, da Convenção Promulgada pelo Decreto nº 59.308/66, determina que os funcionários da ONU estão isentos de qualquer imposto sobre as remunerações pagas pela organização; que para usufruir da isenção, o contribuinte, antes de tudo, tem que ser funcionário da organização e ter seu nome em relação fornecida pelo Secretário Geral da ONU; que a Convenção sobre privilégios e imunidade das nações unidas, recepcionada no direito pátrio pelo decreto nº 27.784, de 16.02.50, divide sob dois status as pessoas físicas prestadores de serviços às Nações Unidas, quais sejam: funcionário e técnico a serviço.; que segundo a indigitada convenção somente os funcionários é que possuem direito à isenção de imposto sobre salários; que a simples prestação de serviços de consultoria técnica exercidos naquele organismo não é suficiente para promover a extensão de benefícios de isenção não previstos na legislação. Transcreveu precedentes jurisprudenciais. Ao final, requereu a improcedência dos pedidos.

Certificado[6] o decurso de prazo sem que a parte Autora apresentasse réplica.

Vieram os autos conclusos.

É o relatório. Passo a decidir.


2. Fundamentação


Julgo antecipadamente este feito, de acordo com o estado do processo, por entender desnecessária qualquer outra dilação probatória, uma vez que a documentação acostada nos autos permite-me extrair a conclusão para esta demanda (art. 355, I, NCPC).


2.1. Da Prescrição quinquenal


O Autor não invoca imunidade tributária, mas sim isenção do IRPF, logo estamos diante de situação de possível prescrição.
A partir do advento da Lei Complementar 118, de 2005, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário - RE nº 566.621/SC, firmou o entendimento de que, para as ações propostas após a vigência dessa Lei, o prazo para repetição de tributos indiretos, eventualmente pagos indevidamente, prescreve em cinco anos.
Referida Lei foi publicada no Diário Oficial da União de 09.02.2005 e entrou em vigor, segundo o seu art. 4º, 120(cento e vinte)dias após a sua publicação, qual seja, em 10.05.2005.
Como esta ação foi proposta em 20.05.2015, tem-se que para este caso aplica-se essa Lei.
O Autor, segundo a petição inicial, nessa parte não impugnada,  pagou o IR ora em debate a partir de 26.05.2010 até 30.04.2015.
Então, à luz da Lei acima referida, estariam prescritas apenas parcelas que tivessem sido pagas antes de 20.05.2010, o que, como vimos, não ocorreu.
Logo, a exceção de prescrição merece ser indeferida.

2.2 - Do mérito propriamente dito.

A parte Autora argumenta, em sua defesa, que estariam isentos do Imposto de Renda os rendimentos do trabalho recebido por técnicos a serviço das Nações Unidas, contratados no Brasil para atuar no território brasileiro como consultores no âmbito do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD.
Como bem argumentou o Autor na sua bem elaborada peça inicial, reza o artigo 22 e respectivo inciso II do atual Regulamento do Imposto de Renda e Proventos de Qualquer natureza do Brasil, instituído pelo Decreto nº 3.000, de 1999:
Art. 22.  Estão isentos do imposto os rendimentos do trabalho percebidos por (Lei nº 4.506, de 1964, art. 5º, e Lei nº 7.713, de 1988, art. 30):
I - (...);
II - servidores de organismos internacionais de que o Brasil faça parte e aos quais se tenha obrigado, por tratado ou convênio, a conceder isenção;
Note-se que a base legal desse regulamento é o art. 5º, II, da Lei 4.506, de 30.11.1964.
Não há dúvida de que o Brasil faz parte da Organização das Nações Unidas - ONU e que firmou tratados e convenções internacionais no âmbito dessa Organização, obrigando-se a conceder isenções tributárias para as pessoas que lhes prestam serviços, quer como autônomas, quer como empregadas, em determinadas situações, entre as quais enquadra-se a situação do Autor, conforme bem descreve na sua peça inicial, verbis:
"1. O autor foi servidor do PNUD/ONU através do contrato nº 2005/002117 que vigou entre 09 de setembro de 2005 a 18 de agosto de 2006, exercendo durante todo este período a função específica de Administrador de rede local e dos serviços de TI do DATASUS/CTI I; e através do contrato nº AS-10701/2006 que vigou entre 22 de agosto de 2006 a 17 de julho de 2007, exercendo durante todo este período a função específica de Consultoria técnica em implementação de manutenção corretiva e alteração de legislação, bem como a documentação dos módulos de internação e marcação de consulta do SISREG web alterados, em ambos exercidos naquele organismo internacional (Docs.03 e 04)."(sic).
No plano internacional, o art. IV, item 2, alínea "d", do Acordo Básico de Assistência Técnica com a Organização das Nações Unidas, aprovado pelo Decreto Legislativo 11, de 25 de abril de 1966, promulgado pelo Decreto 59.308, de 23 de setembro de 1966, e invocado pela parte Autora, estabelece que a expressão "perito" compreende, também, qualquer outro pessoal de Assistência Técnica designado pelos Organismos para servir no país, nos termos do acordo.

O art. V do mesmo Acordo Básico de Assistência Técnica determina que o governo aplicará aos funcionários dos organismos internacionais e seus peritos de assistência técnica a 'Convenção sobre Privilégios e Imunidades das Nações Unidas'.

E a Convenção sobre Privilégios e Imunidades das Nações Unidas, adotada em Londres pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, e promulgada pelo Congresso Nacional por meio do Decreto 27.784, de 16.02.1950, em seu artigo V dispõe:

"Seção 18. Os funcionários da Organização das Nações Unidas: (...) b) serão isentos de todo imposto sobre os vencimentos e emolumentos pagos pela Organização das Nações Unidas;"

Finalmente, a Primeira Seção do STJ, ao julgar o REsp 1.159.379/DF, por maioria, firmou o entendimento no sentido de que são isentos do imposto de renda os rendimentos do trabalho recebidos por técnicos a serviço das Nações Unidas, contratados no Brasil para atuar como consultores no âmbito do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD, verbis:

EMENTA: - TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. RENDIMENTOS RECEBIDOS POR PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS AO PNUD. ISENÇÃO. MULTA. SÚMULA 98/STJ.
1. O Acordo Básico de Assistência Técnica firmado entre o Brasil, a ONU e algumas de suas Agências, aprovado pelo Decreto Legislativo 11/66 e promulgado pelo Decreto 59.308/66, assumiu, no direito interno, a natureza e a hierarquia de lei ordinária de caráter especial, aplicável às situações nele definidas. Tal Acordo atribuiu, não só aos funcionários da ONU em sentido estrito, mas também aos que a ela prestam serviços na condição de "peritos de assistência técnica", no que se refere a essas atividades específicas, os benefícios fiscais decorrentes da Convenção sobre Privilégios e Imunidades das Nações Unidas, promulgada pelo Decreto 27.784/50.
2. O autor prestou serviços de assistência técnica especializada, na condição de Técnico Especialista, ao Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD, de quem recebia a correspondente contraprestação. Assim, os valores recebidos nessa condição estão abrangidos pela cláusula isentiva de que trata o inciso II do art. 23, do RIR/94, reproduzida no art. 22, II, do RIR/99.
3. Nos termos da Súmula 98/STJ, embargos de declaração manifestados com notório propósito de prequestionamento não têm caráter protelatório. 4. Recurso especial provido. ..EMEN:

Nota - Brasil. Superior Tribunal de Justiça. Primeira Seção. Relator Ministro Teori Albino Zavascki. Recurso Especial - REsp nº  200901944819,  Diário da Justiça Eletrônico - DJE de 27/06/2011.

3. Dispositivo


Posto isso:


a) rejeito a exceção de prescrição quinquenal, arguida pela UNIÃO;

b) julgo procedentes os pedidos desta ação, declaro inexistir relação jurídica que obrigue o Autor a pagar imposto de renda sobre a renda descrita na petição inicial e comprovada com a documentação que a instruiu e condeno a UNIÃO (Fazenda Nacional) a tornar sem efeito o noticiado parcelamento, a restituir ao Autor os valores que deste exigiu a título de IRPF para os anos-calendário 2006 e 2007, quer via noticiados parcelamentos ou não, atualizados pelos índices da tabela SELIC a partir do mês seguinte ao do pagamento indevido, observado o índice de 1%(um por cento)no mês da efetiva restituição, bem como a não mais exigir do Autor o mencionado tributo sobre o valor de renda que obtenha na forma contratual acima debatida, sob as penas da Lei.

Outrossim, condeno a UNIÃO a ressarcir as custas processuais pagas pelo Autor, atualizadas pelos índices da tabela SELIC, uma vez que se trata de um tributo, a partir do mês seguinte ao do efetivo desembolso, observado índice de 1%(um por cento)no mês da efetiva restituição(§ 4º do art. 39 da Lei nº 9.250, de 1995)No que diz respeito às verbas sucumbenciais, condeno a União em custas processuais, bem como a pagar verba honorária de 10% (dez por cento) do valor a restituir.
Finalmente, condeno a UNIÃO a pagar verba honorária ao Patrono do Autor que, considerando o seu esforço, dedicação e longo tempo despendido na elaboração da sua bem arquitetada petição inicial, arbitro, à luz do § 2º e do inciso I do § 3º do art. 85 do NCPC, em 15%(quinze por cento)do total das verbas que serão restituídas e do total de mais 12(doze)parcelas vincendas que ainda iriam sofrer incidência do referido imposto, em decorrência dos noticiados parcelamentos(§ 9º do mesmo artigo).

Diante da regra do inciso I do § 3º do art. 496 do NCPC e considerando que o valor a ser restituido é inferior a 1.000(mil)salários mínimos, deixo de submeter esta sentença ao duplo grau de jurisdição.


P.R.I


Recife,  29 de março de 2016.



Francisco Alves dos Santos Jr.

Juiz Federal, 2ª Vara/PE
mef


[1] Contrato 1 NUM: 4058300.1079688 e Contrato 2 NUM: 4058300.1079689.

[2] Notificação NUM: 4058300.1079691.

[3] Notificação NUM: 4058300.1079691.

[4] Despacho NUM: 4058300.1092459.

[5] Contestação - PRFN5 NUM: 4058300.1133053.


[6] Certidão NUM: 4058300.1382516.

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