Por Francisco Alves dos Santos Jr.
Interessante matéria de direito tributário internacional é debatida na sentença que segue, bem como a prescrição tributária.
Boa leitura.
Obs.: sentença pesquisada e minutada pelo Assessor Marcos Eduardo França Rocha.
PROCESSO Nº: 0803050-29.2015.4.05.8300 - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO
AUTOR: C A C DE A F
ADVOGADO: ROBERTO DE AZEVEDO MOREIRA NETO
RÉU: FAZENDA NACIONAL
2ª VARA FEDERAL - JUIZ FEDERAL
AUTOR: C A C DE A F
ADVOGADO: ROBERTO DE AZEVEDO MOREIRA NETO
RÉU: FAZENDA NACIONAL
2ª VARA FEDERAL - JUIZ FEDERAL
Sentença registrada eletronicamenteSentença tipo AEMENTA: PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS TÉCNICOS ESPECIALIZADOS CONTRATADO PELO PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA DESENVOLVIMENTO - PNUD. IRPF. ISENÇÃO.
A Lei interna e as normas internacionais das quais o Brasil é signatário concedem isenção do Imposto de Renda para Pessoa Física que presta serviços remunerados para Programas da ONU.
Rejeitada exceção de prescrição, à luz das regras da Lei Complementar nº 118, de 2005, e do entendimento do Plenário do STF a respeito dessa Lei.
Procedência.
Vistos, etc.
1. Relatório
C A C DE A F, qualificado na petição inicial, propôs esta ação declaratória de inexistência de relação jurídico-tributária c/c repetição de indébito tributário em face da UNIÃO (FAZENDA NACIONAL).
Alegou, em síntese, que: a) foi servidor do PNUD/ONU através do
contrato nº 2005/002117 que vigorou entre 09 de setembro de 2005 a 18 de
agosto de 2006, exercendo durante todo este período a função específica
de Administrador de rede local e dos serviços de TI do DATASUS/CTI I; e
através do contrato nº AS-10701/2006 que vigorou entre 22 de agosto de
2006 a 17 de julho de 2007, exercendo durante todo este período a função
específica de Consultoria técnica em implementação de manutenção
corretiva e alteração de legislação, bem como a documentação dos módulos
de internação e marcação de consulta do SISREG web alterados, em ambos
exercidos naquele organismo internacional[1];
b) os serviços eram prestados dentro de programa de cooperação técnica
mantido pelo governo brasileiro com a ONU; c) os documentos apresentados
comprovam que o Autor estava submetido às regras contratuais
estipuladas pela ONU, sendo contratados sem a aplicabilidade da
legislação trabalhista e previdenciária brasileira; d) a prestação de
serviços ao PNUD/ONU se sujeita às normas e procedimentos estabelecidos
pelo Organismo e que não correspondem àqueles vigentes no Brasil, pois
são compatíveis com condições e circunstâncias de trabalho peculiares
aos organismos internacionais, sendo também atingida por prerrogativas e
privilégios previstos nas Convenções e Acordos firmados pelos Estados
Membros da ONU; e) a Delegacia da Receita Federal em Pernambuco
desenvolveu várias Notificações de Lançamentos, entre elas a endereçada
para o Autor[2],
que foram direcionadas aos servidores de Organismo Internacional, em
especial do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD,
objetivando o lançamento do imposto de renda pessoa física sobre os
rendimentos pagos por aquele organismo aos seus servidores, que no
entender da autoridade tributária eram tributáveis; f) foi surpreendido
pela notificação da Delegacia da Receita Federal em Pernambuco exigindo o
recolhimento do imposto de renda pessoa física sobre os rendimentos do
trabalho pagos pelo PNUD, no ano-calendário de 2006, constando como
'descrição do fato' no Auto de Infração[3].
Teceu outros comentários. Transcreveu precedentes jurisprudenciais. Ao
final, requereu a procedência do pedido e a declaração da "inexistência
da relação jurídica-obrigacional que determine o recolhimento do imposto
de renda pessoa física sobre os rendimentos pagos pelo PNUD/ONU ao
autor, nos anos-calendário de 2006 e 2007, uma vez que tais estão
alcançados pelo benefício da isenção". Deu valor à causa. Instruiu a
inicial com Instrumento de Procuração e documentos. Comprovou o
recolhimento das custas.
R. despacho[4] que determinou a citação da União (Fazenda Nacional).
A União (Fazenda Nacional) apresentou contestação[5].
Em prejudicial de mérito apontou a ocorrência da prescrição quinquenal.
No mérito, que a isenção tributária nada mais é que exceção à regra
geral de tributação; que a isenção tributária que o autor persegue é
restrita a funcionários nomeados para quadro efetivo da ONU e não a
técnicos que tenham avenças para prestação de serviços a tal organismo,
por mais que, porventura, venham a ter reconhecido vínculo empregatício
na seara trabalhista; que o art. V, Seção 18, letra b, da Convenção
Promulgada pelo Decreto nº 59.308/66, determina que os funcionários da
ONU estão isentos de qualquer imposto sobre as remunerações pagas pela
organização; que para usufruir da isenção, o contribuinte, antes de
tudo, tem que ser funcionário da organização e ter seu nome em relação
fornecida pelo Secretário Geral da ONU; que a Convenção sobre
privilégios e imunidade das nações unidas, recepcionada no direito
pátrio pelo decreto nº 27.784, de 16.02.50, divide sob dois status as
pessoas físicas prestadores de serviços às Nações Unidas, quais sejam:
funcionário e técnico a serviço.; que segundo a indigitada convenção
somente os funcionários é que possuem direito à isenção de imposto sobre
salários; que a simples prestação de serviços de consultoria técnica
exercidos naquele organismo não é suficiente para promover a extensão de
benefícios de isenção não previstos na legislação. Transcreveu
precedentes jurisprudenciais. Ao final, requereu a improcedência dos
pedidos.
Certificado[6] o decurso de prazo sem que a parte Autora apresentasse réplica.
Vieram os autos conclusos.
É o relatório. Passo a decidir.
2. Fundamentação
Julgo
antecipadamente este feito, de acordo com o estado do processo, por
entender desnecessária qualquer outra dilação probatória, uma vez que a
documentação acostada nos autos permite-me extrair a conclusão para esta
demanda (art. 355, I, NCPC).
2.1. Da Prescrição quinquenal
O Autor não invoca imunidade tributária, mas sim isenção do IRPF, logo estamos diante de situação de possível prescrição.
A
partir do advento da Lei Complementar 118, de 2005, o Plenário do
Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário - RE
nº 566.621/SC, firmou o entendimento de que, para as ações propostas
após a vigência dessa Lei, o prazo para repetição de tributos indiretos,
eventualmente pagos indevidamente, prescreve em cinco anos.
Referida
Lei foi publicada no Diário Oficial da União de 09.02.2005 e entrou em
vigor, segundo o seu art. 4º, 120(cento e vinte)dias após a sua
publicação, qual seja, em 10.05.2005.
Como esta ação foi proposta em 20.05.2015, tem-se que para este caso aplica-se essa Lei.
O Autor, segundo a petição inicial, nessa parte não impugnada, pagou o IR ora em debate a partir de 26.05.2010 até 30.04.2015.
Então,
à luz da Lei acima referida, estariam prescritas apenas parcelas que
tivessem sido pagas antes de 20.05.2010, o que, como vimos, não ocorreu.
Logo, a exceção de prescrição merece ser indeferida.
2.2 - Do mérito propriamente dito.
A
parte Autora argumenta, em sua defesa, que estariam isentos do Imposto
de Renda os rendimentos do trabalho recebido por técnicos a serviço das
Nações Unidas, contratados no Brasil para atuar no território brasileiro
como consultores no âmbito do Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento - PNUD.
Como
bem argumentou o Autor na sua bem elaborada peça inicial, reza o artigo
22 e respectivo inciso II do atual Regulamento do Imposto de Renda e
Proventos de Qualquer natureza do Brasil, instituído pelo Decreto nº
3.000, de 1999:
Art. 22. Estão isentos do imposto os rendimentos do trabalho percebidos por (Lei nº 4.506, de 1964, art. 5º, e Lei nº 7.713, de 1988, art. 30):I - (...);II - servidores de organismos internacionais de que o Brasil faça parte e aos quais se tenha obrigado, por tratado ou convênio, a conceder isenção;
Note-se que a base legal desse regulamento é o art. 5º, II, da Lei 4.506, de 30.11.1964.
Não
há dúvida de que o Brasil faz parte da Organização das Nações Unidas -
ONU e que firmou tratados e convenções internacionais no âmbito dessa
Organização, obrigando-se a conceder isenções tributárias para as
pessoas que lhes prestam serviços, quer como autônomas, quer como
empregadas, em determinadas situações, entre as quais enquadra-se a
situação do Autor, conforme bem descreve na sua peça inicial, verbis:
"1. O autor foi servidor do PNUD/ONU através do contrato nº 2005/002117 que vigou entre 09 de setembro de 2005 a 18 de agosto de 2006, exercendo durante todo este período a função específica de Administrador de rede local e dos serviços de TI do DATASUS/CTI I; e através do contrato nº AS-10701/2006 que vigou entre 22 de agosto de 2006 a 17 de julho de 2007, exercendo durante todo este período a função específica de Consultoria técnica em implementação de manutenção corretiva e alteração de legislação, bem como a documentação dos módulos de internação e marcação de consulta do SISREG web alterados, em ambos exercidos naquele organismo internacional (Docs.03 e 04)."(sic).
No
plano internacional, o art. IV, item 2, alínea "d", do Acordo Básico de
Assistência Técnica com a Organização das Nações Unidas, aprovado pelo
Decreto Legislativo 11, de 25 de abril de 1966, promulgado pelo Decreto
59.308, de 23 de setembro de 1966, e invocado pela parte Autora,
estabelece que a expressão "perito" compreende, também, qualquer outro
pessoal de Assistência Técnica designado pelos Organismos para servir no
país, nos termos do acordo.
O
art. V do mesmo Acordo Básico de Assistência Técnica determina que o
governo aplicará aos funcionários dos organismos internacionais e seus
peritos de assistência técnica a 'Convenção sobre Privilégios e
Imunidades das Nações Unidas'.
E
a Convenção sobre Privilégios e Imunidades das Nações Unidas, adotada
em Londres pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, e
promulgada pelo Congresso Nacional por meio do Decreto 27.784, de
16.02.1950, em seu artigo V dispõe:
"Seção 18. Os funcionários da Organização das Nações Unidas: (...) b) serão isentos de todo imposto sobre os vencimentos e emolumentos pagos pela Organização das Nações Unidas;"
Finalmente,
a Primeira Seção do STJ, ao julgar o REsp 1.159.379/DF, por maioria,
firmou o entendimento no sentido de que são isentos do imposto de renda
os rendimentos do trabalho recebidos por técnicos a serviço das Nações
Unidas, contratados no Brasil para atuar como consultores no âmbito do
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD, verbis:
EMENTA: - TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. RENDIMENTOS RECEBIDOS POR PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS AO PNUD. ISENÇÃO. MULTA. SÚMULA 98/STJ.1. O Acordo Básico de Assistência Técnica firmado entre o Brasil, a ONU e algumas de suas Agências, aprovado pelo Decreto Legislativo 11/66 e promulgado pelo Decreto 59.308/66, assumiu, no direito interno, a natureza e a hierarquia de lei ordinária de caráter especial, aplicável às situações nele definidas. Tal Acordo atribuiu, não só aos funcionários da ONU em sentido estrito, mas também aos que a ela prestam serviços na condição de "peritos de assistência técnica", no que se refere a essas atividades específicas, os benefícios fiscais decorrentes da Convenção sobre Privilégios e Imunidades das Nações Unidas, promulgada pelo Decreto 27.784/50.2. O autor prestou serviços de assistência técnica especializada, na condição de Técnico Especialista, ao Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD, de quem recebia a correspondente contraprestação. Assim, os valores recebidos nessa condição estão abrangidos pela cláusula isentiva de que trata o inciso II do art. 23, do RIR/94, reproduzida no art. 22, II, do RIR/99.3. Nos termos da Súmula 98/STJ, embargos de declaração manifestados com notório propósito de prequestionamento não têm caráter protelatório. 4. Recurso especial provido. ..EMEN:
Nota - Brasil. Superior Tribunal de Justiça. Primeira Seção. Relator Ministro Teori Albino Zavascki. Recurso Especial - REsp nº 200901944819, Diário da Justiça Eletrônico - DJE de 27/06/2011.
3. Dispositivo
Posto isso:
a) rejeito a exceção de prescrição quinquenal, arguida pela UNIÃO;
b) julgo procedentes
os pedidos desta ação, declaro inexistir relação jurídica que obrigue o
Autor a pagar imposto de renda sobre a renda descrita na petição
inicial e comprovada com a documentação que a instruiu e condeno a UNIÃO
(Fazenda Nacional) a tornar sem efeito o noticiado parcelamento, a
restituir ao Autor os valores que deste exigiu a título de IRPF para os
anos-calendário 2006 e 2007, quer via noticiados parcelamentos ou não,
atualizados pelos índices da tabela SELIC a partir do mês seguinte ao do
pagamento indevido, observado o índice de 1%(um por cento)no mês da
efetiva restituição, bem como a não mais exigir do Autor o mencionado
tributo sobre o valor de renda que obtenha na forma contratual acima
debatida, sob as penas da Lei.
Outrossim,
condeno a UNIÃO a ressarcir as custas processuais pagas pelo Autor,
atualizadas pelos índices da tabela SELIC, uma vez que se trata de um
tributo, a partir do mês seguinte ao do efetivo desembolso, observado
índice de 1%(um por cento)no mês da efetiva restituição(§ 4º do art. 39
da Lei nº 9.250, de 1995)No que diz respeito às verbas sucumbenciais,
condeno a União em custas processuais, bem como a pagar verba honorária
de 10% (dez por cento) do valor a restituir.
Finalmente,
condeno a UNIÃO a pagar verba honorária ao Patrono do Autor que,
considerando o seu esforço, dedicação e longo tempo despendido na
elaboração da sua bem arquitetada petição inicial, arbitro, à luz do §
2º e do inciso I do § 3º do art. 85 do NCPC, em 15%(quinze por cento)do
total das verbas que serão restituídas e do total de mais
12(doze)parcelas vincendas que ainda iriam sofrer incidência do referido
imposto, em decorrência dos noticiados parcelamentos(§ 9º do mesmo
artigo).
Diante
da regra do inciso I do § 3º do art. 496 do NCPC e considerando que o
valor a ser restituido é inferior a 1.000(mil)salários mínimos, deixo de
submeter esta sentença ao duplo grau de jurisdição.
P.R.I
Recife, 29 de março de 2016.
Francisco Alves dos Santos Jr.
Juiz Federal, 2ª Vara/PE
mef
[1] Contrato 1 NUM: 4058300.1079688 e Contrato 2 NUM: 4058300.1079689.
[2] Notificação NUM: 4058300.1079691.
[3] Notificação NUM: 4058300.1079691.
[4] Despacho NUM: 4058300.1092459.
[5] Contestação - PRFN5 NUM: 4058300.1133053.
[6] Certidão NUM: 4058300.1382516.
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