sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Autorização para Porte de Arma: um poder discricionário(não arbitrário) da Autoridade Policial Federal. Limites da Lei.

Por Francisco Alves dos Santos Jr

A Autorização para o porte de arma de fogo, em todo o território nacional, é da competência da Polícia Federal e a respectiva Autoridade Policial, na sua concessão, tem poderes discricionários, observados limites da Lei de regência da matéria. Quando a Autoridade revoga porte de arma, com base em conjecturas pessoais, subjetivas, sem base na Lei, o seu ato discricionário passa a ser arbitrário e por isso pode ser afastado pelo Poder Judiciário. 

Na decisão que, essa matéria é analisada. 

Boa leitura. 



PROCESSO Nº: 0807706-29.2015.4.05.8300 - MANDADO DE SEGURANÇA
IMPETRANTE: I M DE A
ADVOGADO: A C C DE O NETO
IMPETRADO: UNIÃO FEDERAL - UNIÃO.
AUTORIDADE COATORA: SUPERINTENDENTE REGIONAL DO DEPARTAMENTO DE POLÍCIA FEDERAL DO ESTADO DE PERNAMBUCO
2ª VARA FEDERAL - JUIZ FEDERAL

  DECISÃO
1. Relatório

I M DE A, qualificado na inicial, ajuizou o presente MANDADO DE SEGURANÇA COM PEDIDO DE MEDIDA LIMINAR em face de ato pretensamente coativo que teria sido praticado pelo SUPERINTENDENTE REGIONAL DO DEPARTAMENTO DE POLÍCIA FEDERAL DO ESTADO DE PERNAMBUCO, no qual requer seja declarado o direito do Impetrante ao recebimento da cédula de porte de arma. Alega, em síntese, que: seria Advogado criminalista, com notória atuação em municípios do estado de Pernambuco e no Cariri cearense; que, em razão de sua atuação, teria contrariado interesses e angariado inimizades; que teria sofrido dois atentados à sua vida, em novembro de 2004 e abril de 2011; diante desses fatos, teria requerido, em 08/12/2011, perante a Delegacia da Polícia Federal de Pernambuco, localizada em Salgueiro/PE, a devida autorização de porte de arma; que a circunstância de perigo à integridade física seria uma das hipóteses fáticas previstas na lei federal nº 10.826/2003, que autorizaria a emissão de porte de arma em prol do cidadão;  que seu requerimento teria sido deferido, sendo emitido o porte de arma nº A00053834, por meio do processo administrativo nº 08703.003744/2011-31, categoria defesa pessoal, emitido pelo órgão SR/DPF/PE, na data de 01.03.2013 e com validade até 01.03.2016 no Estado de Pernambuco, tudo em conformidade com o extrato de consulta do processo administrativo da lavra do Departamento da Polícia Federal que  anexou aos autos; não obstante a confecção do porte de arma em seu favor, teria comparecido inúmeras vezes à Superintendência da Polícia Federal do Estado de Pernambuco para receber o documento, que não teria sido localizado pelos servidores ali lotados. Teceu outros comentários. Requereu, a final: 1) notificação da autoridade coatora; 2) a concessão do pedido liminar nos termos formulados; 3) concessão da segurança para declarar o direito do impetrante ao recebimento da cédula de porte de arma e, por conseguinte, para determinar à autoridade coatora que proceda à entrega do referido documento ao impetrante; 4) seja dada ciência ao órgão de representação judicial da pessoa jurídica interessada;  5) oitiva do MPF; 6) exibição de todos os documentos do processo administrativo 08703.003744/2011-31; 7) seja feita consulta no sistema INFOSEG para averiguar a verdade dos fatos ora narrados, quais sejam, a validade e vigência do porte de arma confeccionado em prol do Impetrante. Deu valor à causa. Juntou procuração e documentos.

Decisão proferida em 15/11/2015 determinou que, à luz do contraditório, fosse intimada a Autoridade apontada como coatora e a entidade à qual essa Autoridade se encontra vinculada, para se manifestarem sobre o pleito liminar, no prazo de 3(três) dias, após o que o pedido de concessão liminar da segurança seria apreciado.

A UNIÃO manifestou interesse no feito, arguindo, como prejudicial ao exame do mérito, decadência. Alegou, em síntese: inadequação da via eleita, uma vez que não haveria direito líquido e certo a ser amparado nesta via processual; o ato de concessão/renovação de porte de arma de fogo estaria disciplinado pela Lei nº 10.826/2003, na qual estaria prevista a proibição genérica ao porte de arma; tratando-se, portanto, de ato administrativo discricionário. Teceu outros comentários. Transcreveu dispositivos legais e decisões judiciais. Pugnou, ao final: 1) seja reconhecida a decadência do direito à impetração, extinguindo-se o feito com base no art. 269, IV, do CPC; 2) ausência de violação a direito líquido e certo e a consequente inadequação da via eleita, extinguindo-se o feito com base no art. 267, VI, do CPC; 3) seja indeferida a liminar postulada; 4) seja denegada a segurança.

A DD Autoridade Policial impetrada, embora regularmente notificado, não apresentou informações, nem se manifestou sobre o pedido de concessão de medida liminar. 

A Parte Impetrante atravessou petição em 03/12/2015, em que se manifesta sobre o documento acostado pela UNIÃO (identificador nº 4058300.1527928) e requer, a final, seja realizada consulta ao sistema INFOSEG, através da qual se verificaria que o porte de arma deferido em favor do Impetrante estaria válido e por isso a cédula correspondente deveria lhe ser entregue (pretensão mandamental).

É o relatório no essencial.

Passo a decidir.

2. Fundamentação

2.1  Preliminar - Inadequação da via eleita

Tenho esta preliminar por prejudicada, porque a matéria nela ventilada confunde-se com parte do mérito, uma vez que exige uma decisão sobre a situação do direito do Impetrante, se é líquido e certo, ou não.

2.2 Da decadência

Ao manifestar-se acerca do pedido liminar, a UNIÃO suscitou decadência, aduzindo que o ato que o Impetrante pretende atacar seria a revogação do porte de arma anteriormente deferido, ato que teria sido praticado pelo Superintendente Interino da Polícia Federal em Pernambuco em 30/05/2013, nos autos do processo administrativo 08703.003744/2011-31 (identificador nº 4058300.1527928), ao passo que a impetração do presente mandamus dera-se em 11.11.2015.

Acerca do marco inicial para contagem do prazo para interposição do writ, há de se observar o preceito contido no art. 23 da Lei nº 12.016/2009, o qual assevera que "o direito de requerer mandado de segurança extinguir-se-á decorridos 120 dias, contados da ciência, pelo interessado, do ato impugnado".

O Impetrante, em petição atravessada em 03/12/2015 (identificador nº 4058300.1551599), afirma que em momento algum fora notificado pela Autoridade coatora da revogação de seu porte de arma, apenas tomando conhecimento do referido documento (identificador nº 4058300.1527928) com a petição da UNIÃO (identificador nº 4058300.1527928).

A UNIÃO, por sua vez, não comprova que o Impetrante tenha sido cientificado do ato de revogação, aliás, como determinado expressamente na parte final (item 5) do citado documento, verbis:

"5. Remessa à Delegacia de Salgueiro, para ciência ao interessado e demais providências administrativas (exclusão do porte no SINARM)."

Diante de tal contexto, apesar de o Impetrante ter relatado, no corpo da inicial, que compareceu inúmeras vezes à sede da Superintendência da Polícia Federal do Estado de Pernambuco para receber, sem êxito, a cédula de porte de arma, não é possível asseverar com segurança se o Impetrante foi cientificado do ato impugnado (revogação), eis que não há nos autos, até o momento, nenhum documento que ateste concretamente tal informação.

Portanto, ausente a comprovação de ciência inequívoca do Impetrante do ato ora impugnado, não há como se configurar a decadência da via do mandado de segurança.

2.3 Do pedido liminar

Alega o Impetrante que em razão de sua atividade profissional, como Advogado criminalista, estaria sujeito à situação concreta de perigo de vida, tendo sofrido duas tentativas de homicídio, em novembro de 2004 e abril de 2011, respectivamente, razão pela qual resolveu requerer a autorização para porte de arma de fogo.

Tal requerimento teria sido protocolado em 08/12/2011, perante a Delegacia da Polícia Federal de Pernambuco, localizada em Salgueiro/PE, tendo o processo administrativo nº 08703.003744/2011-31 tramitado regularmente, sendo deferida a autorização para porte de arma de fogo.

Aduz ainda que, apesar de ter sido deferido o requerimento para porte federal de arma de fogo (porte de arma nº A00053834, categoria defesa pessoal, emitido pelo órgão SR/DPF/PE, na data de 01.03.2013 e com validade até 01.03.2016, válido no Estado de Pernambuco), a Autoridade coatora teria deixado de entregar-lhe o respectivo documento, ou seja, a cédula de porte de arma.

O Impetrante afirma, em petição atravessada em 03/12/2015 (identificador nº 4058300.1551599), que em momento algum fora notificado pela Autoridade coatora do ato de revogação de seu porte de arma (identificador nº 4058300.1527928).

Relata ainda na inicial que teria comparecido inúmeras vezes à Superintendência da Polícia Federal do Estado de Pernambuco para receber o documento, o qual não teria sido localizado pelos servidores ali lotados. Em junho de 2014, teria requerido cópia do processo administrativo nº 08703.003744/2011-31, e até a data do ajuizamento do presente mandamus seu pleito ainda não teria sido atendido.

Não obstante a afirmação do Impetrante de que não teria tomado conhecimento do ato impugnado, o fato é que a autorização pleiteada fora revogada pelo então Superintendente Regional da Polícia Federal, que, em despacho fundamentado, concluiu que seria temerário autorizar o porte de arma em questão, aduzindo, entre outros motivos, que o Impetrante relatou "no formulário de entrevista de fls. 36/39, que anda sempre acompanhado de policiais (fl. 39), fazendo presumir que contrata policiais como seguranças, prática irregular e coibida pela Polícia Federal"

No documento sob identificador nº 4058300.1527928, no qual a DD Autoridade Policial revogou decisão de outra Autoridade Policial, que concedia o Porte de Arma ao Impetrante, consta a seguinte decisão:

"1. Trata-se de autorização de porte de arma de fogo já deferida pelo então Superintendente da Polícia Federal em Pernambuco, MARLON JEFFERSON DE ALMEIDA, em proveito de IVAELIO MENDES DE ALENCAR;
2. Veio a cédula de porte de arma, emitida pela DARM, para ser assinada por mim;
3. Não concordo com a autorização em tela, porque:
3.1. o requerente relata, no formulário de entrevista de fls. 36/39, que anda sempre acompanhado de policiais (fl. 39), fazendo presumir que contrata policiais como seguranças, prática irregular e coibida pela Polícia Federal;
3.2. ao ser questionado se utilizaria arma de fogo para defender sua honra, no mesmo formulário (fl. 38), responde que a honra é um grande patrimônio, todavia não justificaria o uso de arma de fogo, mais parecendo resposta a uma prova de concurso que uma sua convicção, não demonstrando firmeza no seu propósito de usar Iegitimamente a arma.
4. Tenho, portanto, como temerário o presente porte de arma, motivo pelo qual o REVOGO.".

Como se sabe, o caráter discricionário do ato da Autoridade Policial, no que diz respeito à concessão ou negativa de autorização para uso de porte de arma, não afasta a sua obrigatoriedade de observar o estabelecido em Lei, pois nenhum Servidor Público pode fazer algo não previsto em Lei(princípios da legalidade e restritividade).

Extraio da fundamentação da r. decisão administrativa, acima transcrita, subjetividade que fere a objetividade das exigências da Lei nº 10.826, de 22.12.2003, em cujo § 1º do seu art. 10 estão as exigências para que qualquer cidadão possa obter autorização para porte de arma de fogo de uso permitido, em todo o território nacional, verbis:

"§ 1o A autorização prevista neste artigo poderá ser concedida com eficácia temporária e territorial limitada, nos termos de atos regulamentares, e dependerá de o requerente:
        I - demonstrar a sua efetiva necessidade por exercício de atividade profissional de risco ou de ameaça à sua integridade física;
        II - atender às exigências previstas no art. 4o desta Lei;
        III - apresentar documentação de propriedade de arma de fogo, bem como o seu devido registro no órgão competente.
        § 2o A autorização de porte de arma de fogo, prevista neste artigo, perderá automaticamente sua eficácia caso o portador dela seja detido ou abordado em estado de embriaguez ou sob efeito de substâncias químicas ou alucinógenas."

Não consta, na r. decisão administrativa da Autoridade Policial, acima transcrita, que o Impetrante não preencha algum desses requisitos legais.

A Autoridade que tem poder discricionário, dentro de limites estabelecidos em Lei, quando se utiliza de exigências fora desses limites legais, deixa de utilizar poder discricionário e passa a utilizar-se de poder arbitrário.

Extraio da referida r. decisão administrativa apenas conjecturas pessoais, sem qualquer comprovação técnica.

Se o Impetrante declarou que anda acompanhado de dois policiais, esses policiais podem estar autorizados pelas respectivas chefias, para dar segurança pessoal ao Impetrante, que, como noticiado nos autos, já sofreu dois atentados à vida.

E se tivesse contratado esses policiais para, nas horas de folga, dar-lhe segurança, o que seria um ilícito administrativo dos policiais, não se encontra no referido § 1º do art. 10 da Lei nº 10.826, de 22.12.2003, como fato que impeça o direito de o Impetrante obter autorização para uso de porte de arma de fogo.

Aliás, outra Autoridade Policial Federal, tinha concedido a autorização para porte de arma de fogo ao Autor e, na r. decisão acima transcrita, a Autoridade Policial ora coatora a revogou, como vimos, com argumentos de cunho pessoal, não calcados em Lei.

E, por óbvio, o prazo de validade da autorização para porte de arma a ser concedido ao Impetrante terá início a partir da data que for expedido.

Encontro, pois, no acima consignado a presença do fumus boni iuris.

O perículum in mora, no caso do Impetrante, advogado criminalista e que já sofreu dois atentados à vida, é visível, como, aliás, diante da violência generalizada, especialmente no Estado de Pernambuco, passou a ser visível relativamente a todo e qualquer cidadão de bem. 

3. Conclusão


Posto  isso:

a) tenho por prejudicada a preliminar suscitada;

b) rejeito a arguição de decadência;

c) diante da presença do fumus boni iuris e do periculum in mora, defiro o pedido de medida liminar e determino que a DD Autoridade Impetrada conceda, imediatamente, a autorização para o porte de arma de fogo ao Impetrante, com prazo de validade contado a partir da concessão, observadas as regras do art. 10 e respectivos parágrafos da Lei nº 10.826, de 22.12.2003.

d) Notifique-se, novamente, a DD. Autoridade Policial, ora Impetrada, para dar efetivo cumprimento, incontinente, à decisão supra, sob as penas do art. 26 da Lei nº 12.016, de 2009.

e) Após, ao MPF para o r. Parecer legal.


P.I., com urgência.


Recife 29.01.2016

FRANCISCO ALVES DOS SANTOS JUNIOR                                           

JUIZ FEDERAL DA 2ª VARA (PE)

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