domingo, 15 de novembro de 2015

IRPJ. MICROEMPRESA. ART. 11 DA LEI 7.256, DE 1984. REVOGAÇÃO PELO ART. 31 DA LEI 9.317, DE 1996. SÚMULA 184 DO STJ NÃO PREVALECE À LEI. PRESCRIÇÃO TRIBUTÁRIA.

Por Francisco Alves dos Santos Jr.

Na sentença que segue, discute-se a prevalência de dispositivo de Lei sobre Súmula do STJ, revogação de dispositivo legal, e a isenção do IR para microempresas. 

Boa leitura. 



PROCESSO Nº: 0802140-36.2014.4.05.8300 - MANDADO DE SEGURANÇA
IMPETRANTE: M R LTDA - ME
ADVOGADO: C P R A 
IMPETRADO: FAZENDA NACIONAL
AUTORIDADE COATORA: MAURICIO MACIEL VALENÇA FILHO
2ª VARA FEDERAL - JUIZ FEDERAL



Sentença tipo A, registrada eletronicamente.
Ementa: - TRIBUTÁRIO, REPRESENTANTES COMERCIAIS, BENEFÍCIOS FISCAIS CONCEDIDOS ÀS MICROEMPRESAS.PRECEDENTES DO STJ.
-A Lei nº 7.713/88 (art. 51) não exclui os representantes comerciais dos benefícios fiscais concedidos às microempresas, todavia o art. 11 da Lei nº 7.256, de 1984, que concedia a isenção do IR para microempresa, foi expressamente revogado pelo art. 31 da Lei nº 9.317, de 1996.
-Prescritas verbas anteriores a 30.04.2009
-Negação da segurança..


Vistos etc.


1-Relatório


M R LTDA - ME, qualificada na petição inicial, impetrou este mandado de segurança preventivo, com pedido de liminar, inaudita altera pars contra suposto ato coator praticado pelo Sr. DELEGADO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL EM RECIFE, em que se pretende ordem no sentido de ser concedida a segurança para determinar que a Autoridade coatora reconheça isenção do IRPJ às Empresas de representação comercial, e, consequentemente, o direito à restituição na via administrativa dos valores pagos indevidamente. Requereu, inicialmente, os benefícios da justiça gratuita, e alegou, em síntese: viria recolhendo o IRPJ normalmente sob a alíquota de 15% sobre o faturamento por ser uma Empresa de representação comercial, conforme contrato social; o ato declaratório de nº 24/89 assemelharia as atividades de representação comercial às de corretagem, tudo para sujeitá-la, indevidamente, ao recolhimento do Imposto de Renda do qual a lei lhe concede a isenção; com base em tal ato declaratório a Autoridade, ora impetrada, estaria negando os pedidos de restituição ou compensação - PER/DCOMP com outros tributos  da mesma natureza como CSSL. Ao final, requereu a concessão da medida liminar, para que a Autoridade coatora reconhecesse a isenção para suas atividades de empresa de representação comercial e o direito à restituição/compensação na via administrativa dos valores pagos indevidamente. E, no mérito, que seja concedida a segurança para declarar/assegurar o seu direito que seria líquido e certo em ter reconhecido a noticiada isenção e à restituição ou compensação do IRPJ  dos exercícios fiscais compreendidos nos anos de 2009, 2010, 2011, 2012 e até o trimestre de 2014 analisado, por força do 168, I,  do CTN , e a Sumula 184 do STJ. Atribuiu valor à casa e juntou documentos.

Decisão, da lavra da d. Magistrada MARISA VAROTTO FERRARI, sob identificador 4058300.413195, datada de 05.05.2014,  indeferindo o pedido de concessão de justiça gratuita, e também indeferindo o pedido de concessão liminar da segurança.

A Impetrante peticionou requerendo a juntada da guia de recolhimento das custas judiciais; em seguida, juntou aos autos cópia de decisão judicial, a título de jurisprudência.

A UNIÃO (Fazenda Nacional) manifestou interesse em intervir no feito.

A Autoridade apontada coatora apresentou suas Informações, alegando, em síntese, que a isenção pleiteada pela Impetrante teria sido revogada em 1996, pela Lei nº 9.317, e a atividade de representação comercial não teria sido contemplada. Ao final, pugnou pela extinção do processo, sem resolução do mérito, por impossibilidade jurídica do pedido.

O Ministério Público Federal ofertou r. Parecer no sentido de sua não intervenção nos autos.
É o Relatório. Passo a fundamentar e a decidir. 


2 - Fundamentação


2.1 - Impossibilidade jurídica do pedido


A preliminar de impossibilidade jurídica do pedido, levantada pela Autoridade apontada coatora,  há de ser considerada por prejudicada, porque a sua análise exigiria adentramento no mérito, de forma que a matéria nela ventilada será enfrentada quando do exame deste. .


2.2- Exceção de prescrição


Embora não levantada pelas partes, examina-se a prescrição, de ofício, em face do § 5º do art. 219 do Código de Processo Civil.

A 2ª Turma do C. Supremo Tribunal Federal, bem antes do advento da Lei Complementar nº 118, de 2005, decidiu que o prazo prescricional de cinco anos, na repetição de indébito de tributo submetido ao lançamento por homologação, contava-se a partir da data do pagamento indevido e não da homologação, expressa ou tácita, do lançamento.[1]

Esse entendimento da nossa C. Corte sempre foi olimpicamente ignorado pela doutrina tributária brasileira, certamente porque liderada por grandes advogados de poderosos conglomerados econômicos.[2]

E estranhamente não conheço nenhum julgado do E. Superior Tribunal de Justiça que se refira a esse v. julgado da nossa Corte Maior. 

Não obstante o referido v. julgado do C. Supremo Tribunal Federal, firmou-se no E. Superior Tribunal de Justiça entendimento de que, quanto aos tributos submetidos a lançamento por homologação, o prazo de cinco anos para repetição/compensação só começaria após a finalização do prazo para homologação tácita do lançamento, concedendo-se assim aos contribuintes mais 5(cinco) anos para tal providência.

Mas, o Poder Executivo apresentou projeto de Lei Complementar, que se transformou na Lei Complementar nº 118, de 2005, pela qual a prescrição, para essa situação, seria de cinco anos, contados do pagamento indevido(arts. 3º e 4º)Lei essa que entrou em vigor em 09.06.2005.
Note-se que essa Lei Complementar apenas estabeleceu o que constou daquele antigo julgado do C.Supremo Tribunal Federal .

A respeito desses dispositivos legais, o E. Superior Tribunal de Justiça findou por firmar  o entendimento de que o art. 3º só poderia ser aplicado a fatos geradores ocorridos a partir da data da entrada em vigor dessa Lei Complementar(nesse sentido, REsp 714397/SP, Rel. Ministro  TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 12.04.2005, DJ 02.05.2005 p. 236).

No entanto, esse entendimento não foi seguido pelo Plenário do C. Supremo Tribunal Federal, que, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 566.621, concluiu que o prazo prescricional para pleitear restituição de tributo indevidamente pago, submetido a lançamento por homologação, passou a ser, depois da referida Lei Complementar, de cinco anos, relativamente a ações judiciais propostas depois da sua entrada em vigor e, para as ações propostas antes da vigência dessa Lei Complementar, continuaria sendo aplicado o entendimento então sacramentada pelo E. Superior Tribunal de Justiça (cinco anos + cinco anos).

No presente caso, como esta ação foi proposta no dia 30/04/2014, portanto, bem depois da entrada em vigor dessa Lei Complementar, tem-se que se aplica a prescrição quinquenal, tendo-se, pois, por prescritas todas as parcelas que se pretende restituir, sob alegação de pagamento indevido, anteriores a 30/04/2009.


2.3 - Mérito


O caso dos autos é de simples solução, pois consiste em saber se a Impetrante, registrada como microempresa, faz jus à isenção do imposto de renda - IRPJ.

Não há controvérsia quanto ao fato de a Impetrante estar enquadrada juridicamente como microempresa, e de que efetuou sucessivos recolhimentos do Imposto de Renda Pessoa Jurídica.

 Também não há controvérsia quanto à existência de negativa aos pedidos de restituição/compensação formulados pelo Impetrante, com outros tributos federais da mesma natureza.

Pois bem, como dito, a questão tratada nestes autos é de fácil deslinde, pois já foi objeto de súmula do E. Superior Tribunal de Justiça, no verbete nº 184:
"Súmula 184 - A MICROEMPRESA DE REPRESENTAÇÃO COMERCIAL É ISENTA DO IMPOSTO DE RENDA.".
Registro que, conforme consta do site do Superior Tribunal de Justiça, essa Súmula foi publicada no Diário da Justiça de 31.03.1997, p. 9667 e foi calcada em julgados publicados na RDDT Vol. 21, p. 216, RSST, Vol. 13, p. 205, RSTJ, volume 101, p. 37 e RT, volume 739, p. 205, tendo sido objeto de decisão de 12.03.1997(disponível em http://www.stj.jus.br/SCON/sumulas/toc.jsp?tipo_visualizacao=RESUMO&livre=%40docn&&b=SUMU&p=false&l=10&i=370, acesso em 15.11.2015).
Noto, que a decisão que deu origem a essa Súmula, embora seja datada de 12.03.1997, posterior à Lei nº 9.317, que é de 05.12.1996, não pode se impor a esta, que, pelo seu art. 31,  revogou expressamente o art. 11 da Lei nº Lei nº 7.256, de 1984, base legal da isenção em debate.
Com efeito o art. 31 da Lei nº 9.317, de 05.12.1996, revogou expressamente os arts. 2º, 2º, 11 a 16, 19, incisos II e III, e 25 a 27 da Lei nº 7.256, de 27.11.1984.
Mais tarde, a Lei nº 9.841, de 05.10.1999, revogou, no seu art. 43,  integralmente a Lei 7.256,de 1984, mas, óbvio, apenas o que dela ainda restava, ou seja, o que não tivesse sido revogada por Leis anteriores.
É verdade que há um julgado do Superior Tribunal de Justiça, 2ª Turma, relatado pelo Ministro Ministro Benedito Gonçalves, datado de 10/03/2009, reconhecendo essa isenção, mas, embora tenha data bem posterior à Lei 9.317, de 05.12.1966, não se tratou, nesse julgado, da persistência, ou não, dessa isenção após o advento dessa Lei nº 9.317, de 05.12.1996. Eis a ementa desse julgado, verbis:

"PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. OMISSÃO. OCORRÊNCIA.   AFASTAMENTO DA INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. QUESTÃO JURÍDICA. REPRESENTANTE COMERCIAL. ART. 51 DA LEI 7.713/88. ATO 24/89 DA SRF. SÚMULA 184/STJ.

1. Hipótese de embargos de declaração em que se sustenta omissão sob o fundamento de que a atividade de representante comercial é profissão devidamente regulamentada, o que implicaria seu enquadramento na parte final do art. 51 da Lei 7.713/88, que excluiu das isenções previstas na Lei 7.256/84 as profissões ali elencadas e outras a elas assemelhadas, bem como aquelas cujo exercício depende de habilitação profissional legalmente exigida.

2. Faz-se necessário o afastamento da Súmula 7/STJ a fim de que se observe a tese jurídica contida no recurso especial.

3. A jurisprudência desta Corte Superior firmou-se no sentido de que o art. 51 da Lei 7.713/88 não excluiu os representantes comerciais dos benefícios fiscais concedidos às microempresas, sendo ilegal o Ato Declaratório da Receita Federal CST 24/89, que assemelhou referida atividade à de corretagem, com o escopo de excluir aquela das isenções previstas na Lei 7.256/84. Incidência da Súmula 184/STJ.
4. Embargos de declaração acolhidos, sem efeitos modificativos.
Nota 1 - Brasil. Superior Tribunal de Justiça. 1ª Tura. Embargos de Declaração(EDcl) no Agravo Regimental(AgRg) no Recurso Especial(REsp) nº 1022569/SC. Relator Ministro Benedito Gonçalves.  Julgado em 10/03/2009. Diário Judicial Eletrônico - DJe de 19/03/2009) (Negritei).
Parece-me ter incidido em engano, data maxima venia, a 2ª Turma do mesmo E. Tribunal, no julgamento do Recurso Especial(REsp) nº 330715/Rio Grande do Sul, tendo por Relator o Ministro Franciulli Netto,  em acórdão com ementa publicada no Diário da Justiça de  08/09/2003 p. 271, quando sustenta que a isenção em debate teria sido revogada apenas pela Lei nº 9.841, de 05.10.1999, verbis:
"até o advento da Lei n. 9.841, de 05 de outubro de 1999, que instituiu o novo Estatuto da Microenpresa e da Empresa de Pequeno Porte, vigoravam as Leis ns 8.864/94 e 7.256/84, expressamente revogadas pelo artigo 43 do novo Estatuto. O artigo 11 da Lei n. 7.256/84 concedia às microempresas isenção de diversos impostos, exigindo-se apenas a observância das exigências do art. 2º da Lei n. 9.756/84 e depois do art. 42. da Lei n. 8.383/91 e, mais tarde, do  art. 2º da Lei n. 8.864/94.



Considerando-se que essa última lei dispôs em seu artigo 35 que estariam revogadas as disposições a ela contrárias, sem fazer menção expressa à isenção prevista no artigo 11 da Lei n. 7.256/84, é de elementar inferência que o favor legal permaneceu em vigor para as empresas que auferiram receita bruta anual de até 250.000 UFIR.



Aliás, a própria Lei n. 8.864/94, assegurou em seu artigo 1°, "às microempresas e às empresas de pequeno porte, tratamento jurídico simplificado e favorecido nos campos administrativo, tributário, trabalhista, previdenciário e creditício", o que denota que não pretendia o legislador excluir do benefício as empresas cuja receita bruta anual estivesse entre 96.000 e 250.000 UFIRs".
Ora, conforme penso ter demonstrado acima, quando do advento da Lei 9.841, de 1999, o art. 11 da Lei nº 7.256, de 27.11.1984, já tinha sido revogado, expressamente, pelo art. 31 da Lei nº 9.317, de 05.12.1996.
Logo, a Lei nº 9.841, de 1999, conforme já sustentei acima, revogou apenas o que ainda restava em vigor da Lei nº 7.256, de 1984.
Então, é de se concluir que a isenção do Imposto de Renda ora em debate realmente deixou de existir a partir da entrada em vigor da Lei nº 9.317, de 05.12.1996, qual seja, na data da sua publicação, em 06.12.1996.
Portanto, não faz jus a Impetrante à pretendida isenção e as parcelas que teria direito à perceber em restituição ou em compensação encontram-se fulminadas pela prescrição desde 30.04.2009, conforme subitem 2.2 supra desta fundamentação. 

3 - Conclusão
POSTO ISSO, tenho por prejudicada a preliminar de impossibilidade jurídica do pedido, pronuncio a prescrição de todas as parcelas anteriores a 30.04.2009 e com relação a tais parcelas dou o processo por extinto, com resolução do mérito(art. 269 IV), julgo improcedentes os pedidos desta ação mandamental e NEGO a pretendida segurança.
Custas, ex lege.
Sem verba honorária (Súmula nº 512 do STF e art. 25 da LMS).
P.R.I.
Recife, 15 de novembro de 2015.



(r.m.c.)





[1] AI N. 69.363(AgRg)/SP, 2ª Turma, Rel. Min. CORDEIRO GUERRA, julgado em 19.04.1977, RTJ 81/428-431, conforme anotei na minha Dissertação de Mestrado, aprovada na Faculdade de Direito do Recife(UFPE) em 24.08.2000 e publicada como o título de "Decadência e Prescrição no Direito Tributário do Brasil: análise das principais teorias existentes e proposta para alteração da respectiva legislação", Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 261-262.

[2] Ressalte-se que o grande jurista e advogado Luciano Amaro da Silva, embora não fazendo referência a esse julgado do C. Supremo Tribunal Federal, sustenta, no seu excelente Curso de Direito Tributário, essa tese.


  

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