terça-feira, 28 de julho de 2015

SUS, UNIVERSAL, MAS IGUALITÁRIO POR EXCELÊNCIA.

Por Francisco Alves dos Santos Jr.
 
Na sentença que segue, vem à tona, mais uma vez, o delicado problema da judicialização da saúde pública.
Nesse ato judicial, se discute a saúde pública como um direito universal, mas igualitário por excelência, não podendo se extrair da saúde pública tratamento diverso do que é disponibilizado de forma genérica para todos.
Boa leitura.
 
PROCESSO Nº 0801928-49.2013.4.05.8300 - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO
2ª Vara Federal de Pernambuco - Juiz Titular
AUTORA: R. C. DA S.
ADV.: Defensoria Pública da União - DPU  
RÉUS: ESTADO DE PERNAMBUCO. (e outro) 
Adv.: Respectivas Procuradorias.


Sentença tipo A
EMENTA: - DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. SAÚDE PÚBLICA. UNIVERSALIZAÇÃO, ISONOMIA E FORÇAS ORÇAMENTÁRIAS.

A universalização constitucional da saúde pública, de caráter programático, tem por limite as forças econômico-financeiras do orçamento público nacional, bem como o princípio da isonomia, no sentido de que todos têm direito ao uso da saúde pública, mas dentro de tais limites e em igualdade de condições, sem privilégios para quem quer que seja. 
Se a saúde pública disponibiliza determinados tratamentos para o terrível mal de Parkison, não pode ninguém querer que a saúde pública lhe patrocine tratamento diferenciado.  
O Sistema Único de Saúde - SUS é universal, mas, acima de tudo, igualitário por excelência.
Improcedência.

  
 Vistos, etc.

1 - Relatório 

A Autora se diz portadora do mal de Parkison, com diagnóstico há mais de 10(dez)anos e que já se submetera a diversos tipos de tratamento. Alega que, "em virtude disso, os médicos que acompanham a autora sugeriram um tratamento cirúrgico. Ocorre que o referido tratamento (talamotomia estereotáxica à esquerda), exige a utilização não apenas de guia estereotáxico, mas também de eletrodo termocuple de 2 mm descartável para radiofrequência.".    Então, continua a Autora, solicitara "à Secretaria Estadual de Saúde o material supramencionado e o tratamento cirúrgico. Porém, tal requerimento foi negado, sob a alegação de que a solicitação não está contemplada nos programas preconizados por esta secretaria.". Argumenta ainda a Autora que, "conforme parecer médico em anexo, o tratamento a que é submetida a autora não é suficiente para controlar a doença, mesmo com doses altas da medicação, razão pela qual requer a intervenção cirúrgica. Sendo assim, a autora necessita urgentemente realizar o procedimento cirúrgico, para controlar os tremores causados pela doença. O material necessário para a realização da cirurgia, porém, é de alto custo para a autora e não é fornecido pelo SUS. Por este motivo, vem a autora buscar provimento judicial que determine o fornecimento do guia estereotáxico e de eletrodo termocuple de 2 mm descartável para radiofrequência, a fim de que possa ter garantido seu direito fundamental à saúde.". Fez várias considerações jurídico-constitucionais e legais, invocou julgados e doutrina, requereu antecipação da tutela e, no mérito, a ratificação daquela, sob pena de pagamento de multa diária para o caso de descumprimento. 

Decisão inicial(identificador 4058300.151272), na qual se negou, por enquanto, a antecipação da tutela.

O Estado de Pernambuco apresentou contestação(identificador nº 4058300.192366), levantando preliminar de ilegitimidade passiva ad causam e de impossibilidade jurídica do pedido. E, no mérito, alegou que os equipamentos pretendidos não teria sido arrolados pelo Órgão próprio do Ministério da Saúde para os procedimentos do SUS, de forma que o Judiciário não poderia invadir essa seara e obrigar o Estado de Pernambuco a adquiri-los,verbis: "conquanto se reconheça que o acesso universal e igualitário à saúde constitui direito constitucionalmente assegurado a todos, impende também assinalar que nenhum direito, por mais relevante e fundamental que seja, pode ser exercido de modo ilimitado e incondicionado, e nem tampouco interpretado isoladamente"; "a decisão em relevo compromete outros princípios reconhecidos à administração pública - eficiência e economicidade, já que o fornecimento de equipamento não previsto na Portaria do Ministério da Saúde impede eventual aporte de verbas para fazer face à compra dos demais medicamentos/exames, de distribuição prioritária eleita pelo Poder competente"; que, à luz da técnica da ponderação dos interesses e do princípio da razoabilidade,  não se poderia aplicar diretamente o art. 196 da Constituição da República; que a pretensão da Autora também feriria o princípio constitucional da igualdade, pois estaria pretendendo medicamentos e tratamento não concedido aos demais cidadãos brasileiros e tenderia a quebrar o caráter finito dos recursos públicos, porque, se atendida, certamente iria gerar efeito multiplicador de demandas idênticas; que não estaria comprovada a essencialidade do tratamento; invocou r. julgados no mesmo sentido das suas teses, pugnou pelo acolhimento das preliminares e, se ultrapassadas, requereu, quanto ao mérito, a improcedência. 

A UNIÃO, na sua contestação(identificador nº 4058300.195179), levanta preliminar de ilegitimidade passiva ad causam, sob o argumento básico de que no sistema SUS, objetivamente, não lhe caberia a obrigação de realizar procedimentos cirúrgicos, até mesmo porque, por força de regras da Constituição de 1988, desvencilhara-se de todos as unidades de saúde, cabendo apenas o papel de instituidora e arrecadadora dos recursos financeiros, que, por força da Lei nº 8080, repassa para as demais Unidades da Federação, estas sim encarregadas de ter e operacionalizar unidades de saúde pública; no mérito, alegou:

"A parte autora busca determinado MATERIAL CIRÚRGICO, de sua escolha (baseado apenas em uma única indicação médica), sem que haja efetiva demonstração técnica da inadequação do tratamento do SUS, isto é, de que se trata da única terapia adequada ao caso.
Vale dizer, a única indicação médica acostada não constitui prova apta a configurar que o material cirúrgico seja a melhor ou a única alternativa terapêutica eficaz para tratamento da enfermidade, mediante a demonstração de elementos técnicos condizentes com a "medicina baseada em evidências".
De lembrar que o SUS filiou-se à corrente da "Medicina com base em evidências". Com isso, adotaram-se os "Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas", que consistem num conjunto de critérios que permitem determinar o diagnóstico de doenças e o tratamento correspondente com os medicamentos disponíveis e as respectivas doses. Assim, um medicamento ou tratamento em desconformidade com o protocolo deve ser visto com cautela, pois tende a contrariar um consenso científico vigente.
Os protocolos para inclusão de medicamentos e/ou procedimentos no componente de Dispensação Excepcional são elaborados por Equipes de Profissionais, fora do Ministério da Saúde, incluindo especialistas nas diversas áreas de saúde, com utilização do que há de mais eficaz da literatura médica.
A título ilustrativo, cabe notar que a RENAME (Relação Nacional de Medicamentos) - recomendada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), é atualizada a cada dois anos, e nessa elaboração, embora o valor financeiro seja sopesado, ele não é o fator determinante e exclusivo para tal seleção.
O que importa é a comprovação científica de que os medicamentos atendam às exigências de eficácia, efetividade e a segurança.
Cabe ponderar que o registro do medicamento na ANVISA significa apenas que o mesmo atende aos requisitos mínimos de segurança biológica e eficácia terapêutica, possibilitando sua comercialização.
Lado outro, a incorporação do medicamento no SUS não prescinde da comparação entre as alternativas terapêuticas disponíveis, bem como avaliações sobre a efetividade (aplicação dos resultados de estudos na vida real), custo/benefício e segurança de longo prazo. De fato, no âmbito da saúde pública, a utilização de medicamentos em larga escala deve ser cuidadosamente examinada, até para evitar danos à população.
Sabe-se que certos medicamentos e/ou procedimentos médicos inicialmente podem até apontar para melhoria da saúde, mas, ante seus efeitos colaterais, acabam sendo retirados de mercado.
No âmbito da judicialização da saúde é importante que o Judiciário exerça a autocontenção. Assim, não deve acolher o pleito da parte interessada para fornecimento de específico medicamento, sem a certeza de que o paciente conhece os riscos e as restrições da medicação, e sobretudo quando o sistema público disponibiliza tratamento, e não for comprovada sua ineficácia no caso concreto.
Sem que seja afastado o acerto e eficácia dos tratamentos que o SUS coloca à sua disposição para tratamento da doença, não deve prosperar a pretensão de fornecimento de específico, desvirtuando e invadindo a esfera da política pública de saúde do SUS.
Portanto, há que se entender que, regra geral, devem ser respeitados os exames, procedimentos e medicamentos previstos na política pública de saúde (SUS).
Apenas excepcionalmente é que se admite a intervenção judicial, para determinar à Administração Pública obrigação diversa daquelas institucionalmente previstas no SUS.
A autora não se desincumbiu do ônus processual de prova (art. 333, I do CPC), deixando de comprovar os fatos alegados que constituem o seu direito.
Não se pode olvidar que a gestão do SUS, obrigado a promover o acesso universal e igualitário às ações e prestações de saúde, só é possível mediante a elaboração de políticas públicas que repartam os recursos (naturalmente escassos) da forma mais eficiente possível.               
Obrigar a rede pública a financiar toda e qualquer medicação existente implicaria grave lesão a ordem administrativa e financeira, comprometendo o SUS, de modo a prejudicar ainda mais o atendimento médico da parcela da população mais necessitada.
Por este motivo, vem a autora buscar provimento judicial que determine o fornecimento do guia estereotáxico e de eletrodo termocuple de 2 mm descartável para radiofrequência, a fim de que possa ter garantido seu direito fundamental à saúde.
Dessa forma, deve ser observado o tratamento fornecido pelo SUS em detrimento de opção diversa escolhida pelo paciente, salvo se comprovada a ineficácia ou a impropriedade da política de saúde existente, o que não está demonstrado no presente caso".. 
Na decisão de 13.10.2014(identificador 4058300.658776), determinou-se que se intimasse o Autor para esclarecer  "...detalhadamente, por meio de parecer de médico credenciado ao SUS, preferencialmente o responsável pelo tratamento terapêutico da paciente, o porquê da essencialidade de tal procedimento cirúrgico (talamotomia estereotáxica esquerda) e se equivale a um dos procedimentos contemplados pelo SUS nos itens "i)" e "ii)" acima.".

A Defensoria Pública da União, que representa a Autora nesta ação, enviou Ofício(identificador nº 4058300.751425)ao Médico que passara para a Autora o tratamento indicado na petição inicial, mas, conforme informou a este Juízo(petição de 16.04.2014, com identificador nº 4058300.992895), referido médico não dera qualquer explicação e sentira-se até magoado, porque o seu entendimento não estava sendo prevalecente, verbis: "Ocorre que, após diversas tentativas da autora, o referido médico negou-se a responder o ofício, sob a alegação de que não recomendaria a realização da cirurgia se não fosse importante para a paciente, mostrando-se ofendido com os questionamentos.". A DPU findou por requerer, nessa mesma petição, a realização de perícia médica.

É o breve relatório. Passo a decidir.

2 - Fundamentação

Julgo antecipadamente este feito, de acordo com o estado do processo, por entender desnecessária qualquer outra dilação probatória, uma vez que a documentação acostada nos autos permite-me extrair a conclusão para esta demanda(art. 330, I, CPC).

Tenho que não cabe a realização de perícia médica, como requerida na última petição que a representação judicial da Autora juntou nos autos, porque, mesmo que se concluísse, na pretendida perícia, que o médico que indicou a noticiada cirurgia para a Autora estava com razão, conforme veremos, o tratamento por ele indicado não poderia ser deferido, porque à margem dos procedimentos aprovados pelo SUS.

O interesse médio coletivo da população coloca-se acima de um interesse isolado de um médico e do seu Cliente, por conta, como veremos, do sistema único de saúde - sus, universal, mas igualitário por excelência.

2.1 - Matérias Preliminares

2.1.1  - Inicialmente, constato engano na autuação, indicando como Autora a Defensoria Pública da União - DPU, quando, na verdade, a Autora é R C DA S. A Defensoria Pública da União - DPU apenas patrocina a causa. Assim, a Secretaria deve providenciar a retificação, indicando como Autora apenas essa Senhora.

2.1.2 - O Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal têm firme jurisprudência, no sentido de que podem ficar no polo passivo de ações como esta, envolvendo sempre delicado assunto relativo à saúde pública, qualquer das Unidades da Federação, porque, no entender dessas Cortes, todas têm responsabilidades pela saúde pública brasileira.
Nessa esteira de raciocínio, tenho que não devem ser acolhidas as preliminares de ilegitimidade passiva da defesa do Estado de Pernambuco e da UNIÃO. 
 
2.1.3 - A preliminar de impossibilidade jurídica do pedido, levantada na defesa da UNIÃO, deve ser considerada por prejudicada, porque o seu exame exigiria adentramento no mérito da causa.
 
2.2 -Matéria de Mérito

2.2.1 - Tenho que a universalização da saúde pública, na Constituição, tem a finalidade de estabelecer que todos podem dela fazer uso, mas dentro das forças econômico-financeiras do orçamento público. Assim, cabe a Administração Central da saúde pública, dentro das regras orçamentárias e administrativas, estabelecer os limites da saúde pública universal e quem dela quiser fazer uso tem que observar esses limites, sob pena de, como bem alegado na defesa do Estado de Pernambuco, ferir-se o princípio da isonomia, igualmente estabelecido na Constituição.

Ou seja, o Estado Brasileiro não pode conceder tratamento médico diferenciado para nenhum dos seus súditos, tem que fazê-lo em caráter universal, mas igualitário.

E os médicos brasileiros deveriam ser cientificados disso para não passarem medicamentos e/ou tratamentos à margem dos limites econômico-financeiros do SUS, provocando a judicialização desse delicado problema nacional.

Então, inspirado nesse entendimento, é que decido o mérito desta demanda.

2.2.2 - A solução para esta demanda está no documento sob identificador nº 4058300.236395, assinada por CINTIA MARINHO MORASCO, Analista Técnico da COMAC/DAET/SAS/MS, aprovada por JOSÉ EDUARDO FOGOLIN PASSOS, Coordenador da CGMAC/DAET/SAS/MS, bem como pela respectiva Diretora, SUELI MOREIRA RODRIGUES.   trazido aos autos com a contestação da UNIÃO, denominado NOTA TÉCNICA Nº 1680/2013, na qual, depois de fazer um breve histórico da doença da Autora,  presta as seguintes informações:
"No SUS, a assistência ao paciente com doença neurológica esta prevista na Portaria GM/MS nº 1.161, que instituiu a Política Nacional de Atenção ao Portador de Doenças Neurológicas. (...). Juntamente com esse normativo,foi publicado a Portaria SAS/MS nº 756, que estabelece as normas de habilitação das Unidades de Assistência de Alta Complexidade em Neurocirurgia e dos Centros de Referência em Neurologia.".
E,  depois de dissertar com detalhes sobre a doença de Parkison e informar qual a política do SUS para o seu enfrentamento, registra que, "para o tratamento de talamotomia estereotaxia, a tabela SUS contempla os seguintes procedimentos:

   .04.03.08.008-8 - tratamento de movimento anormal por estereotaxia.

   .04.03.08.009-6 - tratamento de movimento anormal por estereotaxia com micro-registro". 

E, finalmente, informa:
"O Hospital da Restauração(CNES00655), localizado no Município de Recife, está habilitado como Centro de Referência de Alta Complexidade Neurologia/Neurocirurgia e no Serviço de Neurocirurgia Funcional Estereotóxica.".
Então a Autora, como qualquer outro cidadão brasileiro, deve procurar um desses Centros de Alta Complexidade no campo da neurologia/neurocirurgia para o seu tratamento da terrível doença de Parkison, sem desembolso de nenhuma quantia, porque se trata de um tratamento universal, outorgado na Carta Magna do Brasil para todos os brasileiros.

Creio que, sendo pernambucana e residente na cidade do Recife, deva procurar o mencionado Hospital da Restauração, Hospital Público do Estado de Pernambuco, referência em todo o Nordeste do Brasil.

No entanto, tendo em vista o acima fundamentado,  não faz jus ao tratamento que indica na petição inicial.

3 - Conclusão 

3.1 - Antes de publicar esta sentença, providencie a Secretaria deste Juízo a correção na autuação, colocando como Autora apenas RA C DA S.   

3.2 - Rejeito as preliminares de ilegitimidade passiva ad causam, levantadas nas contestações do Estado de Pernambuco e da UNIÃO.

3.3 - Tenho por prejudicada a preliminar de impossibilidade jurídica do pedido, levantada na contestação da UNIÃO, porque o seu exame exigiria adentramento no mérito da causa.

3.4 - Julgo improcedentes os pedidos desta ação e deixo de condenar a Autora nas verbas de sucumbência, porque em gozo da denominada justiça gratuita, vale dizer, em gozo da imunidade relativa às despesas processuais.

P. R. I.

Recife, 28 de julho de 2015.



Francisco Alves dos Santos Jr

 Juiz Federal, 2a Vara-PE

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