quinta-feira, 22 de maio de 2014

ERRO DA POLÍCIA FEDERAL. DANOS MORAIS. IDOSOS. INDENIZAÇÃO

      Por Francisco Alves dos Santos Jr

 
   A simples troca do número de um apartamento implicou num lamentável(embora escusável)erro da polícia federal, numa operação policial, erro esse que causou danos morais a um casal de idosos, os quais, na busca de uma indenização, processaram judicialmente a UNIÃO e foram vencedores em todas as instâncias do Judiciário Federal.
Boa Leitura.



PODER JUDICIÁRIO

JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

Seção Judiciária de Pernambuco

2ª VARA

 

Juiz Federal: Francisco Alves dos Santos Júnior

Processo nº 0010254-36.2010.4.05.8300 - Classe 29 – Ação Ordinária

Autor: J A F F E OUTRO


Adv.: L de S L – OAB/PE ... 


Réu: UNIÃO FEDERAL

Advogado(a) da União

 

Registro nº ...........................................

Certifico que registrei esta Sentença às fls..........

Recife, ........./.........../2011

 

Sentença tipo A

 

 

EMENTA:- DANOS MORAIS. INDENIZAÇÃO. ERRO POLICIAL. BUSCA E APREENSÃO. IDOSOS.

 

Busca e apreensão criminal, feita no apartamento dos Autores, por erro do setor de investigação da Polícia Federal, causando grande susto e constrangimento aos Autores, pessoas idosas, caracteriza-se como dano moral, indenizável financeiramente.

 

Procedência.  

 

 

 

VISTOS, ETC.

 

J A F F e E E F propuseram, em 30.07.2010, a presente “Ação de Indenização por Danos Morais”, contra a União, requerendo preliminarmente os benefícios da justiça gratuita. Aduziram, em síntese, que, no dia 24.11.2009, por volta das 6 horas da manhã, teriam sido surpreendidos com uma “batida” policial, realizada por policiais da Polícia Federal, com vistas a verificar a ligação dos Autores com o Capitão Marco Vinícius Barros dos Santos, da Polícia Militar de Pernambuco; que seu apartamento teria sido invadido por seis homens fortemente armados com metralhadoras e escopetas, os quais teriam vasculhado toda a casa; que referidos policiais estariam munidos de um mandado de busca e apreensão; que, ao final da ação policial, o Delegado, que acompanhava os trabalhos policiais, concluíra que teria sido um engano, retirando-se com sua equipe sem maiores explicações; que, após forte crise nervosa e hipertensiva, a 2ª Demandante teria sido removida para a emergência no Hospital Unicordis; que o 1º Demandante também sofrido forte impacto emocional; que a notícia da dita ação policial teria se disseminado por todo o condomínio, pois muitos vizinhos teriam visto a abordagem policial. Discorreram sobre a responsabilidade objetiva do Estado pelos danos causados por seus agentes no exercício da função pública. Alegaram que teriam sofrido dano moral, o qual deveria ser indenizado. Teceram outros comentários. Transcreveram algumas decisões judiciais. Ao final, requereram: a citação da União; a requisição de cópia do procedimento inquisitório que culminara na expedição do aludido mandado de busca e apreensão dirigido aos Autores e à sua residência; a procedência dos pedidos, condenando a União ao pagamento de indenização por danos morais; a condenação da União ao pagamento de honorários advocatícios. Fizeram protestos de estilo. Deram valor à causa. Pediram deferimento. Instruíram a Inicial com instrumento de procuração, documentos e cd/dvd (fls. 16/41).

Concedidos os benefícios da justiça gratuita (fl. 42).

Citada, a União apresentou Contestação, às fls. 43/66, argumentando que o mandado de busca e apreensão questionado pelos Autores teria sido obtido nos autos do inquérito policial instaurado para a apuração do suposto seqüestro do Capital da PM, Marcos Vinícius Barros dos Santos, sua esposa e filha, resultando a subtração e entrega, a terceiros, pela suposta vítima, de 62 armas de grosso calibre de várias unidades militares da Polícia Militar de Pernambuco; que, em 24.11.2009, teria sido deflagrada uma  operação, resultando na prisão de seis pessoas; que todos os endereços dos investigados constantes da representação e dos vários mandados teriam sido obtidos e repassados às autoridades policiais pela Unidade de Inteligência Policial e pelo núcleo de análise das interceptações telefônicas autorizadas judicialmente; que, após tomar conhecimento da presente demanda, foi determinado à Unidade de Inteligência e ao Núcleo de Análises que efetuassem novas leituras  de todas as informações e escuta de todas as gravações existentes, para confirmar o endereço do investigado Marcos Vinícius Barros dos Santos; que, após nova análise das gravações telefônicas, teria sido verificado que tal investigado se utilizaria de um apartamento no edifício Baía de Córdoba; que, todavia, o apartamento seria 1701 e não 701; que não estariam presentes os pressupostos para caracterização da responsabilidade civil do Estado; que o princípio da responsabilidade objetiva não se revestiria de caráter absoluta; que, abstraindo-se o equívoco do mandado judicial, o simples fato de alguém sofrer investigação policial não caracterizaria ato suscetível de gerar o dever de indenizar; que não teria havido desrespeito ou humilhação por parte dos agentes da Polícia Federal; que não teria havido exposição constrangedora dos Autores, porquanto a Polícia teria agido com discrição; que a residência dos Autores não teria sido remexida além do necessário; que não teria havido limitação de direitos individuais dos Autores; que não teria sido comprovada a ocorrência de danos materiais e morais. Citou algumas decisões judiciais. Ao final, requereu fosse o pedido formulado na Inicial julgado improcedente. Protestou o de costume. Pediu deferimento. Juntou cópia de documentos (fls. 67/89).

Os Autores apresentaram Réplica, às fls. 94/100, rebatendo os argumentos da Defesa e reiterando os termos da Inicial.

Designada a realização de audiência de instrução e julgamento na decisão de fl. 101.

Audiência de conciliação realizada (128/130-vº).

Vieram os autos conclusos para julgamento.

 

É o Relatório.

Decido.

 
1. No presente caso, não há muito a se teorizar:  a polícia federal de Pernambuco fez um excelente trabalho, resolvendo, em pouquíssimo tempo, o crime conhecido como ‘o roubo das armas’, praticados por um Capitão da própria polícia militar de Pernambuco, o Sr. Marcos Vinícius Barros dos Santos.

E praticou todas as diligências mediante observação do princípio do devido processo legal.

No entanto, essa gloriosa polícia federal cometeu um pequeno engano, no decorrer das investigações,  trocou o número do apartamento de uma determinada busca e apreensão, que seria o apartamento nº 1.701,  pelo nº 701, ambos na Av. Santos Dumont, 1.083, no Edifício Baía de Córdoba, Aflitos, Recife-PE, bairro de classe acima da classe média e abaixo da classe alta da capital pernambucana, realizada nas primeiras horas do dia 24 de novembro de 2009.

E o magistrado federal só deu a autorização, para busca e apreensão, no apartamento dos ora Autores, porque a polícia federal repassou-lhe o número do apartamento errado, pois referida busca deveria ter sido efetuada no apartamento nº 1.701 e não no apartamento nº 701, onde residiam e residem os Autores.

Houve, portanto, um ilícito, pois a Lei não autoriza a busca e apreensão na residência de pessoas que não têm nenhuma ligação com o ato criminoso.

Tratou-se, obviamente, de um erro humano, mas que concretizou um ilícito e gerou um dano moral aos Autores, pois, de pessoas idôneas, passaram a ser, indevidamente, vistas como pessoas inidôneas, sendo acordadas, nas primeiras horas do dia em que os fatos ocorreram, por um grupo de policiais federais, portanto armas pesadas(pelo menos duas metralhadoras, conforme depoimento de um dos policiais, v. 129vº), como se bandidos  fossem, ou, no mínino, guardadores de instrumentos de criminosos,  com ordem judicial para vistoria e busca e apreensão no seu imóvel residencial, com todos os transtornos daí advindos, além do grande susto, pois se sabe que, nessas horas, as batidas na porta são fortes e são sempre seguidas da ameaça de que, caso a porta não seja imediatamente aberta, será arrombada.

E o Sr. Escrivão de Polícia Federal, que participou da operação policial, atesta que assim de fato ocorreu:

“...; que alguém de dentro do apartamento disse que não iria abrir a porta; (....); que depois dessa negativa houve a ameaça, por parte do Delegado, de arrombamento da porta do apartamento; que então abriram a porta e os policiais constataram que se tratava de um casal de idosos”.(Fl. 129vº).

                E o engano, quanto ao número do apartamento, foi atestado pela própria Polícia Federal, em documento que instrui a contestação, especificamente à fl. 76 dos autos, verbis:

“..., foi determinado por esta autoridade policial à Unidade de Inteligência e ao Núcleo de Análises que efetuassem novas leituras de todas as informações e escutas de todas as gravações existentes que pudessem confirmar o endereço Av. Santos Dumont, 1083, apto 701, Edf. Baía de Córdoba, Aflitos, Recife-PE, como sendo um dos endereços do investigado Marcos Vinícius Barros dos Santos.”.(Grifo do original).

No entanto, continua a mesma Autoridade Policial:

“20) após analisar novamente as gravações telefônicas, confirmamos que o investigado Marcos Vinicíus Barros dos Santos se utilizava de um apartamento no Edf. Baía de Córdoba, porém o número do apartamento seria 1701 e não 701;”.(Negrito e grifo do original).  

 Ademais, os Autores são pessoas idosas: ele, nascido em 24.03.1935; ela, nascida em 13.06.1951, conforme documento de fl. 30.

E por conta da idade e do inusitado da situação, a Autora, D. Eneida, ficou muito nervosa e precisou ser socorrida por uma vizinha, que findou por figurar na diligência como testemunha e que, em audiência judicial, declarou:

“...; que, posteriormente, tocaram na capainha do apartamento da ora Depoente; que era Dona Eneida, escoltada por policiais federais, que estava muito nervosa e pediu para que a Depoente ficasse com ela; que um dos policiais se dirigiu à ora Depoente que ela realmente ficasse como testemunha; (...); que Dona Eneida estava muito nervosa e a ora Depoente ficou preocupada com Sr. Ferraz por ser de idade mais avançada;  (...); que como a ora Autora, a Sra. Eneida, estava muito nervosa, a ora Depoente providenciou água para ela beber”. (Negritei).

     Os documentos médicos, juntados às fls. 25-28, também atestam alteração na saúde dos Autores.

E os Autores, no prédio em que moravam, passaram pelo constrangimento ante os demais moradores que, por curiosidade natural, queriam saber o motivo pelo qual a casa do “Seu Ferraz” fora submetida a uma “batida policial”.

E essa curiosidade natural foi atestada pelo Porteiro do Edifício:

“...; que muitas pessoas do prédio ligaram para a portaria, perguntando o que estava acontecendo, se aquilo era uma guerra; que isso aconteceu durante e após a operação; que até pessoas de fora do prédio também ligaram, perguntando o que tinha acontecido; que algumas pessoas até se admiraram pelo fato de que a operação tivesse sido feita no apartamento do ‘Seu Ferraz’”.

                Lamentavelmente, como a Polícia Federal é também feita de homens, falha como a acima narrada acontece, quer pelo stress do dia a dia, mormente de policiais em ação, envolvidos em crime tão sério como o que deu origem à operação em questão, quer pelo costumeiro excesso de trabalho e reduzido contingente de policiais, pois, como é público e notório, porque noticiado por toda a imprensa do País, houve violentos cortes nas verbas orçamentárias da Polícia Federal brasileira, de forma referida falha não desmerece esse Órgão Policial, como se dá a entender na petição inicial.

São fatos que devem ser evitados, mas, infelizmente, às vezes, acontecem, e quando acontecem, por óbvio, em face do nosso ordenamento jurídico, sobretudo constitucional(§ 6º do art. 37 da Constituição da República), as vítimas têm que ser indenizadas.

 

                2. A mensuração do valor da indenização é sempre um calcanhar de Aquiles para o Magistrado, pois não há como se mensurar o susto de uma operação policial, o constrangimento de ser confundido com pessoa criminosa ou ligada a criminosos, e etc.

                Mas, para casos como o ora em debate, no qual, felizmente, não houve perda de vida, nem dano físico-estético, mas apenas o constrangimento, o susto, o ser apontado pela vizinhança como o casal em que a casa foi submetida a uma operação policial, suspeito de prática de ato criminoso, há precedentes do E. Superior Tribunal de Justiça para casos semelhantes, nos quais se fixou, para cada membro da casa, a quantia indenizatória de R$18.000,00 , valor esse que me parece razoável para a reparação dos danos morais sofridos pelos Autores.

                O E. Superior Tribunal de Justiça tem julgado orientando como se deve chegar ao valor desse tipo de indenização, verbis:

1. (...).

2. (...).

3. (...).

4. Na primeira etapa, deve-se estabelecer um valor básico para a indenização, considerando o interesse jurídico lesado, com base em grupo de precedentes jurisprudenciais que apreciaram casos semelhantes.

5. Na segunda etapa, devem ser consideradas as circunstâncias do caso, para fixação definitiva do valor da indenização, tendendo a determinação legal de arbitramento equitativo pelo juiz.”. [1]

 
               Não encontrei precedentes idênticos ao presente caso, nem sequer semelhantes.

    Mas levando em consideração as circunstâncias descritas, o fato de os Autores serem pessoas idosas, antigos moradores do prédio, bem conceituados, e de padrão sócio-financeiro, pelo bairro em que residem, um pouco acima da classe média, tenho por razoável que cada um deva receber, a título de indenização por danos morais, a quantia de R$18.000,00(dezoito mil reais), atualizados a partir do mês seguinte ao da propositura desta ação, pelos índices de correção monetária do Manual de Cálculos do Conselho da Justiça Federal e acrescidos de juros de mora legais, à razão de 0,5%(meio por cento) ao mês, contados estes da data da citação(art. 730 do CPC)da execução desta Sentença, mas incidentes sobre o valor já monetariamente corrigido.

 

Conclusão

 
      POSTO ISSO,  julgo procedentes os pedidos desta ação e condeno a  UNIÃO a indenizar os Autores, pelos danos morais que lhes causou,  na quantia de R$ 18.000,00(dezoito mil reais), a cada um deles, atualizadas na forma acima preconizada.

Outrossim, condeno a  UNIÃO em verba honorária que, considerando o esforço e dedicação do Patrono do Autor, Dr. Luciano de Souza Leão, arbitro em 15%(quinze por cento)do valor total da condenação.

De ofício, submeto esta Sentença ao duplo grau de jurisdição.

 

P.R.I.

 

Recife, 07 de julho de 2011.

 

 

Francisco Alves dos Santos Júnior

  Juiz Federal, 2ª Vara-PE

 

NOTAS IMPORTANTES

 A UNIÃO recorreu contra a sentença supra, que foi mantida pela Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, em acórdão de 28.02.2012, tendo por Relatadora a então Desembargadora Federal Margarida Cantarelli, tendo apenas reduzido a verba honorária sucumbencial de 20% para 10%, tendo o respectivo acórdão sido disponibilizado no Diário da Justiça Eletrônica - DJE TRF5 nº 44.0/2012, em 01.03.2012 e publicado no dia 02.03.2012.
 

Contra esse acórdão, a UNIÃO opôs embargos de declaração, que, por acórdão de 24.04.2012, foram providos, mas sem alteração da conclusão condenatória do primeiro acórdão.
 

A UNIÃO ainda interpôs recurso especial e recurso extraordinário, que foram contraarrazoados pela Parte Autora.
 

O Presidente do TRF/5ªR, em decisão de 16.08.2012,  não admitiu o recurso especial e, em decisão da mesma data, também não admitiu o recurso extraordinário.
 

A UNIÃO interpôs dois agravos de instrumentos contra referidas decisões, que sofreram contraminutas da Parte Autora.
 

No STJ, a UNIÃO obteve uma pequena vitória: o recurso especial foi conhecido e em parte provido, apenas para que fica estabelecido que os juros de mora deveriam observar o estabelecido no art. 1º-F da Lei nº 9.494, de 1997, com a redação dada pela Lei nº 11.960, de 2009, no período posterior a 30.06.2009 e “que a correção monetária da indenização por danos morais tenha início a partir da data do seu arbitramento”. Decisão unitária do Ministro Relator SÉRGIO KUKINA, no Agravdo em Recurso Especial nº 329.818-PE(2013/0110275-0), data de 18.12.2013, com certidão de nº 281451, de código de segurança EABB.22E7.2BC.EBEB.
 

No STF, o Ministro TEORI ZAVASCKI negou seguimento ao recurso extraordinário da UNIÃO, ARE 777.221/PE, decisão de 03.02.2014, documento MP nº 2.200.2/200.2/2001 de 24.08.2001.

 

 

 

.

 

.

 

 

 




[1] RECURSO ESPECIAL Nº 959.780 - ES (2007/0055491-9)
RELATOR : MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO
RECORRENTE : JOSÉ CASTELLO LOYOLA
ADVOGADO : CÁSSIO DRUMOND MAGALHÃES E OUTRO(S)
RECORRIDO : AFONSO MARCHETTI
ADVOGADO : ANTONIO BARBOSA
Brasília (DF), 26 de abril de 2011(Data do Julgamento)

Nenhum comentário:

Postar um comentário