Por Francisco Alves dos Santos Júnior.
Pode o Judiciário obrigar determinada Autarquia a cumprir o seu poder-dever legal, a pedido de determinado Usuário do serviço público, quando essa Autarquia for omissa e essa omissão estiver causando ao usuário lesão de direito?
Esse assunto é discutido na sentença que segue.
Boa leitura.
PODER JUDICIÁRIO
Pode o Judiciário obrigar determinada Autarquia a cumprir o seu poder-dever legal, a pedido de determinado Usuário do serviço público, quando essa Autarquia for omissa e essa omissão estiver causando ao usuário lesão de direito?
Esse assunto é discutido na sentença que segue.
Boa leitura.
PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA
INSTÂNCIA
Seção Judiciária de Pernambuco
2ª VARA
Juiz Federal: Francisco Alves dos Santos Júnior
Processo nº 0010672-03.2012.4.05.8300 – Classe
29 – Ação Ordinária
AutorA: S – S DE R DE
C E DE C LTDA.
Adv.: D F C, OAB/PE ...
Ré: AGÊNCIA NACIONAL DE TELECOMUNICAÇÕES
Procurador Federal
Registro nº
...........................................
Certifico que eu, ..................,
registrei esta Sentença às fls..........
Recife, ...../...../2013
Sentença tipo C
EMENTA:- ANATEL. LEGITIMIDADE
PASSIVA. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. PROCEDÊNCIA.
-
A ANATEL é parte legítima para responder como Ré em ações na qual é acusada de
omissão.
-O
Judiciário, à luz do inciso XXXV do art. 5º da Constituição da República,
diante de lesão ou ameça de direito, é obrigado e impor a respectiva reparação,
não podendo existir Lei que afaste esse seu poder-dever.
-Rejeição
das preliminares. Procedência parcial.
Vistos etc.
S – SERVIÇOS DE R DE C E DE C LTDA., qualificada na petição
inicial, propôs a presente ação ordinária com pedido de indenização de perdas e
danos e lucros cessantes c/c antecipação parcial dos efeitos da tutela em face
da I T LTDA. e
da T B S.A., indicando a ANATEL – AGÊNCIA NACIONAL DE
TELECOMUNICAÇÕES, como terceira interessada, objetivando, a título de
antecipação de tutela, autorização para que a Empresa/Autora rescinda o
Contrato que teria ajustado entre as partes, com isenção de qualquer ônus ou
taxa para desinstalação. No mérito, o ressarcimento em dobro dos valores que
teriam sido pagos a maior nas faturas de conta telefônica, bem como indenização
por danos materiais e lucros cessantes. Inicial instruída com instrumento de
procuração e documentos (fls. 19-114) e mídia eletrônica (fl. 114). Comprovante
de recolhimento de custas (fl. 115).
Decisão que determinou à
Exequente que informasse exatamente contra qual das Requeridas fez os pedidos
elencados na Petição Inicial, delimitando e fundamentando o motivo pelo qual
faz tal pedido para cada Requerida (fl. 117-117vº).
A Exequente promoveu a emenda
à Inicial conforme determinado (fls. 120-123).
Decisão que declinou a
competência para apreciar as relações de direito privado entre a Autora e as
empresas I T LTDA. e T B S.A para um dos d. juízes
da Justiça do Estado de Pernambuco, bem como para que a Autora apresentasse os
autos suplementares (cópias dos presentes autos de capa a capa)para a
respectiva remessa ao competente d. Juízo Distribuidor Estadual; e, com relação
à ANATEL – AGÊNCIA NACIONAL DE TELECOMUNICAÇÕES, determinou que fosse citada,
na forma e para os fins legais (fl. 124-124vº).
A Exequente noticiou o
cumprimento da determinação supra à fl. 132.
Certidão atestando o
desentranhamento dos autos suplementares e a remessa dos autos à Distribuição,
para cumprimentos da decisão de fl. 124-124vº.
Devidamente citada (fl.
139vº), a ANATEL (AGU/PRF) apresentou sua contestação às fls. 142-144, e
apontou sua ilegitimidade passiva por entender que a demanda proposta pela
Autora se deveria ao fato de as Concessionárias supra estaria prestando um
serviço inadequado, e que a atribuição da ANATEL de fiscalizar as empresas
concessionárias decorreria de Lei e não de eventual decisão a ser proferida nos
presentes autos. No mérito, caso a ANATEL viesse a ser condenada a aplicar
multa contra determinadas empresas concessionárias de serviço de telefonia,
argumentou que haveria usurpução da sua atividade pelo Judiciário.
A Exequente não apresentou
réplica à contestação, apesar de devidamente intimada (fls. 145-146).
É o relatório.
Passo a decidir.
A ANATEL levantou, em sua
contestação, preliminar de ilegitimidade passiva e, indiretamente, de
impossibilidade jurídica do pedido, porque o Judiciário não poderia, em termos
jurídicos, obrigá-la a aplicar multa contra determinada Empresa concessionária
de serviço de telecomunicações, porque se assim fizesse estaria usurpando sua
“competência que a Lei” ter-lhe-ia reservado.
Constato, na petição inicial,
que a Autora acusa a ANATEL de omissa, porque não teria tomado contra as acima
referidas Empresas Concessionárias nenhuma providência, no que diria respeito à
péssima qualidade dos serviços de telecomunicações que estariam prestando,
embora a ora Autora tivesse registrado perante a ANATEL, fone 1331, “várias
denúncias”(sic) e por isso, conforme aditamento à petição inicial, acostado às
fls. 120-123, requereu que a ANATEL fosse condenada a cumprir sua obrigação
legal, aplicando à Concessionária I T LTDA “a devida
penalidade de multa”.
A jurisprudência consagrou o
entendimento de que o mero papel fiscalizador da ANATEL não lhe atribui
legitimidade passiva para figurar no conflito intersubjetivo de interesses.
Nessa linha, colaciono os
seguintes precedentes do E. STF e do nosso E. TRF da 5ª Região in verbis:
ADMINISTRATIVO. TARIFA BÁSICA DE
TELEFONIA FIXA. ANATEL: ILEGITIMIDADE
PASSIVA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. 1. Competência da Justiça
Estadual ante a ilegilimidade da ANATEL de figurar no pólo passivo de ação
movida pelo usuário de serviço de telefonia contra concessionária, conforme
decidiu o Plenário desta Corte ao julgar o RE 571.572/BA, rel. Min. Gilmar
Mendes, DJe 13.2.2009. 2. Agravo regimental improvido.
(AI 649751 AgR, Relator(a): Min.
ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 18/08/2009, DJe-176 DIVULG 17-09-2009
PUBLIC 18-09-2009 EMENT VOL-02374-08 PP-01547) (G.N.)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO.
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO ORDINÁRIA. CORTE
DE SERVIÇO TELEFÔNICO PARA PESSOA FÍSICA PRIVADA. APRESENTAÇÃO PELA
CONCESSIONÁRIA DE GRAVAÇÃO TELEFÔNICA PERTINENTE À RECLAMAÇÃO. FIXAÇÃO DE PRAZO
PARA CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. MULTA DIÁRIA. RELAÇÃO ESTRITA DE CONSUMO ENTRE PESSOAS JURÍDICAS PARTICULARES.
ILEGITIMIDADE PASSIVA DA ANATEL. PRELIMINAR ACOLHIDA. RECURSO PROVIDO.
1 - A lide tem por base fática o corte
de serviço de telefonia para escritórios de advocacia - cuja apresentação das
gravações telefônicas pertinentes às reclamações de tais usuários é essencial à
investigação de possível conduta antijurídica e responsabilização civil -, dentro
de uma relação estritamente de consumo a envolver pessoas jurídicas de natureza
privada, cuja competência, portanto, é da Justiça Estadual, uma vez que a
jurisprudência consagrou o entendimento de o mero papel fiscalizador da ANATEL
não lhe atribuir legitimidade passiva para figurar no conflito intersubjetivo
de interesses.
2 - Ressalvam-se, claro, hipóteses
excepcionais, tais como a discussão quanto à oferta excessiva de assinaturas a
despeito de infraestrutura tecnológica precária em ação civil pública.
3 - Descabimento de prazo para
cumprimento de obrigação e fixação de astreinte pela Justiça Federal.
Agravo de instrumento provido. Agravo
regimental prejudicado.
(PROCESSO: 00114885320124050000, AG128208/PE, RELATOR: DESEMBARGADOR
FEDERAL JOSÉ MARIA LUCENA, Primeira Turma, JULGAMENTO: 07/02/2013, PUBLICAÇÃO:
DJE 15/02/2013 - Página 54) (G.N.).
O que está dito nesses d.
julgados é que a ANATEL não pode ser condenada a reparar danos que as
Concessionárias tenham causado aos Usuários, nem mesmo subsidiariamente.
No entanto, no presente caso,
a Autora separou muito bem suas pretensões: contra a Concessionária INTELIG
requereu restituição em dobro dos valores que da Autora teriam sido
indevidamente cobrados e ainda indenização por alegados danos morais, e contra a ANATEL requereu apenas que fosse
condenada a cumprir o seu dever legal, em face da noticiada omissão.
Ora, se a ANATEL é obrigada a
fiscalizar e, se for o caso, aplicar multa e até mesmo suspender ou cancelar a
concessão, relativamente a determinada Concessionária de serviços de
telecomunicações, que não esteja prestando os serviços a contento, e, embora tenha recebido reclamações de
Usuário, omite-se, resta ao Usuário buscar amparo no Judiciário e se o Judiciário
obrigar a ANATEL a cumprir com o seu poder-dever legal não estará usurpando sua
atividade legal, mas sim, pelo contrário, fazendo com que cumpra com esse
poder-dever legal, fazendo valer assim o direito do Usuário, diante da ilegalidade do seu comportamento
omissivo, ou seja, o Judiciário estará fazendo valer a regra do inciso XXXV do
art. 5º da Constituição da República, posto que a Lei que outorga poderes à
ANATEL não exclui, em face dessa regra constitucional, que o Judiciário aprecie
lesão ou ameaça a direito de Usuário praticados pela ANATEL, em face de
eventual omissão.
O Judiciário não só pode como
é obrigado a impor a reparação dessa omissão quando qualquer Ente ou Órgão
público for omissivo e causar lesão ou ameaça de direito de qualquer Usuário.
No presente caso, noto que a
ANATEL não nega que foi omissa, apenas levanta preliminar de ilegitimidade passiva ad causam e, indiretamente, de impossibilidade jurídica do
pedido, fenômenos jurídicos esses que, como demonstrado, não ocorreram, pois a
Anatel foi realmente omissa e este Órgão Judicial é obrigado a prestar a
jurisdição, obrigando essa Autarquia Federal e cumprir com o seu poder-dever
legal, sob pena de ser obrigada a pagar multa ao Usuário, sem prejuízo da
responsabilização administrativa, civil e criminal do seu Dirigente e/ou dos
seus Servidores afetos ao seu setor que se omitiu e que venha a descumprir esta
sentença.
O Judiciário não pode, apenas,
invadir a poder discricionário da ANATEL no que diz respeito à penalidade a ser
aplicada: se multa, se advertência, se suspensão, ou então que,
fundamentadamente, explique o motivo pelo qual não aplicará nenhuma penalidade
à Concessionária.
Mas, repito, o Judiciário tem
a obrigação de determinar que a ANATEL cumpra o seu poder-dever legal, qual seja,
que fiscalize e, se for o caso, puna a referida Concessionária e/ou explique o
motivo pelo qual não aplicou nenhuma penalidade.
Conclusão
Posto isso, julgo parcialmente procedentes os pedidos
desta ação e condeno a ANATEL cumprir com o seu poder-dever legal, fiscalizando
a mencionada Concessionária e, se for o caso, que aplica a penalidade
correspondente ou então explique o motivo pelo qual resolveu não aplicar
nenhuma penalidade, e que o faça no prazo de 15(quinze)dias, sob pena de
pagamento de multa a favor da ora Autora, correspondente a R$ 1.000,00(hum mil
reais)por dia, sem prejuízo da responsabilização funcional, civil e criminal do
seu Dirigente máximo e/ou da pessoa ou pessoas do Setor da ANATEL responsável
pela omissão em questão e pelo descumprimento desta sentença judicial.
Outrossim, condeno a ANATEL a
ressarcir as custas judiciais despendidas pela Autora, bem como a pagar ao seu
d. Patrono verba honorária que, à luz do § 4º do art. 20 do código de processo
civil, arbitro em R$ 10.000,00(dez mil reais).
De ofício, submeto esta
Sentença ao duplo grau de jurisdição.
P.R.I.
Recife, 05 de
agosto de 2013.
Francisco Alves dos Santos Júnior
Juiz Federal, 2ª Vara-PE
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