quarta-feira, 9 de maio de 2012

PORTARIAS DE MINISTROS NÃO PODEM LIMITAR DIREITOS MATERIAIS DOS CONTRIBUINTES


Por Francisco Alves dos Santos Júnior.

Na sentença que segue, discute-se o império do princípio da legalidade no sistema constitucional brasileiro, considerando-se inconstitucional regras de Portaria de Ministros que limitavam a possibilidade do gozo de benefício fiscal pelos Contribuintes.

Boa leitura.




PODER JUDICIÁRIO

                                                          JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

                     Seção Judiciária de Pernambuco
2ª VARA

Juiz Federal: Francisco Alves dos Santos Júnior
Processo nº 0003878-632012.4.05.8300 - Classe 126 – Mandado de Segurança
Impetrante: CBS S/A C B DE S
Adv.: A L – OAB/SP
Impetrado: DELEGADO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL EM RECIFE   

Registro nº ..............................................
Certifico que esta Sentença às fls..............
Recife, ........./........../2012.

Sentença Tipo A                                                            

EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. BENEFÍCIO LEGAL. LIMITAÇÃO POR ATOS INFRALEGAIS.
- Atos infralegais não podem impor limitações e/ou condições a benefício fiscal concedido por Medida Provisória, que tem força de Lei(artigos 5º, II e 150, I, da Constituição da República).
- Concessão da segurança definitiva.

          Vistos etc.
 CBS S/A C B DE S qualificada na Inicial, impetrou, em 31.01.2012, este Mandado de Segurança, com pedido de concessão de medida liminar inaudita altera parte, contra ato que teria sido praticado pelo Ilmº. Sr. DELEGADO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL EM RECIFE/PE e pelo Ilmo. Sr. SUPERINTENDENTE DA SUPERINTENDÊNCIA REGIONAL DA SECRETARIA DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL – 4ª REGIÃO FISCAL, integrantes da União, aduzindo, em síntese, que, por conta de sua atividade empresarial, estaria sujeita ao pagamento do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI; que, em virtude da edição da Medida Provisória nº 470/2009, teria optado pelo pagamento à vista dos débitos tributários vinculados aos Processos Administrativos nº s 13403.000140/2002-67 e 13403.000326/2003-05, relativos a compensações anteriormente efetuadas com a utilização do crédito prêmio do IPI, incentivo setorial previsto no art. 1º do Decreto nº 461/1969; que, para fins de adesão ao pagamento à vista previsto no art. 3º da mencionada Medida Provisória, apresentara à Receita Federal, em 26.11.2009, o “Pedido de Pagamento à Vista de Débitos”, a respectiva “Discriminação dos Débitos a Parcelar” e o “Pedido de Utilização de Créditos Decorrentes de Prejuízo Fiscal ou Base de Cálculo Negativa da CSLL”, ensejando a abertura do Processo Administrativo nº 13403.000366/2009-34; que também teria apresentado as cópias e os pedidos de desistência dos Processos Administrativos nºs 13403.000140/2002-67 e 13403.000326/2003-05, formulados em 02.05.2011; que, em 13.06.2011, teria sido intimada do despacho decisório, por meio do qual fora indeferido o “Pedido de Pagamento à Vista de Débitos”, sob a alegação de que não teria sido observada a formalidade prevista no artigo 7º, caput, da Portaria Conjunta PGFN/RFB nº 0009/2009, eis não teria apresentado o pedido de desistência dos Processos Administrativos nºs 13403.000140/2002-67 e 13403.000326/2003-05, até 30.11.2009; que, em 21.06.2011, teria interposto recurso administrativo contra referida decisão, ao qual foi dado parcial provimento, permitindo o pagamento à vista, nos termos da Medida Provisória em questão, apenas dos débitos vinculados ao Processo Administrativo nº 13403.000326/2003-05. Alegou que a Portaria Conjunta PGFN/RFB nº 09/2009 teria extrapolado os limites da legalidade, ao estabelecer uma condição para pagamento à vista do parcelamento instituído pela Medida Provisória nº 470/2009 a ser regulada; que a Administração só poderia atuar de acordo com o estabelecido expressamente pela lei; que, ao expedir um ato regulamentar, não poderia a Administração Pública inovar a ordem jurídica, impondo obrigações, condições ou limitações a direito de terceiros; que, nos termos do disposto nos artigos 152, 153 e 155-A do CTN, as condições relativas às moratórias e aos parcelamentos deveriam estar previstas em lei; que, ao realizar sua opção pelo pagamento à vista dos débitos tributários vinculados ao Processo nº 13403.000140/2002-67, com a formalização do Processo Administrativo nº 13403.000366/2009-34, teria promovido a confissão irrevogável e irretratável da dívida questionada; que tal manifestação equivaleria à confissão extrajudicial. Fez outros comentários. Transcreveu algumas decisões judiciais. Requereu a concessão de medida liminar, inaudita altera parte, para assegurar a imediata suspensão da exigibilidade do crédito tributário, consoante o art. 151, IV, do CTN, possibilitando realizar o pagamento dos débitos tributários vinculados ao Processo Administrativo nº 13403.000140/2002-67, nos termos dispostos no art. 3º, caput e § 2º, da Medida Provisória nº 470/2009, sem perquirir quanto à tempestividade do pedido de desistência de impugnações e recursos administrativos, para fins de adesão ao contido na mencionada Medida Provisória. Ao final, requereu: a notificação das Autoridades Coatoras; a ciência da União (Fazenda Nacional); a concessão da segurança definitiva, confirmando a liminar requerida. Deu valor à causa. Pediu deferimento. Instruiu a Inicial com cópia de instrumento de procuração, substabelecimento, documentos e comprovante de recolhimento de custas (fls. 19/249).
Às fls. 251/251-vº, ficou determinado que o pedido de concessão da medida liminar seria apreciado após as informações.
A União manifestou seu interesse no feito (fl. 258).
Notificado, o SUPERINTENDENTE DA SUPERINTENDÊNCIA REGIONAL DA SECRETARIA DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL – 4ª REGIÃO FISCAL apresentou suas Informações, às fls. 260/266, sustentando que o benefício contido no art. 3º da Medida Provisória nº 470/2009, encerraria a hipótese de recolhimento à vista ou de parcelamento com remissão parcial de tributos e anistia total ou parcial de penalidades; que, para a consecução do pagamento à vista ou do parcelamento, o legislador também teria facultado a utilização de saldos de prejuízo fiscal ou de base de cálculo negativa relativa à Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL; que caberia ao optante a apresentação de pedido de parcelamento, ou de pagamento à vista, com discriminação dos débitos sujeitos ao benefício em tela; que o Impetrante teria optado pelo pagamento à vista, mediante quitação pela sistemática de utilização do prejuízo fiscal; que um dos processos administrativos, em que o Impetrante pleiteara o ressarcimento e compensação dos supostos créditos-prêmio do IPI, estaria sendo apreciado pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF, em sede de recurso voluntário; que, relativamente ao processo administrativo nº 13403.000326/2003-05, os débitos decorrentes da utilização indevida dos supostos créditos-prêmio de IPI da Impetrante teriam sido considerados como insuscetíveis de serem beneficiados pelo disposto na Medida Provisória nº 470/2009, em face da não apresentação de tempestiva declaração  de desistência recursal, em concordância com o disposto no art. 7º da Portaria PGFN/RFB nº 9, de 2009; que a Medida Provisória nº 470/ 2009, autorizaria a fruição do benefício apenas mediante o pagamento ou parcelamento até o dia 30 de novembro de 2009; que, enquanto persistisse alguma das situações descritas no art. 151 do CTN, seria vedado ao sujeito ativo o poder de exigir o adimplemento dos débitos de responsabilidade do contribuinte; que a protocolização de desistência do recurso administrativo em data posterior à preconizada pela norma infralegal, se acatada, representaria a conformação da desigualdade de tratamento entre os contribuintes alcançados pelo benefício fiscal; que o regulamento seria modalidade de ato normativo subordinado à lei, sendo-lhe vedado dispor de forma contrária ao estabelecido no diploma legal referente; que a Constituição vedaria a imposição de obrigações primárias por intermédio de norma de nível inferior à lei; que a estipulação de obrigações secundárias pela via dos atos normativos infralegais afigurar-se-ia perfeitamente possível, desde que tais determinações não se revelassem inadequadas frente às disposições primárias estabelecidas em diploma legal. Teceu outros comentários. Ao final, pugnou pela denegação da segurança.
Notificado, o DELEGADO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL EM RECIFE (PE) apresentou Informações, às fls. 269/274, argumentando que o benefício contido no art. 3º da Medida Provisória nº 470/2009, encerraria a hipótese de recolhimento à vista ou de parcelamento com remissão parcial de tributos e anistia total ou parcial de penalidades; que, para a consecução do pagamento à vista ou do parcelamento, teria sido facultada a utilização de saldos de prejuízo fiscal ou de base de cálculo negativa relativa à Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL; que o contribuinte teria optado pelo pagamento à vista, mediante quitação pela sistemática de utilização do prejuízo fiscal; que um dos processos administrativos, em que a Impetrante pleiteara o ressarcimento e compensação dos supostos créditos-prêmio do IPI, estaria sendo apreciado pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais-CARF, em sede de recurso voluntário; que, relativamente ao processo administrativo nº 13403.000326/2003-05, os débitos decorrentes da utilização indevida dos supostos créditos-prêmio de IPI da Impetrante teriam sido considerados insuscetíveis de serem beneficiados pelo disposto na Medida Provisória nº 470/2009, em face da não apresentação de tempestiva declaração de desistência recursal, em concordância com o disposto no art. 7º da Portaria PGFN/RFB nº 9, de 2009; que referida Medida Provisória teria autorizado a fruição do benefício apenas mediante o “pagamento ou parcelamento até o dia 30 de novembro de 2009”; que a protocolização de desistência do recurso administrativo em data posterior à preconizada pela norma infralegal, se acatada, representaria a confirmação de desigualdade de tratamento, em detrimento dos demais contribuintes; que regulamento seria modalidade de ato normativo subordinado à lei, sendo-lhe vedado dispor de forma contrária ao estabelecido no diploma legal; que, no entanto, a estipulação de obrigações secundárias por intermédio de atos normativos infralegais afigurar-se-ia perfeitamente possível, desde que tais determinações não se revelassem inadequadas frente às disposições primárias estabelecidas em diploma legal; que o comando veiculado no caput do art. 7º da Portaria PGFN/RFB nº 9, de 2009, seria pertinente e necessário. Ao final, requereu a denegação da segurança pleiteada.
Às fls. 280/281-vº, restou concedida a liminar.
A Receita Federal informou que o processo 13403.000326/2003-05 teria sido incluído no parcelamento instituído pela Medida Provisória nº 470/2009; que o processo 13403.000140/2002-67 encontrar-se-ia no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), com sede em Brasília; que o CARF ainda não teria devolvido mencionado processo, apesar de assim solicitado (fl. 288). Juntou documentos (fls. 289/294).
À fl. 297, a União noticiou a interposição de Agravo de Instrumento, juntando cópia do referido recurso (fls. 298/307).
Mantida a decisão agravada (fl. 309).
O Ministério Público Federal ofereceu o r. Parecer de fls. 311/312, arguindo, em suma, que, não haveria interesse público, evidenciado pela natureza da lide e pela qualidade da parte, a justificar a intervenção ministerial nestes autos.
Vieram os autos conclusos para julgamento.
 É o Relatório. Passo a decidir.
 Fundamentação.
          1. Preliminarmente, constato que a Secretaria deste juízo não cumpriu, até a presente data, o determinado na alínea “a” da conclusão da decisão de fls. 280-282, no sentido de remeter o feito à Distribuição para autuar a UNIÃO no pólo passivo deste feito, uma vez que esta se integrou na demanda na petição de fl. 258. Logo, para que o feito tramita com regularidade, deve a Secretaria cumpri mencionada determinação, antes da publicação desta sentença.
 2. A questão cinge-se na alegação de ilegalidade do art. 7º da Portaria Conjunta PGFN/RFB nº 9, de 30.10.2009, segundo o qual os contribuintes só poderiam utilizar-se dos benefícios fiscais,  previstos na Medida Provisória nº 470/2009, se desistirem, expressamente e de forma irrevogável, da impugnação ou do recurso administrativo, e, ainda, teriam que renunciar ao direito em que se fundava a ação judicial proposta.
A Medida Provisória nº 470/2009 permitia que os contribuintes pagassem ou parcelassem dívidas tributárias, com inúmeras vantagens, tais como exclusão de multas e de juros, e com utilização de prejuízo fiscal e de base de cálculo negativa da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido próprio.
É o que se verifica na redação do seu art. 3º, verbis:
Art. 3o  Poderão ser pagos ou parcelados, até 30 de novembro de 2009, os débitos decorrentes do aproveitamento indevido do incentivo fiscal setorial instituído pelo art. 1o do Decreto-Lei no 491, de 5 de março de 1969, e os oriundos da aquisição de matérias-primas, material de embalagem e produtos intermediários relacionados na Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados - TIPI, aprovada pelo Decreto no 6.006, de 28 de dezembro de 2006, com incidência de alíquota zero ou como não tributados - NT.
§ 1o  Os débitos de que trata o caput deste artigo poderão ser pagos ou parcelados em até doze prestações mensais com redução de cem por cento das multas de mora e de ofício, de noventa por cento das multas isoladas, de noventa por cento dos juros de mora e de cem por cento do valor do encargo legal.
§ 2o  As pessoas jurídicas que optarem pelo pagamento ou parcelamento nos termos deste artigo poderão liquidar os valores correspondentes aos débitos, inclusive multas e juros, com a utilização de prejuízo fiscal e de base de cálculo negativa da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido próprios, passíveis de compensação, na forma da legislação vigente, relativos aos períodos de apuração encerrados até a publicação desta Medida Provisória, devidamente declarados à Secretaria da Receita Federal do Brasil.
§ 3o  Na hipótese do § 2o deste artigo, o valor a ser utilizado será determinado mediante a aplicação sobre o montante do prejuízo fiscal e da base de cálculo negativa das alíquotas de vinte e cinco por cento e nove por cento, respectivamente.
§ 4o  A opção pela extinção do crédito tributário na forma deste artigo não exclui a possibilidade de adesão ao parcelamento previsto na Lei no 11.941, de 27 de maio de 2009.
2.1)  Antes de tudo cabe analisar se o pleito administrativo da ora Impetrante encontrava-se sob o pálio da Medida Provisória 470, de 2009[1],  porque o prazo, para tanto, conforme art. 3º desse ato legal, acima transcrito, era 30 de novembro de 2009.
A Impetrante, na peça inicial, alega que protocolou o seu pedido, na via administrativa, em 26.11.2009, pleito esse que teria dado origem ao processo administrativo nº 13403.000.366/2009-34.
Esse fato foi confirmado pela Autoridade apontada como coatora(v. fl. 261 dos autos).
Então, mencionado pleito administrativo teria que ter sido analisado à luz dessa Medida Provisória.
 2.2)  Alega ainda a Impetrante que houvera instruído o pleito com comprovante de cópias e pedido de desistência dos Processos Administrativos nºs 13403.000140/2002-67 e 13403.000326/2003-05.
O fato “pedido de desistência”, que teria instruído o pedido inicial, foi negado por mencionada Autoridade nas suas informações, segundo a qual a Impetrante só formulara esse pedido em 02.05.2011(fl. 261). E, diante dessa situação, continuou a Autoridade apontada como coatora, como esse pedido fora protocolado em data posterior a 30.11.2009, que era o prazo limite fixado no art. 7º da Portaria Conjunta PGFN/RFB nº 9, de 2009, o seu pleito fora indeferido na primeira instância administrativa, mas, na segunda instância, diante de recurso administrativo da ora Impetrante, admitiu-se a quitação da dívida relativa ao processo administrativo nº 13403.000326/2003-05, porque não já se encontrava pendente de análise recursal, mas a decisão de primeira instância fora mantida com relação à dívida do processo nº 13403.000140/2002-67.
A questão principal a ser decidida é se essa exigência da referida Portaria poderia criar mencionada exigência.
Note-se, desde já, que, mesmo não tendo a Impetrante, segundo a Autoridade apontada como coatora, cumprido essa exigência com relação aos dois processos administrativos, o julgador de segundo grau administrativo reconheceu o pleiteado direito da Impetrante relativamente a um dos processos administrativos, numa demonstração cabal de que o “pedido de desistência” não tinha nenhuma importância.  
 3. Não consta da Medida Provisória nº 470, de 13.10.2009, nenhuma regra limitando a utilização do benefício fiscal nela permitido a comprovação de desistência dos processos administrativos nos quais eram pleiteados créditos tributários.       
A única limitação era que o pleito fosse protocolado até 30 de novembro de 2009, limitação essa que, como acima demonstrado, foi rigidamente observada pela ora Impetrante.
Os atos normativos secundários, a exemplo das Portarias expedidas pelo Poder Executivo e por seus Órgãos, devem subordinar-se às Leis (e, no Brasil, Medida Provisória tem força de Lei Ordinária, conforme art. 62 e respectivos parágrafos da Constituição da República, com redação dada pela Emenda Constitucional nº 32), não podendo extrapolar os limites do poder regulamentar, sob pena de incorrer em flagrante ofensa ao princípio da legalidade.
Como se observa, a aludida Portaria inovou, trazendo regras limitadoras de direitos dos Contribuintes, e não no campo secundário, como alegado pela Autoridade apontada como coatora, mas na essência do direito, porque passou a obrigar o Contribuinte a desistir de processo administrativo, sem que essa exigência estivesse no ato legal, ou seja, na referida Medida Provisória, no que é inconstitucional, porque os Órgãos Administrativos que a expediram não tinham, nem têm competência constitucional para tanto.
A respeito desse assunto disserta CARVALHO FILHO, José dos Santos:
“Poder regulamentar, portanto, é a prerrogativa conferida à Administração Pública de editar atos gerais para complementar as leis e permitir a sua efetiva aplicação. A prerrogativa, registre-se, é apenas para complementar a lei; não pode, pois, a Administração alterá-la a pretexto de estar regulamentando. Se o fizer, cometerá abuso de poder regulamentar, invadindo a competência do Legislativo.[2]
Afinal, sobrepõe-se no nosso ordenamento jurídico, como verdadeiro dogma, o princípio da legalidade, segundo o qual ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de Lei(art. 5º-II da Constituição da República).
O art. 7º da mencionada Portaria, sem dúvida, limita direitos, ou seja, não veicula norma que busca apenas aclarar dispositivos da Lei, como alegado na manifestação da(s) Autoridade(s) Impetrada(s).
Ora, qualquer norma que limita direito finda também por alterar o núcleo obrigacional.
E nenhuma limitação de direito, tampouco alteração do núcleo obrigacional pode ser veiculada em atos normativos secundários, porque, no Brasil, desde nossa primeira Constituição, aquela de 1824, outorgada na época do Império,  Art. 179 - (...). Nenhum cidadão pode ser obrigado a fazer, ou deixar de fazer alguma cousa, senão em virtude da Lei”(mantida a redação originária, no  português da época)[3], regra principiológica essa hoje agasalhado no inciso II do art. 5º e, para o campo tributário, no inciso I do art. 150, todos da vigente Constituição da República Federativa do Brasil, sendo que no primeiro plano como garantia e direito individual constitucional.
Realmente, in casu, não poderia a Portaria Conjunta PGFN/RFB nº 9, de 30.10.2009, ter imposto limitação ao uso do benefício fiscal veiculado pela Medida Provisória nº 470/2009, até mesmo porque, caso não observada a limitação do noticiado ato administrativo, implicaria em obrigar a Impetrante a pagar os tributos em parcela maior que a admitida pela Medida Provisória, ferindo, assim, outra regra constitucional, o inciso I do art. 150 da vigente Constituição do Brasil, segundo o qual nenhum tributo poderá ser exigido ou majorado, senão por Lei.
E, como vimos, o julgador administrativo de segundo grau, relativamente a um dos processos administrativos, findou por ignorar a exigência em questão dessa Portaria, certamente por ter ciência da acima demonstrada estrutura constitucional do nosso sistema legislativo.
Tem-se, então, que a mencionada regra do referido ato administrativo não é apenas ilegal, mas inconstitucional, porque feriu diretamente regras da Constituição da República.  

          Conclusão:
 POSTO ISSO, incidenter tantum, declaro a inconstitucionalidade do art. 7º da Portaria Conjunta PGFN/RFB nº 9, de 30.10.2009, ratifico a decisão de fls. 280-281vº, na qual se concedeu medida liminar, julgo procedentes os pedidos desta ação mandamental, concedo a segurança definitiva, ficando a ora Impetrante autorizada a quitar suas dívidas tributárias, relativamente ao(s)processo(s) administrativo(s) indicado(s) na Petição Inicial, com os benefícios previstos na Medida Provisória nº 470/2009, e determinando-se que a Autoridade apontada como coatora observe esse direito, sob as penas do art. 26 da Lei nº 12.016, de 2009.
De ofício, submeto esta Sentença ao duplo grau de jurisdição.
Sem verba honorária (Lei nº 12.016/2009, art. 25[4]).
Dê-se ciência desta sentença à Autoridade apontada como coatora, na forma do art. 13 da Lei nº 12.016, de 2009, e à representação judicial da UNIÃO, encaminhando-lhe estes autos, conforme legislação especial que trata do assunto.  
Com urgência, remeta-se cópia desta sentença para os autos do Agravo de Instrumento noticiado nestes autos, aos cuidados do respectivo Excelentíssimo Senhor Desembargador Federal Relator, para os fins de direito.
 P. R. I.
 Recife, 09 de maio de 2012.

Francisco Alves dos Santos Júnior
               Juiz Federal, 2ª Vara-PE


[1] O prazo de vigência dessa Medida Provisória encerrou-se no dia 23 de março de 2010, mas os atos praticados enquanto vigia têm plena validade.

[2] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Editora Lumen Júris. 10ª ed. 2003, p. 38.

[3] Apud SANTOS JÚNIOR, Francisco Alves dos. Direito Tributário do Brasil: Aspectos Estruturais do Sistema Tributário Brasileiro. Volume I. Edição 2ª, revisada e aumentada, Olinda: Livro Rápido, 2010, p. 69.
[4] “Art. 25.  Não cabem, no processo de mandado de segurança, a interposição de embargos infringentes e a condenação ao pagamento dos honorários advocatícios, sem prejuízo da aplicação de sanções no caso de litigância de má-fé.” 

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