terça-feira, 24 de janeiro de 2012

A CAPITALIZAÇÃO DOS JUROS NO SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO SOB A ÓTICA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E DO GOVERNO LULA.




 Por Francisco Alves dos Santos Júnior


Introdução

Os Mutuários do sistema financeiro da habitação-SFH litigaram com os Bancos, por muito tempo, tentando afastar a capitalização dos juros nos financiamentos de imóveis pelo mencionado sistema.

          Neste pequeno artigo procuramos fazer uma breve retomada histórica do assunto e mostrar como se encontra atualmente. 

Aspectos Legais dos Juros nos Contratos do Sistema Financeiro da Habitação e a Capitalização de Juros

1. Os juros dos contratos vinculados ao Sistema Financeiro da Habitação-SFH, incidentes sobre o saldo devedor, foram limitados, inicialmente, em 10%(dez por cento)ao ano, conforme alínea “c” do art. 6º da Lei nº 4.380, de 1964.

Esse percentual máximo foi majorado para 12% em 1993, pela Lei nº 8.692/93, art. 25.

2. Mas a capitalização de juros[1] para esse tipo de contrato, cujas prestações são fixadas, regra geral, em parcelas mensais, nunca tinha sido autorizada por Lei.

O vetusto Decreto nº 22.626, de 1933, conhecido por Lei da Usura, veiculador de regras gerais sobre o assunto, estabelecia, no seu art. 4º(veremos, no final, que não mais subsiste), não poder haver capitalização de juros nos contratos cujas prestações tivessem prazo inferior a um ano.

E nesse sentido sempre foi o entendimento do Supremo Tribunal Federal, que até sumulou sua jurisprudência: Súmula 121 – “É vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada”.

Mesmo depois do advento da Lei nº 4.595, de 1964, que reformou todo o sistema bancário brasileiro, não se admitiu capitalização de juros para contratos com prestações de prazo inferior a um ano. O que essa Lei liberou, para as Instituições Financeiras, foi o percentual de juros, no sentido de que poderia ser superior aos 12%(doze por cento) fixados no referido Decreto nº 22.626, de 1933,  e nesse sentido também se posicionou referida Suprema Corte em diversos julgados, que deram origem à Súmula 596: “As disposições do Decreto nº 22.626, de 1993[2], não se aplicam às Taxas[3] de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por Instituições Públicas ou Privadas, que integram o sistema financeiro nacional”(sic).  

O art. 5º da Medida Provisória nº 1.963-17, de 2000(substituída atualmente pela Medida Provisória nº 2.170-36, 23.08.2001, que continua em vigor por força do art. 2º da Emenda Constitucional nº 32, de 2001)autorizou a capitalização de juros, para contratos com prazo inferior a um ano, mas essa regra tem caráter geral, de forma que não poderia ser aplicada aos contratos do Sistema Financeiro da Habitação-SFH,que são regidos por regras específicas.

Como se sabe, a regra geral não modifica, nem substitui a regra específica.

 A capitalização de juros nos contratos do sistema financeiro da habitação só passou a ser possível após o advento da Lei nº 11.977, de 07.07.2009, assinada pelo então Presidente da República em Exercício, Sr. José de Alencar Gomes da Silva[4], em decorrência de uma das muitas viagens feitas pelo então Presidente Luis Inácio Lula da Silva, cujo art. 75 alterou vários dispositivos da Lei nº 4.380, de 1964, que trata do sistema financeiro da habitação, dando ao seu art. 15-A a redação que segue:

                  Art. 75. A Lei no 4.380, de 21 de agosto de 1964, passa a vigorar com    as     seguintes alterações:

                    Art 8º - (...).

                     Art. 15-A.  É permitida a pactuação de capitalização de juros com periodicidade mensal nas operações realizadas pelas entidades integrantes do Sistema Financeiro da Habitação - SFH. 

                  § 1o  (...).
                                     
§ 2o  (...).” 

            Fácil concluir, pois, que antes da Lei por último citada não poderia haver previsão de  capitalização de juros nos contratos de financiamento de imóveis pelo Sistema Financeiro da Habitação-SFH.

          No E. Superior Tribunal de Justiça

         1. O E. Superior Tribunal de Justiça, criado na Constituição da República de 1988, que se autodenomina, no seu sítio da internet(www.stj.jus.br)“O Tribunal da cidadania”, findou por firmar, por sua 2ª Seção, o entendimento de que  a alínea “c” do art. 6º da Lei nº 4.380, de 1964, não estabeleceria a limitação da taxa de juros em 10%(dez por cento)ao ano, mas apenas disporia sobre as condições para aplicação do reajustamento previsto no seu art. 5º.  

          Várias Turmas desse Tribunal, que vinham decidindo no sentido de que essa limitação dos juros para os contratos desse sistema era legítima, depois do noticiado julgado da sua 2ª Seção(composta de Turmas), passaram a adotar este entendimento, ou seja, que os Agentes Financeiros(os Bancos)não se submeteriam a essa limitação.

         2. Essa mesma 2ª Seção desse Tribunal, no julgamento do Recurso Especial nº 1.070.297, em setembro de 2009, concluiu que não caberia a capitalização de juros nos contratos do sistema financeiro da habitação. Mas, nesse mesmo julgado, negou-se a examinar se teria havido ou não, no caso concreto, essa capitalização, verbis: “No entanto, não cabe ao STJ verificar se há capitalização de juros com a utilização da Tabela Price, por exigir reexame de fatos, provas e análise de cláusula contratual.”.

          E já há pelo menos um julgado de uma das Turmas desse Tribunal, no qual, com relação à capitalização dos juros, o referido entendimento da sua 2ª Seção, não foi adotado, verbis:

                   "REsp nº. 726.905-PE(2005/0028967-3).
Rel. Min. Humberto Gomes de Barros
Recorrente: Caixa Econômica Federal
Recorrido: Mar de Skorpios Incorporações Ltda
(...).
A jurisprudência proclama que, apenas, nos contratos bancários celebrados a partir de 31.03.2000[5], data da publicação da MP 1.963-17[6], atualmente reeditada sob o nº. 2.170—36/2000, incide a capitalização mensal, desde que pactuada(RESP 603.643/Pádua, REsp 629.487/Fernando Gonçalves).
Vê-se às fls. 35/39 que o contrato foi celebrado em 13.07.2000.
Dou provimento ao recurso(art. 557, 1º-A, CPC), para permitir a capitalização mensal de juros.
Honorários e despesas proporcionais(ARt. 21, CPC), a serem apuradas em processo de liquidação. Ressalvado o disposto no art. 12 da Lei 1.060/50.
Brasília(DF), 18 de março de 2005”.[7]
E notem que o julgado por último referido é bem anterior à Lei nº 11.977, de 2009, que foi a Lei da era Lula que, pela primeira vez, de forma expressa, autorizou a capitalização dos juros nos contratos do sistema financeiro da habitação.

         Ora, é elementar que as disposições dessa Lei, nesse particular, só podem ser aplicadas para contratos que tenham sido firmados depois da sua entrada em vigor.

         No entanto, como demonstrado, pelo menos em um julgado não foi esse o entendimento de alguns Ministros do E. Superior Tribunal de Justiça, que se intitula “O Tribunal da Cidadania”.  

        Conclusão

        Apenas depois da Lei nº 11.977, de 07.07.2009, assinada, na qualidade de Presidente da República em Exercício, pelo Sr. José de Alencar Gomes da Silva, em pleno governo Lula, que se dizia “governo dos trabalhadores”, é que passou a ser permitida a capitalização de juros nos contratos do sistema financeiro da habitação-SFH, mesmo que o prazo para pagamento das respectivas parcelas seja inferior a um ano, vale dizer, mesmo que o prazo seja mensal, de forma que se pode dizer que, nesse particular, o vetusto Decreto nº 22.626, de 1933, da época do regime Vargas,  encontra-se definitivamente derrogado.

      Recife, 24 de janeiro de 2012.

                                                               x.x.x.x.x.x


[1] Conhecida também por anatocismo, e que consiste na incidência de juros sobre juros.
[2] No ano de 1933, estávamos sob a ditadura de Getúlio Vargas, quando então o Presidente da República podia fazer Decretos com força de Lei, por isso esse Decreto nº 22.626, daquele ano, tem força de Lei e só por Lei pode ser alterado.
[3] No sentido de percentual. Como se sabe, taxa, no direito brasileiro, é um tipo de tributo(v. art. 5º do Código Tributário Nacional, instituído pela Lei nº 5.172, de 1966, e o art. 145-II da atual Constituição da República), logo, data maxima  venia,  foi utilizada de forma imprópria pelo Ministro do .Supremo Tribunal Federal que redigiu referida Súmula 596. 
[4] Já falecido. Esse Senhor, embora sendo vice-presidente do então Presidente Luis Inácio Lula da Silva, costumava esbravejar na televisão e na imprensa escrita contra o que denominava de “altas taxas de juros”, praticadas pelo mencionado governo e pelos Bancos públicos e privados. Mas, incoerentemente, num dos poucos períodos em que ocupou a presidência da república, em uma das muitas viagens internacionais do então Presidente Lula, colaborou para o aumento da carga de juros, assinando essa Lei. Que Deus o perdoe por essa maldade feita aos Mutuários do Sistema Financeiro da Habitação-SFH brasileiro. 
[5] Na verdade, do ano 2001.
[6] Do ano 2000.
[7] Diário da Jutiça da União-DJU de 14.04.2005, transitou em julgado em 19.04.2005. Processo nº. 2002.83.00.006603-2, 2ª Vara-PE, Autora: Mar de Skorpios Incorporações Ltda. Ré: Caixa Econômica Federal.

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