terça-feira, 2 de agosto de 2011

HOMOAFETIVIDADE: DIREITO À PENSÃO PREVIDENCIÁRIA.

Segue sentença que analisa o direito à pensão previdenciária estatutária post morten de uma mulher homossexual, cuja companheira, que faleceu, era Servidora Pública Federal.  Na sentença, constata-se a ausência de regra expressa, constitucional ou legal, reconhecendo esse direito, mas nela segue-se orientação que vem sendo firmada nos Tribunais Regionais Federais, no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Federal, dando à(ao) homessexual supérstite o direito à pensão.

Obs.: Sentença minutada por Élbia Lidice Spenser.

Boa leitura.



PODER JUDICIÁRIO

JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
Seção Judiciária de Pernambuco
2ª VARA




Juiz Federal: Francisco Alves dos Santos Júnior
Processo nº 0020109-73.2009.4.05.8300 - Classe 29 - Ação Ordinária
Autora: M. E. R. P.
Adv.: V. M. de M. G. – OAB/PE ...
Ré: União Federal
Advogado(a) da União





Registro nº ...........................................
Certifico que registrei esta Sentença às fls..........
Recife, ...../...../2011.



Sentença tipo A


EMENTA: CONSTITUCIONAL E PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. SERVIDORA PÚBLICA FEDERAL. UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA. POSSIBILIDADE.
- Princípios fundamentais da dignidade da pessoa humana, da liberdade, de igualdade, da não-discriminação.
- Assiste direito à pensão por morte à companheira homossexual, uma vez que a legislação aplicável aos servidores públicos federais prevê a concessão de pensão por morte ao cônjuge.
- Precedentes judiciais.
- Procedência.

Vistos etc.

MARIA EDIZIA RODRIGUES PEREIRA, qualificada na Inicial, propôs, em 18.12.2009, esta “Ação Ordinária Constitutiva de Direito”, contra a União, requerendo preliminarmente a concessão dos benefícios da Lei nº 10.741/2003, bem como a observância do instituto jurídico do segredo de justiça. Aduziu, em síntese, que conhecera a Sra. Leônia Alves de Sobral em 1979, quando, a partir de então, teriam passado a conviver maritalmente, mantendo uma união estável homoafetiva; que a Autora e a Sra. Leônia Alves de Sobral teriam ajuizado, perante a 1ª Vara de Família e Registro Civil da Comarca de Caruaru (PE), uma ação (nº 2008.5499-3) com vistas a obter declaração judicial de união homoafetiva; que a Sra. Leônia teria falecido em 04/08/2008; que a nova ordem jurídica institucional, inaugurada com a atual Constituição da República, não permitiria qualquer tipo de preconceito ou discriminação; que, segundo a jurisprudência pátria, seria possível pleitear-se o recebimento de pensão por morte da companheira homoafetiva; que, nos termos do disposto no § 3º, do art. 226, da Constituição da República, a união estável seria reconhecida como entidade familiar a ser tutelada pelo Estado; que, como corolário do princípio da igualdade, não haveria que se falar em exclusão da pensão por morte por motivo de sexo, classe, função social ou qualquer outro meio discriminatório. Invocou decisões judiciais. Teceu outros comentários. Discorreu sobre o cabimento da antecipação dos efeitos da tutela ao caso. Ao final, requereu: a citação da União; a concessão dos benefícios da justiça gratuita; a procedência dos pedidos para condenar a União a conceder à Autora a pensão por morte gerada pelo falecimento da servidora pública federal , Sra. Leônia Alves de Sobral; a condenação da Ré ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios; a aplicação de efeitos ex tunc, de modo a reconhecer o direito ao recebimento dos atrasados, com juros, multas e reajustes pertinentes. Fez protestos de estilo. Deu valor à causa. Pediu deferimento. Instruiu a Inicial com instrumento de procuração e documentos (fls. 19/74).

Deferidos os benefícios da justiça gratuita em r.decisão de fls. 75/76, na qual restou determinado que a Autora procedesse à quantificação do valor econômico pretendido.

A Autora emendou a Inicial (fls. 78/79).

Em decisão de fls. 82/83, foram deferidos os pedidos de prioridade na tramitação do feito e de submissão ao segredo de justiça, sendo indeferido, porém, o pedido de antecipação dos efeitos da tutela.

Citada, a União apresentou Contestação, às fls. 88/95-vº, suscitando preliminarmente a impossibilidade jurídica do pedido e a incompetência da Justiça Federal para reconhecimento do instituto da convivência. No mérito, argumentou que não existia qualquer prova dos fatos alegados pela Autora; que a Lei nº 8.112/90 estabeleceria em seu artigo 227 os beneficiários das pensões; que teria direito à pensão por morte aquele que comprovasse ter vivido em união estável com servidor público, com o intuito de constituir família; que a Constituição da República, ao tratar da família, conceituaria como união estável aquela vivida por um homem e uma mulher; que o ordenamento jurídico pátrio não teria angariado no rol de entidades familiares a união homoafetiva; que a conduta da Administração estaria em harmonia com o disposto no ordenamento constitucional; que a pretensão autoral não deveria ser acolhida; que não estaria comprovada a pretensa união estável entre a autora e a falecida servidora; que a falecida não teria designado administrativamente a Autora como companheira; que não teria restado comprovada a dependência econômica; que não haveria direito à percepção de parcelas vencidas; que, na eventualidade de a União ser condenada a conceder a pensão pleiteada, só deveria incidir juros de mora a partir da citação, conforme disposto no art. 1º-F, da Lei nº 9.494/1997. Fez outros comentários, Ao final, requereu: o acolhimento das preliminares levantadas; a improcedência dos pedidos formulados na Inicial; a observância do contido no art. 1º-F, da Lei nº 9.494/1997; a condenação da Autora ao pagamento de custas e honorários advocatícios. Protestou o de costume. Pediu deferimento. Juntou documentos (fls. 96/97).

A Autora apresentou Réplica, às fls. 101/114, rebatendo os argumentos da Defesa e reiterando os termos da Inicial.

Às fls. 116/117, a Autora requereu a juntada de cópia de documentos (fls. 118/125).

Rejeitadas as preliminares suscitadas pela União, em decisão de fls. 126/126-vº, na qual foi designada a realização de audiência de instrução e julgamento.

Audiência de instrução e julgamento realizada, conforme respectivo termo de fls. 143/145.

À fl. 146, determinada a suspensão do feito, em razão da reconhecida relação de prejudicialidade havida com a ação de declaração de união homoafetiva, em tramitação na 1ª Vara de Família e Registro Civil da Comarca de Caruaru (PE).

À fl. 149, a Autora requereu a juntada de cópia da r. Sentença prolatada nos autos da mencionada ação nº 2008.5499-3 (fls. 150/156).

Instada a comprovar o trânsito em julgado da referida r. Sentença (fl. 157), a Autora juntou cópia de certidão (fl. 160).

Vieram os autos conclusos para sentença.

É o Relatório.

Passo a decidir.

Fundamentação

1. A Autora pretende a concessão de pensão por morte de sua ex-companheira, Sra. L. A. de S., ex-servidora do Ministério da Saúde.

A condição de servidora aposentada da falecida está demonstrada no contracheque apresentado à fl.24.

O evento morte está certificado na certidão de óbito juntada (fl. 40).

A união homoafetiva entre a Autora e a falecida servidora da União foi efetivamente reconhecida na r. Sentença prolatada nos autos da “Ação Declaratória de União Homoafetiva c/c Tutela Antecipada”, cuja cópia repousa às fls. 150/156, que tramitou na 1ª Vara de Família e Registro Civil da Comarca de Caruaru (PE).

Mencionada r. Sentença transitou em julgado (conforme certidão de fl. 160), de modo que resta despicienda qualquer discussão acerca do reconhecimento da relação homoafetiva mantida entre a Autora e a falecida Sra. Leônia Alves de Sobral.

O art. 217, da Lei nº 8.112/90, traz o elenco dos beneficiários das pensões regidas pelo Estatuto dos servidores, na qualidade de dependentes do segurado, in verbis:
         
       
         "Art. 217. São beneficiários das pensões:I - vitalícia: a) o cônjuge; b) a pessoa desquitada, separada judicialmente ou divorciada, com percepção de pensão alimentícia; c) o companheiro ou companheira designado que comprove união estável como entidade familiar; d) a mãe e o pai que comprovem dependência econômica do servidor; e) a pessoa designada, maior de 60 (sessenta) anos e a pessoa portadora de deficiência, que vivam sob a dependência econômica do servidor. II – temporária: a) os filhos, ou enteados, até 21 (vinte e um) anos de idade, ou, se   inválidos, enquanto durar a invalidez;  b) o menor sob guarda ou tutela até 21 (vinte e um) anos de idade;  c) o irmão órfão, até 21 (vinte e um) anos, e o inválido, enquanto durar a invalidez, que comprovem dependência econômica do servidor; d) a pessoa designada que viva na dependência econômica do servidor, até 21 (vinte e um) anos, ou se inválida, enquanto durar a invalidez. (G.N.)."

Conforme se observa no dispositivo legal supra transcrito, não há qualquer referência expressa à possibilidade de pensão por morte por casal homossexual.

Todavia, em obediência aos princípios norteadores da Constituição Federal, tais como os da dignidade da pessoa humana, da liberdade, da igualdade, do pluralismo, da intimidade, da não-discriminação e da promoção do bem de todos, referida omissão legislativa não implica óbice ao reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo.

Ademais, o art. 3º, IV, da Constituição da República[1], consagra o princípio da não-discriminação, possibilitando o Poder Judiciário observar tal diretriz na interpretação e aplicação do direito ao caso concreto.

Otrossim, não merece acolhida o argumento sustentado pela União, no sentido de que não teria havido designação expressa da companheira como beneficiária da servidora ora falecida.

É que, mesmo na união estável entre pessoas de sexos diferentes, a falta dessa designação não impede a concessão da pensão e nesse sentido há inúmeros precedentes do E. Superior Tribunal de Justiça.

Igualmente merece ser rechaçado o argumento da União de que o texto constitucional, ao tratar da família, conceituaria como união estável aquela vivida por um homem e uma mulher.

O direito deve ser aplicado à luz de diversos preceitos constitucionais e não apenas cingindo-se à interpretação literal do art. 226, § 3º, da Constituição da República.

Decerto o legislador constituinte não intentou excluir os relacionamentos homoafetivos, devendo, pois, tal lacuna ser preenchida a partir de outras fontes do direito.

Nesse vácuo normativo, o aplicador deve buscar apoio na hermenêutica, lançando mão da analogia e recorrendo aos princípios constitucionais, dentre eles o da máxima efetividade dos direitos fundamentais.

Ora, a aceitação das uniões homossexuais é um fenômeno mundial, abarcando o alargamento da compreensão do conceito de família dentro das regras existentes, mediante o reconhecimento de novas realidades nas relações interpessoais. E, quanto a isso, não pode o Judiciário fechar-se às transformações sociais, as quais, no mais das vezes, pela própria dinâmica, antecipam-se às modificações legislativas.

E nesse sentido, decidiu o C. Supremo Tribunal Federal brasileiro, quando do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.277/DF, tendo por relator o Ministro Ayres Britto.

Assim, exsurge inafastável o reconhecimento do direito personalíssimo à orientação sexual, de modo a proclamar a legitimidade ético-jurídica da união homoafetiva como entidade familiar.

Na esteira desse entendimento, é que há de se reconhecer o direito à pensão por morte instituída por servidor falecido, também nas relações homoafetivas.

Insta salientar, ainda, que entendimento análogo vem sendo adotado no âmbito do Regime Geral da Previdência Social.

Ora, considerando reconhecida a possibilidade de existência de união estável nas relações homoafetivas; considerando que a relação de companheirismo entre a Autora e a de cujus restou configurada, é de se enquadrar a Autora na hipótese contemplada no art. 217, I, c, da Lei nº 8.112/90, assegurando seu direito à percepção de benefício de pensão por morte.

Nesse mesmo sentido, a jurisprudência pátria é assente, conforme arestos abaixo colacionados:
 "CONSTITUCIONAL E PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE DE SERVIDOR. RELAÇÃO HOMOAFETIVA. POSSIBILIDADE. ART. 3º, IV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. APLICAÇÃO. INTELIGÊNCIA DO ART. 17, I, "C", DA LEI Nº 8.112/90. 1. Havendo nos autos provas de sobejo na direção da constatação de que o requerente viveu em união homoafetiva com o ex-servidor falecido, durante mais de cinqüenta anos, coabitando no mesmo endereço, mantendo cartão de crédito e conta bancária conjunta, além de se apresentarem no convívio social, assumindo publicamente a condição de companheiros, é de ser reconhecida a união estável, nos termos da Lei Maior e da 8.112/90. 2. A lei, só por si, não extingue comportamentos racistas, preconceituosos, discriminatórios ou mesmo criminosos, nece ssitando, antes, de uma conscientização da coletividade sobre serem odiosas as condutas assim tipificadas. Não é a falta de uma lei específica sobre o reconhecimento das uniões homoafetivas que vai alijar o requerente do seu direito de obter, comprovados os requisitos objetivos da união (convivência, relação amorosa, dependência econômica e publicidade da condição), o reconhecimento da existência de uma união estável propiciadora da pensão por morte requestada. 3. Ademais, o art. 3º, IV, da Constituição Federal, consagra o princípio da não-discriminação, impondo ao legislador ordinário a necessidade de obediência a tal preceito por ocasião de sua atuação legiferante, e possibilitando ao Poder Judiciário a observação dessa diretriz na interpretação e aplicação do direito posto no caso concreto. 5. Assim, a correta inteligência do art. 217, I, "c", da Lei nº 8.112/90 há de ser compreendida no sentido de que também nas relações homoafetivas existe o direito à pensão por morte instituída pelo servidor falecido. 6. Apelação desprovida. 7. Remessa oficial parcialmente provida.
(AC 200238000438312, DESEMBARGADORA FEDERAL NEUZA MARIA ALVES DA SILVA, TRF1 - SEGUNDA TURMA, 19/01/2007) (G.N.)"
"SERVIDOR. UNIÃO HOMOAFETIVA. PENSÃO. POSSIBILIDADE. DESIGNAÇÃO. DESNECESSIDADE. COMPROVAÇÃO DA CONVIVÊNCIA E DA DEPENDÊNCIA ECONÔMICA. COMPETÊNCIA RELATIVA. DOMICÍLIO DA AUTORA. - O tema da possibilidade de a união homoafetiva gerar o direito à pensão por morte de servidor público é polêmico. De todo modo, em face dos indicativos do STJ e do STF, que tangenciaram o tema, a despeito da ausência de previsão legal, não caberia, no caso, a negativa da pensão estatutária à companheira de servidora pública. O tratamento deve ser igual ao da união de pessoas de sexo diferente. - Competência da Seção Judiciária do Rio de Janeiro para processar e julgar o feito em razão do domicílio da Autora. - M esmo na união estável (união entre pessoas de sexos diferentes), a falta de designação expressa do companheiro como beneficiário do servidor não impede a concessão de pensão. Há inúmeros precedentes desta Corte neste sentido, e nada autorizaria solução diversa para o caso da união homoafetiva. Ademais, a prova dos autos não deixa dúvida da convivência entre a Autora e a servidora falecida, e da dependência econômica daquela em relação a esta. Correta, pois, a sentença, que julgou procedente o pedido, para determinar o pagamento da pensão por morte. - Agravo retido, remessa necessária e apelação desprovidos.
(APELRE 200751018000786, Desembargador Federal GUILHERME COUTO, TRF2 - SEXTA TURMA ESPECIALIZADA, 12/04/2010) (G.N.)"
"ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL - SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL - DIREITO À PENSÃO POR MORTE DO COMPANHEIRO HOMOSSEXUAL - POSSIBILIDADE - INTERPRETAÇÃO À LUZ DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA IGUALDADE, DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA PROMOÇÃO DO BEM DE TODOS - PREENCHIMENTOS DOS MESMOS REQUISITOS EXIGIDOS NOS CASOS DE PARCEIROS DE SEXOS DIVERSOS - ART. 217 E SEGUINTES DA LEI 8112/90 - TERMO "A QUO" - JUROS DE MORA - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - RECURSO ADESIVO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA PARTE, PREJUDICADO - RECURSO DO CEFET E REMESSA OFICIAL IMPROVIDOS. 1. A inexistência de regra que contemple a hipótese de obtenção de pensão vitalícia por companheiro homossexual de servidor falecido não obsta o reconhecimento do seu direito em obediência aos prin cípios norteadores da Constituição Federal, que consagram a igualdade, a dignidade da pessoa humana e a promoção do bem de todos, em detrimento da discriminação preconceituosa. 2. O princípio jurídico da igualdade é, a um só tempo, vetor interpretativo e conteúdo para leis e normas produzidas em um estado democrático de direito como o Brasil. 3. A igualdade deve ser compreendida em dois prismas: formal e material. A igualdade formal é a vedação de tratamentos discriminatórios por parte do legislador, especialmente, que deve ocupar-se de produzir leis que dispensem o mesmo tratamento jurídico em relação aos súditos deste país. Por sua vez, a igualdade material é aquela concebida como ideal, onde, no plano dos fatos, todos teriam asseguradas as mesmas condições materiais e oportunidades. 4. Na maioria das vezes, entretanto, o tratamento isonômico apenas formal mais acentua do que diminui as disparidades entre os cidadãos, razão por que há que se ob servar que, em determinadas situações, o tratamento diferenciado é o único meio de assegurar a igualdade material. 5. No caso em análise, não há razão para tratamento diferenciado. Não há correspondência com nenhum valor ou princípio constitucional. Ao contrário, o respeito aos princípios constitucionais da igualdade, da dignidade da pessoa humana e da promoção do bem de todos recomenda a inclusão dos companheiros homossexuais no rol das pessoas habilitadas à pensão vitalícia que estejam em situação idêntica às uniões estáveis entre homem e mulher. 6. E nisso não há qualquer ofensa ao princípio constitucional da legalidade, insculpido no art. 37, "caput", visto que, diante das lacunas do ordenamento jurídico, decorrentes, como no caso, do descompasso entre a atividade legislativa e as rápidas transformações por que passa a sociedade, cabe ao Poder Judiciário, quando provocado, buscar a integração e ntre direito e realidade, embasando-se nos princípios gerais do Direito. 7. E a orientação sexual não pode ser obstáculo para o gozo de direitos fundamentais, assegurados pela Constituição Federal. O preceito constitucional que disciplina a união estável (artigo 226) deve ser interpretado de forma extensiva, incluindo relações homoafetivas, em homenagem ao princípio da máxima efetividade dos direitos fundamentais. 8. Para a concessão do benefício de pensão por morte de servidor a companheiro do mesmo sexo, portanto, devem ser preenchidos, por analogia e em homenagem aos princípios constitucionais da igualdade, da dignidade da pessoa humana e da promoção do bem de todos, bem como do princípio da máxima efetividade dos direitos fundamentais, os mesmos requisitos exigidos nos arts. 217 e seguintes da Lei 8112/90, para os casos de parceiros de sexos diversos. Precedentes (TRF2, AC nº 2002.51.01.019576-8 / RJ, 7ª Turma Esp., Relator Juiz Sérgio Schw aitzer, DJU 25/09/2007, pág. 478; TRF4, AC nº 2004.71.07.006747-6 / RS, 3ª Turma, Relatora Juíza Vânia Hack de Almeida, DE 31/01/2007; TRF4, AC nº 2003.71.00.052443-3 / RS, 3ª Turma, Relator Juiz Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, DJ 22/11/2006, pág. 455; TRF5, AC nº 2003.83.00.020194-8 / PE, 3ª Turma, Relator Desembargador Federal Élio Wanderley de Siqueira Filho, DJ 06/12/2006, pág. 623; TRF5, AC nº 2001.81.00.019494-3 / CE, 1ª Turma, Relator Desembargador Federal Ubaldo Ataíde Cavalcante, DJ 27/10/2006, pág. 1119; TRF5, AC nº 200.05.00.057989-2 / RN, 1ª Turma, Relatora Desembargadora Federal Margarida Cantarelli, DJ 13/03/2002, pág. 1163). 9. Entendimento análogo vem sendo adotado no âmbito do Regime Geral da Previdência Social - RGPS (TRF4, AC nº 2000.71.00.009347-0 / RS em Ação Civil Pública, 6ª Turma, Relator Desembargador Federal João Batista Pinto Silveira, DJ 10/08/2005, pág. 809; e Instrução Normativa INSS/DC nº 25, de 07/06/2000). 10. A exigência de designação, contida na alínea "c" inc. III do art. 217 da Lei 8112/90, tem o objetivo de facilitar a comprovação da vontade do servidor junto à administração, de modo que a sua ausência não impede a concessão do benefício, desde que confirmada essa vontade, como no caso dos autos, por outros meios idôneos de prova. 11. No caso, restando demonstrado, através de robusta prova documental e testemunhal, que o "de cujus" era servidor público federal e companheiro do autor, com quem conviveu de forma duradoura, pública, estável e contínua, e sendo presumida a sua dependência econômica, era de rigor a concessão da pensão por morte do servidor. 12. Considerando que o autor, na inicial, requereu a concessão da pensão a partir da citação (vide fl. 08, item "c"), não se conhece do recurso, no tocante ao termo "a quo" do benefício, vez que ausente o interesse em recorrer. 13. Os juros de mora são devidos a partir da citação, a teor do art. 405 do Código Civil de 2002, e à taxa de 6% ao ano, nos termos do art. 1º-F da Lei 9494/97, introduzido pela MP 2180-35, de 24/08/2001 14. Honorários advocatícios mantidos em 10% sobre o valor das prestações vencidas até a data do efetivo cumprimento da obrigação de fazer, corrigidas e acrescidas de juros de mora, vez que fixados nos termos do art. 20, § 3º, do CPC e em consonância com os julgados desta Colenda Quinta Turma. 15. Recurso adesivo parcialmente conhecido e, nessa parte, prejudicado. Recurso do CEFET e remessa oficial improvidos. Sentença mantida.(APELREE 200663010156752, JUIZA RAMZA TARTUCE, TRF3 - QUINTA TURMA, 28/04/2009) (G.N.)".
"CONSTITUCIONAL. PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. CONCESSÃO. COMPANHEIRO. UNIÃO HOMOSSEXUAL. REALIDADE FÁTICA. TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS. EVOLUÇÃO DO DIREITO. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DE IGUALDADE. ARTIGOS 3º, IV E 5º. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA PRESUMIDA. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. 1. A realidade social atual revela a existência de pessoas do mesmo sexo convivendo na condição de companheiros, como se casados fossem. 2. O vácuo normativo não pode ser considerado obstáculo intransponível para o reconhecimento de uma relação jurídica emergente de fato público e notório. 3. O princípio da igualdade consagrado na Constituição Federal de 1988, inscrito nos artigos 3º, IV, e 5º, aboliram definitivamente qualquer forma de discriminação. 4. A evolução do direito deve acompanhar as transformações sociais, a partir de casos concretos que configurem novas realidades nas relações interpessoais. 5. A dependência econômica do companheiro é presumida, nos termos do § 4º do art. 16 da Lei nº 8.213/91. 6. Estando comprovada a qualidade de segurado do de cujus na data do óbito, bem como a condição de dependente do autor, tem este o direito ao benefício de pensão por morte, o qual é devido desde a data do ajuizamento da ação, uma vez que o óbito ocorreu na vigência da Lei nº 9.528/97. 7. As parcelas vencidas deverão ser corrigidas monetariamente desde quando devidas, pelo IGP-DI (Medida Provisória nº 1.415/96). 8. Juros de mora de 6% ao ano, a contar da citação. 9. Honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da condena ção, nesta compreendidas as parcelas vencidas até a execução do julgado. 10. Apelações providas.
(TRF4, AC, processo 2000.04.01.073643-8, Sexta Turma, relator Nylson Paim de Abreu, publicado em 10/01/2001) (G.N.)".

"PENSÃO ESTATUTÁRIA – MORTE DE COMPANHEIRO HOMOSSEXUAL SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL – CARÊNCIA DA AÇÃO – IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO – INEXISTÊNCIA – INTEGRAÇÃO POR ANALOGIA – VEDAÇÃO LEGAL – INOCORRÊNCIA – RECONHECIMENTO DO DIREITO NO REGIME GERAL DA PREVIDÊNCIA – PRINCÍPIOS DA IGUALDADE E DA LIBERDADE INDIVIDUAL – PROIBIÇÃO CONSTITUCIONAL DE DISTINÇÃO EM RAZÃO DO SEXO – COMPROVAÇÃO DE DEPENDÊNCIA ECONÔMICA E VIDA EM COMUM – DEFERIMENTO – A inexistência de norma que regule situação fática socialmente reconhecida, mas que não encontra previsão legal no ordenamento, não se faz bastante para extinção do processo por impossibilidade jurídica do pedido, que, apenas, se caracterizaria na hipótese de expressa vedação da legislação ao deferimento da pretensão do litigante. É reconhecido pela doutrina o fato de que os ordenamentos jurídicos apresentam lacunas, que se tornam mais evidentes nos dias atuais, em virtude do descompasso entre a atividade legislativa e o célere processo de transformações por que passa a sociedade, de modo que cabe ao juiz, diante de controvérsias às quais falte a norma específica que se lhes aplique, buscar a integração entre direito e realidade, amparando-se nos princípios gerais do direito, e mormente, como é o caso, fazendo uso do método da analogia, evitando, assim, o non liquet. A legislação previdenciária aplicável aos servidores públicos, regida pela l. 8.112/90, prevê a concessão de pensão por morte ao cônjuge, companheiro do de cujus, sem qualquer vedação expressa a que estes sejam do mesmo sexo. O art. 226, § 3º, da CF, esgrimido pela autarquia apelante como norma proibitiva ao reconhecimento do direito à pensão em comento, cuida especificamente da família e das relações de casamento, não visando a regular matéria previdenciária que é tratada em capítulo próprio da lex mater. A CF erigiu o princípio da igualdade com postulado fundamental, com aplicação específica em relação à proteção referente a discriminações quanto ao gênero, consoante o disposto nos arts. 3º, IV, 5º, I, e 7º, XXX, todos da CF, sendo, por isso, vedadas distinções de qualquer natureza, em razão da opção sexual do indivíduo. O reconhecimento do direito à pensão previdenciária para companheiro(a) de homossexual, no RGPS, consubstanciado na in 25, de 7 de junho de 2000, editada pelo INSS, pode ser utilizada, por analogia, para a concessão de tal benefício aos servidores públicos federais, em homenagem ao princípio da isonomia. Exaustivamente comprovada pelo promovente, inclusive através de prova documental, a sua dependência econ ômica em relação ao de cujus, conseqüência direta do desfazimento de atividade comercial própria, em face do projeto de vida em comum, também cabalmente demonstrado. Preenchidas pelo autor, diversas das exigências constantes da Instrução Normativa suso mencionada, e sendo-lhe vedado materializar os demais itens, por obstrução do próprio poder público, que não admitiria a sua inscrição como dependente do de cujus, para efeitos fiscais e de dependência econômica, na ficha cadastral do órgão patronal, é de lhe ser concedido o direito à pensão requerida. A implantação do benefício deve ser retroativa à data do óbito, nos termos do art. 215, da l. 8.112/90, sendo mantidos os juros de mora à taxa de 0, 5% (meio por cento), a partir da citação, e os honorários em 10% (dez por cento) do valor da condenação.” (TRF 5ª R. – AC 238.842 – RN – 1ª T. – Relª Desª Fed. Margarida Cantarelli – DJU 13.03.2002) (G.N.)".

2. Antecipação da tutela

Evidenciada a verossimilhança das alegações da Autora, eis que fundadas em prova inequívoca, e, considerando a natureza alimentar da pensão por morte estatutária, merecem ser antecipados, em parte, os efeitos da tutela, no sentido de ser implantada a pensão por morte da Sra. Leônia Alves de Sobral, em favor da ora Autora.

Conclusão:

POSTO ISSO:

a) julgo procedentes os pedidos para condenar a União a conceder à Autora a pensão por morte de Leônia Alves de Sobral, com efeitos financeiros a partir da data do falecimento desta (05.08.2008), nos termos do art. 215, da Lei nº 8.112, de 11.12.1990[2];

b) condeno, ainda, a União ao pagamento dos atrasados desde a data do óbito da servidora, ex-companheira da ora Autora, sendo que as parcelas vencidas e ilíquidas serão apuradas na forma preconizada no art. 475-B do Código de Processo Civil e serão atualizadas a partir do mês seguinte ao da publicação desta sentença, pelos índices de correção monetária do Manual de Cálculos do Conselho da Justiça Federal e acrescidos de juros de mora legais, à razão de 0,5%(meio por cento) ao mês(art. 1º-F da Lei nº 9.494, de 1997, introduzido pela Medida Provisória nº 2.180-35, de 24.08.2001[3];

c) antecipo, em parte, os efeitos da tutela, para determinar que a União implante e passe a pagar à Autora a pensão por morte de Leônia Alves de Sobral, no prazo de 15 (quinze) dias, sob pena de pagar R$ 100,00 (cem reais) por dia de atraso;

d) condeno finalmente a União ao pagamento de honorários advocatícios, os quais arbitro em 10% (dez por cento) do valor total da condenação;

e) custas ex lege.

Sentença submetida ao duplo grau de jurisdição, sem efeito suspensivo quanto à antecipação da tutela.

P.R.I.

Recife, 25 de julho de 2011


Francisco Alves dos Santos Júnior
       Juiz Federal, 2ª Vara-PE

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[1] Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
(...)
IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
[2] Art. 215. Por morte do servidor, os dependentes fazem jus a uma pensão mensal de valor correspondente ao da respectiva remuneração ou provento, a partir da data do óbito, observado o limite estabelecido no art. 42.
[3] O C. STF, no Recurso Extraordinário n° 453749, entendeu que as dívidas judiciais decorrentes de verbas remuneratórias, devidas a servidores ou empregados públicos pela União, serão acrescidas de juros de mora de 6% ao ano, afirmando a constitucionalidade do art. l°-F da Lei n° 9.494/97.
“Art. 1o-F. Os juros de mora, nas condenações impostas à Fazenda Pública para pagamento de verbas remuneratórias devidas a servidores e empregados públicos, não poderão ultrapassar o percentual de seis por cento ao ano. (NR) (Artigo incluído pela Medida provisória nº 2.180-35, de 24.8.2001).”.






















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