sexta-feira, 5 de agosto de 2011

ERRO JUDICIÁRIO. PRISÃO ILEGAL DE ADVOGADO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS.

JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
Seção Judiciária de Pernambuco
2ª VARA




Juiz Federal: FRANCISCO ALVES DOS SANTOS JÚNIOR
Proc. nº 93.7563-2 Classe: 01000 AÇÃO ORDINÁRIA
Autor: G T A
Ré: UNIÃO FEDERAL



Sentença nº................
Fls...............




EMENTA: - CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ERRO JUDIDICÁRIO. DANO MORAL.
-O Estado-Juiz que prende advogado criminalista, com base em sentença cuja possibilidade de execução já estava prescrita, causa-lhe dano moral e por isso é obrigado a indenizá-lo.
-Procedência.




VISTOS ETC.

G T A, qualificado na inicial, propôs, em 03.09.93, perante o Juízo Federal da 7ª Vara/PE, a presente “AÇÃO ORDINÁRIA DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL” contra a UNIÃO FEDERAL. Alegou, em síntese, que teria sido processado perante o Juízo da 3ª Vara/PE, acusado de violação dos arts. 20, 23 e 40 da Lei de Imprensa, e, condenado às penas de 06(seis) meses de detenção; que não teria cometido crime, todavia teria sido condenado, e com o trânsito em julgado da decisão, teria sido concedido ao Autor o SURSIS, ao qual viria cumprindo, apesar de entender tratar-se de “processo prescrito”; que “de inopino” teria sido decretada sua prisão pelo MM Juiz A B A M e teria sido recolhido, sem que tivesse sido respeitada sua condição de Advogado, à Penitenciária Agrícola de Itamaracá, onde teria ficado preso entre os dias 04(quatro) e 16 (dezesseis) de fevereiro de 1991, e, após, na segunda oportunidade, entre os dias 07(sete) e 22(vinte e dois) do mês de maio do mesmo ano; que teria sido recolhido ao Presídio para cumprir uma pena que, no seu entender, seria inexistente, pois decorreria de uma ação prescrita, decorrente de “erro grosseiro e espírito único de vingança, do Juiz que ordenou a expedição dos Mandados de suas prisões: A B A M”; que o MM. Juiz Federal da 1ª Vara/PE teria decretado a prescrição da pretensão executiva do Estado, retroativamente, tendo sido posto em liberdade em 17/05/91; que ao lado do prejuízo material que o Autor afirma haver sofrido, eis que teria ficado sem exercer a advocacia, o gesto do mencionado MM Juiz Federal da 4ª Vara/PE, teria causado ao Autor extenso dano moral; que o Autor teria sido encarcerado em presídio comum por mero capricho e vingança pessoal do aludido MM Juiz Federal; que a ampla divulgação de sua prisão pela imprensa teria maculado o seu prestígio profissional, ante a circunstância de ser tido como um advogado criminalista que não conseguiria absolver a si mesmo; que pretende ser ressarcido pelo dano que teria sofrido, o “DANO MORAL PURO” que teria sido definido pelo E. STJ no Resp. nº 8.768; que seria essencial que se reconhecesse que a comprovação da prisão denominada ilegal e arbitrária havida contra o Autor, seria um fato público e notório; que as pessoas de direito público interno seriam civilmente responsáveis pelos danos que seus funcionários, nessa qualidade, causassem a terceiros; que o dano que teria sido causado ao Autor teria se tornado ainda maior, pois teria sido praticado de forma dolosa, com má-fé, premeditadamente, como forma de afirmação impulsionada pela vingança; que o mencionado MM Juiz Federal teria agido com dolo e má-fé pois teria ciência de que o Processo estaria Prescrito; que o MM. Juiz Federal teria agido com abuso de poder e sem imparcialidade; que o MM. Juiz Federal não poderia praticar o “abuso de autoridade” na determinação do cerceamento da liberdade individual do Autor, pois saberia que o Processo estaria Prescrito; que a Decisão proferida pelo MM. Juiz Federal da 1ª Vara/PE teria sido confirmada pelo E. TRF-5ª Região. Assim, aduziu que a presente ação seria de “INDENIZAÇÃO POR ATO ILÍCITO, AQUELE CAUSADOR DO GRAVE DANO MORAL”, requerendo, ao final: a citação da União Federal; a indenização no valor CR$10.000.000,00(dez milhões de cruzeiros reais), corrigido monetariamente, a partir do suposto cometimento do ato ilícito, considerando ser este o valor que o Autor atribui ao “DANO MORAL SOFRIDO”. Requereu, outrossim, a citação do Juiz A B A M, como Litisconsorte Passivo Necessário. Fez protestos de estilo, requerendo, ao final a procedência da “Ação” em todos os seus termos, condenando-se a UNIÃO FEDERAL no pagamento da indenização pedida, acrescida das custas processuais e honorários advocatícios. Deu valor à causa e p. deferimento.

Petição instruída com Instrumento de Procuração e documentos (fls. 13/46).

Comprovante de recolhimento das custas processuais (fls. 47-vº).

Citada(fls. 52-vº), a UNIÃO FEDERAL apresentou Contestação às fls. 54/62, alegando, em síntese, que o pedido seria improcedente; que a responsabilidade do Estado por ato judicial apenas seria admitida como exceção e nos casos expressamente previstos na Constituição/88 e nas leis; que com relação à responsabilidade do Estado, a Constituição/88 distinguiria distinguira, como regra, a responsabilidade objetiva por conduta da Administração(art. 37, §6º) e a exceção prevista em seu art. 5º, LXXV, o qual preveria a responsabilização do Estado por atos judiciais, conforme trecho doutrinário que transcreveu e aduziu que, na hipótese, não corresponderia a nenhuma das hipóteses previstas no art. 5º, LXXV da CR/88; que o erro judiciário, nos termos da Constituição/88, seria a injusta condenação criminal, ocasionada por negligência ou precipitação do julgador; que, no caso vertente, não se cogitaria de prisão decretada na fase executória do julgado, sem qualquer questionamento sobre a condenação; que o “erro indubitável” do despacho de fls. 545/551 do Processo nº 00.7459-4, que embasaria o pedido do Autor, jamais teria existido, pois tal despacho não teria declarado a prescrição da pretensão punitiva e sim da pretensão executória; que a outra hipótese prevista na CR/88 seria a da permanência na prisão por tempo superior ao previsto na sentença, todavia, o Autor teria sido condenado a oito meses de detenção e não teria ficado detido por mais do que vinte e sete dias, segundo afirmaria na Inicial; que a prisão do Autor teria decorrido de reiterado descumprimento das condições para a fruição do sursis, não permanecendo na prisão mais tempo do que o determinado na sentença; que, fora dessas duas hipóteses, inexistiria responsabilidade do Estado por ato judicial; que as outras hipóteses de prisão ilegal elencadas no Código Civil, arts. 1551, inciso III e art. 1552, não gerariam responsabilidade do Estado e sim da autoridade que a ordenou; que o Estado apenas se responsabilizaria nas hipóteses previstas na Constituição/88 às quais não corresponderiam ao caso em análise; que o dever de indenizar o dano em caso de erro judiciário ou permanência em prisão além do tempo fixado na condenação, não se trataria de responsabilidade objetiva e sim subjetiva, ou seja, dependente da prática culposa ou dolosa do ato judicial; que quanto a este aspecto, não apenas o magistrado como também todos os que atuaram no Processo Criminal nº 00.007459-4 teria se portado de maneira imparcial, equilibrada e com competência profissional que lhe seria própria; que a ordem de prisão teria decorrido do desrespeito do Autor às condições estabelecidas para a fruição do sursis, associado ao posicionamento do magistrado no sentido da inocorrência da prescrição, entendimento esse que teria sido fundamentado e respaldado, inclusive, em manifestações anteriores do E. TRF-5ª Região e do E. STJ, de outros magistrados da 1ª instância e do Ministério Público Federal; que o Autor seria o principal responsável pela decretação de sua prisão, bem como pela divulgação do fato pela imprensa; que a exigência do seu comparecimento teria sido abrandada; que o Autor seria sempre o primeiro a procurar a imprensa, que para “praticar o crime pelo qual foi condenado, quer para acusar de parcial o juiz que determinou sua prisão”; que ainda que se admitisse a responsabilidade do Estado, o dever de indenizar desapareceria ante a “culpa da vítima”, que teria sido a principal causa do evento supostamente lesivo; que quanto à mácula ao seu prestígio profissional, decorreria da própria condenação, em todas as instâncias e que permaneceria incólume; quanto ao fato de Ter permanecido em penitenciária comum, os portadores de título superior somente teriam direito à prisão especial no caso de prisão processual, não quando do cumprimento de sentença condenatória; que o valor pleiteado seria absurdo. Ao final, requereu a improcedência do pedido, protestou o de estilo e requereuu a juntada de documentos e requisição dos autos do processo criminal nº 00.7459-4.

Às fls. 63/64, a UNIÃO FEDERAL promoveu a denunciação da lide ao Dr. A B A M.

Às fls. 65, recebida a denunciação da lide.

Citado(fls. 71/71-vº), o Litisdenunciado apresentou petição às fls. 72/81, acompanhado de Instrumento de Procuração às fls. 82, pleiteando a reconsiderado o Despacho de fls. 65, e alegando, em síntese, que a União Federal, em sua Contestação, teria denunciado a lide ao Requerente não obstante ter afirmado, em sua peça contestatória, que não teria havido ilegalidade ou parcialidade na decretação da prisão do Autor, e afastado qualquer responsabilidade decorrente de dolo ou culpa; que, no presente caso, seria incabível a denunciação à lide, porquanto, doutrina e jurisprudência concordariam quanto à necessidade de comprovação do dolo ou culpa do agente; que se a União Federal não admite a hipótese de ação dolosa ou culposa do Requerente, não poderia esperar exercer contra ele o direito de regresso; que, a ação de regresso por parte da Administração contra seu agente, poderia ser proposta posteriormente, após o trânsito em julgado de sentença que condenar o Estado à indenização pleiteada, e desde que comprovada a culpa ou o dolo. Fez outros comentários, requerendo, ao final: a reconsideração da Decisão de fls. 65 que acatou a denunciação requerida pela UNIÃO FEDERAL, excluindo-o da lide.

Às fls. 84/85, Decisão fundamentada, reconsiderando o despacho de fls. 65 para inadmitir a denunciação da lide a A B A M e, em conseqüência, excluí-lo da relação processual, ressalvando, no entanto, à União Federal, o respectivo direito de regresso, em ação autônoma, desde que comprovados a culpa e o dolo daquele; rejeitando o litisconsórcio necessário alegado pelo Autor; e indeferido o pedido de citação do Ministério Público Federal na condição de Litisconsorte necessário.

Às fls. 90/92, o Autor alegou a intempestividade da Contestação, fez outros comentário, requerendo, ao final, a designação de audiência.

Às fls. 93-vº, certidão atestando o decurso do prazo sem apresentação de Réplica pelo Autor.

Às fls. 95, determinada a intimação das partes para que especificassem as provas que pretenderiam produzir, indicando as suas finalidades.

Às fls. 96, o Autor requereu a designação de audiência.

Às fls. 101, a UNIÃO FEDERAL requereu a solicitação da cópia do inteiro teor do processo-crime a que alude o Autor, o que foi deferido às fls. 102.

Às fls. 108, certidão de Servidor da 7ª Vara/PE, atestando haver tirado cópias dos dois volumes da ação criminal nº 00.7459-4, formando três volumes.

Às fls. 110, certidão atestando o decurso do prazo sem que a União Federal tivesse atendido ao despacho de fls. 102.

Às fls. 111, considerando que a matéria a ser dirimida não se enquadra em nenhuma das hipóteses que justifique a intervenção do Ministério Público Federal, indeferida nova vista ao Órgão Ministerial; determinado, outrossim, o prosseguimento do feito, intimando-se as partes para que, no prazo comum de 05(cinco) dias, se manifestassem acerca dos documentos da ação criminal solicitados para a instrução do feito, oportunidade em que o Autor deveria justificar o pedido de realização de audiência, esclarecendo, de forma fundamentada, as provas a serem produzidas em tal ato.

Às fls. 113/114, em atendimento à determinação supra mencionada, o Autor apresentou petição requerendo o julgamento da ação.

Às fls. 116, a UNIÃO FEDERAL requereu dilação do prazo para se manifestar sobre a ação criminal acima referenciada, pois os autos de mencionada ação estariam arquivados, consoante documentos que anexou(fls. 117/118).

Às fls. 120, a União Federal alegou a impossibilidade de cumprir o despacho exarado às fls. 111, pois os autos da aludida ação criminal estariam arquivados, informando, outrossim, já haver requerido o desarquivamento dos autos, desde 29/09/1998, segundo cópia de documento que anexou às fls. 121.

Às fls. 122, determinada a remessa dos presentes autos para a redistribuição face à Resolução nº 08/99 do E. TRF-5ª Região.

Em cumprimento ao acima mencionado, o presente feito foi redistribuído, em 20/05/1999 para a 13ª Vara/PE, conforme Termo de Retificação de Autuação às fls. 123.

Às fls. 124, face ao lapso temporal compreendido desde a petição de fls. 120/121(27/10/1998), foi determinado à União Federal que se manifestasse nos autos.

O Representante do Ministério Público Federal teve vista dos autos em 07/12/1999 e os devolveu em 13/12/1999, com o r. Parecer de fls. 129/130, alegando, em síntese, que não estaria caracterizado, nestes autos, o interesse público que justificasse a intervenção do Ministério Público, na qualidade de custos legis, retornando os autos sem pronunciamento acerca do conflito de interesses que constitui o objeto deste feito.

O presente feito foi redistribuído para esta 2ª Vara/PE, em 06/04/2001, conforme Termo de Retificação de Autuação às fls. 131.

Às fls. 132-vº, certidão atestando que a UNIÃO FEDERAL não se manifestou sobre o despacho de fls. 124.

Os autos foram anotados para julgamento.

É O RELATÓRIO

DECIDO

Preliminar


Intempestividade da Contestação

Considerando que o prazo para a apresentação da Contestação pela União Federal venceu num domingo, quando não há expediente forense, o termo final foi prorrogado automaticamente para a segunda-feira seguinte, dia 25/04/94, por expressa determinação legal(CPC, art. 184, §1º).

É tempestiva, portanto, a Contestação apresentada na Distribuição em 25/04/94, uma vez que dia 24/04/94 recaiu num domingo.


Mérito

O Autor pretende ser ressarcido pela União Federal por dano moral que afirma ter sofrido em decorrência de prisão que qualifica na Inicial de legal, arbitrária, premeditada e vingativa, determinada pelo MM. Juiz Federal Dr. A B A M, no curso de execução penal posteriormente decretada prescrita, e, ainda, pelo fato de ter sido detido em presídio comum com a divulgação da sua prisão pela imprensa, o que, no seu entender, maculou o seu prestígio profissional.

A União Federal sustenta a inexistência de erro judiciário na decretação da prisão questionada e, ainda, que o Autor não ficou na prisão além do tempo fixado na sentença. Defende, outrossim, a imparcialidade, o equilíbrio e a competência profissional de todos os que atuaram no processo criminal nº 00.0007459-4 e, ainda, a inexistência de danos causados por decisão judicial.

Examinemos a questão.

Responsabilidade Civil do Estado – Conceito doutrinário

Na definição de Maria Sylvia Zanella DI PIETRO, a responsabilidade civil do Estado consiste na “obrigação de reparar danos causados a terceiros em decorrência de comportamentos comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos, lícitos ou ilícitos, imputáveis aos agentes públicos”(1)(Grifei).

Nota 1 - DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, 12ª Edição, São Paulo: Atlas, 2000, p. 501.

A vigente Constituição da República estabelece a responsabilidade civil objetiva do Estado(art. 37, § 6º)[2], a qual, para configurar-se, deve somar os seguintes requisitos: que haja um dano causado a terceiros; que o causador do dano se trate de pessoa jurídica de direito público ou privado prestadora de serviço público; que haja nexo de causalidade entre o ato ou fato executado e o dano dele resultante; e, por último, que o dano tenha sido praticado por agente público[3]no exercício de suas funções.

Nota 2 - Art. 37, § 6º: "As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.'.


Nota 3 - Os magistrados são agentes políticos pertencenes ao gênero "agente público"(a Constituição refere-se a "agentes" - v. nota anterior - e também a "servidores públicos" - v. art. 39 da Constituição -), pois enquadram-se no conceito legal dessa categoria funcional e exercem atribuição constitucional.

Exclusão da responsabilidade objetiva do Estado

Não há que se falar em responsabilidade do Estado quando a culpa for exclusiva da vítima, quando os danos forem causados pela natureza, ou então, quando os danos forem causados por atividade exercida por pessoas jurídicas de direito privado que explorem atividade econômica.

Do exposto, conclui-se que a responsabilidade do Estado é objetiva, modalidade “risco administrativo”, porque admite causas excludentes. O STF tem reiteradamente acolhido a teoria do risco administrativo: Ac. de 24.02.1987, no AI 113.722-3, 1ª T, Rel. Min. SYDNEY SANCHES, na Lex. JSTF, 103/25(Fonte Folio Views, Juris Síntese, Março/abril de 2001).

Responsabilidade por atos jurisdicionais e prisão ilegal

A jurisprudência brasileira não tem aceitado a responsabilidade do Estado por atos jurisdicionais.

Nesse sentido, eis algumas v. decisões:

a) “RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO – ATO DO PODER JUDICIÁRIO – A responsabilidade objetiva do Estado não se aplica aos atos do Poder Judiciário, a não ser nos casos expressamente declarados em lei”.( E. Tribunal de Justiça de Minas Gerais, por sua 2ª Câmara Cível, em 02.02.1999, nos autos da Apelação Cível nº 122.934/3, Rel. Des. Abreu Leite. Fonte: Folio Views, Juris Síntese março/abril de 2001)

b) “RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO – ATO DO PODER JUDICIÁRIO – A orientação que veio a predominar nesta Corte, em face das Constituições anteriores a de 1988, foi a de que a responsabilidade objetiva do Estado não se aplica aos atos do Poder Judiciário a não ser nos casos expressamente declarados em lei. Precedentes do STF. (STF – RE 111.609 – AM – 1ª T. – Rel. Min. Moreira Alves – DJU 19.03.1993, Fonte: Folio Views, Juris Síntese março/abril de 2001).
Realmente, em princípio o Estado não responde por atos jurisdicionais[4]que causem danos a terceiros, a não ser nas hipóteses legalmente previstas.

Nota 4 - Quantos aos atos administrativos do Judiciário, admite-se a responsabilidade do Estado, pois a prática desse atos não implica no exercicio da jurisdição..

Os Juizes, sim, respondem pessoalmente nas hipóteses do art. 133 do Código de Processo Civil-CPC[5], quando procederem com dolo ou culpa, ou então, quando recusarem, omitirem ou retardarem, sem justo motivo, providência que devessem ordenar de ofício, ou a requerimento da parte.

Nota 5 - Tais hipóteses foram repetidas na LOMAN, Lei Complementar nº 35, de 1979, art. 49.

Todavia, no âmbito do processo penal, pensa de forma diversa a doutrina:

“Somente vem aceita a responsabilidade civil do Estado por erro judiciário de natureza criminal, em virtude do art. 630 do Código de Processo Penal-CPP, cujo teor é o seguinte: ‘O tribunal, se o interessado o requerer, poderá reconhecer o direito a uma justa indenização pelos prejuízos sofridos’. O direito à reparação por erro judiciário(criminal) independe de revisão da sentença, como se depreende do art. 5º, LXXV, da Constituição Federal, segundo o qual ‘o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo estipulado na sentença’. O preceito não vincula o direito à indenização à revisão da sentença"[6]
Nota 6 - MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 4ª Edição, revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 438.[RT Didáticos].

O § 2o do transcrito art. 630 do Código de Processo Penal- CPP, no entender de Damásio E. de Jesus[7], foi revogado pelo também transcrito inciso LXXV do art. 5o da Constituição da República-CR , entendimento esse a meu sentir totalmente pertinente, uma vez que traçou normas para a mesma situação de forma totalmente diversa. Por outro lado, ainda que assim não fosse, o comportamento do então réu, ora Autor, não seria enquadrável na situação descrita naquele parágrafo.

Nota 7 - Código de Processo Penal Anotado. 10ª Edição, atualizada e aumentada. São Paulo: Saraiva, 1993, p. 420.

Mutatis mutandis, cabe também invocar o importante posicionamento do conhecido jurista e Ministro do E. Superior Tribunal de Justiça-STJ, José Augusto DELGADO, que, no substancioso trabalho acima referido, quanto ao papel do Juiz e o dever de o Estado indenizar prejudicados por atraso daquele, sustentou:

“b) O Juiz mesmo fazendo parte de uma categoria especial de funcionários, age em nome do Estado e atua como membro de um dos seus poderes;

c) Estado e Juiz formam um todo indissociável, pelo que se o magistrado causa dano ao particular, (...), cabe ao Poder Público responder patrimonialmente”.
Atos Judiciais que Levaram o ora Autor à Prisão

À luz das cópias do respectivo Processo Crime, constantes dos três volumes apensos a estes autos, façamos uma breve sinopse dos atos judiciais que levaram o ora Autor à prisão.

O ora Autor foi intimado a comparecer ao Juízo, sob pena de ser cassado o sursis(fls. 457 do Vol. III dos apensos a estes autos) que lhe fora concedido em Sentença Criminal.

A Secretaria do Juízo certificou o descumprimento da referida intimação(idem, p. 459).

O MM. Juiz Federal, Dr. A B A M, revogou o benefício da suspensão condicional da pena e mandou expedir mandado de prisão(idem, p. 460), que foi efetivamente expedido em 31.01.1991(idem, fls. 462).

Os d. Defensores do ora Autor peticionaram alegando que estava extinta a punibilidade, por ocorrência da prescrição, pela pena em concreto, pelo que não caberia mais audiência admonitória para fins do gozo da suspensão condicional da pena e requereram a decretação da extinção da punibilidade pela ocorrência da prescrição e a colocação do ora Autor em liberdade(idem, fls. 465).

O Ministério Público Federal-MPF, na pessoa do d. Procurador da República Dr. F R S S, em 08.02.1991, opinou pelo reconhecimento da alegada prescrição(idem, fls. 468-472).

O então MM. Juiz Federal, Dr. F Q B C, em 08.02.1991, mandou acostar nos autos cópia de v. acórdão do E. Tribunal Regional Federal da 5ª Região-TRF/5ªR e de v. acórdão do E. Superior Tribunal de Justiça-STJ, nos quais a alegação de prescrição fora rejeitada(idem, fls. 474-475).

No v. acórdão da 2a Turma do E. TRF/5ªR, relatado pelo então Magistrado dessa Corte, Dr. J A D, julgado em 18.12.1989, negou-se ao ora Autor, por unanimidade, a ordem de habeas corpus, uma vez que não se reconheceu a extinção da punibilidade, por efeito de então alegada prescrição in concreto(idem, fls. 477-486).

No E. Superior Tribunal de Justiça-STJ, o Ministério Público Federal-MPF opinou pela denegação da ordem de habeas corpus, desta feita em Parecer do d. Procurador da República, Dr. H F da N.

No v. acórdão da 5a Turma do E. STJ, relatado pelo Min. E V, julgado em 13.06.1990, negou-se provimento ao recurso da defesa do ora Autor, mantendo-se o v. acórdão da 2a Turma do E. TRF/5ªR e dando-se por prejudicado o habeas corpus nº 291/PE(idem, fls. 496-499 e 503).

Em seguida, o MM. Juiz Federal, Dr. F Q B C, na decisão de 14.02.1991, designou uma audiência para exame do caso, com a presença do ora Autor(idem, fls. 504-505), então recolhido à prisão, audiência essa que se realizou em 14.02.1991, quando então, após ouvir as explicações do ora Autor, o colocou em liberdade(idem, fls. 507-507vº), pelo que foi expedido o respectivo Alvará de Soltura(idem, fls. 510).

O Ministério Público Federal-MPF, em Requerimento assinado pelo d. Procurador da República, F R  S S, sob a alegação de que o então Réu, ora Autor, estava novamente descumprindo as condições do sursis, requereu a prorrogação do período de suspensão, para além do prazo que efetivamente faltava(idem, fls. 518-519).

O então réu, ora Autor, advogando em causa própria, peticionou pugnando, mais uma vez, pelo reconhecimento da prescrição e alegando que estaria em vista de novo constrangimento ilegal(idem, fls. 522-523).

A Secretaria do Juízo informou o descumprimento das condições do sursis(idem, fls. 531).

O d. Magistrado, Dr. A B A M, mais uma vez revogou o benefício da suspensão condicional da pena e mandou expedir mandado de prisão(idem, fls. 532), que efetivamente foi expedido em 06.05.1991(idem, fls. 534) e cumprido.

A Defesa do então réu, ora Autor, peticinou, requerendo a prisão domiciliar(idem, fls. 535-536).

O Ministério Público Federal-MPF, novamente pelo d. Procurador da República Dr. F R S S, opinou pela concessão de novo sursis, com dilatação do período de prova e imposição da obrigatoriedade de prestação de serviços à comunidade, ou na hipótese de inaceitação do então réu, que cumprisse a pena na Penitenciária Agrícola de Itamaracá, em regime semi-aberto(idem, fls. 539-545).

O d. Magistrado, Dr. A B A M, deu-se por impedido, em face de alegadas constantes calúnias e injúrias por parte do então apenado, ora Autor(idem, fls. 546).

Os autos da ação crime foram então encaminhados para o MM. Juiz Federal que o substituia regimentalmente, Dr. R W N, da 1a Vara Federal de Pernambuco, que, em longa decisão, reconheceu a extinção a pretensão executória da sentença criminal pelo Estado e mandou colocar em liberdade o então apenado e ora Autor(idem, fls. 553-559).

Nessa decisão, datada de 22.05.1991, complementada em outra decisão na mesma data(idem, fls. 563-564) o MM. Juiz Federal, Dr. R W N, reconheceu que a pretensão executória da sentença criminal prescrevera em 15.09.1986(idem, fls. 564).

O Ministério Público Federal-MPF, interpôs recurso em sentido estrito(idem, fls. 567-571), assinado pelo d. Procurador da República, Dr. F R S S, pugnando pela reforma da r.decisão do MM. Juiz Federal, Dr. R W N.

No Tribunal Regional Federal da 5ª Região-TRF/5ªR, o Ministério Público Federal-MPF, na qualidade de custos legis, opinou pela denegação do recurso, em r. Parecer assinado pela d. Procuradora da República, Dra. A S F, sob alegação de que a pretensão executória do Estado estava prescrita, posto que já se teriam passado mais de 16(dezesseis) meses desde a data da audiência admonitória de 28.09.1989(idem, fls. 604-606).

A 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região-TRF/5ªR manteve(idem, fls. 608-613)a r. decisão do MM. Juiz Federal, Dr. R W N, lendo-se no voto do então d. Juiz Relator, Dr. O R, a seguinte fundamentação:

“Verifica-se, pois, que entre a data da sentença condenatória, termo inicial da prescrição segundo o art. 109, VI do Código Penal, e a do trânsito em julgado do Acórdão que a confirmou, 09.02.89, passaram-se mais de dois anos, tempo esse superior ao dobro da pena de detenção imposto e superior também ao prazo estabelecido no art. 109, VI, do Código Penal, bem como no seu art. 114, para a prescrição de penas inferiores a dois anos e multa, respectivamente.

Assim é que, tanto pela Lei nº 5.250/67(art. 41), como pelo Código Penal(art. 109, VI, 114 e 110), as penas aplicadas ao recorrido estão prescritas e, em consequência, extinta a punibilidade do mesmo.

Face ao exposto e em consonância com o parecer do Ministério Público Federal, nego provimento ao recurso e mantenho a decisão recorrida.”.(Idem, fls. 609-610).
Análise do Comportamento do Estado-Juiz

Mais uma vez chamo a atenção para o fato de que aqui não está em discussão eventual erro, culposo ou doloso, de algum Magistrado, mas sim a responsabilidade objetiva do Estado, por alegado dano moral causado a um cidadão, por erro judiciário do Estado-Juiz.

O conjunto dos fatos resumidos no tópico anterior desta fundamentação deixa bem claro que o ora Autor foi recolhido à prisão pela primeira vez em 31.01.1991(mandado de prisão, vol. III dos apensos a estes autos, fls. 462) e pela segunda vez em 06.05.1991(mandado de prisão, idem, fls. 534).

Ora, nessa época a pretensão punitiva, na verdade pretensão executória de sentença criminal condenatória, do Estado já estava prescrita, conforme reconheceu a 1a Turma do E. Tribunal Regional Federal da 5ª Região-TRF/5ªR no v. acórdão por último referido, pois no d. voto do Juiz Relator adotou-se o entendimento esposado pelo Ministério Público Federal-MPF no r. Parecer da d. Procuradora da República, Dra. A S F, segundo o qual houvera tal prescrição ocorrido 16(dezesseis) meses depois da audiência admonitória, que ocorrera em 28.09.1989(v. referido r. Parecer às fls. 604-606 do vol. III dos apensos a estes autos), de forma que, e essa conclusão é nossa, a prescrição dera-se exatamente em 28.01.1991.

Não cabe nesta Sentença extrair-se qualquer juízo de valor quanto a correção ou incorreção do entendimento adotado no mencionado v. acórdão da 1a Turma do E. Tribunal Regional Federal da 5ª Região-TRF/5ªR, mas sim concluir que, tendo em vista esse v. acórdão, trânsito em julgado, o Estado-Juiz reconheceu que errou ao recolher à prisão o ora Autor, por duas vezes, pois o fez quando o Estado não tinha mais direito de fazê-lo, em face da então já concretizada prescrição da sua pretensão executória da noticiada Sentença Criminal.

Poder-se-ia alegar que, nos momentos das prisões, ainda não teria havido o reconhecimento da existência da prescrição.

Ocorre que cabe ao Juiz, até mesmo de ofício, reconhecer a existência de prescrição criminal(art. 61 do Código de Processo Penal- CPP), e tem que fazê-lo com muito maior razão quando o réu, sobretudo o réu-apenado, o requer expressamente, como aconteceu nos autos da noticiada Ação Penal, quando o ora Autor e/ou os seus Defensores fizeram tal requerimento por diversas vezes.

E havia então um r. Parecer da própria Acusação, na pessoa do Procurador da República, Dr. F R S S, opinando pelo acolhimento da tese de prescrição(v. fls. 468-472 do vol. III dos apensos a estes autos).

Se foram os Magistrados que atuaram naquele feito que falharam ou se foi a 1a turma do E. Tribunal Regional Federal da 5ª Região-TRF/5ªR, volto a dizer, não cabe aqui tal análise, mas o certo é que o v. acórdão dessa E. Turma transitou em julgado, de forma que, oficialmente, o Estado-Juiz reconheceu que errou, tendo levado o ora Autor à prisão, por duas vezes, em datas nas quais a pretensão executória da sentença criminal já estava prescrita, por isso tem que indenizar o ora Autor, pelos danos morais que lhe causou(art. 5º, inciso V e X da Constituição da República-CR, além dos demais dispositivos constitucional e legal acima referidos).

Danos Morais

Dano moral, para alguns, “é a lesão de um bem integrante da personalidade, da qual resulta dor, vexame, sofrimento, humilhação, desconforto”[8]. Se assim é, sem dúvida nenhuma que o Estado-Juiz colocou o ora Autor nessa situação, quando o recolheu à prisão por duas vezes, em datas que, mais tarde, o mesmo Estado-Juiz reconheceu que não poderia tê-lo feito, pois prescrito estava o seu direito de fazê-lo.

Nota 8 - LIMA, Wanderson Marcello Moreira. Dano Moral: uma visão constitucional. Disponíel em folios views-jurissintesemillenium, acesso em abril de 2001.

O ora Autor foi colocado em situação vexatória e humilhante, pois, na qualidade de conhecido advogado criminalista neste Estado de Pernambuco e em Estados vizinhos, foi recolhido à prisão, por duas vezes, com larga repercussão na imprensa televisionada, falada e escrita, deixando-o numa situação inexplicável até mesmo perante a sua clientela, pois como poderia defender outros, se não sabia a si defender-se?

O ora Autor foi privado do seu mais sagrado valor, a liberdade, pela qual sempre dedicou a sua vida profissional de advogado criminalista.

Reforça ainda a existência do dano moral o local em que foi o ora Autor recolhido preso, sabida e publicamente não especial(na época ainda existia o direito à denominada prisão especial), posto que insalubre e sem o mínimo conforto, além de altamente perigoso, em face da respectiva população.

O conjunto desses elementos arrasariam moralmente qualquer pessoa que tivesse o mínimo de hombridade, tendo maior reflexo em pessoa que estava na situação social e profissional do ora Autor.

O Valor da Indenização

O Autor pleiteou na Inicial, a título de indenização pelo acima analisado dano moral, a quantia de CR$ 10.000.000,00(dez milhões de cruzeiros reais), valor esse que na unidade monetária atual, levando-se em consideração o valor do salário mínimo da época(setembro de 1993), corresponde a R$ 187.382,88(cento e oitenta e sete mil, trezentos e oitenta e dois reais e oitenta e oito centavos).[9].

Nota 9 - Valor do salário mínimo em setembro de 1993 era R$ 9.606,00. Então CR$ 10.000.000,00 : CR$ 9.606,00 = 1.042,01 salários mínimos. Em agosto de 2001, data desta Sentença, o valor do salário mínimo era R$ 180,00. Logo 1.042,01 x R$ 180,00 = R$ 187.382,88.

O E. Superior Tribunal de Justiça-STJ vem firmando o entendimento de que o valor indenizatório deve ser adequado às condições pessoais dos envolvidos e proporcional ao padrão econômico do que pleiteia a indenização(cfr. Min. César Asfor, RESP 214053, in Notícias do Superior Tribunal de Justiça, internet, em 22.01.01)

Os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade que orientam o Magistrado no momento da fixação do quantum indenizatório decorrente do dano moral levam-me à segura conclusão que o valor pleiteada está de acordo com o padrão social do ora Autor e com o dor que lhe foi impingida pelos atos judiciais acima descritos, posto que representam aproximadamente os ganhos mensais de alguns advogados tributaristas e criminalistas do Brasil.

Conclusão


POSTO ISSO, julgo procedente o pedido desta ação e condeno a União Federal a indenizar o ora Autor pelos danos morais que lhe causou em decorrência das prisões acima descritas às quais foi o ora Autor submetido, bem como a pagar ao ora Autor a título dessa indenização o valor de R$ 187.382,88(cento e oitenta e sete mil, trezentos e oitenta e dois reais e oitenta e oito centavos), atualizados a partir dessa data, pelos índices adotados pelo Conselho da Justiça Federal, acrescidos de juros de mora legais, à razão de 0,5%(meio por cento) ao mês, incidentes sobre o valor já corrigido, mas contados apenas da data da citação da liquida-execução desta Sentença, a ser feita na forma do art. 604 do Código de Processo Civil-CPC.

Outrossim, condeno a União a ressarcir as custas processuais despendidas pelo ora Autor, bem como a pagar-lhe verba honorária, que arbitro em 10%(dez por cento) do valor total da condenação.

De ofício, submeto esta Sentença ao duplo grau de jurisdição.

P. R.I.
Recife, 20 de agosto de 2.001.

FRANCISCO ALVES DOS SANTOS JÚNIOR
              Juiz Federal, 2ª Vara-PE



OBS.: A sentença acima transcrita foi mantida, na íntegra, por maioria, pela 4ª Turma do E. Tribunal Regional Federal da 5ª Região, em acórdão datado de 15.04.2003(Apelação Cível nº 287.787 - PE, 2002.05.00.9002-4), tendo por Relator o Desembargador Federal Luiz Alberto Gurgel de Faria. O recurso especial, interposto pela União, não foi conhecido pelo Superior Tribunal de Justiça. A sentença está em fase de execução.

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