sexta-feira, 18 de março de 2011

Discriminação Legal e Administrativa na Licença Maternidade: Inconstitucionalidade.

Segue uma decisão na qual se analisa uma questão muito importante, no campo da maternidade: pode uma mãe adotiva ou que obteve a guarda de uma criança receber tratamento inferior, no campo da licença maternidade, ao concedido à mãe natural? A discriminação prevista em Lei e/ou em Ato Administrativo é inconstitucional?
Leia a decisão abaixo e tire suas conclusões.

Obs.: pesquisa e relatório feitos pela Acessora Rossana Marques.




JUSTIÇA FEDERAL
JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRO GRAU 5ª REGIÃO
SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DE PERNAMBUCO
2ª VARA


Processo nº 0004265-15.2011.4.05.8300

C O N C L U S Ã O

Nesta data, faço conclusos os presentes autos a(o) M.M.(a) Juiz(a) da 2a. VARA FEDERAL Sr.(a) Dr.(a) FRANCISCO ALVES DOS SANTOS JUNIOR

Recife, 21/03/20]

Encarregado(a) do Setor

D E C I S Ã O



1- Relatório

M. F. A. B. C., qualificada na Petição Inicial, impetrou o presente Mandado de Segurança em face de ato denominado coator que teria sido praticado pela Ilmª Srª DIRETORA GERAL DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO. Alegou, em síntese, que seria servidora do Poder Judiciário lotada no E. TRF-5ª Região; que, em 14/10/2010 teria obtido licença maternidade pela adoção de um filho que contava com 12(doze) dias de idade; que lhe teria sido concedida o período de licença de 90(noventa) dias, com base no art. 210 da Lei nº 8.112/90, mais prorrogação de 45(quarenta e cinco dias), com base na Lei nº 11.770/08; que, inconformada com a imputada discriminação que teria sido perpetrada durante o seu período de licença maternidade, já que tal licença seria de no mínimo 120(cento e vinte) dias, bem como a prorrogação de 60(sessenta) dias, e não 45(quarenta e cinco) dias, requerera administrativamente a concessão do total de 180(cento e oitenta) dias de afastamento, pleito esse que restara indeferido pela d. Autoridade apontada como coatora. Requereu, por isso, a concessão liminar da segurança, reconhecendo-lhe o direito de gozar a licença maternidade por mais mais 45(quarenta e cinco) dias de licença, num total de 180(cento e oitenta)dias, com o fito de não interromper o período da licença maternidade e prorrogação já em gozo.
Instruiu a Petição Inicial com procuração e documentos, fls. 12/26. Comprovou o recolhimento das custas processuais, fl. 27.

2- Fundamentação

1. A Servidora que adota ou obtém a guarda judicial de criança com até um ano de idade, segundo o caput do art. 210 da Lei nº 8.112, de 1990, tem direito a 90(noventa)dias de licença remunerada, verbis:
Art. 210. À servidora que adotar ou obtiver guarda judicial de criança até 1 (um) ano de idade, serão concedidos 90 (noventa) dias de licença remunerada. (Vide Decreto nº 6.691, de 2008)
Parágrafo único. No caso de adoção ou guarda judicial de criança com mais de 1 (um) ano de idade, o prazo de que trata este artigo será de 30 (trinta) dias.
Depois veio ao mundo jurídico a Lei nº 11.770, de 2008, autorizando, no seu art. 2º, a Administração pública a ampliar essa licença por mais 60(sessenta)dias, verbis:

Art. 1o É instituído o Programa Empresa Cidadã, destinado a prorrogar por 60 (sessenta) dias a duração da licença-maternidade prevista no inciso XVIII do caput do art. 7o da Constituição Federal.
§ 1o A prorrogação será garantida à empregada da pessoa jurídica que aderir ao Programa, desde que a empregada a requeira até o final do primeiro mês após o parto, e concedida imediatamente após a fruição da licença-maternidade de que trata o inciso XVIII do caput do art. 7º da Constituição Federal.
§ 2o A prorrogação será garantida, na mesma proporção, também à empregada que adotar ou obtiver guarda judicial para fins de adoção de criança.
Art. 2o É a administração pública, direta, indireta e fundacional, autorizada a instituir programa que garanta prorrogação da licença-maternidade para suas servidoras, nos termos do que prevê o art. 1o desta Lei.
O art. 207 da Lei nº 8.112, de 1990, assegura à gestante licença remunerada pelo prazo de 120(cento)dias, que, depois da Lei nº 11.770, de 2008, passou a poder ser ampliado por mais 60(sessenta)dias.
No âmbito da Justiça Federal, o Conselho da Justiça Federal, por meio da Resolução nº 30, de 22 de outubro de 2008, autorizou a ampliação da licença à gestante por 60(sessenta) dias e, quanto à servidora que adotar ou obtiver a guarda judicial de criança de até 01 (um) ano de idade, por 45(quarenta e cinco) dias(§ 1º do art. 3º).

2. A Impetrante alega que, quanto a tal particularidade, tanto a Lei nº 8.112, de 1990, como referida Resolução 30, de 2008, do Conselho da Justiça Federal-CJF são inconstitucionais, porque dão tratamento discriminatório para mães adotivas e mães naturais, filhos adotivos e filhos naturais, no que contrariariam o § 6º do art. 227 da Constituição da República, o qual tem a seguinte redação:
“§ 6º - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.”
E por isso, continua a Impetrante, mereceria modificação o ato da Autoridade apontada como coatora, consignado na Portaria nº 00226, de 2010, que lhe negara pleito de gozo da referida licença no mesmo total de dias que se concede às mães naturais, gestantes.

3. Realmente, de acordo com a referida Portaria nº 00226/2010, deferiu-se à Impetrante o gozo da mencionada licença apenas pelo tempo total 135(cento e trinta e cinco) dias de licença por motivo de adoção de criança menor de 01(um) ano e não pelo tempo total de 180(cento e oitenta)dias como por ela pleiteado, ou seja, em paridade com o mesmo tempo a que fazem jus às Servidoras gestantes.
O Tribunal Regional Federal da 5ª Região já teve oportunidade de enfrentar essa questão e assim decidiu:
ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. LEI Nº 8.112/90, ART. 210 E RESOLUÇÃO CJF Nº 30 DE 22/10/2008. DIREITO LÍQUIDO E CERTO. INEXISTÊNCIA. 1. Mandado de Segurança impetrado por servidora adotante contra ato do Desembargador Federal Presidente do TRF da 5ª Região em face de decisão do Conselho de Administração que indeferira o pedido de prorrogação do prazo de licença à adotante. 2. A Administração concluiu que a servidora adotante faria jus à licença de 90 (noventa) dias com prorrogação de 45 (quarenta e cinco) dias nos moldes do art. 210 da Lei nº 8.112/90 e do parágrafo 1º, do art. 3º da Resolução nº 30 de 22.10.2008 do Conselho da Justiça Federal. 3. O prazo da licença e a respectiva prorrogação, no que tange às servidoras-mães biológicas (120 dias + 60 dias de prorrogação) ou adotantes (90 dias + 45 dias de prorrogação), estão definidos na lei. Fixar outro que desborde daqueles exige a declaração de inconstitucionalidade da norma. Observe-se, outrossim, que o discrímen feito pelo legislador não é, em princípio, irrazoável, porquanto importa tratamento desigual aos que estão, efetivamente, em situação díspare. 4. Com efeito, a licença maternidade diz respeito, por um lado, à necessidade de atenção requerida pela criança em tenra idade e, doutra banda, à indispensável recuperação da mãe parturiente. Dado que a mãe adotiva não sofrera as vicissitudes da gravidez, com o seu inevitável desgaste físico e as eventuais conseqüências do puerpério, não está, objetivamente, em igualdade de condição em face daquel'outra, daí o tratamento diferenciado eleito pelo legislador. 5. Segurança denegada.
(MS 200905000902402, Desembargador Federal Paulo Roberto de Oliveira Lima, TRF5 - Pleno, 03/03/2010)
Data maxima venia, não comungo desse d. entendimento.
Noto, inicialmente, que o art. 2º da Lei nº 11. 770, de 2008, não autorizou o Administrador Público a adotar a ampliação do prazo de forma diferenciada, mas apenas e tão-somente que fizesse a ampliação por mais 60(sessenta)dias, de forma que a noticiada Resolução do Conselho da Justiça Federal-CJF além de ser inconstitucional, porque fere o acima transcrito § 6º do art. 227 da Constituição da República, também é ilegal, porque não segue a determinação do referido dispositivo de Lei.
No que diz respeito à discriminação do art. 210 da Lei nº 8.112, de 1990, no qual se fixa tempo de licença menor para a Servidora que adota ou que obtém a guarda de criança que a concedida, no seu art. 207, para Servidora gestante, não encontra nenhuma justificativa no mundo fático, pois se fosse o inverso talvez até se justificasse, uma vez que se deflui que o filho adotivo ou aquele que está sob guarda necessita de mais cuidados do que o filho natural, pelo choque da separação da mãe natural e necessidade de adaptação ao novo lar. Mas mesmo nessa hipótese, por força do acima transcrito § 6º do art. 227 da Constituição da República, o Legislador Ordinário não poderia fazer nenhuma discriminação entre as duas situações.
Tenho, pois, por razoável a tese defendida na petição inicial, no sentido de que a regra do art. 210 da Lei nº 8.112/90 que estabelece a licença à adotante em 90(noventa) dias e o § 1º do art. 3º da Resolução nº 30/2008 do Conselho da Justiça Federal que prorroga a licença por 45(quarenta e cinco dias), ferem o princípio da isonomia e o princípio da razoabilidade, porque, em última análise, o objetivo da licença maternidade é a proteção ao recém-nascido, que necessita de cuidados e atenção da figura materna, não podendo tais prazos ser reduzidos ou ampliados unicamente sob a perspectiva da mãe: para a mãe biológica o prazo é ampliado e para a mãe adotante o prazo é reduzido.

3- Conclusão

Posto ISSO: a) declaro, incidenter tantum, a inconstitucionalidade do art. 210 da Lei nº 8.112/90 e a inconstitucionalidade e ilegalidade do § 1º do art. 3º da Resolução nº 30/2008 do Conselho da Justiça Federal, e aplico ao caso, por analogia, o art. 207 da referida Lei e o art. 1º da Resolução nº 30/2008 do CJF, que estabelecem, respectivamente, para a servidora gestante, o prazo de licença de 120(cento e vinte) dias e a prorrogação por 60(sessenta) dias, e concedo a segurança, liminarmente, conforme requerido na Petição Inicial, e determino que a Autoridade Impetrada seja notificada para cumprir esta decisão, sob as penas do art. 26 da Lei nº 102.016, de 2009, bem como para apresentar as informações legais pertinentes.
Determino ainda que UNIÃO, por seu órgão de representação judicial próprio, seja cientificada desta decisão, para os fins legais.
No momento oportuno, ao MPF para o r. Parecer legal.

P. I.

Recife, 18 de março de 2011.

Francisco Alves dos Santos Júnior
Juiz Federal, 2ª Vara-PE

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