sábado, 3 de abril de 2010

ENTREVISTA PARA O JORNAL PORANDUBA DE MOSSORÓ-RN

O Professor e Jornalista Francisco Rubens Coelho Figueiredo, nascido na cidade de Milagres-CE, foi professor, por longos anos, no Sindicato dos Bancários de São Paulo, depois mudou-se para Mossoró-RN, onde se aposentou como Vogal(Juiz Classista)da Justiça do Trabalho. Encontra-se radicado nessa cidade potiguar desde a década de oitenta do século passado(século XX) e ali fundou o jornal PORANDUBA, palavra tupi, que significa contos, notícias. Trata-se de ótimo jornal noticioso e cultural, do qual sou assinante e colaborador. Mencionado jornalista entrevistou-me e publicou a entrevista no PORANDUBA de março de 2010. Eis trechos da entrevista:



Concorda com o sistema de cota para o curso universitário?

Sim. Como juiz federal, já prolatei pelo menos duas decisões, garantido o bônus de 10% na nota, para vestibulandos originários de escolas públicas municipais ou estaduais. Essa é a cota da UFPE. É econômico-financeira, ignorando raça, cor, sexo, etc. Parece-me muito boa.
No entanto, também concordo com as cotas para negros e índios, porque têm finalidades de compensação histórico-social, isto é, essas cotas permitem que as pessoas afro-descendentes e indígenas sejam compensadas pelos massacres que sofreram no passado recente da nossa história, no campo econômico e educacional.
Acho também muito positivo o sistema de bolsa, via PROUNI, privilegiando alunos de escolas públicas, pelo mérito(as melhores notas no ENEM ganham as bolsas mais completas).

A propósito, você concorda com as críticas feita a propalada morosidade da justiça brasileira?

Sim. E acho que não vai terminar tão cedo. Tem que se mudar a mentalidade dos Magistrados. Principalmente dos Desembargadores dos Tribunais, que são muito apegados à forma, aos procedimentos. Pesquisas recentes constataram que o processo não demora muito com o juiz de primeiro grau. A demora está nos Tribunais. Por exemplo. Na Justiça Federal da quinta região, que atende a quase todos os Estados do Nordeste, onde trabalho, houve um aumento muito grande de Varas(juízos de primeiro grau). Mas o Tribunal Regional Federal da 5ª Região continua com a mesma composição de quando foi criado, em 1988. O Tribunal Regional Federal do Rio Grande do Sul, que atende quase a mesma população que é atendida pelo TRF da 5ª Região, já gozou do aumento de inúmeras vagas para novos Desembargadores. Mas o nosso não, continua com a mesma composição inicial. Inércia dos respectivos administradores? Comodismo dos políticos nordestinos?. Não sei. Só sei que o resultado é muito ruim, porque o referido Tribunal recebe cada vez mais processos e não tem condições físico-materiais para julgá-los, com a celeridade exigida. E por lá se acautelam, no mínimo, por dois anos.
Depois, quando as partes vencidas recorrem, os processos vão para o Superior Tribunal de Justiça-STJ, em Brasília, que recebe processos do Brasil inteiro, e por lá ficam mais três anos. E se o caso envolver matéria constitucional, ainda vai para o Supremo Tribunal Federal: mais três anos. Volta para execução. Se a execução for contra a Fazenda Pública, começa tudo de novo. Citação para execução. Ação de Embargos. Impugnação. Sentença. Recurso. E ainda tem o maldito precatório, que os nossos Parlamentares Federais autorizaram, recentemente, o parcelamento para pagamento em prazo maior ainda. Mas se o Réu(executado)for um particular, a execução será mais célere, porque, nessa parte reformaram o Código de Processo Civil em 2005 e 2006 e agora está mais ágil.
Torço para que o princípio da celeridade e o princípio da efetividade, que agora constam da Constituição da República, sejam realmente observados. E acho que serão, porque isso passou a ser uma exigência dos donos do dinheiro, que têm prejuízos com a morosidade do Judiciário, e quando eles querem, tudo conseguem, afinal somos um País capitalista. É tanto que está em andamento célere um projeto de reforma do Código de Processo Civil, pela qual inúmeros recursos deixarão de existir e então, talvez, a morosidade seja reduzida. Se vingar, findará por favorecer a todos os brasileiros.


E a impunidade reinante, deve-se a estrutura da justiça ou das leis existentes?

A impunidade faz parte da nossa cultura autoritária. Num verdadeiro regime democrático não há impunidade, porque as Leis aplicam-se igualmente a todos. Infelizmente, ainda não incorporamos essa forma de pensar. Mas está mudando um pouco, embora só tenha ido para a cadeia pessoas que não fazem parte do grupo do poder central. O poder central é ainda muito forte no Brasil. Precisa ser reduzido. O poder necessita, urgentemente, ser pulverizado no Brasil, afinal somos uma república federativa, dando-se maior força econômico-institucional às demais Unidades da Federação. A Polícia Federal deve alcançar a mesma autonomia atualmente obtida pelo Ministério Público Federal. E a escolha dos dirigente máximos dessas duas importantes Instituições, deve ser feita pelo Congresso Nacional, que deverá apreciar uma lista quíntupla de membros eleitos internamente. O voto, no Congresso Nacional, deve ser secreto, sendo vencedor o que tiver maioria simples, de um quorum mínimo, representado pela maioria absoluta das duas casas desse Congresso.

O cangaceiro Antônio Silvino, preso em Recife na década de 30, entrevistado pelo jornal O Estado de São Paulo, na ocasião disse uma frase inusitada: "No Brasil temos na justiça dois códigos; o código civil para os ricos e o penal para os pobres". Esse conceito ainda é válido nos dias atuais?

Sim, essa arguta conclusão do velho cangaceiro Antonio Silvino, infelizmente, ainda é em grande parte verdadeira no Brasil atual.

O presidente Lula, certa feita afirmou que a justiça é uma caixa preta. Que você tem a dizer sobre essa afirmação?

Acho que a caixa do Poder Executivo é mais preta ainda. Abriram a caixa do Judiciário e não se encontrou quase nada. A caixa do Poder Executivo, embora continue fechada, aqui, acolá, nos traz péssimas surpresas.


Você concorda com a forma de escolha dos ministros dos tribunais superiores(STF,STJ), nomeados pelo Presidente da República?

Não. Até participei de um debate na TV Justiça, sobre o assunto, promovido pela Associação Nacional dos Juízes Federais-AJUFE. Acredito que a escolha deveria ser mais democrática.
Os Ministros do STF deveriam ser escolhidos por órgãos do meio social. Exemplo: as faculdades de direito oficiais, por eleição, indicariam um candidato; as faculdades de direito privadas elegeriam outro; o Ministério Público Federal elegeria o seu, assim como os Ministérios Públicos Estaduais, a Ordem dos Advogados do Brasil, as Associações de Juízes, as Associações de Procuradores e etc. Essas eleições dariam origem a uma lista, com tantos indicados quantos fossem as Entidades, indicadas edm Lei e essa lista seria encaminhada para o Presidente do Supremo Tribunal Federal e esse Tribunal, em sessão plenária, reduziria a lista para cinco nomes, em votação secreta. Caberia ao Congresso Nacional(e não apenas ao Senado), por maioria simples(com quorum mínimo da maioria absoluta), escolher o futuro Ministro do STF, em votação secreta.
Na composição do STJ, dever-se-ia acabar com o denominado “quinto constitucional”(vaga destinada a membros do Ministério Público e a advogados). E adotar-se o mesmo critério, acima indicado, para a escolha dos seus Ministros, sendo que a formação da lista quíntupla seria decidida pelo plenário desse Tribunal, por votação secreta. E a escolha final seria do Congresso Nacional, na mesma sistemática indicada para a escolha de Ministros do STF.
Creio também que o mandato desses Ministros deveria ser, no máximo, de 10(dez)anos, para que houvesse renovação nos seus quadros.
Assim, creio, seria mais democrático. E os Ministros mais independentes e representativos.


No entrevero entre o ministro Joaquim Barbosa e o presidente Gilmar Mendes, a razão está com quem?

Nesse assunto, como magistrado federal, não posso externar minha opinião em público. Mas o incidente ocorrido entre os dois, ao vivo, na TV Justiça, certamente em nada contribuiu para o crescimento do Poder Judiciário perante os brasileiros.

Qual é sua sugestão para melhorar a justiça no Brasil?

Acho que a resposta está acima.

Você se sente melhor como juiz, professor ou escritor?

Gosto muito das três atividades, mas ensinar talvez seja a minha maior realização. Sinto-me útil transferindo o pouco que aprendi na vida, para aqueles que estão iniciando a caminhada.

Dr. Francisco Alves dos Santos, Junior, as páginas do jornal Poranduba, estão a sua disposição para as considerações finais. Obrigado pela entrevista.

Agradeço a oportunidade de expressar minhas opiniões, sobre assuntos tão variados, para o grande público desse grande jornal, o PORANDUBA, gerado da vontade e da força férrea do seu combativo editor-chefe, o jornalista e professor Rubens Coelho, extraído do calor e da rica poeira cultural de Mossoró-RN, donde irradia a variada cultura nordestina para todos os rincões do Brasil. Parabéns a todos que compõem a equipe desse valoroso órgão de imprensa, voltado para a cultura, e que o seu exemplo se espalhe, porque, como se sabe, isso, infelizmente, é muito raro por essas paragens,

4 comentários:

  1. Dr. Francisco,

    Eu sou radicalmente contra quaisquer tipos de cotas visando corrigir a omisão estatal na oferta da educação básica e, na mesma linha, quando envolve a perspectiva histórica/social do resgate das desventuras dos negros, índios ou outras raças. Vejo como uma iniciativa muito perigosa de incentivo à criação de privilégios entre grupos numa mesma sociedade. Penso que o STF barrará essas posições por flagrante ofensa à Carta Republicana. O caminho não é por aí.
    Por outro lado, também é razoável pensar quem não há "Desembargadoria Federal" por falta de texto legal que ampare o título de "Desembargador Federal". Portanto, os nossos TRF's são compostos por excelentes quadros - Juízes Federais, sérios, competentes, preparados etc - mas não Desembargadores.
    Com um abraço.
    Paulo Monteiro

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  2. Seria redundante expressar minha admiração pelo brilhantismo do digníssimo mestre Dr. Francisco Alves.A despeito de suas opiniões gostaria de salientar minha expressa concordância com o que o mesmo preicetua no que pertine às cotas,embora nunca tivesse observado pelo ângulo que foi por ele enfatizado quanto aos negros e índios,pois sempre fui contra por achar seu conteúdo discriminatório,contudo ao visualizarmos pela questão da compensação retiro minhas criticas e ressalvas e passo a achar medida de inteira justiça;aprecio as iniciativas das cotas para alunos de baixa renda e quanto ao ENEM,acho justissímo o critério adotado, bem como o incentivo ás entidades que aderem ao projeto,vez que se não houver compensação as iniciativas são escassas,é o velho problema da mentalidade do nosso povo,ou seria a cultura dominante que pleitea sempre o receber algo em troca...é lamentável.
    Gostaria de observar que a mudança de mentalidade quanto a morosidade do judiciário também deveria abranger a mentalidade do funcionalismo público que ao ingressar acha-se dono de um status inabalável e inatingível,o mesmo que também esquece os princípios da Administração e do funcionário e vê sua função só pelo salário e por muitas vezes esquece das suas obrigações,ressalvando,claro, as exceções;faltaa boa vontade,o empenho e o apego ao princípio da honestidade no desempenho de suas atribuições,vê-se que foi estabelecido uma série de premiações para os funcionários no sistema de metas para processar e julgar processos com mais de 15 anos,e com isto esqueceram-se dos processos atuais que ficaram esquecidos, aguardadando,quem sabe,o meta 3,4 e 5?é a velha política de compensar para poder funcionar.
    Vale deixar em minha opinião final que o que esta faltando em nosso sistema é uma revolução,mas de COMPORTAMENTO,atitudes,pelo qual parabenizo a inteligência e a vontade do Professor e amigo Francisco ALVES que se destacou na FAPE,na minha turma de 8,9 e 10º período pela primazia em passar para seus alunos o conhecimento amplo e irestrito das matérias sem se prevalecer da sua posição de Magistrado!

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  3. Dr. Francisco,

    Ainda em relação à esclarecedora e corajosa entrevista.
    Abaixo o meu tom inicial no comentário anterior, que foi exageradamente assertivo, e o faço após lembrar-me da frase atribuída a Voltaire: "Posso não concordar com nada que vós dizeis, mas defenderei até a morte o vosso direito de dizê-lo." Daí por que retifico o "radicalmente contra" para manter simplesmente o "contra" na questão das cotas, quaisquer que sejam as origens; e isto respeitando, obviamente, os relevantes fundamentos jurídicos ali externados.
    É que essa questão de cotas também me leva a pensar - aumentando a perspectiva para uma visão mundial - para a "cota" que a Nação Palestina vem pagando há décadas por um possível "holocausto dos judeus" sem sequer ter tido nenhuma participação nesse episódio. Façamos, então, outros exercícios de raciocínios numa visão micro e fatalmente chegaremos a questionar: quem é culpado, de quê é culpado e qual é o preço a pagar.
    No mais, é despiciendo dizer da minha admiração e amizade.
    Abraço grande.

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  4. Grande Pai! Sobre o comentário no meu blog, estou maturando a idéia. Como ainda estou muito atrelado a escrita profissional na minha área, a coisa não flui com o prazer que gostaria. Já a parte mais poética (mesmo que lamentável) sai com muita alegria. Mas compreendo que é importante, quando criar outro blog repasso o endereço.

    E sobre a tua entrevista, concordo com a cota social, mas esse papo de cota racial, mesmo à luz das tais compensações, geram discriminação (no sentido puro da palavra) que não deveria existir. Atestar a diferença de raças é ir contra políticas de igualdade racial brasileira, esses grupos sofreram no passado sim, por serem tratados como inferiores, diferentes. Exaltá-los é cometer o mesmo erro, em ordem inversa. Negro pobre tem que ser tratado igual a branco pobre, ou indio, japonês, ou esquimó pobre. De resto, respostas muito boas e elucidantes, até eu que sou um zé mané entendi.

    Abração!

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