sábado, 30 de maio de 2020

COPIS-PASEP E COFINS. SEUS VALORES NAS SUAS BASES DE CÁLCULO.


Por Francisco Alves dos Santos Júnior


Os valores das COPIS-PASEP e COFINS entram nas suas bases de cálculo. Aparentemente, isso parece ser um absurdo. E talvez seja. Mas, infelizmente, essa prática é comum no direito tributário brasileiro. Por exemplo, isso acontece com o ICMS. No caso das COPIS-PASEP e COFINS,  há precedente, com efeito repetitivo,  do STJ, concluindo não ser essa prática inconstitucional. Mas o assunto está sob repercussão geral no STF. 
Na sentença que segue, esses assuntos são debatidos. 
Boa  leitura. 


PROCESSO Nº: 0807681-40.2020.4.05.8300 - MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL IMPETRANTE: G A U LTDA ADVOGADO: R Sa P  IMPETRADO: FAZENDA NACIONAL e outro 2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO)



Sentença tipo B



EMENTA: - TRIBUTÁRIO. COPIS-PASEP E COFINS. DOS PRÓPRIOS VALORES NAS RESPECTIVAS BASES DE CÁLCULO.
- Não há fundamento constitucional, nem legal, nem jurisprudencial, para excluir das bases de cálculo das COPIS-PASEP e COFINS os seus próprios valores, nos termos dos artigos 54 e 55 da Lei n. 12.973, de 2014..
- Denegação da segurança.

Vistos, etc.
1. Breve Relatório
G A U., impetrou este Mandado de Segurança com Pedido Liminar contra possível ato do Sr. DELEGADO DA DELEGACIA DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL EM PERNAMBUCO, pugnando pela concessão de medida liminar determinando que a Impetrada se abstenha de exigir da Impetrante a inclusão nas bases de cálculos da COPIS-PASEP e da COFINS os seus próprios valores. No mérito, pugnou pela confirmação da liminar concedida. Protestou o de estilo. Inicial instruída com procuração e documentos.
Decisão de identificador 4058300.14201204, na qual foi indeferida a liminar e determinada a notificação da Autoridade Coatora e a ciência ao órgão de representação judicial.
A União (Fazenda Nacional) manifestou seu interesse em ingressar no feito (Id. 4058300.14276083).
A DD Autoridade apontada como coatora apresentou Informações. Preliminarmente, requereu a suspensão do feito até a publicação do acórdão resultante do julgamento dos embargos de declaração no RE nº 1.233.096. No mérito, discorreu sobre a legislação que rege a matéria, defendendo: a legalidade da inclusão dos tributos incidentes sobre a receita bruta na base de cálculo do PIS e da COFINS; que a legislação  seria clara ao definir como base de cálculo das contribuições em pauta a receita bruta ou a totalidade das receitas, conforme a sistemática de cálculo, e não a receita líquida, o que demonstraria a legalidade da inclusão dos tributos incidentes sobre a receita bruta na base de cálculo do PIS e da COFINS; a impossibilidade de aplicação da decisão proferida no julgamento do RE 574.706/PR ao caso. Teceu outros comentários. Pugnou, ao final, pela denegação da segurança (Id. 4058300.14452931).
O Ministério Público Federal não se manifestou sobre o mérito da questão (Id. 4058300.14533692).
 Vieram os autos conclusos.
É o que importa relatar.
Passo a decidir.
2. Fundamentação
2.1 - Do Pedido de Suspensão do Processo
Verifica-se que a Ré postulou pela suspensão do feito até a publicação do acórdão resultante do julgamento do RE nº 1.233.096, do Plenário do Supremo Tribunal Federal, em controle concentrado, sob repercussão geral, quando então haveria a formulação de tese relativamente ao assunto em debate.
Contudo, embora reconhecida a repercussão geral no caso, não houve determinação de suspensão dos processos em tramitação que tratam do assunto, de forma que deve ser rejeitado o pedido de suspensão formulado pela Autoridade Coatora.
2.2 - Do Mérito
Busca a Impetrante provimento jurisdicional que lhe assegure o direito de recolher as contribuições para o PIS e para a COFINS excluindo da base de cálculo os seus próprios valores.
2.2.1 - Como se sabe, o Programa de Integração Social (PIS) e o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PASEP) são custeados por contribuição social de natureza tributária.
A contribuição para o PIS devida pelos Empregadores do setor privado; a contribuição para o PASEP, pelos Empregadores do setor público.
Eram dois fundos, um para o PIS e outro para o PASEP.
Mas foram unificados pela Lei Complementar nº 26, de 11.09.1975, em um só: Fundo PIS-PASEP.
Todavia continuamos com as duas contribuições acima especificadas.
Então, depois dessa modificação, tenho que a sigla mais apropriada, data venia, passou a ser COPIS-PASEP - Contribuição para o PIS-PASEP, assim como a COFINS é a sigla da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social. 
2.2.2 - Atualmente, resta autorizado pelo Legislador Constituinte que a COFINS tenha base de cálculo sobre a receita bruta ou sobre o faturamento(art. 195, I, b, da Constituição da República, com redação dada pela  EC nº 20, de 1998), e o Legislador Ordinário elegeu,  como tal, a receita bruta total.
Já a base de cálculo da Contribuição PIS-PASEP nunca foi estruturada na Constituição da República: inicialmente por Leis Complementares e, depois da vigente Constituição da República, que autorizou a sua manutenção no seu art. 239, passou a poder ser regida por Medida Provisória e por Lei Ordinária, sendo que as atuais Leis Ordinária que dela tratam elegeram também como base de cálculo a receita bruta total.
O que vem a ser receita bruta, do ponto de vista legal?
Eis a sua atual definição legal, consignada no art. 12 e respectivos §§ 4º e 5º do Decreto-lei nº 1.598, de 26.12.1977, já com inúmeras alterações:
"Art. 12.  A receita bruta compreende:
I - o produto da venda de bens nas operações de conta própria;
II - o preço da prestação de serviços em geral;
III - o resultado auferido nas operações de conta alheia; e
IV - as receitas da atividade ou objeto principal da pessoa jurídica não compreendidas nos incisos I a III.
(...)
§ 4º Na receita bruta não se incluem os tributos não cumulativos cobrados, destacadamente, do comprador ou contratante pelo vendedor dos bens ou pelo prestador dos serviços na condição de mero depositário.
§ 5º  Na receita bruta incluem-se os tributos sobre ela incidentes e os valores decorrentes do ajuste a valor presente, de que trata o inciso VIII do caput do art. 183 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, das operações previstas no caput, observado o disposto no § 4o.".
Note-se que só não entra na composição da receita bruta o valor dos impostos não cumulativos, cobrados destacadamente do comprador ou contratante e dos quais o vendedor dos bens ou o prestador dos serviços seja mero depositário.
Não é o caso do próprio valor das COPIS-PASEP, nem da COFINS, porque essas Contribuições não são cobradas destacadamente na nota fiscal do Fornecedor, como sói acontecer, por exemplo, com o IPI - Imposto sobre Produtos Industrializados, sendo o respectivo valor somado ao valor do produto, com aumento do seu preço.
Também não se aplica ao caso o entendimento do Plenário do STF, no julgamento do RE 574.706/PR, julgado em 15.03.2017, por maioria, no qual findou por afastar da base de cálculo das COPIS-PASEP, COFINS o valor do ICMS, mesmo para fatos geradores ocorridos depois da modificação da base de cálculo da mencionada COFINS para receita brutal total, e o fez sob repercussão geral, tendo por Relatora a Ministra Cármen Lúcia, com os votos vencidos dos Ministros Edson Fachin, Roberto Barroso, Dias Toffloli e Gilmar Mendes, primeiro porque a estrutura do ICMS é bem diferente da estrutura da COPIS-PASEP e COFINS, segundo porque não há nenhuma base constitucional ou legal para estender o entendimento do mencionado julgado para essas duas contribuições.
Realmente, não se pode, automaticamente, derivar o entendimento de que os valores dessas contribuições não compõem suas próprias bases de cálculo, pois as Leis que as regem são expressas nesse sentido, qual seja, de que os seus próprios valores integram-se nas suas bases de cálculo.
Com efeito, os valores da COPIS-PASEP e da COFINS, ao serem incluídos no preço a ser pago pelo adquirente, compõem a receita bruta apurada com a venda de produtos ou prestação de serviços, nos termos do que dispõe os artigos 54 e 55 da Lei n. 12.973, de 2014 e, por isso, devem ser mantidos na própria base de cálculo, por ser esta a receita bruta.
Cumpre registrar o julgamento da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, sob o regime de recursos repetitivos, REsp 1.144.469 (tema 313), verbis:
"RECURSO ESPECIAL DO PARTICULAR: TRIBUTÁRIO. RECURSO REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ART. 543-C, DO CPC. PIS/PASEP E COFINS. BASE DE CÁLCULO. RECEITA OU FATURAMENTO. INCLUSÃO DO ICMS.
1. A Constituição Federal de 1988 somente veda expressamente a inclusão de um imposto na base de cálculo de um outro no art. 155, § 2º, XI, ao tratar do ICMS, quanto estabelece que este tributo: "XI - não compreenderá, em sua base de cálculo, o montante do imposto sobre produtos industrializados, quando a operação, realizada entre contribuintes e relativa a produto destinado à industrialização ou à comercialização, configure fato gerador dos dois impostos".
2. A contrario sensu é permitida a incidência de tributo sobre tributo nos casos diversos daquele estabelecido na exceção, já tendo sido reconhecida jurisprudencialmente, entre outros casos, a incidência: 2.1. Do ICMS sobre o próprio ICMS: repercussão geral no RE n.582.461 / SP, STF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 18.05.2011.
2.2. Das contribuições ao PIS/PASEP e COFINS sobre as próprias contribuições ao PIS/PASEP e COFINS: recurso representativo da controvérsia REsp. n. 976.836 - RS, STJ, Primeira Seção, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 25.8.2010.
(...)."[1].
Assim, a improcedência do pedido é medida que se impõe.
3. Dispositivo
Posto isso:
3.1. Rejeito o pedido de suspensão do processo;
3.2. DENEGO a pretendida segurança, julgando improcedentes os pedidos, extinguindo o processo com resolução do mérito (art. 487, I, do CPC);
3.3. Sem honorários, nos termos do art. 25 da Lei n.º 12.016/2009.
3.4. Custas ex lege;
3.5. Sentença não sujeita ao duplo grau de jurisdição;
Registre-se. Intimem-se.



Recife, data da assinatura.



Francisco Alves dos Santos Jr

 Juiz Federal, 2a Vara-PE

smbs

______________________________________________________________________

[1] Brasil. Superior Tribunal de Justiça. Primeira Seção. REsp n° 1.144.469/PR, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Relator para o acórdão Ministro Mauro ampbell Marques, julgado em 10.08.2026, in Diário Judicial Eletrônico - DJe de 02.12.2016

segunda-feira, 11 de maio de 2020

ALUNA IMPEDIDA DE FAZER MATRÍCULA, NÃO OBSTANTE COMPROVADA A FALHA NO SISTEMA ELETRÔNICA DA UNIVERSIDADE. DIREITO ASSEGURADO À MATRÍCULA E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS.

Por Francisco Alves dos Santos Júnior

Uma das Coordenações da Universidade Ré reconheceu ter havido problema no seu sistema  eletrônico quando a ora Autora tentou renovar a sua matrícula e,  não obstante essa situação, os demais setores da referida Universidade a impediram de renovar a sua matrícula, o que lhe causou transtornos acadêmicos e danos morais pela constrangedora situação de impotência social a que foi submetida. 
Na sentença que segue, essa matéria é debatida. 
Boa leitura. 


PROCESSO Nº: 0812584-55.2019.4.05.8300 - PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL AUTOR: F P S DOS S  ADVOGADO:  V S B  RÉU: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO 2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)


SENTENÇA TIPO A



EMENTA:- CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MATRÍCULA. FALHA NO SISTEMA DA UNIVERSIDADE. BOA FÉ DA PARTE AUTORA. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. DIREITO DE ACESSO A EDUCAÇÃO. DANOS MORAIS .
-Se Setor de Coordenação da UFPE reconheceu falha no sistema  de matrícula eletrônica, a Autora tem o direito de que sua matrícula seja feita mesmo depois  do prazo  para  tanto  fixado em edital.
-A aluna passou por constrangedora situação de impotência social quando,  não obstante ter o seu direito à matricula reconhecido por Coordenação da Requerida, não conseguiu realizá-la,  com fortes prejuízos acadêmicos e moral-sociais.
-Procedência parcial.

Vistos, etc
1. Relatório 
F PAULA SDOS S, qualificada na Inicial, ajuizou esta "AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER COM REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS C/C TUTELA DE URGÊNCIA" em face da UFPE- UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO. Requereu, inicialmente, os benefícios da Justiça Gratuita. Aduziu, em síntese, que: estaria cursando ciências sociais na UFPE; no prazo regular de matrículas da Universidade, teria tentado efetuar a matrícula no 5º período do seu curso (2019.1), no dia 12/02/2019, todavia por questões de pendência na biblioteca a matrícula não teria sido realizada; no dia 26/02/2019, já tendo pago a dívida da biblioteca, conforme comprovante anexo, e estando no período de matrícula dos retardatários, teria tentado novamente matricular-se; conforme orientação da Universidade, teria entrado no site e realizado todos os procedimentos necessários por diversas vezes, todavia, ao tentar concluir a matrícula o site abriria uma página (em branco), sem responder, tal fato poderia ser comprovado com o histórico do seu navegador; em sua última tentativa, a página em branco não mais teria aparecido; pensando haver concluído o processo, teria a Autora saído do sistema; ocorre que o SIG@ (sistema de informação e gestão acadêmica) não teria processado sua matrícula, fato que a autora só teria descoberto no dia 26/02/2019, por volta das 22h, ao verificar no sistema sua matrícula; diante do ocorrido, teria comparecido à Instituição, em 27/02/2019, na coordenação do seu curso (ciências sociais), sem entender o que teria acontecido e esclarecimentos referentes a matricular-se no 5º período pretendido; teria sido orientada pela secretária da coordenação, Sra. Claudinete, que deveria ir ao Corpo Discente; a demandante teria começado a ser jogada para vários setores que não sabiam como lidar com o seu problema; ao chegar no Corpo Discente teria sido informada de que não haveria mais prazo para a matrícula, não apresentando solução alguma para o problema; inconformada com a situação e por saber que seria um problema no sistema do SIGA, compareceu ao NTI (núcleo de tecnologia e informação); lá teria sido informada de que estava acontecendo o mesmo com outros estudantes, mas como ela não havia tirado "print" da tela do seu computador, não haveria provas de que tivesse efetuado a matrícula; o atendente do NTI teria orientado que a mesma fizesse o trancamento do curso e pedisse para a coordenação enviar um ofício para o Corpo Discente, pois lá eles iriam autorizar a matrícula e enviar o ofício para o NTI, para que eles liberassem a efetuação da matrícula; quando do comparecimento à coordenação do curso, a Coordenadora, Sra. Elaine, teria entrado em contato com o Corpo Discente, tendo este informado que o problema seria resolvido pelo DGA (Diretório Geral Acadêmico); comparecendo neste último, a Sra. Amanda teria afirmado que não havia como resolver seu problema, acrescentando ainda que caso trancasse o curso seria irreversível, por fim a teria orientado a voltar à Coordenação; segundo o PROACAD (pró-reitoria de assuntos acadêmicos), no SIGA constaria que a mesma sequer teria tentado matricular-se no curso, fato que não condiria com a realidade, pois teriam sido problemas técnicos no sistema e não da autora, sendo portanto burocracia da Universidade que teria obstado sua matrícula; tendo ido a todos os órgãos administrativos da UFPE e não conseguindo uma solução, teria entrado com um processo administrativo requerendo providências a fim de regularizar sua matrícula; em despacho no processo administrativo, em 05/04/2019, a Diretora de Gestão Acadêmica, em síntese, teria afirmado que não havia provas de que a Aluna teria tentado efetuar a matricula da Universidade, afirmando ainda que a mesma havia perdido o vínculo com a universidade, não podendo nem frequentar as aulas na condição de ouvinte; a aluna também teria perdido os dois anos em que teria estudado na UFPE, pois sequer teria conseguido o deferimento de trancamento de sua matrícula para tentar se matricular no segundo semestre no curso. Teceu outros comentários. Transcreveu dispositivos legais. Pugnou, ao final, pela:

"A)    A antecipação dos efeitos da tutela de urgência, no sentido de determinar que a UFPE proceda a regularização da matricula da autora, viabilizando-lhe a realização de todas as atividades acadêmicas, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 (mil reais);
B)    O deferimento da Assistência Judiciária Gratuita, por ser pobre na forma da lei;
C)    A citação da demandada, na pessoa dos seus representantes legais, para querendo, oferecer contestação no prazo legal, sob pena de revelia;
D)    A intimação do Ministério Público, para acompanhar o feito se assim achar necessário;
E)     Ao final, que sejam julgados procedentes os pedidos presentes na inicial, a fim de tornar definitivos os efeitos decorrentes da antecipação de tutela;
F)     Que o réu seja condenado ao pagamento a título de danos morais no valor de R$ 80.000,00 (trezentos mil reais) reais, bem com as custas processuais;
G)    A condenação dos honorários advocatícios, na porcentagem de 20% sobre o valor da causa, condenação e/ou acordo."
Decisão, sob id 4058300.11107364, deferindo provisoriamente os benefícios da Justiça Gratuita e  deixando para apreciar o pleito antecipatório após a instauração do contraditório (Id.  4058300.11107364).
A UFPE - UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO apresentou Contestação sob id. 4058300.11222497. Aduziu, em síntese, que: no presente caso, a ex-aluna FABIANA PAULA SOARES DOS SANTOS  teria perdido o vínculo em 2019.1 com a UFPE, por não ter realizado matrícula ou trancamento durante o período determinado pelo calendário acadêmico, sob a alegação de que o SIG@ não teria registrado sua matrícula; fora "jogada" para vários setores da UFPE que não a teriam auxiliado; que, na verdade,  isso  não teria ocorrido;  quando a ex-aluna verificou a não efetivação de sua matrícula, o período reservado para a matrícula dos retardatários já havia chegado ao fim; de acordo com os normativos da UFPE, não restaria outra apção senão o trancamento do semestre, que poderia ser realizado até o dia 28/02, quando teria chegado ao fim o período de modificação de matrícula; segundo o próprio relato da estudante, apresentado no processo, teria sido essa a informação dada na Diretoria de Gestão Acadêmica; a ex-aluna teria sido informada sobre a irreversibilidade do trancamento (uma vez que se tranca o semestre, esse não pode ser "destrancado", cabendo ao estudante realizar nova matrícula no semestre seguinte);  todas as informações e normas estariam previstas no edital de matrícula, divulgado com antecedência pela PROACAD; não tendo realizado nenhum dos procedimentos que manteriam seu vínculo com a UFPE ativo, a autora teria aberto procedimento administrativo solicitando a efetivação de sua matrícula ou de um trancamento de semestre; a solicitação teria sido negada pela Diretoria de Gestão Acadêmica, nos termos da cópia do processo administrativo ali anexado. Teceu outros comentários. Pugnou, ao final, fossem julgados improcedentes os pedidos (Id. 4058300.11222497).
Proferida decisão concedendo a tutela provisória de urgência e determinando a intimação das partes quanto à produção de provas (Id. 4058300.11321073).
Ambas as partes não requereram a produção de provas (Id. 4058300.11478728 e 4058300.11561036).
A parte pugnou pelo andamento do feito (Id. 4058300.14349530).
É o relatório, no essencial.
Passo a fundamentar e a decidir.

2. Fundamentação

2.1 - Quanto ao Pedido de Gozo do Benefício da Justiça Gratuiga

Este benefício foi concedido provisoriamente, até a defesa, porque, se fosse impugnado, haveria decisão a seu respeito. Como a UFPE não o impugnou, merece ser convalidado, até mesmo porque se trata de uma Estudante Universitária, cuja situação de dificuldade  financeira é mais provável que em  sentido contrário. 

2.2 - Dos Pedidos

Pugna a Autora pela  concessão do benefício da Justiça Gratuita, or provimento jurisdicional, no sentido de determinar que a UFPE proceda à regularização da sua matricula, viabilizando-lhe a realização de todas as atividades acadêmicas, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 (mil reais)" e condenação da Requerida em indenização por danos morais, no valor total de R$ 80.000,00. Inicial instruída com procuração e documentos.

No corpo da petição inicial, a autora detalha a sucessão de acontecimentos que culminaram com o indeferimento de sua matrícula para o semestre 2019.1, nos termos do relatório desta decisão.

A UFPE, por sua vez, quando da Contestação (Id. 4058300.11222497), acosta cópia do Processo Administrativo, no qual se consignou o seguinte (Id. 4058300.11222504):

- "A realização de matrícula em componentes curriculares, de cancelamentos e de trancamento de semestre ou matrícula vinculo é de exclusiva responsabilidade do estudante e deve ser feita pelo próprio discente, através do SIG@, dentro dos prazos estipulados no Calendário Acadêmico e no Edital de Matrícula e que se trata de procedimento semestral, incluído na rotina dos estudantes e informado com bastante antecedência possibilitar a todos os alunos que se programem e fiquem alerta para sua realização;
-  O período de matrícula para 2019.1, conforme Calendário Acadêmico e Edital de Matrícula, foi de 08/02/2019 a 12/02/2019,  sendo  os dias 25 e 26/02/19 o período para matrícula dos retardatários. Além disso, os estudantes tiveram o prazo de 22 a 28/02/2019 (excepcionalmente prorrogado até o dia 07/03/2019) destinado à modificação/correação da matrícula, bem como a realização de trancamento do semestre/matrícula vínculo, sendo este último procedimento possível apenas para aqueles que não solicitaram matrícula em disciplinas nos prazos, de forma a não perder citados anteriormente e que não se encontrem no primeiro ano de vínculo com o curso), de forma a não perder o vínculo com a Universidade, conforme documentos publicados na página eletrônica oficial da PROACAD;
- Lembramos ainda, conforme Edital de Matrícula 2019.1, que a UFPE não se responsabiliza pelos eventuais problemas encontrados pelos seus alunos com o uso de navegadores, microcomputadores e acesso à Internet feito fora de seus campi. Em caso de dificuldades no uso do Sig@, o aluno deve, obrigatoriamente, dirigir-se aos laboratórios disponíveis para acesso ao Sig@ nos locais, datas e horários previstos no documento;".
Pois bem, o pedido de benefício da Justiça  Gratuita já foi resolvido no subitem 21 supra.

2.3 - Pretensão à Renovação da Matrícula

Quanto à Pretensão de Renovação da Matrícula, registro que no próprio Procedimento Administrativo juntado pela UFPE, consta declaração subscrita pela Coordenadora dos Cursos de Ciências Sociais, Professora Elaine Müller, no qual se consignou o seguinte:

"A coordenação do curso de Ciências Sociais declara, para os devidos fins, que a aluna de Ciências Sociais - Bacharelado, Fabiana Paula Soares dos Sabtos, CPF 098.221.534-73 apresentou problemas com o Sig@ durante o processo de matrícula tendo notificado esta instituição, todavia, por tratar-se de situação atípica houve informações conflitantes quanto a sua solução, o que atrapalhou uma possível resolução do problema.
Desta forma, solicitamos à PROACAD e DGA que considerem sua solicitação pois a mesma encontra-se  a vias de perder o vínculo com a UFPE.(GN).".

É certo que a Autora ajuizou esta ação em 07/07/2019, ou seja, muito após o decurso do prazo para a realização da pretendida matrícula.

Entretanto, diante da declaração emanada da própria Coordenação do Curso e com o escopo de resguardar o resultado útil deste processo(art. 300 do CPC), o pleito antecipatório foi inicialmente deferido (vide decisão sob Id. 4058300.11321073), tendo sido consignado, naquela oportunidade, que os elementos probatórios iriam ser oportunamente aprofundados.

Pois bem, instadas ambas as partes, não houve requerimento de produção de provas adicionais (vide ids. 4058300.11561036 e 4058300.11478728). 

Ou seja, as Partes conformaram-se com as prova já constantes dos autos, bem como com a mencionada decisão, pois não há notícia de que contra ela tenha havido a interposição de algum recurso. Pelo contrário, há comprovação de que foi referida  decisão cumprida, tendo a ora Autora realizado, regularmente, a sua matrícula. 

É verdade que a dificuldade de formalização de matrículas e outros procedimentos a ele relacionados tem-se mostrado algo recorrente junto ao Poder Judiciário.

Sendo assim, ante o conjunto probatório apurado e em face do silêncio das partes quanto à produção de novas  provas e também considerando que a decisão de antecipação parcial da tutela transitou em julgado e já foi efetivamente  cumprida, tenho que o pleito formulado pela Autora, nesse particular,  merece ser acolhido.

2.3 - Indenização por Danos Morais, no valor de R$ 80.000,00 (oitenta mil reais).

A Autora também pugnou por indenização por danos morais pelos  transtornos por ela suportados, no valor que quantificou em R$ 80.000,00 (oitenta mil reais).

Tenho que a delicada situação a que foi submetida a Autora, acima descrita e comprovada nos autos,  realmente caracteriza-se por dano moral,  pois, embora uma das Coordenações da Universidade Ré tenha atendido a Autora à altura e até emitido, a seu favor,  o documento acima transcrito, os demais setores da Universidade Ré foram altamente  insensíveis e submeteram a ora  Autora  a todo tipo de contrariedade e constrangimento, culminando com a negativa ao seu direito de renovação da matrícula, que só obteve judicialmente.

Embora danos morais causem pontos negativos na vida de qualquer pessoa e a coloque numa  situação constrangedora de total impotência social, o valor da indenização nunca  repara essa negatividade, servindo apenas de um pequeno alento à vítima, mas figurando como punição para o agressor, visando a impor-lhe nova forma de agir, para evitar prejuízos a outras pessoas, sobretudo quando Ente  Público, como a ora Requerida.

O valor, segundo firme jurisprudência do Superior Tribunal de  Justiça, deve observar o princípio da razoabilidade e, para casos como o ora sob análise, o valor tem girado em torno de R$ 15.000,00, portanto tenho que a UFPE deve pagar, a esse título, à ora Autora, essa quantia e não os R$ 80.000,00 pleiteados na  petição inicial.

2..5 - Das verbas de Sucumbência

Há sucumbência recíproca.   

Logo,  tendo em vista a regra do § 14 do art. 85 do CPC, impõe-se a fixação de verba honorária, a favor do Patrono de cada Parte, sobre o valor das respectivas sucumbências.

Em face da relativa simplicidade do caso, tenho que a verba honorária  deve ser fixada no mínimo legal, observando-se, quanto à  obrigação da Requerida, nesse particular, as regras do § 3º do art. 85 do  vigente CPC e, da Autora, as regras do § 2º desse mesmo artigo.

 3. Dispositivo

Ante o exposto, julgo parcialmente procedentes os pedidos desta ação e:

3.1 - ratifico a decisão sob identificador 4058300.11321073, na qual se assegurou matrícula provisória à ora Autora,  e determino  que a UFPE proceda a regularização da matricula da autora, viabilizando-lhe a realização de todas as atividades acadêmicas e renovações de matrículas nos próximos semestres, como todos os demais alunos dessa Universidade;

3.2 - condeno a UFPE a pagar à Autora, a título de indenização pelos danos morais que lhe causou, a quantia  de R$ 15.000,00(quinze mil reais), atualizada (correção monetária e juros de mora),  na forma e pelos  índices do manual de cálculos do Conselho da Justiça Federal, a partir do mês seguinte ao da publicação desta sentença até a data da expedição do(s) requisitório(s), conforme entendimento firmado no STF[Plenário, RE 579-431/RS] e no STJ[Corte Especial, QO no REsp nº 1665599RS Questão de Ordem no REsp nº 2017/0086957-6, Tema Repetitivo 291], atualização essa que deverá ser feita pelo setor próprio do TRF5R, conforme Resolução nº 2017/00458 do CJF-RES, de 04 de outubro de 2017.

3.3 - Tendo em vista a sucumbência recíproca, condeno as partes ao pagamento de verba honorária, no seguintes termos:

3.3.1 - a UFPE a pagar à d. Patrona da Autora verba honorária no percentual mínimo, observada a gradação do § 3º do art.  85 do vigente CPC,e, se necessário, também as regras dos §§ 4º e 5º desse mesmo artigo, sobre a quantia de R$ 15.000,00(quinze mil reais), atualizada na forma acima indicada;
3.3.2 - a Autora a pagar ao d. Procurador da UFPE verba honorária no percentual de 10%(dez por cento) do valor da sucumbência, qual seja, sobre R$ 65.000,00(sessenta e cinco mil reais), atualizados até a data do efetivo depósito(ou pagamento), na forma acima indicada, mas submeto a respectiva exigibilidade à  condição  suspensiva do § 3º do art. 98 do vigente CPC, pelo prazo de cinco anos, por se encontrar a Autora sob o benefício da Assistência Judiciária. 

3.4 - Deixo de submeter esta ação ao duplo grau de jurisdição,  porque o valor econômico da demanda é inferior a 1.000,00(mil) salários mínimos, dispensa essa decorrente do inciso I do § 3º do art.496 do CPC.

Registre-se. Intimem-se.

Recife, data 11.05.2020.

Francisco Alves dos Santos Júnior

 Juiz Federal da 2ª Vara da JFPE






terça-feira, 28 de abril de 2020

COMPOSIÇÃO GRÁFICA. QUANDO NÃO INCIDE O ISS.

Por Francisco Alves dos Santos Júnior

Debate-se, na sentença abaixo, interessantes conflitos entre Entes Tributantes, decorrentes do emaranho legal no qual se transformou a nossa confusa legislação tributária, que torna a sua aplicação difícil até mesmo nos Tribunais Superiores. 

Boa  leitura. 


PROCESSO Nº: 0823580-15.2019.4.05.8300 - PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL
AUTOR: F I C DE ELTDA
ADVOGADO:  De F C J
RÉU: FAZENDA NACIONAL
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO)


Sentença tipo A

EMENTA: - TRIBUTÁRIO. COMPOSIÇÃO GRÁFICA E OUTROS SERVIÇOS CORRELATOS.
-A Súmula 156 do STJ encontra-se parcialmente sem efeito, em face do novo tratamento legal que as  atividades debatidas neste processo  receberam na Lei Complementar 116, de 2003.
-Improcedência.



1. Breve Relatório


F I C DE E LTDA, qualificada na Inicial, ajuizou esta AÇÃO DECLARATÓRIA COM PEDIDO DE TUTELA LIDE INAUDITA ALTERA PARTE contra a UNIÃO FEDERAL (FAZENDA NACIONAL). Aduziu, em síntese, que: seria pessoa jurídica  de direito privado que teria por objetivo social 2 (duas) atividades: 1) a fabricação de embalagens ao público geral, também chamada de EMBALAGENS LISAS; e 2)  a prestação de serviços gráficos personalizados e feitos sob encomenda para os seus clientes, contendo estas, na grande maioria das vezes, a logo-marca do cliente - EMBALAGENS PERSONALIZADAS;  no desempenho das suas atividades, a UNIÃO - FAZENDA NACIONAL, ora Ré, estaria entendendo que as 2 (duas) atividades estariam sujeitas ao IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS - IPI, enquadrando os respectivos produtos,    especialmente, nos itens 39.20 e 39.21, conforme se comprovaria pelas Notas Fiscais em anexo a título ilustrativo (docs. 04); a parte autora estaria sendo compelida a recolher mensalmente o IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS - IPI incidente sobre os PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS (EMBALAGENS LISAS) e sobre os SERVIÇOS GRÁFICOS PERSONALIZADOS (EMBALAGENS PERSONALIZADAS); entenderia a autora que, quando produz uma embalagem lisa, sem qualquer logomarca ou estampa, sem sombra de dúvidas estaria diante de um produto comercializável no mercado, onde qualquer pessoa física ou jurídica poderia ter proveito do produto; este entendimento não se aplicaria à atividade de PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS GRÁFICOS PERSONALIZADOS; ao atender uma demanda de um cliente seu onde seria solicitado um determinado tipo de embalagem e com a logomarca do seu cliente, vê-se que a Autora não poderia fornecê-lo para mais ninguém a não ser para esse cliente específico; o entendimento da Autora seria de que o fornecimento de embalagens personalizadas, estaria inserido na Nota 2, da Seção VII, da TIPI, que determinaria de forma clara que com exceção dos artigos das posições 39.18 e 39.19, classificam-se no Capítulo 49, os plásticos, a borracha e as obras destas matérias, com impressões ou ilustrações que não tenham caráter acessório relativamente à sua utilização original; o Capítulo 49 elencaria os produtos das INDÚSTRIAS GRÁFICAS, como seria o caso da Autora, o que fizera com que as embalagens impressas e personalizadas estivesse elencados no item 49.11 da TIPI; pensar ao contrário, seria o mesmo que admitir que ao fazer compras no SUPERMERCADO WALMART, este último pudesse fornecer as embalagens impressas com o nome do CARREFOUR, PÃO DE AÇÚCAR, ou qualquer outro supermercado que não fosse o WALMART, o que seria inconcebível; ou o cliente forneceria uma embalagem lisa aos seus clientes (produto industrializado) ou contrataria a Autora para elaborar uma embalagem personalizada (prestação de serviços) seguindo as suas determinações; ao fazer uma minuciosa análise acerca da tributação incidente sobre os seus produtos,  Autora pôde constatar que estaria sendo totalmente lesada pela ora Ré, uma vez que a elaboração de embalagens plásticas personalizadas e feitas sob encomenda do seu cliente constituiria uma atividade de composição gráfica que, para fins tributários, em conformidade com o item 77, da lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 56, de 15.12.87, reproduzido no item 13.05 da lista de serviços anexa à Lei Complementar n.º 116, de 31.07.2003, e, como tal, sofreria a incidência do imposto de competência municipal sobre serviços, ou seja, o ISS, não cabendo a incidência do IPI; além disso, a Autora teria constatado que a matéria objeto da presente ação já que seria objeto da Súmula/TFR n.º 143, Súmula/STJ n.º 156, e ainda, do julgamento do Recurso Especial n.º 1.092.296-SP, este último, que fora julgado com base no rito dos Recursos Repetitivos, bem como no âmbito do Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda, o que tornaria a matéria totalmente pacífica. Teceu outros comentários. Transcreveu precedentes. Pugnou, ao final, fosse determinada a suspensão da exigibilidade do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI incidente sobre os serviços de composição gráfica de embalagens plásticas personalizadas e feitas sob encomenda dos seus clientes, até o julgamento de mérito da presente ação e, consequentemente, que abstenha o Réu de praticar qualquer ato coativo contra o seu patrimônio. Protestou o de estilo. Inicial instruída com procuração e documentos. 

Decisão sob id 4058300.12890830, na qual foi indeferida a pleiteada tutela provisória de urgência.

A União (Fazenda Nacional) apresentou  Contestação aduzindo, em apertada síntese, que: a Constituição, o CTN, a Lei nº 4.502/64 e o RIPI deixariam claro que o imposto em questão recairia sobre o produto industrializado, quando se verifica no mundo dos fatos a situação apta a atrair a incidência tributária (o fato gerador), na hipótese, a saída do estabelecimento, sendo irrelevante para tanto que a industrialização que qualificou o produto como industrializado tenha ou não envolvido um serviço, pouco importando também se esse produto foi ou não encomendado; não seria relevante a circunstância em que se dá a industrialização que caracteriza um produto como industrializado, para fins da imposição tributária, pois o IPI incide sobre o objeto final, produto industrializado, conforme disposição literal do art. 153, V, da Constituição Federal de 1988, e não sobre eventual serviço envolvido ou que possa lhe ter agregado valor; Está-se, diante, portanto, de uma atividade mista que envolve a prestação de um serviço, a saída de um produto industrializado e, ao mesmo tempo, o fornecimento de uma mercadoria. Em relação a tal atividade mista existe um impedimento constitucional e legal para a incidência concomitante do ISS e do ICMS, mas não existe qualquer norma que afaste a incidência do IPI; Contudo, a Súmula nº 156 do STJ não pode ser aplicada ao caso, sequer analogicamente, pois não afasta, de modo algum, a tributação pelo IPI, mas tão somente pelo ICMS, uma vez que os precedentes que fundamentaram sua edição decidiram exclusivamente sobre o conflito entre o ISS e o ICMS (imposto sobre circulação de mercadorias) na atividade mista relativa à prestação de serviço de composição gráfica, personalizada e sob encomenda, que envolvesse também o fornecimento de mercadorias; Entretanto, caso assim não se entenda pertinente, ao menos para os casos em que se discute a incidência do IPI na atividade mista que se constitui em uma etapa intermediária do ciclo produtivo, ou seja, sobre a saída de um produto que será posteriormente submetido a novo processo industrial ou destinado à comercialização ou incorporado de alguma maneira a outra mercadoria que será sujeita a posterior circulação, faz-se necessário reconhecer que a Súmula e a jurisprudência do STJ que fundamentavam a não tributação pelo IPI foram superadas e não podem continuar sendo aplicadas; esse modo, o acolhimento do pleito do contribuinte pelo judiciário não encontra respaldo na vedação à bitributação, posto que inocorrente, e viola frontalmente a competência da União para tributar os produtos industrializados, desconsiderando, assim, o silêncio eloquente constitucional que não excetuou essa competência em atividades mistas, bem como ofende o próprio Pacto Federativo, pois significaria estender analogicamente uma disposição relativa às competências tributárias Estaduais e Municipais para a União Federal. Teceu outros comentários. Transcreveu legislação. Pugnou, ao final, pela decretação de improcedência dos pedidos. (Id. 4058300.13176583).

A parte autora apresentou Réplica, rebatendo os argumentos da Defesa e reiterando os termos da Inicial (Id. 4058300.13613480).

É o relatório, no essencial.

Passo a decidir.


2. Fundamentação 

2.1 - A questão litigiosa circunscreve-se à incidência tributária em relação aos impressos personalizados fabricados pela parte autora.

2.1.1 - Na legislação anterior, Decreto-lei 406, de 1969, com alteração da Lei Complementar 56, de 1987, a matéria era tratada no seu item 77 e tinha a seguinte redação:

 "77 - Composição gráfica, fotocomposição, clicheria, zincografia, litografia e fotolitografia".

Aqui, não havia dúvida que deveria incidir apenas ISS.
Até mesmo eventual mercadoria aplicada nessa atividade ficaria à margem da tributação do então ICM e depois ICMS.
O IPI incidira apenas se fosse insumo importador pela Empresa Gráfica, de sua fabricação ou que ele utilizasse na qualidade de Estabelecimento Comercial Equiparado a Industrial.

No extinto Tribunal Federal de Recursos firmou-se a jurisprudência no sentido de que incidiria apenas  o ISS, o qual, a respeito,  baixou a Súmula 143, bem como do atual Superior Tribunal de Justiça, que baixou a Súmula 156, verbis:

"Súmula STJ 156 - A PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DE COMPOSIÇÃO GRÁFICA, PERSONALIZADA E SOB ENCOMENDA, AINDA QUE ENVOLVA FORNECIMENTO DE MERCADORIAS, ESTA SUJEITA, APENAS, AO ISS.".

Obs.: Essa Súmula originou-se em vários precedentes desse E. Tribunal, cuja numeração e órgãos de publicação encontram-se indicados no respectivo site, disponível em http://www.stj.jus.br/docs_internet/SumulasSTJ.pdf, ao qual acessei no dia de hoje.

Não encontrei, no site do STJ, o REsp 1.092.296, que teria sido julgado sob efeito repetitivo, indicado na petição inicial.

Valho-me, pois, de parte da ementa transcrita pela Parte Autora na sua petição inicial:

"2. As operações de composição gráfica, como no caso de impressos personalizados e sob encomenda, são de natureza mista, sendo que os serviços a elas agregados estão incluídos na Lista Anexa ao Decreto-Lei 406/68 (item 77) e à LC 116/03 (item 13.05). Consequentemente, tais operações estão sujeitas à incidência de ISSQN (e não de ICMS), Confirma-se o entendimento da Súmula 156/STJ: "A prestação de serviço de composição gráfica, personalizada e sob encomenda, ainda que envolva fornecimento de mercadorias, está sujeita, apenas, ao ISS." Precedentes de ambas as Turmas da 1ª Seção.
3. Recurso especial provido. Recurso sujeito ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/08."
 Mencionado d.  julgado, data venia, não se aplica ao presente caso, pelas razões que veremos nos subitens que seguem. 


2.1.1 - Essa matéria, data maxima venia,  recebeu tratamento diferenciado na Lei Complementar nº 116, de 2003, que dela trata no subitem 13.05 da Lista de Serviços a ela anexa, com redação dada pela Lei Complementar 157, de 2016, verbis:

"13.05 - Composição gráfica, inclusive confecção de impressos gráficos, fotocomposição, clicheria, zincografia, litografia e fotolitografia, exceto se destinados a posterior operação de comercialização ou industrialização, ainda que incorporados, de qualquer forma a outra mercadoria que deva ser objeto de posterior circulação, tais como bulas, rótulos, etiquetas, caixas, cartuchos, embalagens e manuais técnicos e de instrução, quando ficarão sujeitos ao ICMS.".

 Então, se o Cliente da Empresa ora Autora utiliza o material de embalagem personalizado na comercialização dos produtos que fabrica ou que apenas compra para revenda, a mencionada operação de composição gráfica deixou de ser submetida ao ISS e foi transformada em operação de industrialização de material de embalagem, sujeita ao ICMS e também ao IPI.

Data maxima venia, parece-me clara a redação do subitem 13.05, acima transcrito, da Lista de Serviços anexa à Lei Complementar 116, de 2003.

Não desconheço recente julgado da 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, sob a relatoria do d. Ministro Mauro Campbell Marques, verbis:

"PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO Nº 3 DO STJ. PRODUÇÃO DE SACOLAS POR ENCOMENDA E PERSONALIZADAS. NÃO INCIDÊNCIA DE IPI. INCIDÊNCIA APENAS DE ISS. PRECEDENTES. INAPLICABILIDADE DA ALTERAÇÃO LEGISLATIVA PERPETRADA PELA LC Nº 157/2016 AO ITEM 13.05 DA LISTA ANEXA A LC Nº 116/2003.
1. A jurisprudência do STJ está pacificada no sentido de que a atividade de composição gráfica, personalizada e sob encomenda, não está sujeita à incidência do IPI, mas apenas de ISS. Nesse sentido: AgInt no REsp 1.620.382/PE, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe de 13/10/2017; AgRg no REsp 1.369.577/RJ, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe de 06/03/2014. Afastada a incidência de IPI tão somente no que diz respeito à atividade específica de composição gráfica, personalizada e sob encomenda, e não à toda produção da empresa, se houver, também, produção que não se enquadre na referida atividade personalizada sob encomenda.
2. Agravo interno não provido.
(AgInt no REsp 1.730.920/RN, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/05/2019, DJe 28/05/2019)[1]
Li o voto do d. Ministro Relator e deli colho a seguinte passagem:

"A referida alteração legislativa não trata de forma direta de incidência de IPI, sendo descabida sua aplicação no caso dos autos. Ainda que assim não fosse, não se depreende dos autos, a priori, que a produção das sacolas personalizadas se destina a comercialização ou a industrialização, o que igualmente afasta a possibilidade de aplicação da alteração legislação no caso concreto."
Realmente, como o antigo Decreto-lei nº 406, de 1968, a Lei Complementar 116, de 2003, veicula regra de competência apenas com relação ao ISSQN e ao ICMS.
Mas se a Empresa em questão pratica atos que caracterizam  a industrialização, ou é Importadora, ou ainda se encontra enquadrada como Empresa Comercial Equiparada a Industrial, caso aplique algum produto que industrializou, importou ou que com relação a ele é Equiparada a Estabelecimento Industrial, praticará o fato gerador do IPI e deverá lançá-lo na nota fiscal e recolher o respectivo valor na época própria.
E isso independe do que o destinatário vá fazer com o produto que adquire da Autora.
Obviamente, se a Empresa Encomendante, Cliente da Autora,  vai destinar o produto à comercialização, diretamente ou como embalagem das suas mercadorias, praticará o fato gerador do IPI e, à luz do novo item da Lista da Lei Complementar nº 116, de 2003, a cima transcrito, também estará praticando o fato gerador do ICMS, não incidindo o ISS.


No presente caso, a Empresa Encomendante,  Cliente da Autora,  não é usuário final dos produtos personalizados  que adquiriu da Empresa ora Autora, pois utiliza tais produtos como embalagem das suas mercadorias, que são comercializados.

Data maxima venia, com relação a essa operação, a Súmula 156 encontra-se superada pela acima referida regra da Lei Complementar 116, de 2003.
E ainda data maxima venia do d. Relator, acima referido, o IPI submete-se à legislação própria, dele não tratando a referida Lei Complementar nº 116, de 2003. 



3. Dispositivo

Posto isso, julgo improcedentes os pedidos desta ação e dou o processo por extinto, com resolução do mérito (art. 487, I, CPC), condenando a Parte Autora nas custas judiciais e ao pagamento da verba honorária, que, em face da simplicidade do caso, arbitro em 10% (dez por cento) do valor da causa, devidamente atualizado(correção monetária e juros de mora), na  forma e pelos índices do manual de cálculos do Conselho da Justiça Federal. .

Sentença não sujeita ao duplo grau de jurisdição (art. 496, §4º, II do CPC).
Registrada, intimem-se.

Recife, 28.04.2020.
Francisco Alves dos Santos Júnior

 Juiz Federal, 2a Vara Federal/PE.

_________________________________
[1] Brasil. Superior Tribunal de Justiça. 2ª Turma. AgInt no REsp 1730920/RN,  DRel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/05/2019, DJe 28/05/2019.



Disponível em https://scon.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp



Acesso em 06/12/2019