quarta-feira, 25 de setembro de 2013

INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. MUTUÁRIO DO SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. FALTA DE BAIXA NA HIPOTECA, POR CULPA DO BANCO E DA COOPERATIVA.

    Por Francisco Alves dos Santos Jr



 
   Segue sentença, que foi mantida pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região(apelação cível nº 504.741/PE. Rel. Desembargador Federal José Lucena) e pelo Superior Tribunal de Justiça(REsp 1.358.879/PE, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 01.02.2013), na qual a Caixa Econômica Federal e uma Cooperativa foram condenadas a indenizar um Mutuário do Sistema Financeiro da Habitação, por danos morais, decorrentes da impossibilidade de este dar baixa na hipoteca, por problemas operacionais entre a Caixa e a referida Cooperativa.
 
Boa Leitura.


PODER JUDICIÁRIO

JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

Seção Judiciária de Pernambuco

2ª VARA

 

Juiz Federal: Francisco Alves dos Santos Júnior

Processo  nº 2008.83.00.010838-7  Classe 29  Ação Ordinária

AUTOR: LINDALVA DA SILVA FARIA

Adv.: Giancarlo Pacheco, OAB/PE 19.154

RÉU: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL – CAIXA E OUTRO

Adv. Caixa/EMGEA: Sérgio Cosmo, OAB/PE 19448

Adv. Cooperativa Habitacional Sete de Setembro: Edvaldo Evangelista Bezerra, OAB/PE 6690

 

 

Registro nº ...........................................

Certifico que registrei esta Sentença às fls..........

Recife, ...../...../2010

 

 

Sentença tipo A

 

Ementa: - DIREITO ECONÔMICO E CIVIL. ASSINATURA DE CONTRATO DE COMPRA E VENDA E FINANCIAMENTO. BAIXA NA HIPOTECA.


O Representante legal de Cooperativa de Imóveis é obrigado a assinar o contrato de compra e venda e financiamento e o Agente Financeiro é obrigado a dar baixa na hipoteca, após a quitação por parte do Mutuário.


Sofre danos morais o Mutuário que, embora quitando o contrato de financiamento, não consegue o registro do contrato em cartório e a baixa na hipoteca, por falta de boa vontade e de entendimento entre a Cooperativa e do Agente Financeiro.

Procedência.

 

Vistos etc.


LINDALVA DA SILVA FARIA, qualificada na Inicial, ajuizou, em 20/05/2008, esta Ação de Cumprimento de Cláusula Contratual, Cumulada com  Pedido de Danos Morais, pelo rito ordinário, com pedido de antecipação da tutela contra a CAIXA ECONÔMICA FEDERAL – CAIXA e a COOPERATIVA HABITACIONAL SETE DE SETEMBRO. Alegou, inicialmente, que estaria enquadrada no conceito de idoso, caracterizando a hipótese prevista no art. 3º, Parágrafo Único, inciso I c/c o art. 71 da Lei nº 10.741/03 e aduziu, em suma, que, no dia 1º de fevereiro de 1993, motivada pelo desejo de adquirir uma casa própria, teria se dirigido a uma Agência da CEF e celebrado pacto de compra e venda de imóvel, segundo as cláusulas estabelecidas no instrumento de contrato; que figurariam no referido contrato três partes, a CEF na condição de credora/fiduciante, a Cooperativa Habitacional Sete de Setembro na condição de vendedora e a Autora na condição de Compradora/devedora; que a CEF teria destinado à Autora parte do valor do imóvel, objeto do contrato, a título de empréstimo e a Cooperativa seria a proprietária  construtora do imóvel, conforme disporia a cláusula primeira do referido contrato; que a Autora teria assumido a obrigação de amortizar sua dívida em 120(cento e vinte) meses, conforme descrito na cláusula quinta do instrumento contratual anexo; que, em garantia ao financiamento, o imóvel permaneceria sob o domínio da 2ª Ré, gravando-se o mesmo com o ônus da hipoteca em primeiro grau em favor da CEF, conforme cláusula décima quinta; que as garantias teriam permanecido sobre o bem até que fosse amortizada a totalidade da dívida, momento em que seria liberado o gravame hipotecário pela 1ª Ré, e a 2ª Ré deveria proceder à transferência do referido imóvel para o domínio da Autora; que, posteriormente a Autora teria realizado com a 1ª Ré uma renegociação da dívida proveniente da aquisição de imóvel; que, pelo ato de renegociação, a Autora tivera o prazo de amortização de sua dívida diminuído, passando a ser de 69 meses, conforme se verificaria do Termo de Renegociação que teria anexado aos autos; que teria procedido aos pagamentos das parcelas de amortização sempre nas datas corretas dos vencimentos, e teria pago a última parcela (69ª) e quitado a totalidade de sua dívida em 03/07/2004; que, acreditando que estaria tudo resolvido em relação ao seu contrato, teria buscado a liberação do gravame hipotecário, bem como a transmissão do Registro do Imóvel do nome da 2ª Ré para o seu,a fim de que completasse a regularização do imóvel, e teria sido este o momento em que os seus “tormentos” começaram; que a 1ª Ré estaria se recusando a liberar o gravame hipotecário e, embora reconhecesse que a dívida estaria quitada, estaria alegando que seria necessário anexar ao processo, cópia do contrato original registrado em cartório; que o mencionado termo contratual não teria sido registrado em cartório porque faltaria a assinatura da 2ª Ré, na condição de vendedora; que, mediante preposto, teria se dirigido à Agência da 1ª Ré, na tentativa de obter informação e auxílio para que fosse resolvida a pendência, todavia, teria sempre recebido promessas de que o seu caso estaria sendo analisado pelo departamento jurídico e que em breve receberia resposta acerca de como proceder; que, todavia, jamais teria recebido tais respostas; que a obrigação pelo pagamento teria sido cumprida em 03/07/2004 e desde essa data a Autora estaria tentando regularizar a situação do imóvel; que teria sofrido dano moral, e deveria ser indenizada.  Teceu outros comentários, e requereu: a procedência dos pedidos, determinando à primeira Ré que dê a total quitação do referido contrato, procedendo com a baixa do ônus da hipoteca no prazo máximo de cinco dias, sob pena de multa diária a ser arbitrada por este Juízo, e, em seguida, que a segunda Ré seja compelida a proceder com a transferência da titularidade do referido imóvel, objeto do contrato anexado aos autos, haja vista o suposto adimplemento comprovado por parte da Autora; a condenação das Rés à indenização pelos danos morais que teriam sido causados à Autora; a condenação das Rés nas verbas de sucumbência. Protestou o de estilo. Deu valor à causa e instruiu a Inicial com instrumento de procuração e documentos, fls. 13/34.

Custas recolhidas, fl. 35.

Determinado à parte autora, à fl. 38, que completasse a Petição Inicial, fundamentando o pedido de antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional e formulando o referido pedido.

A parte autora pediu, à fl. 40, que fosse desconsiderada a menção à antecipação dos efeitos da tutela, porque o termo “PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA” teria sido um erro de digitação.

Citada, a CAIXA ECONÔMICA FEDERAL juntamente com a EMGEA apresentaram Contestação às fls. 46/60, sustentando, preliminarmente, a ilegitimidade passiva ad causam da CEF e a legitimidade passiva ad causam da EMGEA, sob o argumento de que a CEF teria cedido à EMGEA o crédito objeto do contrato em tela. No mérito, sustentaram a força obrigatória do contrato entre as partes celebrado e aduziram que não estariam presentes os pressupostos ensejadores do dever de indenizar; que, ainda que houvesse prova dos danos sofridos pela parte autora advindos da conduta da CEF/EMGEA, se tais danos existiram teriam decorrido da conduta da COOPERATIVA HABITACIONAL SETE DE SETEMBRO,  o que excluiria a responsabilidade civil da CEF/EMGEA; que não haveria ato ilícito praticado pela CEF/EMGEA e, por conseguinte, não haveria nexo de causalidade entre o ato e o dano, uma vez que o ato ilícito, se tiver havido, não teria sido praticado pela CEF; que a jurisprudência dominante, embora tenha prevalecido o entendimento de que ao Juiz caberia o arbitramento da indenização, o Magistrado deveria cercar-se de cuidado, experiência, equilíbrio e bom censo, para não permitir enriquecimentos sem causas justificadoras; que, ainda que admitidos os fatos alegados pela Autora e que se chegue à conclusão de que a CEF/EMGEA, no exercido de suas funções, agiram de forma irregular, deveriam ser observados os critérios de razoabilidade para a fixação do valor a título de indenização. Teceu outros comentários e pugnou pela improcedência dos pedidos e pela condenação da Autora nas verbas de sucumbência. Protestou o de estilo e juntou documentos e instrumento de procuração e documentos, fls. 61/75.

A Autora, às fls. 79/81, apresentou Réplica à Contestação da CEF/EMGEA e juntou documento, fls. 82/83.

Citada, a COOPERATIVA HABITACIONAL SETE DE SETEMBRO apresentou Contestação às fls. 87/93, argüindo as seguintes preliminares: a) impossibilidade jurídica do pedido em relação à Cooperativa e aduziu que não poderia registrar o Contrato em tela porque a CEF não o teria devolvido para averbação junto ao RGI; e b)  Ilegitimidade passiva ad causam. No mérito, invocou o teor da Súmula nº 308 do E. STJ e aduziu que seria da CEF a obrigação de liberar a hipoteca, porque a hipoteca firmada entre a CEF e a Cooperativa não teria eficácia perante o adquirente do imóvel; que seria da CEF a responsabilidade pela averbação do imóvel; que a liberação da hipoteca dependeria da iniciativa da CEF e, se por ventura algum dano moral ou qualquer outro vier a ser reconhecido, deveria se imputado à CEF; que a Autora teria quitado junto à CEF o pagamento do imóvel, todavia não teria recebido da CEF a liberação da hipoteca; que não poderia ser negado ao adquirente de um bem imóvel o direito à escritura definitiva de compra e venda; que seria da CEF a responsabilidade pela não confecção da escritura definitiva, sobre quem deveria recair a responsabilidade; que não teria causado dano moral à Autora e, quanto a este, adere à Contestação da CEF/EMGEA. Ao final, pugnou pela improcedência dos pedidos e pela condenação da parte autora nas verbas de sucumbência. Juntou instrumento de procuração e documentos, fls. 94/154.

A Autora, às fls. 156/158, apresentou Réplica à Contestação da Cooperativa.

Em atenção ao despacho de fl. 160, a parte autora apresentou cópia da sua Identidade e CPF, fl. 163.

Na decisão de fl. 164, foi deferida a tramitação prioritária do feito.

Na decisão interlocutória de fls. 166/167, foram rejeitadas as preliminares de ilegitimidade passiva ad causam da defesa da CEF e da Cooperativa 7 de Setembro, bem como a preliminar de legitimidade passiva da EMGEA e determinando que CEF comprovasse a restituição do contrato em questão à Cooperativa para assinatura e registro, contrato esse que lhe teria sido entregue em 29.04.1994, ou então comprovasse que não recebeu referido contrato. Determinando, outrossim, que a CEF se manifestasse sobre a hipoteca comprovada no documento juntado com a réplica e que se encontra às fls. 82-83, esclarecendo quem registrou referida hipoteca no respectivo cartório.

A CEF, à fl. 174/175, alegou que a certidão de fls. 82/83 não seria pertinente ao registro de garantia hipotecária do contrato do mutuário; que, conforme se verificaria da certidão, o proprietários seria a Cooperativa 7 de setembro, ou seja, a garantia seria referente à CEF e à Cooperativa 7 de Setembro; que, somente após a assinatura da Cooperativa no contrato de compra e venda, em que a mesma figura como vendedora, é que haveria o registro do gravame hipotecário para garantir o financiamento da CEF com o comprador e mutuário, ora Autor, o que não teria ocorrido em face da ausência de assinatura da Cooperativa; que seria vazia a afirmação da Cooperativa de que entregou à CEF o contrato objeto da ação; que a Cooperativa nunca teria assinado o contrato, logo, qualquer registro de entrega de contrato pela Cooperativa não teria o condão de afastar sua omissão em não proceder à assinatura do termo; que a Cooperativa seria a vendedora e parte autora a compradora, logo, essas partes é quem estariam realizando a transferência do bem para a propriedade do outro, e a CEF seria mero instrumento para tal fim como financiadora da negociação realizada entre vendedor e comprador; que, portanto, não seria a CEF quem teria interesse em não ter o contrato assinado pelos compradores e vendedores, na medida em que, apenas poderia registrar o contrato e, por conseguinte, a garantia hipotecária do contrato de financiamento firmado com o Autor (comprador e mutuário) com a assinatura do vendedor(Cooperativa 7 de setembro). Juntou cópia de contrato, fls. 176/187.

A Parte Autora, às fls. 189/190, alegou que a CEF não teria cumprido o determinado na decisão de fls. 166/167, sustentando, ainda, que teria ficado comprovada a culpa concorrente dos Réus. Teceu outros comentários e requereu a condenação solidária dos Réus a indenizar a parte autora dos danos morais que lhe teriam sido causados.

 
É o Relatório

Passo a decidir.
 

Fundamentação

1. Inicialmente, registro que as matérias preliminares foram enfrentadas na decisão de fls. 166-167, que transitou em julgado. Ainda inicialmente, registro que Parte Autora desistiu do pedido de antecipação da tutela,conforme petição de fl. 40.
           

2. A Autora alega que quitou todas parcelas do financiamento perante a Caixa Econômica Federal-CEF, desde 03.07.2004, mas não conseguiu junto a esta a carta para baixa da hipoteca, nem junto à Cooperativa Habitacional Sete de Setembro a transferência definitiva do imóvel para o seu nome: a primeira Ré alega que só poderá autorizar a baixa na hipoteca se a segunda Ré lhe fornecer cópia do contrato original, devidamente registrado em cartório e que a segunda Ré não assinou o contrato na época do financiamento, e que esta não teria assinado porque, conforme o disposto na qualificação das Partes, no contrato, era representada pela Caixa Econômica Federal-CEF. Não teriam todavia percebido que na parte final do contrato referida representação foi tornada sem efeito.

                A alegação da defesa da Caixa Econômica Federal-CEF de que não teria registrado a hipoteca, porque o contrato de compra e venda entre a Autora e a Segunda Ré não teria sido registrado, encontra-se desconstituída com a certidão de fl. 82, que a Autora juntou com a Réplica, e tenho por sem sentido a alegação da Caixa Econômica Federal-CEF, quando falou a respeito dessa certidão, na petição de fls. 174-175, pois a hipoteca deu-se por conta do financiamento à ora Autora: a Caixa Econômica Federal-CEF repassou todo o valor para a Cooperativa ora Ré, tomou o imóvel como garantia do financiamento feito a favor da ora Autora.

                Não há um contrato isolado de compra e venda entre a Autora e a Cooperativa, mas sim um contrato com as três Partes, envolvendo compra e venda e financiamento, contrato esse que foi juntado com a petição inicial e que se encontra às fl. 16-26, devidamente assinado pela ora Autora e por representante legal da Caixa Econômica Federal-CEF, tendo essas duas Partes também assinado a Renegociação do Financiamento(fls. 27-31).

                A falta de assinatura da Cooperativa ora Ré constitui mera falha ou descuido do representante legal da Caixa Econômica Federal-CEF, que assinou o referido contrato, juntamente com a Autora.

                Ademais, mesmo que se aceitasse a alegação da Caixa Econômica Federal-CEF, formulada na petição de fls. 174-175, de que a hipoteca teria sido dada, a seu favor,  pela Cooperativa ora Ré, ante os termos da Súmula 308 do E. Superior Tribunal de Justiça, não teria eficácia perante a ora Autora, que já quitou toda a dívida.

                A Caixa Econômica Federal-CEF, para liberar o valor do imóvel em questão, a favor da Cooperativa ora ré, deveria ter, antes da liberação, exigido que esta assinasse o contrato em questão, não podendo transferir esse ônus para a ora Autora.

                E a Cooperativa ora Ré, tendo recebido o valor relativo ao imóvel em questão, obrigou-se a assinar referido contrato, como previsto no final deste(v. fl. 26 dos autos) e se não o fez até o presente momento, deve fazê-lo imediatamente.

                A Cooperativa ora Ré comprova, com o documento que se encontra às fls. 152-154, juntado com sua contestação, que realmente encaminhou o contrato em questão, de nº 403(note-se que este número consta da cópia juntada pela ora Autora, às fls. 12), para assinatura da Caixa Econômica Federal-CEF e da Parte Autora e nesta foi recebido em 29.04.1994, mas embora tenha assinado referido contrato e nele colhido a assinatura da ora Autora, a Caixa Econômica Federal-CEF não comprovou, nestes autos, que o tenha devolvido à Cooperativa ora Ré, para que o representante legal desta o assinasse.

                No entanto, nada impediria que o representante legal da referida Cooperativa entrasse em contacto com o representante legal da Caixa Econômica Federal-CEF para assinar o referido contrato, afinal pressupõe-se que os contratantes agem de boa-fé e de boa vontade.

                O que não poderia ter acontecido era o que findou por acontecer: por falta de entendimento entre as duas Rés, ficar a ora Autora prejudicada e angustiada ante a situação descrita na petição inicial e acima.

                É lamentável que isso tenha acontecido e que as duas Rés tenham obrigado a ora Autora  vir perante o Poder Judiciário, quando, se a Caixa Econômica Federal-CEF e a Cooperativa ora ré agissem de boa vontade, tudo poderia ter sido resolvido na via administrativa.  E por isso o Ministério Público Federal deve ser cientificado desse lamentável fato para verificar se houve algum crime, senão contra a Autora, contra os cofres públicos, e, se tiver ocorrido, tomar as medidas necessárias. 

                No entanto, nada impede que, agora, a Cooperativa ora Ré assine o referido contrato, para fins de registro, até mesmo porque assim se encontra obrigada, conforme previsto no final do contrato de compra e venda e financiamento, no texto que se encontra à fl. 26 dos autos, posto que a Autora já quitou sua dívida perante a Caixa Econômica Federal-CEF e a Cooperativa ora Ré há muito já recebeu o valor do financiamento.

                E, se por alguma eventualidade, a Caixa Econômica Federal-CEF tiver deixado se extraviar o original, outro contrato deve ser redigido, nos mesmos termos da cópia que foi juntada com a petição inicial, para tal fim, sem qualquer ônus para a ora Autora.

                E pelas mesmas razões, após a assinatura do contrato, nada impede que a Caixa Econômica Federal-CEF tome todas as providências necessárias para a baixa da hipoteca.


                3. Os danos morais, sofridos pela Autora, pela noticiada falha administrativa da Caixa Econômica Federal-CEF e pela falta de boa vontade da Cooperativa ora Ré, decorrem da angústia de ter quitado o contrato desde 03.07.2004 e, embora tenha tentado na via administrativa, não conseguiu que Caixa Econômica Federal-CEF, até o presente momento, a baixa na hipoteca e o registro do contrato no respectivo Cartório.

                Deve, por isso, ser indenizada pela ora Rés, pro rata.

                O valor, que busca punir os causadores do dano e repor as energias emocionais da vítima, deve ser em montante que não represente enriquecimento sem causa da vítima, mas que tenha uma certa força punitiva, para evitar que voltem a praticar o mesmo ato danoso contra outras pessoas e nesse aspecto também deve-se levar em conta o potencial econômico destes.

    Assim, tenho que o valor da indenização à Autora, pelos danos morais que vem sofrendo ao longo de todos esses anos, seja de R$ 20.000,00(vinte mil reais), atualizados a partir do mês seguinte ao da publicação desta sentença, pelos índices de correção monetária do Manual de Cálculos do Conselho da Justiça Federal e acrescidos de juros de mora legais, à razão de 0,5%(meio por cento) ao mês, contados estes da data da intimação da execução desta Sentença, mas incidentes sobre o valor já monetariamente corrigido.


                Conclusão
 

                POSTO ISSO, julgo procedentes os pedidos desta ação e condeno a Cooperativa ora Ré a proceder a assinatura do contrato de compra e venda e financiamento, cuja cópia se encontra às fls. 12-26 dos autos, e a Caixa Econômica Federal-CEF a tomar todas as providências pertinentes destinadas à baixa da noticiada hipoteca, que incide sobre o imóvel objeto do referido contrato, e que após a baixa da hipoteca, que a Cooperativa  ora ré providencie para que referido contrato seja efetivamente registrado no  respectivo Cartório de registro de imóveis, cabendo à ora Autora apenas os ônus financeiros e legais decorrentes desse registro, ficando concedido à Cooperativa ora ré o prazo de 30(trinta)dias para realizar a noticiada assinatura e, depois desta, os 30(trinta)dias subseqüentes para a Caixa Econômica Federal-CEF providenciar a baixa na hipoteca, e à Cooperativa ora ré 30(trinta)dias após a baixa na hipoteca para tomar todas as providências necessárias ao noticiado registro no respectivo cartório de registro de imóveis, sendo que o desrespeito a quaisquer desses prazos implicará multa diária no valor de R$ 3.000,00(três mil reais), sem prejuízo da responsabilização funcional, civil e criminal da pessoa que der azo ao respectivo pagamento.

                Outrossim, condeno as duas Rés a indenizar a Autora pelos danos morais que lhes causaram, pro rata,  no valor de R$ 20.000,00(vinte mil reais), com correção monetária e juros de mora, na forma acima preconizada.

    Finalmente, condeno as duas Rés, pro rata, em verba honorária, que arbitro em 10%(dez por cento)do valor da causa, atualizado a partir do mês seguinte ao da propositura desta ação, pelos índices de correção monetária do Manual de Cálculos do Conselho da Justiça Federal.

                Dê-se ciência desta sentença ao Ministério Público Federal, para os fins indicados no 11°.(décimo primeiro)parágrafo do item “2” da sua fundamentação, bem como para fiscalizar a reposição aos cofres d Caixa Econômica Federal-CEF, via ação regressiva, do valor que esta venha a pagar à ora Autora e para outras providências que entender por pertinentes.  

                                                                                                                                                                                                     

P.R.I.

 

Recife, 13 de abril de 2010.

  

Francisco Alves dos Santos Júnior

  Juiz Federal, 2ª Vara-PE

NOTAS
 
1. O Tribunal Regional Federal da 5ª Região manteve a sentença acima, na íntegra, no julgamento da apelação cível nº 504.741/PE, Relator Desembargador Federal José Maria Lucena, julgamento em 20.10.2011, disponibilizado no DJe TRF5 nº 197, em 27.10.2011 e publicado em 28.10.2011.
 
2, A Caixa Econômica Federal interpôs recurso especial, que recebeu o número REsp 1.358.879-PE(2012/0268004-7), ao qual se negou seguimento, por decisão de 01.02.2013,  Relator Ministro Marco Buzzi, publicada no DJe/STJ, em 05.02.2013, com trânsito em julgado em 19.02.2013.  

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

EXECUÇÃO DE TÍTULO JUDICIAL. INTIMAÇÃO DO DEVEDOR PELO DIÁRIO OFICIAL, EM NOME DO(A) RESPECTIVO(A) ADVOGADO(A). ENTENDIMENTO DA CORTE ESPECIAL DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.

Por Francisco Alves dos Santos Jr.
 
No ano de 2005, com vistas a combater o tormentoso problema da lentidão da tramitação dos processos judiciais, o Legislador Brasileiro, pela Lei Lei 11.232, de 22.09.2005, fez uma grande reforma no código de processo civil, principalmente na parte de execução de título extrajudicial. E uma das inovações consistiu na desnecessidade de intimar pessoalmente o Devedor para pagar o valor que seja apresentado em memória de cálculo pelo Credor, em execução de título judicial, fazendo-se sua intimação pelo Diário Oficial do País, por intermédio do(a) Advogado(a).
No presente caso, isso ocorreu e a I. Advogada requereu que o seu Cliente, o Devedor, fosse intimado pessoalmente da memória de cálculo e para pagar a dívida.
Na decisão que segue, esse assunto é debatido e demonstra-se que a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, que é o seu Plenário, já pacificou o seu entendimento que mencionado pleito não pode ser acolhido, sob pena de frustrar-se a noticiada reforma do código de processo civil e ferir os princípios constituconais da celeridade, efetividade e duração razoável do processo, previstos em incisos do art. 5º da Constituição da República. 
Boa leitura. 
 

PODER JUDICIÁRIO

JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRO GRAU 5ª  REGIÃO

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DE PERNAMBUCO

2ª VARA

 

Processo nº 0012630-63.2008.4.05.8300

Classe:    29 AÇÃO ORDINÁRIA (PROCEDIMENTO COMUM ORDINÁRIO)

AUTOR: D. A.  S.

RÉU: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CAIXA e outros

 

C O N C L U S Ã O

 

Nesta data, faço conclusos os presentes autos a(o) M.M.(a) Juiz(a) da 2a. VARA FEDERAL Sr.(a) Dr.(a) FRANCISCO ALVES DOS SANTOS JUNIOR


Recife, 14/05/2013


              Encarregado(a) do Setor

 

D E C I S Ã O

 
Nos presentes autos, apesar de haver sido intimada para os fins do art. 475-J do CPC, a parte autora não procedeu ao pagamento devido, requerendo sua I. Patrona (fl. 377) fosse a intimação renovada, desta feita por meio de intimação pessoal do próprio Autor, ora Executado.

Ocorre que a legislação que reformou o código de processo civil(Lei 11.232, de 22.09.2005), visando atender os princípios constitucionais da celeridade, efetividade e duração razoável do processo, pôs fim à pretendida intimação pessoal do Devedor para  casos de execução como a destes autos, sendo ele intimado por intermédio do(a) seu(sua)Advogado(a). 

E esse entendimento foi sacramentado pela Corte Especial do E. Superior Tribunal de Justiça[1], verbis:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AGRAVO REGIMENTAL. MULTA DO ART. 475-J DO CPC. NECESSIDADE DE INTIMAÇÃO DO PATRONO DA PARTE. 1. A Corte Especial, firmou orientação no sentido de ser dispensável a intimação pessoal do devedor para pagamento do débito de forma espontânea, sendo suficiente para tanto a sua intimação na pessoa de seu advogado.

2. (...)

3.(...).”[2]

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. MULTA DO ART. 475-J DO CPC. INTIMAÇÃO DO DEVEDOR, POR MEIO DE SEU ADVOGADO, PARA CUMPRIMENTO ESPONTÂNEO DA DECISÃO. CUMULAÇÃO ENTRE JUROS SOBRE CAPITAL PRÓPRIO E DIVIDENDOS. POSSIBILIDADE.

1. (...).

2. A Corte Especial, a partir do julgamento do REsp 940.274/MS, em que foi Relator para acórdão o eminente Ministro João Otávio de Noronha (DJe de 31.5.2010), firmou orientação no sentido de que, para fins de incidência da multa prevista no art. 475-J do CPC, é dispensável a intimação pessoal do devedor para pagamento espontâneo do débito, bastando sua intimação por intermédio de seu advogado.

3. (...).

         4. Agravo interno a que se nega provimento.[3]


AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DECISÃO RECORRIDA EM CONFORMIDADE COM O ENTENDIMENTO DO STJ. MULTA DO ART. 475-J DO CPC. SUFICIÊNCIA DA INTIMAÇÃO DO ADVOGADO, POR PUBLICAÇÃO OFICIAL. PRECEDENTE. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.

I - É desnecessária a intimação pessoal do devedor para a incidência da multa do art. 475-J do CPC, bastando a intimação ordinária de seu advogado, por publicação oficial, salvo na hipótese de inexistir advogado constituído nos autos. Precedente.

II – (...).

III - Agravo regimental não provido.[4]

Ante tal situação, com esteio no assentado entendimento jurisprudencial acima invocado, o pedido de fl. 377 da I. Advogada do Executado, para que este seja intimado pessoalmente da execução do título judicial,  não pode ser acolhido e, considerando os termos da petição de fls. 381-383 da Exequente, deve-se dar início à execução forçada.

Conclusão

 Ante as razões acima aduzidas, indefiro o pedido de fl. 377 da I. Advogada do Executado, homologo a memória de cálculo apresentada pela Parte Exequente e, diante do não pagamento, tampouco do depósito para impugnação da execução, determino que se faça o bloqueio eletrônico pelo BACENJUD, conforme requerido pela Exequente às fls. 381-383 e, se infrutífero, fica autorizados, desde já, a realização de pesquisa e bloqueio no RENAJUD e, caso também nada seja encontrado neste, que se faça a pesquisa no site da Receita Federal do Brasil, pelo INFOJUD.

P. I.

Recife, 23.09.2013


Francisco Alves dos Santos Júnior

  Juiz Federal, 2ª Vara-PE



[1] REsp 940.274/MS
[2] AGA 201000807610, MARIA ISABEL GALLOTTI, STJ - QUARTA TURMA, DJE DATA:15/02/2011.(G.N.)
 
[3] AGRESP 201000934461, RAUL ARAÚJO, STJ - QUARTA TURMA, DJE DATA:15/12/2010.(G.N.)
 
[4] AGA 200802265387, PAULO DE TARSO SANSEVERINO, STJ - TERCEIRA TURMA, DJE DATA:30/11/2010.(G.N.)
 

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

PRESCRIÇÃO ADMINISTRATIVA. FUNDO DO DIREITO. INÍCIO DO PRAZO. IMPRESCRITIBILIDADE. NÃO APLICAÇÃO DA SÚMULA 85 DO STJ. ENTENDIMENTO DO STF E DO STJ.

    Por Francisco Alves dos Santos Júnior


   A prescrição da pretensão, relativamente ao fundo do direito, no campo do direito administrativo, é  assunto de profunda complexidade no direito brasileiro.
   Na sentença que segue, esse assunto é debatido à luz do entendimento adotado em antigos julgados do Supremo Tribunal Federal que só recentemente passou a ser seguido pelo Superior Tribunal de Justiça. 
   Nela também se discute a imprescrtibilidade, o início da fluência do prazo prescricional, e explica-se o motivo pelo qual ao caso em debate não foi possível aplicar-se a Súmula 85 do STJ, relativa a prescrição nas relações jurídicas de trato sucessivo.

   Boa leitura.

   OBS.: a sentença foi elaborada com a pronta colaboração da Assessora Luciana Simões Corrêa de Albuquerque, no campo das pesquisas e na redação do relatório e de alguns trechos da fundamentação e da conclusão.
 
 

PODER JUDICIÁRIO

JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

Seção Judiciária de Pernambuco

2ª VARA

 

Juiz Federal: Francisco Ales dos Santos Júnior

Processo nº 0001116-45.2010.4.05.8300  Classe: 29 - AÇÃO ORDINÁRIA

AUTOR   : M G DO N

ADVOGADO: S B F e Outro.

RÉU : FUNDACAO DE HEMATOLOGIA E HEMOTERAPIA DE PERNAMBUCO - HEMOPE E OUTRO

ADVOGADO: U L C e Outro

 

Registro nº ...........................................

Certifico que registrei esta Sentença às fls..........

Recife, ...../...../2013


Sentença tipo A
 
 

EMENTA: - DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. IMPRESCRITIBILIDADE E PRESCRIÇÃO. VIOLAÇÃO DE DIREITO.

Rejeição das preliminares de ilegitimidade passiva ad causam das Requeridas.

A pretensão de reparação de danos, via recebimento de indenização e pensão mensal, a ser pagas por Entes Públicos, não se encontra à margem da prescrição quinquenal do Decreto nº 20.910, de 06 de janeiro de 1932.

O prazo de prescrição começa a fluir do dia seguinte àquele em que se toma conhecimento dos danos decorrentes da alegada violação de direito.

Acolhimento da exceção de prescrição quinquenal, extinguindo-se o processo, com resolução do mérito.



Vistos etc.

 

M G DO N, qualificado na Petição Inicial, ajuizou a presente ação de indenização por danos morais e materiais(pensão vitalícia), pelo rito ordinário, com pedido de cautelar, liminarmente, tente protocolado a ação na Distribuição em 19/01/10, indicando como Ré a UNIÃO. Requereu, inicialmente, os benefícios Justiça Gratuita e a tramitação prioritária do feito. Alegou, em síntese, que seria portador de hemofilia e Mal de Pott há vários anos e teria se submetido a tratamento junto ao HEMOPE, onde teria feito uso de hemoderivados, por meio de transfusão de sangue, inclusive do medicamento chamado “crioprecipitado GAH”; que a aludida medicação seria ministrada por meio de transfusão de sangue; que, após vários anos de tratamento, teria tomado conhecimento da contaminação de vários hemofílicos pelo vírus do HIV, Hepatite C e/ou HTLV, ocasião em que teria sido cientificado de que tais contaminações teriam decorrido do citado medicamento, fabricado por empresas americanas; que teria realizado exame laboratorial no dia 18/08/2004, e constatado que teria sido infectado pelo vírus da Hepatite “C”, o que vem teria modificado o seu cotidiano e de sua família, porque, que, além de portador da hemofilia, teria que lidar com a realidade de uma doença grave, de difícil tratamento e incurável, além do medo de ser contaminado por outro eventual vírus, conforme teria ocorrido com outros pacientes do Réu; que tivera que se submeter a tratamento permanente e caríssimo, o que aumentaria ainda mais o seu problema, porque não teria recursos financeiros para arcar com o ônus do tratamento. Discorreu a respeito da definição, natureza e aspectos clínicos da hemofilia, sobre sangue e /ou hemoderivados e, ainda, acerca da hepatite C e aduziu que seria aplicável ao caso em tela a responsabilidade objetiva na forma do §6º do art. 37 da CR/88; que caberia aos hemocentros a fiscalização do sangue doado, e a prevenção de doenças transmissíveis por meio do sangue; que estaria presente o nexo causal entre a conduta do Hemope e o dano. Transcreveu ementas de decisões judiciais e afirmou que a contaminação experimentada pelo Autor seria igual a uma sentença de morte antecipada em razão do ilícito que causaria dor, pesar, frustração, desestímulo e irresignação, logo, faria jus à indenização por danos morais, que deveria ser arbitrado por este Juízo e também por danos materiais correspondente a uma pensão vitalícia no montante de 05 (cinco) salários mínimos mensais, contados da data da contaminação até que o Autor complete 70 (setenta) anos de idade. Transcreveu ementas de decisões judiciais e requereu: a concessão dos benefícios da justiça gratuita; a tramitação prioritária do feito; a concessão da medida liminar compelindo a UNIÃO ao pagamento de pensão mensal provisória no montante de 05 (cinco) salários mínimos; a citação da UNIÃO; a intimação do Ministério Público; a procedência dos pedidos, condenando a UNIÃO ao pagamento de indenização por danos morais, em valor a ser arbitrados por este Juízo, e materiais, compelindo a UNIÃO, ainda, ao pagamento de uma pensão vitalícia no montante de 05 (cinco) salários mínimos mensais, contados da data da contaminação até que o Autor complete 70 (setenta) anos de idade; condenação em verba honorária. Atribuiu valor à causa e juntou procuração e cópias de documentos, fls. 40-129.

Determinada a intimação da parte Ré para se manifestar sobre o pedido de antecipação de tutela, bem como determinada a citação (fl. 130).

A  UNIÃO manifestou-se sobre o pedido de antecipação dos efeitos da tutela. Suscitou, em sede de preliminar, ilegitimidade passiva ad causam. Prejudicialmente, defendeu a ocorrência de prescrição, nos moldes do Decreto nº 20.910/32. No mérito, aduziu inexistência do preenchimento dos requisitos necessários à concessão da tutela antecipada em razão da necessidade de dilação probatória. Teceu outros comentários. Pugnou, ao final, pela extinção do processo sem julgamento do mérito por ilegitimidade passiva ad causam e o indeferimento da tutela antecipada. Juntou documentos às fls. 144-145.

Decisão fundamentada às fls. 146-148, deferindo a prioridade de tramitação, rejeitando a preliminar de ilegitimidade passiva, determinando a intimação da parte autora para promover a citação do HEMOPE e indeferindo o pedido de medida liminar.

A parte autora, às fls. 153-154, noticiou a interposição de Agravo de Instrumento e juntou cópia do referido recurso às fls. 155-184. Esclareceu, ainda, que, quanto à determinação de citação do HEMOPE, tal proceder implicaria litispendência, eis que o Autor ingressara com Ação de Indenização por Danos Morais e Materiais contra a referida Fundação, perante a Justiça Estadual. Requereu, por fim, o avocamento do feito em trâmite na Justiça Estadual, ali tombado sob o nº 001.2008.029679-4, na 1ª Vara da Fazenda Pública. Juntou documentos às fls. 155-184.

Mantida a decisão agravada às fls. 185. Consignou-se, ainda, naquela decisão que, em caso de promoção da citação do HEMOPE pela parte da Autora, que fosse realizada, caso contrário, que o feito voltasse concluso ao juiz para análise.

A União apresentou Contestação às fls. 186-205-vº, arguindo preliminar de ilegitimidade passiva ad causam e, consequentemente, a incompetência absoluta da Justiça Federal. Arguiu, ainda, prejudicial de prescrição. No mérito, afirmou que não seria responsável pelo suposto dano sofrido pelo autor; que, além disso, não estaria provado que a União teria sido omissa no desempenho de suas funções; que não estaria nos autos a comprovação da necessidade de ter o Autor uma pensão mensal no valor de 05 (cinco) salários mínimos, porque o tratamento e os medicamentos seriam oferecidos pelo SUS; que, portanto, não haveria que se falar no custeio de tais despesas. Teceu outros comentários, e requereu: o acolhimento das preliminares; a improcedência dos pedidos; a condenação da parte demandante nas verbas de sucumbência. Juntou documentos, fls. 584/600.  Juntou documentos Às fls. 206-207v°.

O Autor apresentou Réplica às fls.211-230.

Embargos de Declaração opostos pelo Autor às fls. 232-238-vº, aduzindo omissão do Juízo quanto ao pedido de avocamento do processo junto à Justiça Estadual.

Impugnação aos Embargos de Declaração às fls. 236-238.

Às fls. 241-242, os Embargos de Declaração foram improvidos e determinou-se, ainda, que fosse expedido ofício ao Juízo da 1ª Vara da Fazenda Pública para a adoção das providências que entendesse pertinentes. Juntada de documentos às fls. 243-245.

A petição inicial foi emendada às fls. 249, no sentido de incluir o HEMOPE no pólo passivo da ação.

Determinada a remessa dos autos à distribuição para a inclusão do HEMOPE no pólo passivo, o que ocorreu pelo Termo de fl. 255, datado de 23.08.2010.

A Fundação de Hematologia e Hemoterapia do Estado de Pernambuco-HEMOPE foi citada em 15.10.2010(fl. 261) e ofertou Contestação às fls. 262-285. Arguiu, preliminarmente, litispendência em relação ao processo nº 0029679-1.2008.8.17.0001, em trâmite da 1ª Vara da Fazenda Pública. Ainda preliminarmente,  defendeu sua ilegitimidade passiva e a legitimidade do Estado de Pernambuco. Prejudicialmente, pugnou fosse decretada a prescrição, ante o previsto no art. 1º do Decreto nº 20.910/32. No mérito, teceu comentários acerca do hemocomponente crioprecipitado e ressaltou, dentre outros aspectos, que inexistiria nexo de causalidade entre o ato praticado e o dano moral, haja vista que não teria ficado constatado ser o HEMOPE causador do prejuízo que o Autor acreditaria ter sofrido; que, no caso, sendo a responsabilidade do HEMOPE subjetiva, ao Autor caberia comprovar a culpa, o nexo causal entre a culpa e o eventual prejuízo que teria sofrido; que, no caso de procedência do pedido, o valor da indenização deveria ser em quantia razoável, a ponto de não se caracterizar enriquecimento ilícito. Teceu outros comentários e pugnou, ao final, pelo acolhimento das preliminares e pela improcedência dos pedidos. Juntou procuração e documentos às fls. 286/423.

Réplica à Contestação do HEMOPE (fls. . 429-458). Juntada de documentos às fls. 462-464.

Determinada nova remessa de ofício à 1ª Vara  da Fazenda Pública de Pernambuco (fl. 466).

Extrato de movimentação processual do Agravo às fls. 483-491, onde se constata que o TRF/5ªR não modificou a decisão deste Juízo, na qual se negou a pleiteada antecipação de tutela ou medida liminar.

A União pugnou pelo acolhimento da prescrição e, no mérito, pela improcedência dos pedidos ( fls.500-501).

Cópia da decisão exarada nos autos do AGTR nº 105675-PE, na qual se admitiu o recurso Especial(fl. 512).

Determinada a remessa dos autos para julgamento (fl. 515).

Cópia de decisão exarada pelo E. STJ, negando seguimento ao Recurso Especial interposto pelo Autor, decisão esta que transitou em julgado. (vide fls. 516-523).

É o relatório, no essencial. Passo a decidir.


2. Fundamentação


2.1. QUANTO À AÇÃO ORDINÁRIA, PROCESSO Nº 0019042-05.2011.4.05.8300, E IMPUGNAÇÃO AO VALOR DA CAUSA, PROCESSO Nº 0019043-87.2011.4.05.8300


No transcurso da marcha processual, formulou o Autor a este juízo federal pedido de avocamento das ações em trâmite na Justiça Estadual[1](vide fls. 153-154), pleito este indeferido ante a impossibilidade jurídico-processual, uma vez que este juízo federal não tem competência para tanto(fls. 241-242).

Mas os respectivos feitos findaram por ser remetidos a este Juízo, pelo Juízo Estadual e aqui foram tombados, respectivamente, sob os números 0019042-05.2011.4.05.8300 (Ação Ordinária) e 0019043-87.2011.4.05.830 (Impugnação ao Valor da Causa), que foram apensados à Ação Ordinária ora sob análise. A ação ordinária foi extinta, sem resolução do mérito e a impugnação ao valor da causa, foi extinta, por perda de objeto.

            Há, inclusive, em ambos os processos, determinação de remessa de autos ao arquivo, após regular baixa (vide fls. 487 e 47, respectivamente).

            Sendo assim, os autos de tais processos devem ser arquivados, com baixa, como neles já determinado.


2.2. Das Questões Preliminares


A União levanta preliminar de ilegitimidade passiva ad causam, porque, segundo alega, o dano sofrido pelo Autor não teria decorrido de ato ou omissão de qualquer dos seus Órgãos.

De acordo como o que se alega na Petição Inicial, os fatos que supostamente ensejariam a responsabilidade da União (e do HEMOPE), por dano moral e material, teriam ocorrido a partir do ano de 1982, pois, desde tal ano o Autor teria iniciado tratamento contra hemofilia no HEMOPE, quando passara a ingerir, por transfusão, o medicamento denominado “Crioprecipitado de G.A.H.”, cujo disciplinamento e controle, segundo alega o Autor, era da  UNIÃO, conforme Lei nº 4.701/61[2], que assim dispunha:


“Art 4º São da alçada exclusiva do Govêrno Federal o disciplinamento e contrôle da hemoterapia, para garantia de observância dos preceitos da Política Nacional do Sangue.”.

 
            Se a UNIÃO falhou ou não nesse disciplinamento e controle é matéria de mérito, logo esta preliminar não merece acolhida, porque na fase do exame do mérito, se não for acolhida exceção de prescrição, essa questão será examinada e decidida. 

Pelas mesmas razões, não merece acolhida idêntica preliminar da FUNDAÇÃO HEMOPE, pois cabe examinar, no mérito, a culpa que lhe é atribuída pelo ora Autor, no que diz respeito a sua alegada contaminação.

 
2.3. Da Exceção de Prescrição


2.3.1) O Autor defende a tese de que a matéria ventilada nos autos seria imprescritível, por uma suposta proteção ao direito à saúde e à vida, direitos fundamentais que não estariam sujeitos a prazo prescricional.

Realmente, os chamados direitos fundamentais são imprescritíveis, porque indisponíveis, inalienáveis, não sujeitos à expropriação, nem mesmo pelo Estado, a quem compete protegê-los (art. 5º CF).

Alguns outros direitos têm a imprescritibilidade consignada no texto da Constituição, como ocorre, por exemplo, com a hipótese do § 5º do art. 37 da Constituição da República em vigor.

Outros direitos também podem ficar à margem da prescrição, desde que não haja Lei fixando esse tipo de prazo.

No entanto, no ordenamento jurídico do Brasil, no campo das relações públicas e privadas, quando não há regra expressa na Constituição da República e/ou em alguma Lei, colocando determinando direito à margem da prescrição, fatalmente será ele abrangido pelo prazo de prescrição geral, hoje fixado, relativamente à Fazenda Pública, no vetusto Decreto nº 20.910, de 06 de janiro 1932[3], e no campo privado o art. 205 do atual Código Civil.

Registro, também, que a prescrição corresponde a um prazo, fixado em Lei, para que a pessoa exerça, na via administrativa ou judicial, a pretensão de reparação de um direito que tenha sido violado(art. 189 do Código Civil), e tem por principal finalidade a concretização da segurança jurídica, como medida para evitar a instabilidade das relações jurídicas.

 

2.3.2) Contudo, a pretensão do Autor não se encontra à margem da prescrição, como sustentado na petição inicial, pois o que ele pretende é uma reparação de direito que teria sido violado pelos Requeridos, qual seja, o direito à transfusão de sangue limpo de qualquer impureza. E, como recebera em transfusão sangue contaminado, teria sido acometido das doenças que indica na petição inicial. Logo, faria jus à indenização pelos danos materiais e morais que teria sofrido.

Trata-se, pois, de pretensão com natureza patrimonial e disponível, de cunho econômico, diversa da pretensão ao exercício dos direitos indicados no subtópico anterior, despossuídos de conteúdo econômico direto e imediato.

Então, a pretensão do Autor submete-se à prescrição legal, fixada no art. 1º do noticiado Decreto nº 20.910, de 1932.

           

            2.3.3) Aduziram as Rés a ocorrência de prescrição do fundo do direito, tendo em vista que já decorridos mais de 5 (cinco) anos do suposto evento danoso.

O prazo prescricional das pretensões contrárias à Fazenda Pública acha-se definido no art. 1º do Decreto nº. 20.910/32:

 

“Art. 1º As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem”.

 

No caso dos autos, trata-se de pretensão à reparação civil, incluindo pensão mensal, decorrentes de alegada contaminação pelo vírus da Hepatite “C”, em virtude de alegada utilização de hemoderivados contaminados em transfusão de sangue para tratamento de hemofilia.

O evento danoso teria ocorrido num dado momento, a partir do qual teriam se desencadeado as conseqüências materiais e morais prejudiciais ao Autor, pelo que, descabe falar em prestação de trato sucessivo, mesmo em referência às prestações vincendas da pensão pretendida, conforme assentado no âmbito do colendo STJ:

 

“PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. MORTE DE MENOR EM DELEGACIA ESPECIAL DE PROTEÇÃO À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE. INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL E MORAL. FUNDO DE DIREITO. PRESCRIÇÃO QÜINQÜENAL. INCIDÊNCIA DO ART. 1º DO DECRETO LEI N. 20.910/32. SÚMULA 85/STJ. NÃO-APLICABILIDADE. RECURSO PROVIDO.

1. Cuidam os autos de ação de indenização ajuizada por Vanda dos Santos da Silva contra o Estado de Sergipe objetivando o ressarcimento pelos danos material (pensão mensal) e moral advindos em razão da morte de seu filho menor nas Dependências da Delegacia Especial de Proteção à Criança e ao Adolescente. Sentença julgou procedente o pedido condenando ao pagamento de pensão mensal e indenização pelo dano moral. O TJSE acolheu parcialmente a apelação do Estado de Sergipe entendendo por prescrito o direito de pleitear a indenização de cunho moral, assim como as parcelas anteriores ao ajuizamento da ação, mantendo, contudo, o direito ao pensionamento mensal. No recurso especial, alega-se que houve a ofensa dos arts. 20, § 4º, e 460 do CPC, e 1º do Decreto-Lei(sic)n. 20.910/32. Em síntese, defende: a) a prescrição do fundo de direito da autora pelo decurso de mais de cinco anos entre o fato danoso e ao ajuizamento da ação; b) a jurisprudência desta Corte entende que nos casos de responsabilidade civil do estado, onde se pleiteia a pensão mensal, uma vez prescrito o direito de reclamar sobre as obrigações decorrentes de um evento lesivo não há que se falar em trato sucessivo (REsp 534.671/CE); c) a decisão guerreada é nula por ser extra petita e implicou uma reformatio in pejus ao ser majorado o período de pensionamento; e d) a minoração dos honorários nos termos do art. 20, § 4º, do CPC. Contra-razões pela manutenção do aresto recorrido. Parecer do MPF opinando pelo conhecimento parcial do recurso e, nessa parte, pelo seu não-provimento.

2. O posicionamento firmado por esta Corte é no sentido de que "O art. 1º do Decreto-lei(sic)n. 20.910/32 estabelece a prescrição qüinqüenal de qualquer direito ou ação contra a Fazenda Pública, seja qual for a sua natureza, a partir do ato ou fato do qual se originou" (REsp n. 534.671/CE).

3. O direito perquirido não comporta pedido de prestação de trato sucessivo, conforme entendeu a instância de origem ao aplicar equivocadamente o enunciado sumular 85, desta Casa de Justiça que assim consigna: "Nas relações jurídicas de trato sucessivo em que a Fazenda Pública figure como devedora, quando não tiver sido negado o próprio direito reclamado, a prescrição atinge apenas as prestações vencidas antes do qüinqüênio anterior à propositura da ação".

4. O ressarcimento pleiteado encontra-se fulminado pela prescrição qüinqüenal sobre o próprio fundo do direito, e não apenas em relação às prestações anteriores ao ajuizamento da ação de indenização (Súmula 85/STJ), porquanto o evento danoso - morte do filho menor - ocorreu em outubro de 1993 e a demanda, objetivando o percebimento de indenização de cunho moral e material (pensionamento), somente foi intentada em 06/12/2001, ou seja, quando já decorridos mais de 08 (oito) anos do fato danoso.

5. Recurso especial provido a fim de reconhecer a ocorrência da prescrição qüinqüenal, declarando a extinção do processo com julgamento do mérito.” [4]

(RESP 200602708029

RESP - RECURSO ESPECIAL – 909201 Relator(a) JOSÉ DELGADO Órgão julgador PRIMEIRA TURMA Fonte DJE DATA:12/03/2008).

 Nesse mesmo sentido, era a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal-STF na época em que lhe cabia a apreciação de contrariedade a dispositivos de Leis Federais.

Eis um julgado, unânime, da 1ª Turma dessa C. Corte, lançada em 06.05.1988:

“E M E N T A – Funcionário Público. Re-enquadramento. Prescrição.

-Em se tratando de saber se o recorrido tem, ou não, direito a reenquadramento determinado pela lei estadual 3.640, de 05.01.1978, não há dúvida alguma de que a prescrição diz respeito à pretensão a essa situação funcional nova(e, portanto, ao denominado fundo de direito), e não apenas às prestações mensais que decorrem de situação funcional inquestionável e que não são pagas, ou o são, mas em quantum inferior ao devedor.

-(...).

-(...).”[5]

         Ainda a 1ª Turma dessa Colenda Corte:

“EMENTA: - Gratificação de nível universitário. Extinção em decorrência da Lei Complementar 218/79 do Estado de São Paulo. Prescrição.

-Acolhida da argüição de relevância quanto ao tema ´prescrição de vantagem funcional`.

-Extinção de gratificação é matéria que diz respeito ao que geralmente se denomina fundo de direito, pois as questões relativas ao quantum da remuneração só surgem depois de resolvido o problema de saber se essa extinção foi, ou não, legítima.

Ora, é firme o entendimento desta Corte no sentido de que, em se tratando de questão relativa ao fundo de direito, a prescrição diz respeito à pretensão relativa a ele, que é disciplinada pelo artigo 1º do Decreto 20.910/32, e não à pretensão referente às parcelas que decorrerão do reconhecimento desse fundo de direito, que se regula pelo art. 3º do mesmo Decreto.

-Negativa de vigência do art. 1º do Decreto nº 20910/32.

Recurso Extraordinário conhecido e provido, para declarar prescrita a pretensão relativa à restauração da gratificação de nível universitário extinta em virtude da Lei Complementar estadual 218/79.”.[6]

A 2ª Turma da mesma Colenda Corte, em v. Decisão de 02.09.1988, decidiu no mesmo sentido, verbis: 

“EMENTA – Funcionalismo. Prescrição qüinqüenal. Requerida, em juízo, a vantagem funcional apenas após decorridos mais de cinco anos da data da legislação na qual se funda o pedido, sem que o funcionário tenha, anteriormente, exercitado sua pretensão, cabe reconhecer a prescrição do próprio fundo do direito e não das prestações. Art. 1º, Decreto-lei nº 20.910/32. RE conhecido e provido.”.[7]

Quanto ao termo inicial do prazo prescricional tem que ser a data na qual a pretensa vítima de dano moral teve ciência do suposto dano, conforme assentado no E. Superior Tribunal de Justiça em r. julgado que, mutatis mutandis, aplica-se ao presente caso, verbis:

“PROCESSUAL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. CONCURSO PÚBLICO. SERVIDOR PÚBLICO IMPEDIDO DE TOMAR POSSE POR ATO DA ADMINISTRAÇÃO RECONHECIDO COMO ILEGAL POR SENTENÇA TRANSITADA EM JULGADO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS DEVIDA. PRESCRIÇÃO QÜINQÜENAL. DECRETO 20.910/32. TERMO INICIAL. VIOLAÇÃO AO ART. 535, DO CPC. INEXISTÊNCIA.

1. O termo a quo do prazo prescricional para o ajuizamento de Ação de Indenização contra ato do Estado, por dano moral e material, conta-se da ciência inequívoca dos efeitos decorrentes do ato lesivo.

(...)

12. Recurso especial a que se nega provimento.”

(RESP 200701709895 RESP - RECURSO ESPECIAL – 971870 Relator(a) LUIZ FUX Sigla do órgão STJ Órgão julgador PRIMEIRA TURMA Fonte DJE DATA:18/12/2008).

 

“PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS, MATERIAIS E ESTÉTICOS. PENSÃO MENSAL VITALÍCIA. PRESCRIÇÃO DO FUNDO DE DIREITO. VIOLAÇÃO DO ART. 1º DO DECRETO 20.910/32. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 85/STJ. PRECEDENTES. PROVIMENTO.

1. "As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem" (Decreto 20.910/32, art. 1º).

2. A prescrição, no caso, não atingiu apenas as prestações anteriores ao qüinqüídio que antecedeu o ajuizamento da ação (Súmula 85/STJ), mas fulminou toda a pretensão condenatória (seja a indenização por danos morais, materiais e estéticos, seja a pensão mensal vitalícia), porque decorreram mais de quinze (15) anos entre a data da ciência da incapacidade laboral absoluta e irreversível – com a concessão do benefício previdenciário de aposentadoria por invalidez em 3 de janeiro de 1986 – e o ajuizamento da ação condenatória, ocorrido somente em 8 de junho de 2001.

3. Recurso especial provido, para se reconhecer a prescrição e decretar a extinção do processo com resolução de mérito.”

(RESP 200400537211 RESP - RECURSO ESPECIAL – 652551 Relator(a) DENISE ARRUDA Sigla do órgão STJ Órgão julgador PRIMEIRA TURMA Fonte DJ DATA:18/12/2006 PG:00312)

 

No presente caso, o autor alegou somente ter tido ciência de sua contaminação em 02 de julho de 2008 (vide fl. 216).

Todavia, ao compulsar os autos, verifica-se, pela documentação acostada pelo próprio autor, a existência de declaração do HEMOPE confeccionada em 29/05/2000 (fl. 402), na qual se registra, categoricamente, ser o Autor portador de Hemofilia e sororreagente para Hepatite “C”, provavelmente pós transfusional”. Evidente, portanto, ser do conhecimento inequívoco do demandante a sua contaminação desde, ao menos, aquele ano.

Tem-se, então, não há dúvida de que o Autor tomou conhecimento do fato que lhe seria danoso em 29.05.2000.

Verifica-se, pois, que quando o Autor ajuizou esta ação em 19/01/2010, já havia transcorrido o prazo de prescrição quinquenal há bastante tempo.

Realmente, em 19.01.2010, quando esta ação foi proposta, já havia transcorrido quase 10 anos da ciência inequívoca da alegada contaminação.

Não se mostra razoável entendimento diverso, no sentido de ter sido dado conhecimento dos exames ao autor somente em 2008.

Com efeito, além do já mencionado documento de fl. 402, outros diversos documentos apontam ter sido a doença diagnosticada até mesmo em data anterior à data do documento de fl. 402, como, por exemplo, o documento de fl. 350, com data inicial de acompanhamento de novembro de 1988, o documento de fl. 372, com data de acompanhamento de janeiro de 1992. Ainda no mesmo norte remeto aos documentos de 376, 378, 379, 379vº, 380 e 381, todos com datas anteriores ao ano de 2000.

E da alegada contaminação tinha ciência o Autor nessas datas, pois esses documentos atestam a realização de exames laboratoriais com material fornecido pelo próprio autor.

Com efeito, consta nos autos, conforme documentos acima indicados, não só o registro, no prontuário do autor, do diagnóstico da hepatite C, desde 1994, como também da realização de controle médico da doença, além de registro de acompanhamento da aludida doença por parte do Hospital das Clínicas em 1997 (fl. 379-vº).

 

2.3.4)  Por fim, não tenho por correta a interpretação de que o termo “a quo” do prazo prescricional seria a data da manifestação dos sintomas da doença.

O princípio da actio nata impõe àquele que quer fazer valer a sua pretensão o dever de agir dentro de certo prazo fixado pela lei, tão logo tenha ciência da sua violação o que ocorre, na presente situação, com o conhecimento da contaminação e não com a manifestação dos sintomas da doença.

Vale dizer, a fluência do prazo de prescrição inicia-se no dia seguinte[8] àquele em que a vítima toma ciência da violação do seu direito(art. 189 do Código Civil, c/c o art. 1º do Decreto nº 20.910, de 06 de janeiro de 1932).

Assim, é de se acolher a exceção de prescrição suscitada pelas Rés, com a incidência da regra do art. 269, inciso IV, do código de processo civil.

O E. TRF/5ªR, com relação a caso idêntico a este, acolheu esse entendimento em recente precedente:

 

ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. TRANSFUSÃO DE SANGUE CONTAMINADO COM O VÍRUS DA HEPATITE C. LEGITIMIDADE PASSIVA DO ESTADO DE PERNAMBUCO RECONHECIDA. PRESCRIÇÃO DO FUNDO DE DIREITO RECONHECIDA DE OFÍCIO. PROVIMENTO.

1. Agravo de instrumento desafiado contra decisão que deferiu a antecipação de tutela postulada, determinando que o recorrente, a União, o HEMOPE e o Estado de Pernambuco dividam a pensão de cinco salários mínimos a ser paga ao demandante até decisão ulterior, em razão de ele ser hemofílico e de supostamente ter adquirido o vírus da Hepatite C no tratamento médico ao qual se submeteu.

2. É de se rechaçar a tese da ilegitimidade passiva defendida pela recorrente visto que, além de ser solidária a responsabilidade dos três entes federativos pela prestação de serviços de saúde - nos termos do art. 196 da CF/88 -, a Lei 4.071/65, que trata da prestação dos serviços hemoterápicos e sua fiscalização e que estava em vigor à época da contaminação do agravado, previu, em seu art. 3º, II, como órgãos de fiscalização do referido serviço, autoridades de âmbito nacional, estadual, territorial e municipal.

3. Possibilidade, a teor do art. 219, parágrafo 5º, do CPC, de ser examinada de ofício a prescrição do fundo de direito. As pretensões em face da Fazenda Pública prescrevem em cinco anos, nos termos do art. 1º do Decreto n. 20.910/32.

4. Como a lesão alegada pelo recorrido - contaminação pelo vírus da Hepatite C - se concretizou de uma só vez, o prazo prescricional se iniciaria no momento em que aquela ocorreu ou quando o titular do direito tomou conhecimento do fato, com base na Teoria da Actio Nata.

5. Demonstração, no Agravo Eletrônico nº 0800456-18.2012.4.05.0000, interposto em face da mesma decisão impugnada neste recurso, o qual foi julgado por esta 2ª Turma na sessão do dia 12.03.2013, que o autor tomou conhecimento da contaminação pelo vírus da Hepatite C no ano de 1995 - consoante exame anexado eletronicamente naquele feito, datado de 07/12/1995, que demonstra ser o autor reagente ao aludido vírus - dando-se início à contagem do prazo prescricional, que teria seu término em 2010. Proposta a ação apenas em 2011, é de se reconhecer a prescrição do fundo de direito.

6. Impossibilidade técnica de se distinguir entre a lesão moral e a lesão material, quando ambas decorrem da ciência do mesmo fato - único - que as produziu.

7. Agravo de instrumento provido. Extinção do processo originário do recurso com resolução de mérito, nos termos do art. 269, IV, do CPC.

(PROCESSO: 08005497820124050000, RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL FRANCISCO WILDO, Segunda Turma, JULGAMENTO: 12/03/2013, PUBLICAÇÃO:  )

3. Registro, por fim, que o Autor está em gozo de imunidade constitucional de sucumbência, e, por consequência, não cabe a sua condenação em verba honorária, nem mesmo sob a condição dos arts. 11 e 12 da Lei nº 1.060/1950. Tais dispositivos encontram-se derrogados pela regra do inciso LXXIV do art. 5º da Constituição da República, conforme entendimento firmado pela Sexta Turma do E. Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial nº 61.976 - 9 (95.011221-3) Rio de Janeiro, em 25/09/1995, tendo como Relator o MIn. Adhemar Maciel (DJU de 08/12/1995).

DISPOSITIVO

 
Posto isso:
 

a)                      determino que a Secretaria providencie baixa e arquivamento dos autos dos processos indicados no subtópico “2.1” da fundamentação supra;

b) rejeito o as preliminares de ilegitimidade passiva ad causam;

c) acolho a exceção de prescrição levantada pelas rés, e dou o processo por extinto, com resolução do mérito, nos termos do art. 269, IV, CPC.

d) Sem condenação em custas e honorários, ante o consignado acima.

 

P.R.I.


Recife, 19 de setembro de 2013.


Francisco Alves dos Santos Júnior

  Juiz Federal, 2ª Vara-PE

 

 

 



[1] No Estado de Pernambuco, tramitava como Ação Ordinária nº 0029679-19.2008.4.17.0001 e Impugnação ao Valor da Causa nº 0056067.2008.8.17.0001. Posteriormente, ao ser distribuída para esta 2ª Vara Federal, passaram a ter a seguinte numeração: ação ordinária, processo nº 0019042-05.2011.4.05.8300 e Impugnação ao Valor da causa, processo nº 0019043-87.2011.4.05.8300.
[2] Revogada pela Lei nº. 10.205/2001.
[3] Publicado no DOU de 8.1.1932.  Na época da sua edição, o regime constitucional então vigente permitia que o Presidente da República editasse Decreto e/ou Decreto-lei com força de Lei.
[4] RESP 200602708029 RESP - RECURSO ESPECIAL – 909201 Relator(a) JOSÉ DELGADO Órgão julgador PRIMEIRA TURMA Fonte DJE DATA:12/03/2008. Sublinhei.
[5] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Estado da Bahia x Waldemar da Silva Nogueira. RE 114.236-2-BA. Rel. MIn. Moreira Alves. Diário da Justiça da União, de 17.06.1988, p. 15258. 1ª Turma, Unânime. 
      No mesmo sentido, decidiu a 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, no julgamento da AC 3.850-PE(89.05.10776-1), em 26.04.1990, tendo por Relator o Desembargador Federal Castro Meira, conforme Diário da Justiça da União, de 25.06.1990, Seção II, p. 13901-13902,
[6] Brasil. Supremo Tribunal Federal. Estado de São Paulo(...). Recdos.: (...).RE 115.837-9  -  SP Relator Min. MOREIRA ALVES.  Diário da Justiça da União de 07.10.1988(Sexta-feira), p. 25.712. 1ª Turma do C.Supremo Tribunal Federal.
[7] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Estado de São Paulo x Diógenes Gonçalves dos Santos e Outros.  RE 116.551-1. Relator Min. Célio Borjes.  Diário da Justiça da União de 30.09.1988, p. 24.989.  2ª Turma do  Supremo Tribunal Federal, unânime.
 
[8] Como se sabe, em direito civil, administrativo, comercial, tributário, e etc., os prazos se contam ignorando-se o dia da ocorrência do fato, ou seja, exclui-se o dia do início e inclui-se o dia do vencimento, diverso da contagem dos prazos em direito penal, no qual o dia do fato é levado em consideração.