Por Francisco Alves dos Santos Júnior
A sentença que segue discute a natureza jurídica dos
terrenos acrescidos de marinha sob regime de ocupação, a inexistência, nesse
regime, da aquisição, pelo Ocupante, da titularidade do domínio útil, e também a
necessidade de prévia autorização do Chefe do Executivo Federal para que
qualquer Município possa desapropriar imóvel de propriedade da União.
Referida sentença foi mantida, quanto ao mérito, pelo
Tribunal Regional Federal da 5ª Região, que apenas reduziu a verba honorária
nela fixada.
Boa leitura.
PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
Seção Judiciária de Pernambuco
2ª VARA
Juiz Federal:
FRANCISCO ALVES DOS SANTOS JR
Processo nº
0017377-51.2011.4.05.8300 - Classe 15 – ação de desapropriação
Autor:
MUNICÍPIO DE OLINDA
Advogado:
A J L A, OAB/PE
Réus: N
I O E OUTRO
Registro nº ...........................................
Certifico que eu, .................., registrei esta Sentença às fls..........
Recife, ...../...../2014
Sentença tipo B
EMENTA:- ADMINISTRATIVO.
DESAPROPRIAÇÃO DE IMÓVEL DA UNIÃO PELO MUNICÍPIO DE OLINDA-PE. AUSÊNCIA DE
AUTORIZAÇÃO DA UNIÃO. TERRENO ACRESCIDO DE MARINHA. REGIME DE OCUPAÇÃO.
AUSÊNCIA DE DOMÍNIO ÚTIL PASSÍVEL DE DESAPROPRIAÇÃO. DUPLA IMPOSSIBILIDADE
JURÍDICA DO PEDIDO. ILEGITIMIDADE DE PARTE QUE NÃO FIGURA COMO OCUPANTE DO
IMÓVEL.
-Não tem legitimidade passiva ad causam Pessoa
Jurídica que não é ocupante do terreno acrescido de marinha em questão.
- Imóvel da
União não pode ser desapropriado por Município, exceto se houver expressa
autorização daquela, observadas as regras constitucionais e legais pertinentes.
-Terreno acrescido de marinha, sob regime de
ocupação, não tem domínio útil a ser desapropriado, pois o Ocupante não adquire
a titularidade desse domínio nesse regime.
-Impossibilidade jurídica do pedido e Coisa
Julgada.
-Indeferimento da petição inicial e extinção do
processo, sem resolução do mérito.
Relatório
O MUNICÍPIO DE OLINDA,
qualificado na petição inicial, propôs, na Justiça Estadual, esta ação de
desapropriação do domínio útil com pedido de imissão de posse em face de NOVAS INDÚSTRIAS OLINDA. Alegou, em
síntese, que: i) por meio do Decreto Municipal nº 104, de 20.05.2005,
alterado pelo Decreto nº 228/2005, de 13.09.2005, foi declarado de utilidade
pública para fins de desapropriação, o domínio útil e as benfeitorias do imóvel
localizado na Av. Olinda, nº 60, 60-A, e 60-B, bairro do Varadouro, Olinda/PE,
cujo domínio útil e de benfeitoria possuem uma área total de 158,29m²; ii)
o imóvel objeto de desapropriação destina-se a execução de obras de
reurbanização do estacionamento do Varadouro (Programa Monumenta/BID) de acordo
com o art. 3º di Decreto Expropriatório, e propiciar melhores condições para
estacionamento, tanto para moradores locais, quanto para os veículos que
transportam turistas; iii) em obediência ao disposto no art.
15, §1º do Decreto-Lei Federal nº 3.365/41 oferece ao expropriado, como
indenização, a importância de R$ 53.975,90 (cinquenta e três mil, novecentos e
setenta e cinco reais e noventa centavos) pelo domínio útil e benfeitorias, nos
termos do laudo de avaliação da Secretaria da Fazenda do Munícipio de nº 067 a 074/2002. Instruiu a
inicial com Instrumento de Procuração e documentos.
R. Decisão de d. juíza estadual, deferindo a imissão na posse,
determinando a citação da Parte Requerida e nomeando perito para proceder à
avaliação do imóvel (fl. 24).
O Município de Olinda requereu a juntada da publicação no Diário Oficial
do Município, do Decreto de Declaração de Utilidade Pública, e da guia de
recolhimento no valor de R$ 53.975,90, referente a indenização ofertada na
inicial, bem como a expedição do mandado de imissão de posse (fls. 26-32).
A Requerida Novas Indústrias
Olinda S/A apresentou contestação, ocasião na qual considerou o valor oferecido
a título de indenização aquém do valor real e requereu a realização de perícia
técnica, bem como, considerando o pedido do Expropriante em imissão imediata na
posse, não enxerga óbice, no caso de deferimento do pedido, na liberação de 80%
(oitenta por cento) da quantia incontroversa depositada (fls. 37-39).
José Joaquim Dias Fernandes requereu sua inclusão na lide sob o argumento de que seria o ocupante
legal do imóvel, nos termos da certidão exarada nos autos do processo de
aforamento de nº 10480.000140/89-27, que tramita junto à SPU; apontou, ainda,
que a Ré (Novas Indústrias Olinda S/A) não seria parte legítima para figurar na
demanda expropriatória em virtude de não comprovar a titularidade do domínio
útil; que o imóvel objeto da desapropriação pertence à União, e está registrado
no Registro Imobiliário Patrimonial da União sob o nº 24910001321-52. Requereu,
ao final, o reconhecimento da ilegitimidade passiva da Ré, bem como a intimação
do Suplicante para apresentação de assistente técnico e que seja oficiada a SPU
para esclarecer se o terreno constante no Decreto Expropriatório está, ou não,
sob regime de ocupação ou de aforamento, e de quem seria o domínio útil do
referido terreno de marinha (fls. 45-52).
Auto de Imissão Provisória de Posse, expedido pelo Juízo de Direito da
Comarca de Olinda – Vara da Fazenda Pública,
no qual foi efetuada a imissão provisória de posse ao Município de
Olinda (fl. 73).
O Município de Olinda requereu o prosseguimento do feito (fls. 76-77).
A d. Juíza estadual, em sua r. decisão à fl. 95, constatando tratar-se
de imóvel de propriedade da União,
declinou a competência para processar e julgar o feito para esta Justiça
Federal.
Decisão deste juízo federal ratificou todos os atos praticados na
Justiça Estadual, e modificou o enquadramento do Sr. José Joaquim Dias
Fernandes de Assistente Litisconsorcial para Litisconsorte Passivo Necessário;
que diante do depósito efetuado pelo Município-Autor, referente aos honorários
periciais, determinou a intimação do Sr. Perito
Judicial, indicado à fl. 89, para dar início à perícia e esclarecer se o
terreno é realmente de marinha ou acrescido de marinha, quem é que se encontra
na situação de foreiro (se estiver sob regime de aforamento) ou ocupante (se
estiver sob regime de ocupação) perante o Serviço de Patrimônio da União (fl.
103-103vº).
O Município de Olinda indicou seu assistente técnico e apresentou os
quesitos para manifestação do experto (fls. 110-111).
Despacho que determinou ao Município de Olinda que completasse a petição
inicial, indicando a União no polo passivo, com a respectiva fundamentação, e
que requereresse sua citação, sob as penas da lei (fl. 114).
O Município de Olinda, em cumprimento ao r. despacho, completou a
petição inicial, indicando a UNIÃO para
o polo passivo e requerendo a sua citação(fl. 117).
José Joaquim Dias Fernandes requereu a juntada de sua petição e noticiou que a presente ação
objetiva a desapropriação de terreno acrescido de marinha, cedido
comprovadamente há muito tempo, sob o regime de ocupação pela própria União ao
ora peticionante; que seria o legítimo e único possuidor e ocupante do terreno
e imóveis situados à Av. Olinda, nº 60, 60-A e 60-B, devidamente inscrito sob o
nº RIP 2491 0001321-52; que o Município de Olinda erroneamente intentou ação de
desapropriação apontando como suposto possuidor a pessoa jurídica Novas Indústrias Olinda; que no
Interdito Proibitório tombado sob o nº 2007.83.00.012035-8, que tramitou junto
à 21ª Vara Federal/PE, e foi sentenciada em 08.05.2008, julgou-se o pleito procedente e determinou-se que o Município de
Olinda se abstivesse de praticar qualquer ato tendente a ameaçar a posse
exercida pelo demandante, oportunidade na qual juntou cópias da petição inicial
do interdito proibitório, sentença, acórdão e certidão de trânsito em julgado. Ao final,
requereu a imediata exclusão da pessoa jurídica Novas Indústrias Olinda do polo
passivo da demanda (fls. 119-122) e documentos de fls. 123-142.
Despacho que determinou a citação da União (fl. 143).
A União (AGU/PRU) apresentou contestação. Em preliminar apontou a
impossibilidade jurídica do pedido no sentido da expropriante obter o domínio
útil de terreno de marinha que não haja prévio aforamento. No mérito, discorreu
sobre as formas de ocupação e pugnou pela improcedência dos pedidos do
Município-Autor e pela condenação em honorários e demais verbas sucumbenciais
(fls. 144-147).
A Empresa Novolinda Construtora e
Incorporadora S/A, sucessora por incorporação da empresa Novas Indústrias Olinda S/A, requereu a
habilitação de novos patronos (fl. 153) e documentos de fls. 154-168.
Devidamente intimado, o Município de Olinda defendeu a possibilidade de
expropriação das benfeitorias existentes nos imóveis e reiterou os termos de
sua petição inicial (fl. 173).
Vieram os autos conclusos.
Fundamentação
Preliminares
1. Ilegitimidade Passiva Ad
Causam da Requerida Novas Indústrias
Olinda, sucedida por Novolinda
Construtora e Incorporadora S/A.
Esta
preliminar, levantada na defesa do Ocupante do imóvel e ora Réu José Joaquim Dias Fernandes, merece
acolhida, porque, se a ação desapropriatória não fosse inviável, pelas razões
consignadas nos tópicos seguintes, referida Empresa não poderia figurar como
Ré, porque não é proprietária do imóvel, tampouco Ocupante(trata-se de terreno
acrescido de marinha, sob o regime de ocupação).
2. Coisa Julgada
Merece acolhida esta preliminar, levantada na defesa do Requerido José Joaquim Dias Fernandes, porque
esse Requerido comprovou que o Município de Olinda já foi proibido de praticar
qualquer ato contra a sua posse do terreno em questão, nos autos da ação de
Interdito Proibitório, de cujas peças principais juntou cópias com sua
defesa(manifestação).
3. Impossibilidade Jurídica do Pedido
A UNIÃO levanta, na sua defesa, a preliminar de impossibilidade
jurídica do pedido, alegando que se trata de terreno acrescido de marinha, sob
regime de ocupação, no qual não se transfere o domínio útil para o Ocupante(no
caso, José Joaquim Dias Fernandes),
de forma que não teria o que desapropriar, pois o imóvel, sem autorização da UNIÃO, não pode ser desapropriado pelo Município, que só
poderia desapropriar o domínio útil, no caso inexistente, que pertenceria ao
referido Particular.
Segundo sedimentado entendimento jurisprudencial, firmado em precedentes
invocados pela UNIÃO, o terreno
acrescido de marinha, sob regime de ocupação, realmente não gera domínio útil
para o Ocupante. Só existiria domínio útil, se referido terreno estivesse sob
regime de aforamento.
Ademais, tanto a Lei como a jurisprudência são claras no sentido de que
bem imóvel da UNIÃO só poderia ser
desapropriado por Município se existisse autorização expressa daquela.
4. Consequências
Diante do acima consignado, merece ser: a) revogada a r. decisão de fl.
24 da d. Magistrada Estadual, na qual foi deferida a imissão de posse
provisória e determinou-se a realização de perícia com nomeação de perito, e b) decretada a nulidade do respectivo auto
de imissão de posse provisória, acostado à fl. 73.
Outrossim, merece ser parcialmente revogada a decisão de fls. 103-103
deste juízo, na parte em que determinou a continuidade da perícia deferida pela
d. Magistrada Estadual na sua r. decisão de fl. 24.
4. Verba Honorária
Diante do até aqui fundamentado, tem-se que o Município de Olinda-PE, ora
Autor, há de ser condenado a pagar verba honorária, a ser arbitrada, tendo em
vista a complexidade da matéria e o esforço e dedicação dos Patronos de José Joaquim Dias Fernandes e UNIÃO, no
percentual legal máximo de 20%(vinte por cento), conforme regras do § 3º do
art. 20 do código de processo civil, sobre o valor indicado na conclusão.
A Requerida Novas Indústrias
Olinda, sucedida por Novolinda
Construtora e Incorporadora S/A, não faz jus a verba honorária, porque não
levantou preliminar de ilegitimidade
passiva ad causam, sendo excluído em
face do acolhimento de pedido, nesse sentido, do Réu José Joaquim Dias Fernandes.
Essa verba honorária será deduzida do valor do
depósito comprovado à fl. 32 dos autos, cujo restante será restituído ao Município
ora Autor, via alvará. Se, por qualquer motivo, essa dedução não se fizer
possível, por força do § 3º do art. 3º da Resolução nº 168, de 05.12.2011, do
Conselho da Justiça Federal-CJF, o valor dessa verba honorária não será objeto
de ofício requisitório ao E. Tribunal Regional Federal da 5ª Região, mas sim
requisitada diretamente ao Município de Olinda-PE, que o depositará em conta
judicial, vinculada a este processo, na agência 1029 da Caixa Econômica
Federal-CEF, no primeiro andar da sede desta Justiça Federal de Pernambuco.
Conclusão
Posto isso:
a)
acolho a acima noticiada preliminar de ilegitimidade passiva ad causam da Empresa Novas Indústrias Olinda, sucedida por Novolinda Construtora e Incorporadora S/A, contra
ela indeferindo a petição inicial(art. 295-II do código de processo civil)e a
excluindo do polo passivo, para todos os fins de direito e, com relação a ela,
dando este processo por extinto, sem resolução do mérito(art. 267,I e VI do
código de processo civil);
b)
revogo a r. decisão de fl. 24 e decreto a nulidade do
auto de imissão de posse provisória de fl. 73, decorrente da referida r.
decisão e revogo a parte da decisão de fls. 103-103vº, na qual se determinou a
continuidade da perícia determinada na ora revogada r. decisão de fl. 24;
c)
acolho a preliminar de coisa julgada, que caracteriza
a falta de interesse processual de agir do Autor(art. 295-III do código de
processo civil), e também acolho a preliminar de impossibilidade jurídica do
pedido, que caracteriza a inépcia da petição inicial(inciso III do Parágrafo
Único do art. 295 do código de processo civil), razão pela qual indefiro a
petição inicial e dou este processo por extinto, sem resolução do mérito(art.
267, I e VI do código de processo civil);
d)
Determino que, no momento processual próprio,
restitua-se ao Município de Olinda-PE, ora Autor, via alvará, a quantia que
depositou, conforme anunciado na petição inicial, após dedução da verba
honorária abaixo fixada.
Finalmente,
condeno o Município de Olinda-PE, ora Autor, em verba honorária que,
considerando a complexidade do caso e o esforço e dedicação dos Patronos dos
Requeridos José Joaquim Dias Fernandes e UNIÃO, arbitro em 20%(vinte por
cento)do valor da causa, atualizado a partir do mês seguinte ao da propositura
desta ação, pelos índices de correção
monetária do Manual de Cálculos do Conselho da Justiça Federal e
acrescidos de juros de mora legais, à razão de 0,5%(meio por cento) ao mês,
contados estes da data da citação para execução desta Sentença(art. 730 do
código de processo civil), mas incidentes sobre o valor já monetariamente
corrigido, verba essa a ser rateada em partes iguais entre os Patronos do
Requerido José Joaquim Dias Fernandes e
UNIÃO, cabendo a sua cobrança
mediante dedução do valor que o Município ora Réu depositou, de forma que lhe
será restituído, via alvará, apenas o saldo que houver após essa dedução e,
caso essa dedução não se concretize, por qualquer motivo, fica dispensada a
expedição de ofício requisitórios ao Tribunal, pois a requisição será feita ao
próprio Município, que depositará o valor em conta judicial vinculada a este
processo, na agência 1029 da Caixa Econômica Federal-CEF, segundo § 2º do art.
3º da Resolução nº 168, de 05.12.2011,do Conselho da Justiça Federal.
De
ofício, submeto esta Sentença ao duplo grau de jurisdição.
P.
R. I.
Recife, 08 de maio de 2014.
Francisco Alves dos Santos Júnior
Juiz Federal,
2ª Vara/PE
IMPORTANTE:
A sentença supra foi quase que integralmente mantida pela
Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, que apenas reduziu a
verba honorária para 5%(cinco por cento)do valor da causa, conforme Apelação
Cível 5793815-PE(0017377-51.2011.4.05.8300, Relator Desembargador Federal
Rubens Canuto(convocado), julgado em 26.05.2015, publicado no Diário da Justiça
Eleterônico-DJe do TRF5 nº 107.0/2015, de 12.06.2015, com trânsito em julgado
em 20.08.2015.