quinta-feira, 17 de setembro de 2015

TERRENO DE MARINHA. REGIME DE OCUPAÇÃO. DOMÍNIO ÚTIL. DESAPAPROPRIAÇÃO POR MUNICÍPIO. IMPOSSIBILIDADE.


Por Francisco Alves dos Santos Júnior 

A sentença que segue discute a natureza jurídica dos terrenos acrescidos de marinha sob regime de ocupação, a inexistência, nesse regime, da aquisição, pelo Ocupante, da titularidade do domínio útil, e também a necessidade de prévia autorização do Chefe do Executivo Federal para que qualquer Município possa desapropriar imóvel de propriedade da União.  

Referida sentença foi mantida, quanto ao mérito, pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região, que apenas reduziu a verba honorária nela fixada.  

Boa leitura. 






PODER JUDICIÁRIO

JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

Seção Judiciária de Pernambuco

2ª VARA

 

Juiz Federal: FRANCISCO ALVES DOS SANTOS JR

Processo nº 0017377-51.2011.4.05.8300 - Classe 15 – ação de desapropriação

Autor: MUNICÍPIO DE OLINDA

Advogado: A J L A, OAB/PE

Réus: N I O E OUTRO
 

 

Registro nº ...........................................

Certifico que eu, ..................,  registrei esta Sentença às fls..........

Recife, ...../...../2014
 

Sentença tipo B
 

EMENTA:- ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO DE IMÓVEL DA UNIÃO PELO MUNICÍPIO DE OLINDA-PE. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO DA UNIÃO. TERRENO ACRESCIDO DE MARINHA. REGIME DE OCUPAÇÃO. AUSÊNCIA DE DOMÍNIO ÚTIL PASSÍVEL DE DESAPROPRIAÇÃO. DUPLA IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. ILEGITIMIDADE DE PARTE QUE NÃO FIGURA COMO OCUPANTE DO IMÓVEL.  

-Não tem legitimidade passiva ad causam Pessoa Jurídica que não é ocupante do terreno acrescido de marinha em questão. 

 - Imóvel da União não pode ser desapropriado por Município, exceto se houver expressa autorização daquela, observadas as regras constitucionais e legais pertinentes.  

-Terreno acrescido de marinha, sob regime de ocupação, não tem domínio útil a ser desapropriado, pois o Ocupante não adquire a titularidade desse domínio nesse regime. 

-Impossibilidade jurídica do pedido e Coisa Julgada.  

-Indeferimento da petição inicial e extinção do processo, sem resolução do mérito.  

 

Relatório

O MUNICÍPIO DE OLINDA, qualificado na petição inicial, propôs, na Justiça Estadual, esta ação de desapropriação do domínio útil com pedido de imissão de posse em face de NOVAS INDÚSTRIAS OLINDA. Alegou, em síntese, que: i) por meio do Decreto Municipal nº 104, de 20.05.2005, alterado pelo Decreto nº 228/2005, de 13.09.2005, foi declarado de utilidade pública para fins de desapropriação, o domínio útil e as benfeitorias do imóvel localizado na Av. Olinda, nº 60, 60-A, e 60-B, bairro do Varadouro, Olinda/PE, cujo domínio útil e de benfeitoria possuem uma área total de 158,29m²; ii) o imóvel objeto de desapropriação destina-se a execução de obras de reurbanização do estacionamento do Varadouro (Programa Monumenta/BID) de acordo com o art. 3º di Decreto Expropriatório, e propiciar melhores condições para estacionamento, tanto para moradores locais, quanto para os veículos que transportam turistas; iii) em obediência ao disposto no art. 15, §1º do Decreto-Lei Federal nº 3.365/41 oferece ao expropriado, como indenização, a importância de R$ 53.975,90 (cinquenta e três mil, novecentos e setenta e cinco reais e noventa centavos) pelo domínio útil e benfeitorias, nos termos do laudo de avaliação da Secretaria da Fazenda do Munícipio de nº 067 a 074/2002. Instruiu a inicial com Instrumento de Procuração e documentos.

R. Decisão de d. juíza estadual, deferindo a imissão na posse, determinando a citação da Parte Requerida e nomeando perito para proceder à avaliação do imóvel (fl. 24).

O Município de Olinda requereu a juntada da publicação no Diário Oficial do Município, do Decreto de Declaração de Utilidade Pública, e da guia de recolhimento no valor de R$ 53.975,90, referente a indenização ofertada na inicial, bem como a expedição do mandado de imissão de posse (fls. 26-32).

A Requerida Novas Indústrias Olinda S/A apresentou contestação, ocasião na qual considerou o valor oferecido a título de indenização aquém do valor real e requereu a realização de perícia técnica, bem como, considerando o pedido do Expropriante em imissão imediata na posse, não enxerga óbice, no caso de deferimento do pedido, na liberação de 80% (oitenta por cento) da quantia incontroversa depositada (fls. 37-39).

José Joaquim Dias Fernandes requereu sua inclusão na lide sob o argumento de que seria o ocupante legal do imóvel, nos termos da certidão exarada nos autos do processo de aforamento de nº 10480.000140/89-27, que tramita junto à SPU; apontou, ainda, que a Ré (Novas Indústrias Olinda S/A) não seria parte legítima para figurar na demanda expropriatória em virtude de não comprovar a titularidade do domínio útil; que o imóvel objeto da desapropriação pertence à União, e está registrado no Registro Imobiliário Patrimonial da União sob o nº 24910001321-52. Requereu, ao final, o reconhecimento da ilegitimidade passiva da Ré, bem como a intimação do Suplicante para apresentação de assistente técnico e que seja oficiada a SPU para esclarecer se o terreno constante no Decreto Expropriatório está, ou não, sob regime de ocupação ou de aforamento, e de quem seria o domínio útil do referido terreno de marinha (fls. 45-52).

Auto de Imissão Provisória de Posse, expedido pelo Juízo de Direito da Comarca de Olinda – Vara da Fazenda Pública,  no qual foi efetuada a imissão provisória de posse ao Município de Olinda (fl. 73).

O Município de Olinda requereu o prosseguimento do feito (fls. 76-77).

A d. Juíza estadual, em sua r. decisão à fl. 95, constatando tratar-se de imóvel de propriedade da União,  declinou a competência para processar e julgar o feito para esta Justiça Federal.

Decisão deste juízo federal ratificou todos os atos praticados na Justiça Estadual, e modificou o enquadramento do Sr. José Joaquim Dias Fernandes de Assistente Litisconsorcial para Litisconsorte Passivo Necessário; que diante do depósito efetuado pelo Município-Autor, referente aos honorários periciais, determinou a intimação do Sr. Perito Judicial, indicado à fl. 89, para dar início à perícia e esclarecer se o terreno é realmente de marinha ou acrescido de marinha, quem é que se encontra na situação de foreiro (se estiver sob regime de aforamento) ou ocupante (se estiver sob regime de ocupação) perante o Serviço de Patrimônio da União (fl. 103-103vº).

O Município de Olinda indicou seu assistente técnico e apresentou os quesitos para manifestação do experto (fls. 110-111).

Despacho que determinou ao Município de Olinda que completasse a petição inicial, indicando a União no polo passivo, com a respectiva fundamentação, e que requereresse sua citação, sob as penas da lei (fl. 114).
O Município de Olinda, em cumprimento ao r. despacho, completou a petição inicial, indicando a  UNIÃO para o polo passivo e requerendo a sua citação(fl. 117).

José Joaquim Dias Fernandes requereu a juntada de sua petição e noticiou que a presente ação objetiva a desapropriação de terreno acrescido de marinha, cedido comprovadamente há muito tempo, sob o regime de ocupação pela própria União ao ora peticionante; que seria o legítimo e único possuidor e ocupante do terreno e imóveis situados à Av. Olinda, nº 60, 60-A e 60-B, devidamente inscrito sob o nº RIP 2491 0001321-52; que o Município de Olinda erroneamente intentou ação de desapropriação apontando como suposto possuidor a pessoa jurídica Novas Indústrias Olinda; que no Interdito Proibitório tombado sob o nº 2007.83.00.012035-8, que tramitou junto à 21ª Vara Federal/PE, e foi sentenciada em 08.05.2008, julgou-se o pleito  procedente e determinou-se que o Município de Olinda se abstivesse de praticar qualquer ato tendente a ameaçar a posse exercida pelo demandante, oportunidade na qual juntou cópias da petição inicial do interdito proibitório, sentença, acórdão e certidão de trânsito em julgado. Ao final, requereu a imediata exclusão da pessoa jurídica Novas Indústrias Olinda do polo passivo da demanda (fls. 119-122) e documentos de fls. 123-142.

Despacho que determinou a citação da União (fl. 143).

A União (AGU/PRU) apresentou contestação. Em preliminar apontou a impossibilidade jurídica do pedido no sentido da expropriante obter o domínio útil de terreno de marinha que não haja prévio aforamento. No mérito, discorreu sobre as formas de ocupação e pugnou pela improcedência dos pedidos do Município-Autor e pela condenação em honorários e demais verbas sucumbenciais (fls. 144-147).

A Empresa Novolinda Construtora e Incorporadora S/A, sucessora por incorporação da empresa Novas Indústrias Olinda S/A, requereu a habilitação de novos patronos (fl. 153) e documentos de fls. 154-168.

Devidamente intimado, o Município de Olinda defendeu a possibilidade de expropriação das benfeitorias existentes nos imóveis e reiterou os termos de sua petição inicial (fl. 173).

Vieram os autos conclusos. 

Fundamentação 

Preliminares

1. Ilegitimidade Passiva Ad Causam da Requerida Novas Indústrias Olinda, sucedida por Novolinda Construtora e Incorporadora S/A.

Esta preliminar, levantada na defesa do Ocupante do imóvel e ora Réu José Joaquim Dias Fernandes, merece acolhida, porque, se a ação desapropriatória não fosse inviável, pelas razões consignadas nos tópicos seguintes, referida Empresa não poderia figurar como Ré, porque não é proprietária do imóvel, tampouco Ocupante(trata-se de terreno acrescido de marinha, sob o regime de ocupação).  

2. Coisa Julgada

Merece acolhida esta preliminar, levantada na defesa do Requerido José Joaquim Dias Fernandes, porque esse Requerido comprovou que o Município de Olinda já foi proibido de praticar qualquer ato contra a sua posse do terreno em questão, nos autos da ação de Interdito Proibitório, de cujas peças principais juntou cópias com sua defesa(manifestação).  

3. Impossibilidade Jurídica do Pedido

A UNIÃO levanta, na sua defesa, a preliminar de impossibilidade jurídica do pedido, alegando que se trata de terreno acrescido de marinha, sob regime de ocupação, no qual não se transfere o domínio útil para o Ocupante(no caso, José Joaquim Dias Fernandes), de forma que não teria o que desapropriar, pois o imóvel, sem autorização da  UNIÃO, não pode ser desapropriado pelo Município, que só poderia desapropriar o domínio útil, no caso inexistente, que pertenceria ao referido Particular.

Segundo sedimentado entendimento jurisprudencial, firmado em precedentes invocados pela  UNIÃO, o terreno acrescido de marinha, sob regime de ocupação, realmente não gera domínio útil para o Ocupante. Só existiria domínio útil, se referido terreno estivesse sob regime de aforamento.

Ademais, tanto a Lei como a jurisprudência são claras no sentido de que bem imóvel da  UNIÃO só poderia ser desapropriado por Município se existisse autorização expressa daquela. 

4. Consequências

Diante do acima consignado, merece ser: a) revogada a r. decisão de fl. 24 da d. Magistrada Estadual, na qual foi deferida a imissão de posse provisória e determinou-se a realização de perícia com nomeação de perito,  e b) decretada a nulidade do respectivo auto de imissão de posse provisória, acostado à fl. 73.

Outrossim, merece ser parcialmente revogada a decisão de fls. 103-103 deste juízo, na parte em que determinou a continuidade da perícia deferida pela d. Magistrada Estadual na sua r. decisão de fl. 24. 

4. Verba Honorária 

Diante do até aqui fundamentado, tem-se que o Município de Olinda-PE, ora Autor, há de ser condenado a pagar verba honorária, a ser arbitrada, tendo em vista a complexidade da matéria e o esforço e dedicação dos Patronos de José Joaquim Dias Fernandes e UNIÃO, no percentual legal máximo de 20%(vinte por cento), conforme regras do § 3º do art. 20 do código de processo civil, sobre o valor indicado na conclusão. 

A Requerida Novas Indústrias Olinda, sucedida por Novolinda Construtora e Incorporadora S/A, não faz jus a verba honorária, porque não levantou preliminar de ilegitimidade passiva ad causam, sendo excluído em face do acolhimento de pedido, nesse sentido, do Réu José Joaquim Dias Fernandes.

Essa verba honorária será deduzida do valor do depósito comprovado à fl. 32 dos autos, cujo restante será restituído ao Município ora Autor, via alvará. Se, por qualquer motivo, essa dedução não se fizer possível, por força do § 3º do art. 3º da Resolução nº 168, de 05.12.2011, do Conselho da Justiça Federal-CJF, o valor dessa verba honorária não será objeto de ofício requisitório ao E. Tribunal Regional Federal da 5ª Região, mas sim requisitada diretamente ao Município de Olinda-PE, que o depositará em conta judicial, vinculada a este processo, na agência 1029 da Caixa Econômica Federal-CEF, no primeiro andar da sede desta Justiça Federal de Pernambuco. 

Conclusão 

Posto isso:

a)           acolho a acima noticiada preliminar de ilegitimidade passiva ad causam da Empresa  Novas Indústrias Olinda, sucedida por Novolinda Construtora e Incorporadora S/A, contra ela indeferindo a petição inicial(art. 295-II do código de processo civil)e a excluindo do polo passivo, para todos os fins de direito e, com relação a ela, dando este processo por extinto, sem resolução do mérito(art. 267,I e VI do código de processo civil);

b)           revogo a r. decisão de fl. 24 e decreto a nulidade do auto de imissão de posse provisória de fl. 73, decorrente da referida r. decisão e revogo a parte da decisão de fls. 103-103vº, na qual se determinou a continuidade da perícia determinada na ora revogada r. decisão de fl. 24;

c)           acolho a preliminar de coisa julgada, que caracteriza a falta de interesse processual de agir do Autor(art. 295-III do código de processo civil), e também acolho a preliminar de impossibilidade jurídica do pedido, que caracteriza a inépcia da petição inicial(inciso III do Parágrafo Único do art. 295 do código de processo civil), razão pela qual indefiro a petição inicial e dou este processo por extinto, sem resolução do mérito(art. 267, I e VI do código de processo civil);

d)           Determino que, no momento processual próprio, restitua-se ao Município de Olinda-PE, ora Autor, via alvará, a quantia que depositou, conforme anunciado na petição inicial, após dedução da verba honorária abaixo fixada.

Finalmente, condeno o Município de Olinda-PE, ora Autor, em verba honorária que, considerando a complexidade do caso e o esforço e dedicação dos Patronos dos Requeridos José Joaquim Dias Fernandes e UNIÃO, arbitro em 20%(vinte por cento)do valor da causa, atualizado a partir do mês seguinte ao da propositura desta ação, pelos índices de correção monetária do Manual de Cálculos do Conselho da Justiça Federal e acrescidos de juros de mora legais, à razão de 0,5%(meio por cento) ao mês, contados estes da data da citação para execução desta Sentença(art. 730 do código de processo civil), mas incidentes sobre o valor já monetariamente corrigido, verba essa a ser rateada em partes iguais entre os Patronos do Requerido José Joaquim Dias Fernandes e UNIÃO, cabendo a sua cobrança mediante dedução do valor que o Município ora Réu depositou, de forma que lhe será restituído, via alvará, apenas o saldo que houver após essa dedução e, caso essa dedução não se concretize, por qualquer motivo, fica dispensada a expedição de ofício requisitórios ao Tribunal, pois a requisição será feita ao próprio Município, que depositará o valor em conta judicial vinculada a este processo, na agência 1029 da Caixa Econômica Federal-CEF, segundo § 2º do art. 3º da Resolução nº 168, de 05.12.2011,do Conselho da Justiça Federal.
 

    De ofício, submeto esta Sentença ao duplo grau de jurisdição.

    P. R. I.
   
    Recife, 08 de maio de 2014. 
 

Francisco Alves dos Santos Júnior

Juiz Federal, 2ª Vara/PE
 

 

IMPORTANTE:

A sentença supra foi quase que integralmente mantida pela Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, que apenas reduziu a verba honorária para 5%(cinco por cento)do valor da causa, conforme Apelação Cível 5793815-PE(0017377-51.2011.4.05.8300, Relator Desembargador Federal Rubens Canuto(convocado), julgado em 26.05.2015, publicado no Diário da Justiça Eleterônico-DJe do TRF5 nº 107.0/2015, de 12.06.2015, com trânsito em julgado em 20.08.2015.

 

 

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

MUNICÍPIO NÃO PODE SER RESPONSABILIZADO POR DÍVIDA TRIBUTÁRIA DA RESPECTIVA CÂMARA MUNICIPAL

Por Francisco Alves dos Santos Jr.
 
O Município não pode ser responsabilizado pelas dívidas tributária da sua Câmara Municipal, porque esta, embora sendo um mero Órgão,  tem orçamento próprio e goza de autonomia político-administrativa.
A decisão que segue discute esse importante assunto de direito constitucional e administrativo.
Boa leitura.

 
PROCESSO Nº: 0805884-05.2015.4.05.8300 - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO
AUTOR: TAMANDARE PREFEITURA
ADVOGADO: R G R FILHO
RÉU: UNIÃO FEDERAL - UNIÃO.
2ª VARA FEDERAL - JUIZ FEDERAL TITULAR



D E C I S Ã O



1. Breve Relatório


MUNICÍPIO DE TAMANDARÉ ajuizou a presente Ação Ordinária, com pedido de antecipação de tutela em caráter de urgência, em desfavor da União Federal/Fazenda Nacional. Aduziu, em síntese, que em função do entendimento fazendário, a Receita Federal teria adotado o posicionamento de que os municípios seriam responsáveis pelos débitos previdenciários do Poder Legislativo - Câmara de Vereadores, sem qualquer fundamento na própria legislação de regência, a Secretaria da Receita Federal do Brasil teria inserido como restrições à liberação da Certidão de Regularidade Fiscal do Município Suplicante, as irregularidades fiscais da Câmara de Vereadores o extrato comprovaria a existência de impedimento atualmente vigente para a liberação da Certidão de Regularidade Fiscal do Município-Autor;  deveria ser reconhecida a intransferência  das obrigações fiscais, devendo cada poder assumir seus encargos; a CF/88 estabelecera que cada Poder teria sua responsabilidade própria; a Receita estaria inobservando o princípio da independência dos poderes e do princípio da intranscendência; os requisitos para a concessão da tutela estariam preenchidos, eis que o Município não estaria recebendo recursos provenientes da União. Teceu outros comentários. Transcreveu vários precedentes. Pugnou, ao final, pela concessão de tutela antecipada, a fim de que a União/Fazenda Nacional se abstenha de incluir como restrição à liberação da Certidão Positiva de Débito com Efeito de Negativa-CPD/EN do Município Suplicante, débitos previdenciários (obrigação principal) ou irregularidades fiscais (descumprimento de obrigação tributária acessória), praticado pelo Poder Legislativo Municipal - Câmara de Vereadores.

Inicial instruída com procuração e documentos.

É o relatório, no essencial.   Passo a decidir.

2. Fundamentação

Na espécie, o interesse do Município-Autor reside, dentre outros aspectos, em obter a certeza jurídica de que não lhe será negado certidão negativa em razão de eventual existência de débitos tributários ou irregularidades fiscais da respectiva Câmara de Vereadores. 

Cabe verificar a responsabilidade pelas obrigações tributárias, apurando se a responsabilidade deve recair sobre a Câmara Municipal ou sobre o Município.

Ressalte-se que a Constituição Federal consagra a autonomia e a independência administrativo-financeira entre os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário.

Sabe-se, ainda, que o Poder Legislativo Municipal, órgão do Município, por gozar de autonomia financeira, assegurada no artigo 29-A da Constituição Federal, possui receita própria, sujeita ao rígido controle orçamentário, cujo limite, caso ultrapassado, caracteriza, por expressa disposição constitucional, e na conformidade da Lei de Responsabilidade Fiscal-LC nº 101, de 2000, a prática de crime de responsabilidade.

Tenho que a responsabilidade fiscal é, no caso, única e exclusiva do Dirigente do mencionado Poder Legislativo Municipal, diante da autonomia administrativa e financeira conferida à Câmara Municipal, que possui, inclusive, CNPJ distinto do Município.

 É relevante a menção à autonomia, tendo em vista que o Poder Executivo não poderia compelir o Legislativo a recolher o valor devido, não podendo sofrer prejuízos em razão de conduta a que não deu causa. Sendo assim, cabe à União adotar os procedimentos de cobrança em face da Câmara Municipal. E o Ministério Público Federal deve ser cientificado, para tomar as providências administrativas(improbidade)e criminais(sonegação)contra o Chefe do referido Poder Legislativo Municipal.

O Município até pode, sob ordem judicial de eventual ação proposta contra a Câmara Municipal, reter verbas desta e repassá-las diretamente para eventuais credores tributários desta, mas não pode tomar essa providência por conta própria, ou seja, sem ordem judicial.

Acerca do tema, confiram-se os julgados abaixo transcritos:

CONSTITUCIONAL, TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. DÍVIDA PREVIDENCIÁRIA DA CÂMARA DOS VEREADORES. IMPUTAÇÃO AO MUNICÍPIO. IMPOSSIBILIDADE. INDEPENDÊNCIA E HARMONIA ENTRE OS PODERES. AUTONOMIA FINANCEIRA E ADMINISTRATIVA. EMISSÃO DE CERTIDÃO DE NEGATIVA DE DÉBITO. POSSIBILIDADE. HONORÁRIOS. VALOR IRRISÓRIO. MAJORAÇÃO. PRECEDENTES DO STJ E DESTA CORTE.
 
1. A sentença julgou procedente pedido para fornecimento de CND ou CPD-EN, quando eventual negativa se fundar unicamente na existência de débitos tributários ou irregularidades fiscais da Câmara de Vereadores do Município autor.

2. A Carta Magna prevê a independência e harmonia entre os Poderes, garantindo-lhes autonomia financeira e administrativa.

3. "A Constituição Federal/1988 consagrou a independência e a autonomia administrativo-financeira entre os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Não se pode, assim, responsabilizar a Prefeitura (Executivo Municipal) por obrigações de responsabilidade da Câmara da Comuna (Legislativo Municipal)" (APELREEX 5299/PE, 3ª Turma, Rel. Des. Federal Geraldo Apoliano).

4. Não deve o Município ser penalizado com a não emissão de certidão positiva de débito com efeito negativo em seu favor, por descumprimento de obrigação acessória da Câmara, pois tal órgão goza de autonomia financeira e tem receita própria, estando, inclusive sujeita ao controle da Lei de Responsabilidade Fiscal.

5. Precedentes desta Corte na mesma esteira: AGTR 115160/PE, Rel. Des. Federal Manoel Erhardt; AC 485419, Rel. Des. Federal Geraldo Apoliano; AC 477790, Rel. Des. Federal Leonardo Resende Martins; AG 108698, Rel. Des. Federal Paulo Roberto de Oliveira Lima.

6. (...).

8. Apelação da Fazenda Nacional e remessa oficial não providas. Apelação do Município provida.

(PROCESSO: 00008703820134058302, APELREEX29683/PE, RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL SÉRGIO MURILO WANDERLEY QUEIROGA (CONVOCADO), Terceira Turma, JULGAMENTO: 09/01/2014, PUBLICAÇÃO: DJE 10/01/2014 - Página 103)."

***

"TRIBUTÁRIO. MUNICÍPIO. EMISSÃO DE CERTIDÃO DE REGULARIDADE FISCAL. NEGATIVA POR PARTE DA FAZENDA NACIONAL EM RAZÃO DA EXISTÊNCIA DE DÉBITO PREVIDENCIÁRIO DA CÂMARA DOS VEREADORES. IMPOSSIBILIDADE. AUTONOMIA. FINANCEIRA E ADMINISTRATIVA. IMPOSSIBILIDADE DE PENALIZAÇÃO DO MUNICÍPIO POR DÉBITOS TRIBUTÁRIOS DA CÂMARA MUNICIPAL. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. INOCORRÊNCIA. CABIMENTO DE CONDENAÇÃO DA UNIÃO FEDERAL AO PAGAMENTO DE HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS.

(...) 

2. A jurisprudência pátria é pacífica quanto ao entendimento no sentido de que, diante autonomia administrativo-financeira existente entre as funções do Poder do Estado, não é possível penalizar o Município pelo descumprimento de obrigações tributárias principais ou acessórias por parte da Câmara de Vereadores. (Precedentes)

3. A dívida tributária de titularidade da Câmara de Vereadores do Município Apelante não constitui óbice ao fornecimento de Certidões Negativas ou de Certidões Positivas com Efeito de Negativa àquela pessoa política. (Precedentes) (...)10. Apelação do MUNICÍPIO DE TUPANATINGA provida. 11. Apelação da UNIÃO improvida. (AC 00000448520134058310, Desembargador Federal Paulo Roberto de Oliveira Lima, TRF5 - Segunda Turma, DJE - Data::18/07/2013 - Página::242.)."

Portanto, a responsabilidade pelo não pagamento das obrigações tributárias ou não tributárias principais e pelo descumprimento de obrigações acessórias(tributárias ou não)por parte do Legislativo Municipal deve recair tão somente sobre o órgão diretor da Câmara Municipal.

Diante de tal contexto, sem maiores delongas, a concessão da medida liminar é medida que se impõe.

Creio que o Parlamento Nacional deveria tomar providências, baixando Lei Complementar regulamentando esse assunto, no mesmo sentido da jurisprudência supra e autorizando, expressamente, o Ente Credor a executar a Câmara Municipal, por meio do seu CNPJ, bem como qualquer outro Órgão Despersonalizado, como Assembleia Legislativa, Câmara dos Deputados, Senado, etc.


3. Conclusão

 Posto isso:

a) com urgência, dê-se ciência ao Ministério Público Estadual e ao Tribunal de Constas do Estado para que, se for o caso, tomem imediatas providências contra os Órgãos de Direção da Câmara do Município, no campo da Lei de Responsabilidade Fiscal, de Improbidade Administrativa e Criminal; e também, para os mesmos fins, ao Ministério Público Federal;

a) concedo a tutela antecipada ao Município ora Autor e determino que a UNIÃO/ Fazenda Nacional  se abstenha de incluir como restrição à liberação da Certidão Positiva de Débito com Efeito de Negativa-CPD/EN do Município Suplicante, débitos previdenciários (obrigação principal) ou irregularidades fiscais (descumprimento de obrigação tributária acessória), praticados pelo Poder Legislativo Municipal - Câmara de Vereadores, até ulterior deliberação deste Juízo, sem prejuízo de tomar todas essas providências contra a referida Câmara de Veriadores, inclusive executar os respectivos créditos.

Finalmente, determino seja a UNIÃO citada,  na forma e para os fins legais e, com urgência, intimada da decisão supra, para o seu efetivo cumprimento.


P.I.Com urgência.


Recife, 26.08.2015.


Francisco Alves dos Santos Júnior
          Juiz Federal, 2a Vara-PE



LSC

DECISÃO ADMINISTRATIVA. CUMPRIMENTO. OBRIGATORIEDADE.


Por  Francisco Alves dos Santos Jr.
 

A Administração Federal decidiu, na via administrativa,  que um Servidor Público fazia jus à integração de determinada gratificação, mas pagara apenas partes das parcelas vencidas. Então esse Servidor propôs esta ação para obrigar a referida Administração a pagar o que faltava. Na primeira instância, o Juiz julgou o pedido procedente.  A UNIÃO interpôs recurso de apelação e a 3ª  Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região manteve a sentença. Houve recursos especial e extraordinário, mas nenhum foi conhecido. O Processo já se encontra na 2ª Vara Federal de Pernambuco em fase executiva. Segue a sentença e o acórdão do TRF5ªR, inclusive o acórdão relativo a embargos de declaração nessa Corte.

Boa leitura. 

PODER JUDICIÁRIO

JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA


Seção Judiciária de Pernambuco

2ª VARA

 

Juiz Federal: Francisco Alves dos Santos Júnior

Processo nº 2007.83.00.012499-6 – Classe 029 – Ação Ordinária


AUTOR: J B T R

Adv.: K L L H P, OAB-PE

RÉU: UNIÃO FEDERAL

Adv.: E C de A O, Advogada da União

 

 Registro nº ..............................................

Certifico que  registrei esta Sentença às fls..............

Recife, ........./........../2009                                                                    

                                                                                                                

Sentença tipo A

 

Ementa: - ADMINISTRATIVO. CUMPRIMENTO. DECISÃO ADMINISTRATIVA.  

O Administrador Público, Órgão Pagador, tem o poder-dever de dar efetivo cumprimento às decisões administrativas, sobretudo no campo financeiro.

Procedência. 

 

Vistos etc.

 
J B T R, qualificado na Inicial, ajuizou, em 27/06/2007, a presente ação, rito ordinário, em face da UNIÃO. Alegou, em suma, que seria servidor público federal vinculado ao E. TRF-5ª Região; que, em 17/12/2004, o Conselho da Justiça Federal, mediante a Nota Técnica nº 02, teria estabelecido orientações destinadas ao cumprimento da decisão proferida no Processo nº 2004.16.4940, que teria autorizado a incorporação/atualização dos quintos até 04/09/2001, conforme se constataria da informação prestada pela Diretora da Divisão de Pagamento de Pessoal do próprio E. TRF-5ª Região; que, em dezembro de 2004, o respectivo Tribunal teria reconhecido, em âmbito administrativo, o direito do Autor à incorporação de quintos, décimos ou VPNI a que faria jus, bem como o respectivo pagamento dos valores atrasados; que esse pagamento teria sido efetuado parcialmente, a partir do mês de dezembro de 2004, consoante se verificaria pela informação fornecida pela Diretora da Divisão de Pagamento de Pessoal do mencionado Tribunal, bem como pela planilha que estaria anexando aos autos; que, no tocante a mencionada incorporação, teria recebido em dezembro/2004, 100% dos valores referentes ao ano de 2004, 42% dos valores concernentes aos anos de 1998 a 2003, 20% do saldo remanescente relativo aos anos de 1998 a 2003, conforme planilha que estaria anexando aos autos; que os valores dos créditos a que faria jus, os importes que teriam sido pagos e, ainda, o numerário restante a pagar, e, mais, o saldo remanescente devido pelo E. TRF-5ª Região, apenas teriam sido corrigidos monetariamente pelo índice IPCA-E até dezembro/2005, sem incidência de juros de mora; que, embora o E. TRF-5ª Região tivesse reconhecido o seu suposto direito à incorporação de mencionadas vantagens e pago os valores discriminados na referida planilha, não teria havido o pagamento integral da dívida, e tampouco teriam incidido juros moratórios sobre os valores pagos e sobre o saldo remanescente; que a presente ação não teria o fito de discutir eventuais direitos à incorporação das vantagens mencionadas, mas sim cobrar os valores restantes dos créditos, a título de vantagens, que já teriam sido reconhecidas pelo E. TRF-5ª REg. e incorporados aos seus vencimentos; que, relativamente à prescrição, deveria ser aplicado ao caso o entendimento cristalizado na Súmula nº 443 do C. STF e 85 do E. STJ; que o prazo prescricional deveria ser contado a partir de dezembro/2004, pois teria sido em tal ocasião que o E. TRF-5ª REg. teria reconhecido o suposto direito do Autor à incorporação mencionada; que seria inaplicável o reinício da contagem do prazo prescricional pela metade, tal como previsto no Decreto nº 20.910/32 e no Decreto-Lei nº 4597/42. Teceu outros comentários e requereu: a condenação da União a pagar ao Autor os valores restantes a ele devidos pelo E. TRF-5ª Região discriminados na tabela anexada aos autos, apontados como “TOTAL GERAL DEVIDO PELO TRF 5ª REG – ATUALIZADO ATÉ MAIO DE 2007”, acrescidos de juros de mora e correção monetária até a data do efetivo pagamento; a condenação da Ré a pagar ao Autor a diferença  referente aos juros de mora que incidiram sobre os valores que já lhe foram pagos pelo E. TRF-5ª Reg.; a procedência dos pedidos e a condenação da União ao pagamento da verba de sucumbência; a citação da União. Deu valor à causa e instruiu a Inicial com instrumento de procuração e cópias de documentos, fls. 16/23.

Custas recolhidas à fl. 24.

À fl. 26, o Autor ingressou com petição juntando cópias de fichas financeiras, fls. 27/98.

Citada, a União apresentou Contestação (fls. 102/134), argüindo, preliminarmente, carência da ação por falta de interesse processual, haja vista que, para obtenção dos valores pretendidos, o Autor não necessitaria do provimento jurisdicional perseguido, haja vista que, assim que autorizada a dotação orçamentária, a União procederia com o pagamento dos valores pleiteados; que, inclusive, o E. TRF-5ª Região, teria reconhecido o débito em relação ao Autor, e o pagamento estaria a depender da disponibilidade orçamentária. Requereu, pois, a extinção do processo sem resolução do mérito. Como prejudicial ao exame do mérito, levantou a prescrição bienal prevista no §2º do art. 206 do Código Civil/2002. No mérito, fez um retrospecto da evolução legislativa dos quintos, décimos, sua incorporação e da VPNI e aduziu que a matéria teria sido objeto de apreciação pelo C. Tribunal de Contas da União que, por ocasião do julgamento do Processo nº 013.092/2002-6 teria entendido que seria devida a incorporação da vantagem até a data da MP nº 2225-45/2001; que o E. TRF-1ª Região e o E. TRF-4ª Região teriam manifestado entendimento no sentido de que a MP nº 2.225-45/2001, não teria permitido a incorporação da vantagem de décimos após a edição da Lei nº 9.527/97; que o E. TRF-5ª Região também estaria espraiando julgamentos reconhecendo a improcedência do pedido deduzido na Inicial; que a pretensão do Autor violaria o princípio da legalidade ao fundamentar seu suposto direito ao reajuste em lei que estaria revogada; que, ao deferir a pretensão do Autor, o Administrador Público agiria sem previsão legal, e, portanto, em desconformidade com o princípio da legalidade; que, portanto, o pedido deveria ser julgado improcedente; que não haveria direito do servidor à imutabilidade do regime jurídico; que inexistiria mora por parte da União, eis que o pagamento ainda não teria sido feito por falta de previsão orçamentária; que não seria possível a imposição de juros de mora superiores a 6% ao ano; que, no caso de procedência dos pedidos, deveria ser observado o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97. Teceu outros comentários e pugnou pelo acolhimento da preliminar e da prejudicial argüidas, ou então, acaso superadas, a improcedência dos pedidos. Requereu, ainda, a condenação da União ao pagamento das verbas de sucumbência. Protestou o de estilo e p. deferimento.

O Autor apresentou Réplica às fls. 140/150.

Vieram os autos conclusos para sentença.
   

É o Relatório. Passo a decidir.

 
Fundamentação

 
Preliminar

 
Como bem alegado na petição inicial, não cabe aqui a discussão se o ora Autor tem ou direito às verbas ali referidas, porque já reconhecidas como devidas em decisão administrativa do órgão próprio, mas sim se o Judiciário pode ou não determinar a efetiva realização financeira da mencionada decisão administrativa.

Noto também que a União não contesta o direito de o Autor receber as parcelas, mas sustenta que o Judiciário não pode interferir na vida administrativa do órgão obrigado a pagar e por isso esta ação deveria ser extinta,sem apreciação do mérito.

Tenho que não merece acolhida esta preliminar da defesa da União, porque o direito de o Autor receber as parcelas que a União reconhece como devidas está sendo violado e sempre que houver lesão de direito, cabe a intervenção do Judiciário(art. 5º, XXXV, da Constituição da República).

 
Exceção de Prescrição

 
Com referência a alegada prescrição, cabem as seguintes considerações. Como o direito à percepção das parcelas em questão foi reconhecido em dezembro de 2004, a direção do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, órgão no qual está lotado o Autor, teria que ter providenciado a respectiva verba, ainda que suplementarmente, na forma preconizada no inciso I do art. 41 da Lei nº 4.320, de 1964, no ano de 2005, quando então o Órgão Pagador preparou suas propostas orçamentárias para no de 2006. Então, tem-se que o direito de receber referidas parcelas do ora Autor passou a ser violado a partir de janeiro de 2006, portando daí é que se inicia a fluência do prazo de prescrição para o Autor exigir a observância do seu direito, pois o prazo prescricional só se inicia a partir da violação do direito(art. 189 do Código Civil). Então, prazo prescricional de cinco anos, fixado no Decreto nº 20.910, de 1932, aplicável ao caso, só se iniciou em janeiro de 2006 e como o ora Autor propôs esta ação em 28.06.2007(fl. 02), não há que se falar em prescrição.

Óbvio que a prescrição a favor da Fazenda Pública continua sendo regida por esse Decreto, que, veiculando regra específica, prevalece às regras gerais do Código Civil, não merecendo, assim, acolhida tese contrária defendida na contestação da União.
 

Mérito     

 
Como já dito acima, não cabe discutir se o ora Autor tem ou não direito às parcelas indicadas na petição inicial, porque esse direito já lhe foi reconhecido pelo órgão próprio da ora Requerida. Note-se que a União não impugnou o quantum apresentado pelo Autor, pretendendo, apenas, de forma indevida, discutir a questão jurídica, quanto ao direito às referidas parcelas, o que, como o já demonstrado, não cabe nesta ação.

O mérito consiste apenas em se saber se a União pode ou não ser obrigado a honrar sua decisão administrativa, pagando ao ora Autor as respectivas parcelas financeiras faltantes.

Não há, no direito positivo brasileiro, nenhuma regra que outorgue às decisões administrativas força executiva, exceto para as decisões dos Tribunais de Contas(§ 3º do art. 71 da Constituição da República).

Então não poderia o ora Autor propor ação executiva da decisão administrativa que lhe reconheceu o direito de receber mencionadas parcelas.

Tenho que o ora Autor até poderia ter proposto uma ação monitória, pois os Tribunais sedimentaram o entendimento de que cabe esse tipo de ação contra a Fazenda Pública[1], mas optou pelo caminho mais longo, propondo esta ação de rito ordinário, para forçar a Requerida a cumprir a decisão administrativa, o que não inviabiliza essa busca pela realização do seu direito substantivo, uma vez que, com relação à Requerida, foram observados os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório.

Como já dito, a União, pelo Administrador próprio, é obrigada a tomar as providências orçamentárias pertinentes para honrar seus compromissos financeiros, cabendo a cada Órgão indicar, no momento constitucional e legal próprio, nas suas propostas orçamentárias que, serão, finalisticamente encaminhadas ao Chefe do Poder Executivo, para compor o projeto de lei do orçamento anual[2], as dotações orçamentárias que necessitarão para tal fim.

Nenhum Ente público pode ficar, ad eternum,  sem cumprir suas próprias decisões no campo financeiro.

A partir do momento em que o Ente Público não honra os seus compromissos financeiros, exsurge o direito de o Credor exigir a realização do seu direito(crédito) perante o Poder Judiciário.

E se ficar comprovado, como no presente caso, que o Ente Público não tomou as providências constitucionais e legais no campo do orçamento público, para saldar sua dívida, resta ao Judiciário fixar-lhe prazo, sem prejuízo das possíveis penalidades pecuniárias, para realização do direito do Credor.

Conforme dito acima, a União, por seu órgão próprio, no caso, o Tribunal Regional Federal da 5ª Região, deveria ter pago todas as parcelas devidas ao ora Autor, no mínimo,  em janeiro de 2006, todavia, por não ter tomado as providências orçamentárias pertinentes, até hoje o ora Autor tem as parcelas descritas na petição inicial[3] a receber.

A União, pelo Administrador do referido Tribunal, como não providenciou a tempo e modo a dotação orçamentária pertinente para pagar o crédito do ora Autor, caso não tenha dotação orçamentária para tanto,  passa a ser obrigada a solicitar, de imediato, o crédito suplementar previsto no inciso I do art. 41 da Lei nº 4.320, de 1964, para pagar o crédito do ora Autor, cabendo a fixação de multa pecuniária, a favor do ora Autor, até que seja o seu crédito definitivamente realizado(§ 5º do art. 461 do Código de Processo Civil).

Trata-se de obrigação de fazer, consistente no cumprimento de r. decisão administrativa.

 
Conclusão

 
Posto isso, rejeito a preliminar e a exceção de prescrição, julgo procedente os pedidos desta ação e determino à União que cumpra sua própria r. decisão administrativa, providenciando a dotação orçamentária própria para pagar os restante dos créditos do Autor, decorrentes da referida r. decisão administrativa, e que efetive o pagamento no prazo máximo de 60(sessenta)dias, sob pena de ficar obrigada a pagar multa mensal ao ora Autor, correspondente a 10%(dez por cento) do restante dos créditos que tem a receber, delineados na  petição inicial, multa essa respaldada no § 5º do art. 461 do Código de Processo Civil, sem prejuízo, obviamente, da execução do total dos referidos créditos e das parcelas dessa multa, bem como sem prejuízo de aplicar-se ao Servidor ou Dirigente quer der azo ao pagamento dessa multa as penalidades funcionais e criminais pertinentes.

Outrossim, condeno a União a ressarcir as custas processuais despendidas pelo Autor, atualizadas desde a data do efetivo desembolso, pelos índices de correção monetária do Manual de Cálculos do Conselho da Justiça Federal e acrescidos de juros de mora legais, à razão de 0,5%(meio por cento) ao mês, contados estes da data da citação para execução desta Sentença, na forma preconizada no art. 730 do Código de Processo Civil, incidentes sobre o valor já monetariamente corrigido.

Finalmente, condeno a União em verba honorária,que arbitro em 10%(dez por cento) do total dos valores que o ora Autor tem a receber. 

De ofício, submeto esta Sentença ao duplo grau de jurisdição.

 
P.R.I.

 
Recife, 03 de abril de 2009.

  

Francisco Alves dos Santos Júnior

  Juiz Federal, 2ª Vara-PE

 

   A UNIÃO interpôs recurso de apelação e o Tribunal Regional Federal da 5ª Região decidiu:

 
 
Acórdão Desembargador(a) Federal Relator(a)
 
[Publicado em 24/11/2009 19:01] [Guia: 2009.001524] (M863) EMENTA:Administrativo. Servidor deste eg. TRF da 5ª Região. Pagamento do restante dos valores devidos ao agente público a título de quintos.1. Manutenção da sentença que rejeitou a preliminar e a exceção de prescrição, julgando procedentes os pedidos e condenando a União a pagar ao Autor os valores indicados no item 8 da petição inicial, com correção monetária pelos índices do Manual de Cálculos do Conselho da Justiça Federal, e juros de mora de meio por cento ao mês, a partir da citação inicial, incidentes sobre o quantum já monetariamente corrigido, assim como nas diferenças apontadas na alínea "b" da aludida inicial, e ao ressarcimento das custas gastas pelo requerente, atualizadas desde a data do efetivo desembolso, pelos índices acima indicados, com juros moratórios de 0,5%(meio por cento) ao mês, contados da data da citação da execução, e a pagar ao postulante verba honorária de 10% (dez por cento) do valor total da condenação que for apurada.2. Apelação e remessa oficial improvidas.(Acórdão)Vistos, etc.Decide a Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação e à remessa oficial, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas constantes dos autos.Recife (PE), 05 de novembro de 2009.(Data do julgamento)Des. Federal MAXIMILIANO CAVALCANTI(Relator convocado).
 
A UNIÃO opôs o recurso denominado Embargos de Declaração e o mesmo Tribunal decidiu:
 

Acórdão Desembargador(a) Federal Relator(a)
[Publicado em 02/07/2010 00:00] [Guia: 2010.000871] (M863) (Ementa)Processual Civil. Embargos de Declaração. Omissões inexistentes. Impossibilidade de rediscussão da matéria. 1. Não há omissão no acórdão, mas inconformismo da embargante. A via dos embargos declaratórios só comporta a discussão de matérias sacudidas pela omissão, obscuridade e contradição. Fora daí, qualquer que seja seu valor intrínseco ou extrínseco, sua conotação formal ou substancial, enfim, qualquer que seja o seu conteúdo, não pode ser debatida na estreita estrada dos aclaratórios, reservado ao interessado a sua colocação no instrumento processual correto. 2. Embargos de declaração improvidos.(Acórdão)Vistos, etc.Decide a Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, negar provimento aos embargos de declaração, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas constantes dos autos.Recife (PE), 17 de junho de 2010.(Data do julgamento)Desembargador Federal Vladimir Souza Carvalho – Relator

 
   Como matéria parecida estava sob repercussão geral no Supremo Tribunal Federal, o Desembargador Vice-Presidente despachou, demonstrando que o caso discutido neste processo era diverso e por isso determinou a remessa do feito ao Supremo Tribunal Federal, para apreciar agravo de instrumento da UNIÃO, visando a subida de recurso extraordinário que não fora admitido no TRF5ªR, verbis:

 
 
Despacho do Desembargador(a) Federal Vice-Presidente
 
(M27) DECISÃO. Trata-se de agravo de instrumento interposto pela UNIÃO contra decisão que inadmitiu o recurso extraordinário manejado com fundamento no artigo 102, III, "a", da Constituição Federal, em face de acórdão proferido por esta Corte, havendo sido devolvido os autos pelo STF, por reconhecida repercussão geral quanto ao tema objeto do RE 638.115/CE (Tema 395 - Incorporação de quintos decorrentes do exercício de funções comissionadas e/ou gratificadas), até o julgamento do aludido recurso extraordinário. Contudo, verifico que o objeto da presente demanda não se assemelha à matéria que será discutida no supracitado representativo de controvérsia. É que, no caso concreto, a parte autora não requer o reconhecimento do seu direito à incorporação de quintos decorrentes do exercício de funções comissionadas e/ou gratificadas, mas, apenas, o pagamento de diferenças referentes à incorporação de quintos que já foi reconhecida pela própria Administração, conforme se vê nos documentos de fls. 18/23, expedida pela Divisão de Pagamento de Pessoal do Tribunal Regional Federal da 5ª Região. Ora, não se discute, aqui, se a parte autora tem ou não direito à incorporação de tais quintos à sua remuneração, uma vez que esse direito já foi reconhecido administrativamente. O que a parte autora postula, no presente feito, é o pagamento de valores que, embora tenham sido calculados pela própria Administração (vide docs. de fls. 18/23), ainda não foram pagos a ela. Estando evidente o "distinguishing" entre a questão central da ação em cotejo e o tema do mencionado representativo de controvérsia (RE 638.115/CE) pendente de julgamento do STF, tenho não ser a situação do sobrestamento, de maneira que se impõe a remessa dos autos à Corte Suprema para o regular processamento. Intime-se.Recife, 29 de novembro de 2014.Desembargador Federal EDILSON PEREIRA NOBRE JÚNIORVice-Presidente do TRF da 5ª RegiãoAssinado Eletronicamente. Observar rodapé

 

O Supremo Tribunal Federal não autorizou a subida do recurso extraordinário e o Superior Tribunal de Justiça não conheceu do recurso especial, por isso o feito retornou à 2ª Vara Federal de Pernambuco, para execução.



[1] Súmula 339 do E. Superior Tribunal de Justiça: “É cabível ação monitória contra a Fazenda Pública”.
[2] Como se sabe, é da exclusiva competência do Chefe do Poder Executivo a iniciativa das Leis Orçamentárias, cabendo aos demais Órgãos encaminhar a este suas propostas orçamentárias, para fazer parte do projeto do Chefe do Poder Executivo.
Nesse sentido, v. SANTOS JR, Francisco Alves dos. Finanças Públicas, Orçamento Público e Direito Financeiro. Recife: Livro Rápido, 2008, p. 110-115.
[3] Como foi anotado acima, a União não contestou o total dessas parcelas.