quinta-feira, 3 de setembro de 2015

MUNICÍPIO NÃO PODE SER RESPONSABILIZADO POR DÍVIDA TRIBUTÁRIA DA RESPECTIVA CÂMARA MUNICIPAL

Por Francisco Alves dos Santos Jr.
 
O Município não pode ser responsabilizado pelas dívidas tributária da sua Câmara Municipal, porque esta, embora sendo um mero Órgão,  tem orçamento próprio e goza de autonomia político-administrativa.
A decisão que segue discute esse importante assunto de direito constitucional e administrativo.
Boa leitura.

 
PROCESSO Nº: 0805884-05.2015.4.05.8300 - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO
AUTOR: TAMANDARE PREFEITURA
ADVOGADO: R G R FILHO
RÉU: UNIÃO FEDERAL - UNIÃO.
2ª VARA FEDERAL - JUIZ FEDERAL TITULAR



D E C I S Ã O



1. Breve Relatório


MUNICÍPIO DE TAMANDARÉ ajuizou a presente Ação Ordinária, com pedido de antecipação de tutela em caráter de urgência, em desfavor da União Federal/Fazenda Nacional. Aduziu, em síntese, que em função do entendimento fazendário, a Receita Federal teria adotado o posicionamento de que os municípios seriam responsáveis pelos débitos previdenciários do Poder Legislativo - Câmara de Vereadores, sem qualquer fundamento na própria legislação de regência, a Secretaria da Receita Federal do Brasil teria inserido como restrições à liberação da Certidão de Regularidade Fiscal do Município Suplicante, as irregularidades fiscais da Câmara de Vereadores o extrato comprovaria a existência de impedimento atualmente vigente para a liberação da Certidão de Regularidade Fiscal do Município-Autor;  deveria ser reconhecida a intransferência  das obrigações fiscais, devendo cada poder assumir seus encargos; a CF/88 estabelecera que cada Poder teria sua responsabilidade própria; a Receita estaria inobservando o princípio da independência dos poderes e do princípio da intranscendência; os requisitos para a concessão da tutela estariam preenchidos, eis que o Município não estaria recebendo recursos provenientes da União. Teceu outros comentários. Transcreveu vários precedentes. Pugnou, ao final, pela concessão de tutela antecipada, a fim de que a União/Fazenda Nacional se abstenha de incluir como restrição à liberação da Certidão Positiva de Débito com Efeito de Negativa-CPD/EN do Município Suplicante, débitos previdenciários (obrigação principal) ou irregularidades fiscais (descumprimento de obrigação tributária acessória), praticado pelo Poder Legislativo Municipal - Câmara de Vereadores.

Inicial instruída com procuração e documentos.

É o relatório, no essencial.   Passo a decidir.

2. Fundamentação

Na espécie, o interesse do Município-Autor reside, dentre outros aspectos, em obter a certeza jurídica de que não lhe será negado certidão negativa em razão de eventual existência de débitos tributários ou irregularidades fiscais da respectiva Câmara de Vereadores. 

Cabe verificar a responsabilidade pelas obrigações tributárias, apurando se a responsabilidade deve recair sobre a Câmara Municipal ou sobre o Município.

Ressalte-se que a Constituição Federal consagra a autonomia e a independência administrativo-financeira entre os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário.

Sabe-se, ainda, que o Poder Legislativo Municipal, órgão do Município, por gozar de autonomia financeira, assegurada no artigo 29-A da Constituição Federal, possui receita própria, sujeita ao rígido controle orçamentário, cujo limite, caso ultrapassado, caracteriza, por expressa disposição constitucional, e na conformidade da Lei de Responsabilidade Fiscal-LC nº 101, de 2000, a prática de crime de responsabilidade.

Tenho que a responsabilidade fiscal é, no caso, única e exclusiva do Dirigente do mencionado Poder Legislativo Municipal, diante da autonomia administrativa e financeira conferida à Câmara Municipal, que possui, inclusive, CNPJ distinto do Município.

 É relevante a menção à autonomia, tendo em vista que o Poder Executivo não poderia compelir o Legislativo a recolher o valor devido, não podendo sofrer prejuízos em razão de conduta a que não deu causa. Sendo assim, cabe à União adotar os procedimentos de cobrança em face da Câmara Municipal. E o Ministério Público Federal deve ser cientificado, para tomar as providências administrativas(improbidade)e criminais(sonegação)contra o Chefe do referido Poder Legislativo Municipal.

O Município até pode, sob ordem judicial de eventual ação proposta contra a Câmara Municipal, reter verbas desta e repassá-las diretamente para eventuais credores tributários desta, mas não pode tomar essa providência por conta própria, ou seja, sem ordem judicial.

Acerca do tema, confiram-se os julgados abaixo transcritos:

CONSTITUCIONAL, TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. DÍVIDA PREVIDENCIÁRIA DA CÂMARA DOS VEREADORES. IMPUTAÇÃO AO MUNICÍPIO. IMPOSSIBILIDADE. INDEPENDÊNCIA E HARMONIA ENTRE OS PODERES. AUTONOMIA FINANCEIRA E ADMINISTRATIVA. EMISSÃO DE CERTIDÃO DE NEGATIVA DE DÉBITO. POSSIBILIDADE. HONORÁRIOS. VALOR IRRISÓRIO. MAJORAÇÃO. PRECEDENTES DO STJ E DESTA CORTE.
 
1. A sentença julgou procedente pedido para fornecimento de CND ou CPD-EN, quando eventual negativa se fundar unicamente na existência de débitos tributários ou irregularidades fiscais da Câmara de Vereadores do Município autor.

2. A Carta Magna prevê a independência e harmonia entre os Poderes, garantindo-lhes autonomia financeira e administrativa.

3. "A Constituição Federal/1988 consagrou a independência e a autonomia administrativo-financeira entre os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Não se pode, assim, responsabilizar a Prefeitura (Executivo Municipal) por obrigações de responsabilidade da Câmara da Comuna (Legislativo Municipal)" (APELREEX 5299/PE, 3ª Turma, Rel. Des. Federal Geraldo Apoliano).

4. Não deve o Município ser penalizado com a não emissão de certidão positiva de débito com efeito negativo em seu favor, por descumprimento de obrigação acessória da Câmara, pois tal órgão goza de autonomia financeira e tem receita própria, estando, inclusive sujeita ao controle da Lei de Responsabilidade Fiscal.

5. Precedentes desta Corte na mesma esteira: AGTR 115160/PE, Rel. Des. Federal Manoel Erhardt; AC 485419, Rel. Des. Federal Geraldo Apoliano; AC 477790, Rel. Des. Federal Leonardo Resende Martins; AG 108698, Rel. Des. Federal Paulo Roberto de Oliveira Lima.

6. (...).

8. Apelação da Fazenda Nacional e remessa oficial não providas. Apelação do Município provida.

(PROCESSO: 00008703820134058302, APELREEX29683/PE, RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL SÉRGIO MURILO WANDERLEY QUEIROGA (CONVOCADO), Terceira Turma, JULGAMENTO: 09/01/2014, PUBLICAÇÃO: DJE 10/01/2014 - Página 103)."

***

"TRIBUTÁRIO. MUNICÍPIO. EMISSÃO DE CERTIDÃO DE REGULARIDADE FISCAL. NEGATIVA POR PARTE DA FAZENDA NACIONAL EM RAZÃO DA EXISTÊNCIA DE DÉBITO PREVIDENCIÁRIO DA CÂMARA DOS VEREADORES. IMPOSSIBILIDADE. AUTONOMIA. FINANCEIRA E ADMINISTRATIVA. IMPOSSIBILIDADE DE PENALIZAÇÃO DO MUNICÍPIO POR DÉBITOS TRIBUTÁRIOS DA CÂMARA MUNICIPAL. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. INOCORRÊNCIA. CABIMENTO DE CONDENAÇÃO DA UNIÃO FEDERAL AO PAGAMENTO DE HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS.

(...) 

2. A jurisprudência pátria é pacífica quanto ao entendimento no sentido de que, diante autonomia administrativo-financeira existente entre as funções do Poder do Estado, não é possível penalizar o Município pelo descumprimento de obrigações tributárias principais ou acessórias por parte da Câmara de Vereadores. (Precedentes)

3. A dívida tributária de titularidade da Câmara de Vereadores do Município Apelante não constitui óbice ao fornecimento de Certidões Negativas ou de Certidões Positivas com Efeito de Negativa àquela pessoa política. (Precedentes) (...)10. Apelação do MUNICÍPIO DE TUPANATINGA provida. 11. Apelação da UNIÃO improvida. (AC 00000448520134058310, Desembargador Federal Paulo Roberto de Oliveira Lima, TRF5 - Segunda Turma, DJE - Data::18/07/2013 - Página::242.)."

Portanto, a responsabilidade pelo não pagamento das obrigações tributárias ou não tributárias principais e pelo descumprimento de obrigações acessórias(tributárias ou não)por parte do Legislativo Municipal deve recair tão somente sobre o órgão diretor da Câmara Municipal.

Diante de tal contexto, sem maiores delongas, a concessão da medida liminar é medida que se impõe.

Creio que o Parlamento Nacional deveria tomar providências, baixando Lei Complementar regulamentando esse assunto, no mesmo sentido da jurisprudência supra e autorizando, expressamente, o Ente Credor a executar a Câmara Municipal, por meio do seu CNPJ, bem como qualquer outro Órgão Despersonalizado, como Assembleia Legislativa, Câmara dos Deputados, Senado, etc.


3. Conclusão

 Posto isso:

a) com urgência, dê-se ciência ao Ministério Público Estadual e ao Tribunal de Constas do Estado para que, se for o caso, tomem imediatas providências contra os Órgãos de Direção da Câmara do Município, no campo da Lei de Responsabilidade Fiscal, de Improbidade Administrativa e Criminal; e também, para os mesmos fins, ao Ministério Público Federal;

a) concedo a tutela antecipada ao Município ora Autor e determino que a UNIÃO/ Fazenda Nacional  se abstenha de incluir como restrição à liberação da Certidão Positiva de Débito com Efeito de Negativa-CPD/EN do Município Suplicante, débitos previdenciários (obrigação principal) ou irregularidades fiscais (descumprimento de obrigação tributária acessória), praticados pelo Poder Legislativo Municipal - Câmara de Vereadores, até ulterior deliberação deste Juízo, sem prejuízo de tomar todas essas providências contra a referida Câmara de Veriadores, inclusive executar os respectivos créditos.

Finalmente, determino seja a UNIÃO citada,  na forma e para os fins legais e, com urgência, intimada da decisão supra, para o seu efetivo cumprimento.


P.I.Com urgência.


Recife, 26.08.2015.


Francisco Alves dos Santos Júnior
          Juiz Federal, 2a Vara-PE



LSC

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