Por Francisco Alves dos Santos Jr.
O Município não pode ser responsabilizado pelas dívidas tributária da sua Câmara Municipal, porque esta, embora sendo um mero Órgão, tem orçamento próprio e goza de autonomia político-administrativa.
A decisão que segue discute esse importante assunto de direito constitucional e administrativo.
Boa leitura.
PROCESSO Nº: 0805884-05.2015.4.05.8300 - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO
AUTOR: TAMANDARE PREFEITURA
ADVOGADO: R G R FILHO
RÉU: UNIÃO FEDERAL - UNIÃO.
2ª VARA FEDERAL - JUIZ FEDERAL TITULAR
AUTOR: TAMANDARE PREFEITURA
ADVOGADO: R G R FILHO
RÉU: UNIÃO FEDERAL - UNIÃO.
2ª VARA FEDERAL - JUIZ FEDERAL TITULAR
D E C I S Ã O
1. Breve Relatório
Inicial instruída com procuração e documentos.
É o relatório, no essencial. Passo a decidir.
2. Fundamentação
Na
espécie, o interesse do Município-Autor reside, dentre outros aspectos,
em obter a certeza jurídica de que não lhe será negado certidão
negativa em razão de eventual existência de débitos tributários ou
irregularidades fiscais da respectiva Câmara de Vereadores.
Cabe
verificar a responsabilidade pelas obrigações tributárias, apurando se a
responsabilidade deve recair sobre a Câmara Municipal ou sobre o
Município.
Ressalte-se
que a Constituição Federal consagra a autonomia e a independência
administrativo-financeira entre os Poderes Legislativo, Executivo e
Judiciário.
Sabe-se,
ainda, que o Poder Legislativo Municipal, órgão do Município, por gozar
de autonomia financeira, assegurada no artigo 29-A da Constituição
Federal, possui receita própria, sujeita ao rígido controle
orçamentário, cujo limite, caso ultrapassado, caracteriza, por expressa
disposição constitucional, e na conformidade da Lei de Responsabilidade
Fiscal-LC nº 101, de 2000, a prática de crime de responsabilidade.
Tenho
que a responsabilidade fiscal é, no caso, única e exclusiva do
Dirigente do mencionado Poder Legislativo Municipal, diante da autonomia
administrativa e financeira conferida à Câmara Municipal, que possui,
inclusive, CNPJ distinto do Município.
É
relevante a menção à autonomia, tendo em vista que o Poder Executivo
não poderia compelir o Legislativo a recolher o valor devido, não
podendo sofrer prejuízos em razão de conduta a que não deu causa. Sendo
assim, cabe à União adotar os procedimentos de cobrança em face da
Câmara Municipal. E o Ministério Público Federal deve ser cientificado,
para tomar as providências administrativas(improbidade)e
criminais(sonegação)contra o Chefe do referido Poder Legislativo
Municipal.
O
Município até pode, sob ordem judicial de eventual ação proposta contra
a Câmara Municipal, reter verbas desta e repassá-las diretamente para
eventuais credores tributários desta, mas não pode tomar essa
providência por conta própria, ou seja, sem ordem judicial.
Acerca do tema, confiram-se os julgados abaixo transcritos:
CONSTITUCIONAL,
TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. DÍVIDA PREVIDENCIÁRIA DA CÂMARA DOS
VEREADORES. IMPUTAÇÃO AO MUNICÍPIO. IMPOSSIBILIDADE. INDEPENDÊNCIA E
HARMONIA ENTRE OS PODERES. AUTONOMIA FINANCEIRA E ADMINISTRATIVA.
EMISSÃO DE CERTIDÃO DE NEGATIVA DE DÉBITO. POSSIBILIDADE. HONORÁRIOS.
VALOR IRRISÓRIO. MAJORAÇÃO. PRECEDENTES DO STJ E DESTA CORTE.
1.
A sentença julgou procedente pedido para fornecimento de CND ou
CPD-EN, quando eventual negativa se fundar unicamente na existência de
débitos tributários ou irregularidades fiscais da Câmara de Vereadores
do Município autor.
2. A Carta Magna prevê a independência e harmonia entre os Poderes, garantindo-lhes autonomia financeira e administrativa.
3.
"A Constituição Federal/1988 consagrou a independência e a autonomia
administrativo-financeira entre os Poderes Legislativo, Executivo e
Judiciário. Não se pode, assim, responsabilizar a Prefeitura (Executivo
Municipal) por obrigações de responsabilidade da Câmara da Comuna
(Legislativo Municipal)" (APELREEX 5299/PE, 3ª Turma, Rel. Des. Federal
Geraldo Apoliano).
4.
Não deve o Município ser penalizado com a não emissão de certidão
positiva de débito com efeito negativo em seu favor, por descumprimento
de obrigação acessória da Câmara, pois tal órgão goza de autonomia
financeira e tem receita própria, estando, inclusive sujeita ao controle
da Lei de Responsabilidade Fiscal.
5.
Precedentes desta Corte na mesma esteira: AGTR 115160/PE, Rel. Des.
Federal Manoel Erhardt; AC 485419, Rel. Des. Federal Geraldo Apoliano;
AC 477790, Rel. Des. Federal Leonardo Resende Martins; AG 108698, Rel.
Des. Federal Paulo Roberto de Oliveira Lima.
6. (...).
8. Apelação da Fazenda Nacional e remessa oficial não providas. Apelação do Município provida.
(PROCESSO:
00008703820134058302, APELREEX29683/PE, RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL
SÉRGIO MURILO WANDERLEY QUEIROGA (CONVOCADO), Terceira Turma,
JULGAMENTO: 09/01/2014, PUBLICAÇÃO: DJE 10/01/2014 - Página 103)."
***
"TRIBUTÁRIO.
MUNICÍPIO. EMISSÃO DE CERTIDÃO DE REGULARIDADE FISCAL. NEGATIVA POR
PARTE DA FAZENDA NACIONAL EM RAZÃO DA EXISTÊNCIA DE DÉBITO
PREVIDENCIÁRIO DA CÂMARA DOS VEREADORES. IMPOSSIBILIDADE. AUTONOMIA.
FINANCEIRA E ADMINISTRATIVA. IMPOSSIBILIDADE DE PENALIZAÇÃO DO MUNICÍPIO
POR DÉBITOS TRIBUTÁRIOS DA CÂMARA MUNICIPAL. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA.
INOCORRÊNCIA. CABIMENTO DE CONDENAÇÃO DA UNIÃO FEDERAL AO PAGAMENTO DE
HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS.
(...)
2. A
jurisprudência pátria é pacífica quanto ao entendimento no sentido de
que, diante autonomia administrativo-financeira existente entre as
funções do Poder do Estado, não é possível penalizar o Município pelo
descumprimento de obrigações tributárias principais ou acessórias por
parte da Câmara de Vereadores. (Precedentes)
3.
A dívida tributária de titularidade da Câmara de Vereadores do
Município Apelante não constitui óbice ao fornecimento de Certidões
Negativas ou de Certidões Positivas com Efeito de Negativa àquela pessoa
política. (Precedentes) (...)10. Apelação do MUNICÍPIO DE
TUPANATINGA provida. 11. Apelação da UNIÃO improvida. (AC
00000448520134058310, Desembargador Federal Paulo Roberto de Oliveira
Lima, TRF5 - Segunda Turma, DJE - Data::18/07/2013 - Página::242.)."
Portanto,
a responsabilidade pelo não pagamento das obrigações tributárias ou
não tributárias principais e pelo descumprimento de obrigações
acessórias(tributárias ou não)por parte do Legislativo Municipal deve
recair tão somente sobre o órgão diretor da Câmara Municipal.
Diante de tal contexto, sem maiores delongas, a concessão da medida liminar é medida que se impõe.
Creio
que o Parlamento Nacional deveria tomar providências, baixando Lei
Complementar regulamentando esse assunto, no mesmo sentido da
jurisprudência supra e autorizando, expressamente, o Ente Credor a
executar a Câmara Municipal, por meio do seu CNPJ, bem como qualquer
outro Órgão Despersonalizado, como Assembleia Legislativa, Câmara dos
Deputados, Senado, etc.
3. Conclusão
Posto isso:
a) com urgência, dê-se ciência ao Ministério Público Estadual e ao Tribunal de Constas do Estado
para que, se for o caso, tomem imediatas providências contra os Órgãos
de Direção da Câmara do Município, no campo da Lei de Responsabilidade
Fiscal, de Improbidade Administrativa e Criminal; e também, para os
mesmos fins, ao Ministério Público Federal;
a)
concedo a tutela antecipada ao Município ora Autor e determino que a
UNIÃO/ Fazenda Nacional se abstenha de incluir como restrição à
liberação da Certidão Positiva de Débito com Efeito de Negativa-CPD/EN
do Município Suplicante, débitos previdenciários (obrigação principal)
ou irregularidades fiscais (descumprimento de obrigação tributária
acessória), praticados pelo Poder Legislativo Municipal - Câmara de
Vereadores, até ulterior deliberação deste Juízo, sem prejuízo de tomar
todas essas providências contra a referida Câmara de Veriadores,
inclusive executar os respectivos créditos.
Finalmente,
determino seja a UNIÃO citada, na forma e para os fins legais e, com
urgência, intimada da decisão supra, para o seu efetivo cumprimento.
P.I.Com urgência.
Recife, 26.08.2015.
Francisco Alves dos Santos Júnior
Juiz Federal, 2a Vara-PE
LSC
Nenhum comentário:
Postar um comentário