segunda-feira, 22 de novembro de 2021

JUROS DE MORA. NATUREZA INDENIZATÓRIA. NÃO INCIDÊNCIA DO IR, NEM DA CSLL.

 Por Francisco Alves dos Santos Júnior

As parcelas recebidas a título de juros de mora não podem sofrer incidência do IR, nem da CSLL, porque têm natureza indenizatória, logo não geram acréscimo patrimonial, muito menos lucros. 

O Plenário do STF já decidiu que salários, vencimentos e verbas previdenciárias recebidas por pessoas físicas com atraso, as respectivas parcelas de juros de mora não caracterizam o fato gerador do IRPF. 

No campo da pessoa jurídica, chegou a conclusão semelhante apenas com relação a juros de mora, apurados pelos índices da tabela SELIC, nas restituições de tributos que tenham sido pagados indevidamente. 

Creio que avançará quanto aos demais juros de mora, pois estes sempre têm natureza tributária. 

Essas matérias são debatidas na sentença que segue. 

Boa leitura. 



PROCESSO Nº: 0819484-83.2021.4.05.8300 - MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL

IMPETRANTE: PRIME - IMPORTACAO E EXPORTACAO S/A
ADVOGADO: Erick Macedo
IMPETRADO: DELEGADO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL NO RECIFE/PE e outro
AUTORIDADE COATORA: DELEGADO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL EM RECIFE-PE
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO)


Sentença tipo B

EMENTA: -  TRIBUTÁRIO. AÇÃO ORDINÁRIA. JUROS  DE MORA. TABELA SELIC. IRPJ. CSLL. NÃO INCID}ENCIA.

-As Leis que introduziram os índices da tabela SELIC na atualização dos tributos denominaram essa atualização de juros de mora, tanto quando o Contribuinte papa com atraso, como quando a Fazenda Pública ressarce, restitui ou admite a compensação de parcelas que, respectivamente, ressarciu com atraso ou cobrou indevidamente.. 

-Juros de mora têm natureza indenizatória e, por isso, como não comportam aumento patrimonial, não podem, em qualquer situação,  ser submetidos à incidência do Imposto de Renda, tampouco, quando o Contribuinte é Pessoa Jurídica, à incidência da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido - CSLL.

- O Tribunal Pleno do STF, por ocasião do julgamento do Tema 962 da repercussão geral, conferiu interpretação conforme à Constituição Federal ao § 1º do art. 3º da Lei nº 7.713/88, ao art. 17 do Decreto-Lei nº 1.598/77 e ao art. 43, inciso II e § 1º, do CTN (Lei nº 5.172/66), de modo a excluir do âmbito de aplicação desses dispositivos a incidência do imposto de renda e da CSLL sobre Juros de Mora, apurados pelos índices da Tabela SELIC, recebidos  pelo Contribuintes na repetição de indébito tributário, fixando a seguinte tese: "É inconstitucional a incidência do IRPJ e da CSLL sobre os valores atinentes à taxa Selic recebidos em razão de repetição de indébito tributário"

-Concessão da segurança.


 

Vistos, etc.

1. Breve Relatório 

Busca o Impetrante provimento jurisdicional que lhe assegure a concessão de medida liminar, com autorização para que, desde logo, interrompa os recolhimentos de IRPJ/CSLL sobre os ingressos caracterizados como juros moratórios, inclusive os decorrentes de restituição/compensação de indébito tributário, nos âmbitos federal (juros de mora pelos índices da tabela SELIC), estadual e municipal - e os provenientes de atraso de pagamento devido por adquirentes de seus produtos, devendo abster-se a Atoridade apontada como coatora de impor-lhe medidas constritivas em razão disso (tais como aplicação de multas,  negativa de CND, CNEN,  inscrição no CADIN etc.).

Teceu outros comentários e requereu, ao final: 

(e.1) seja assegurado o direito líquido e certo da impetrante de não se submeter às incidências de Imposto de Renda e de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido sobre os ingressos caracterizados como juros moratórios, inclusive, os decorrentes de restituição/compensação de indébito tributário - nos âmbitos federal (juros de mora equivalentes à SELIC), estadual e municipal - e os provenientes de atraso de pagamento devido por adquirentes de seus produtos;

(e.2) seja reconhecida a compensabilidade do indébito correspondente aos recolhimentos feitos a título de Imposto de Renda e de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido sobre ingressos caracterizados como juros de mora, devidamente acrescidos da SELIC, com quaisquer tributos administrados pela RFB, conforme orientação firmada pelo STJ, sob o regime de recursos repetitivos, especialmente no item 12 da ementa do REsp 1.365.095/SP (e Súmula 461/STJ).

Decisão sob Id. 4058300.20500029 em que foi deferido o pleito de medida liminar.

A autoridade apontada como coatora apresentou Informações em que pugnou pela denegação da segurança (Id. 4058300.20845964).

O Ministério Publico Federal não se manifestou sobre o mérito da questão (Id. 4058300.20867801).

É o relatório, no essencial.

Passo a decidir.

2. Fundamentação

2.1. Do mérito propriamente dito

Examinemos, em primeiro lugar o pedido de suspensão da exigibilidade do IRPJ e da CSLL sobre o valor dos juros, apurados pelos  índices da tabela SELIC.

Depois, veremos idêntico pleito com relação à não incidência desses tributos sobre juros de mora decorrentes de recebimentos de pagamentos em atraso e da repetição de tributos estaduais e municipais.

2.2.1 - Atualização pelos índices da tabela SELIC

Como se sabe, a substituição dos índices de correção monetária e de índices juros de mora na atualização dos tributos federais pagos com atraso pelos índices da tabela SELIC ocorreu por meio da Lei nº 8.981, de 1995, no seu art. 84, verbis:

"Art. 84 - Os tributos e contribuições sociais arrecadados pela Secretaria da Receita Federal, cujos fatos geradores vierem a ocorrer a partir de 1º de Janeiro de 1995, não pagos nos prazos previstos na legislação tributária, serão acrescidos de:

I - Juros de mora, equivalentes à taxa média mensal de captação do Tesouro Nacional relativa à Dívida Mobiliária Federal Interna.

(...).

Os juros de mora de que trata o inciso I, deste artigo, serão aplicados também às contribuições sociais arrecadadas pelo FISCO e aos débitos para com o patrimônio imobiliário, quando não recolhido nos prazos previstos na legislação específica".

Por sua vez o art. 13 da Lei nº 9.065/95 determinou:

"Art. 13 - A partir de abril de 1995, os juros de que tratam a alínea c do parágrafo único do art. 14 da Lei nº 8.847, de 28 de janeiro de 1994, com redação dada pelo art. 6º da Lei 8.850 de 28 de janeiro de 1994, e pelo art. 90 da Lei 9.981, de 1995, o art. 84, inciso I, e o art. 91, parágrafo único, alínea a, da Lei 9.891 de 1995, serão equivalentes à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia - SELIC para os títulos federais acumulada mensalmente".

E para que os Contribuintes tivessem igual tratamento, quando recebessem, em restituição ou em compensação, parcelas de tributos que tivessem pagado indevidamente, por erro de fato ou de direito, a Lei nº 9.250, de 1995, fixou o mesmo índice para atualização:

"Art. 39 - (....)

§ 4º A partir de 1º de janeiro de 1996, a compensação ou restituição será acrescida de juros equivalentes à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia - SELIC para títulos federais, acumulada mensalmente, calculados a partir da data do pagamento indevido ou a maior até o mês anterior ao da compensação ou restituição e de 1% relativamente ao mês em que estiver sendo efetuada.".  

A Lei nº 9.532, de 1997, estabeleceu, no seu art. 74, que a incidência do índice da tabela SELIC, na atualização dos valores nos casos de repetição de indébito ou compensação tributárias, ocorreria a partir do primeiro dia do mês seguinte ao do pagamento indevido, verbis:

"Art. 73. O termo inicial para cálculo dos juros de que trata o § 4º do art. 39 da Lei nº 9.250, de 1995, é o mês subseqüente ao do pagamento indevido ou a maior que o devido.".

E de 1%(um por cento) sobre o valor do mês da efetiva restituição ou compensação(v. final do § 4º do art. 39 da Lei nº 9.250, de 1995, acima  transcrito).

Então, pela linguagem utilizada nessas Leis, na atualização dos créditos tributáriosb, tanto quando pagos com atraso, como quando houver repetição de indébito,  deixou de existir correção monetária e passou a existir apenas juros de mora, extraídos da Tabela SELIC.

É verdade que há julgados do Superior Tribunal de Justiça, nos quais se sustentou que dentro do índice da Tabela SELIC há parcela de correção monetária e parcela de juros de mora.

Mas a legislação bancária que deu origem aos índices dessa Tabela SELIC outorga-lhe apenas a natureza de juros bancários, no Sistema Integrado de Liquidação e Custódia (SELIC) para títulos federais.

A respeito desse assunto, ensina  Édison Freitas de Siqueira no artigo acima invocado e indicado na nota de rodapé [1]] infra:

  "A Resolução nº 1.124/96 do Conselho Monetário Nacional instituiu a Taxa SELIC, definida pelas Circulares BACEN 2.868/99 e 2.900/99, assim dispondo: "define-se Taxa SELIC como a taxa média ajustada dos financiamentos apurados no Sistema Integrado de Liquidação e Custódia (SELIC) para títulos federais".[1] 

Essa taxa, além de refletir a liquidez dos recursos financeiros no mercado monetário, tem a característica de juros remuneratórios ao investidor.

E o Legislador Ordinário, repito, concedeu a esses juros bancários, no campo tributário, natureza de juros de mora, ora para compensar prejuízo da Fazenda Pública, quando o Contribuinte paga com atraso, ora para recompor perdas do Contribuinte, quando este paga tributo acima do valor realmente devido e a Fazenda Pública demora, além do prazo legal, para restituí-los ou para autorizar a compensação.

Assim, desconsiderando a natureza deste índice, a SELIC foi utilizada no campo dos tributos para driblar a limitação legal dos juros moratórios dos débitos/créditos tributários, de 1% ao mês, de acordo com o art. 161, § 1º do Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172, de 25/10/1966).

Essa burla à mencionada regra da Lei nº 5.172, de 1966, que instituiu o Código Tributário Nacional e que hoje tem  status  de Lei Complementar(v. art. 146 da vigente Constituição da República), findou por ser aceita pelo Superior Tribunal de Justiça.

2.2.1-1 - A questão deste Mandado de Segurança

Agora, adentrando na questão do mandado de segurança ora sob análise, se os juros decorrentes da aplicação da Tabela SELIC, na repetição de indébito tributário, sofre ou não incidência do Imposto sobre Renda e Proventos de Qualquer Natureza de Pessoa Jurídica, bem como da Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido, penso que não, pelas razões que seguem.

Explico.

Do acima exposto, temos que, legalmente os valores decorrentes da aplicação dos índices da Tabela SELIC têm natureza de juros e, na repetição de indébito tributário, tem natureza de juros de mora, pois representa a paga pelo uso indevido, no caso, pela Fazenda Pública, do dinheiro daquele que faz jus à repetição do indébito, além do prazo legal ou do prazo contratual para a restituição ou para o ressarcimento, conforme seja o caso.

Uma leitura atenta da íntegra do art. 43 do Código Tributário Nacional leva, facilmente, à conclusão que só ocorre o fato gerador do Imposto sobre Renda e Proventos de Qualquer Natureza quando o Administrado/Contribuinte adquire a disponibilidade de renda que implique em acréscimo do seu patrimônio.

Como os juros de mora, seja na área privada, seja na área pública, têm sempre natureza indenizatória, então, nada acresce ao patrimônio Daquele que os recebe, apenas repõe alguma verba ou algum rendimento que deixou de obter em determinado momento, por culpa de Alguém que "reteve indevidamente  o seu dinheiro e foi obrigado a lhe indenizar, com o pagamento desses juros, de forma que a aquisição da disponibilidade jurídica ou econômica dos valores relativos a esses juros de mora fica à margem do fato gerador do Imposto de Renda, seja com relação à Pessoa Jurídica(Coletiva, como se diz, com maior propriedade, em Portugal) ou à Pessoa Física que os recebe.

E, por consequência, também fica à margem do fato gerador da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, cujo fato gerador é em tudo por tudo igual ao fato gerador do Imposto sobre Renda e Proventos da Pessoa Jurídica(Coletiva) e não se pode dizer que alguém obtém lucro com o recebimento de juros de mora, pelas razões já expostas.

2.2.1-2 - A 1ª Seção do STJ

No entanto, a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1.138.695/SC, em julgamento submetido ao regime dos recursos repetitivos,  decidiu:

"PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. RECURSO REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ART. 543-C, DO CPC. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO LÍQUIDO - CSLL. DISCUSSÃO SOBRE A BASE DE CÁLCULO DO IMPOSTO DE RENDA DA PESSOA JURÍDICA - IRPJ E DA EXCLUSÃO DOS JUROS SELIC INCIDENTES QUANDO DA DEVOLUÇÃO DE VALORES EM DEPÓSITO JUDICIAL FEITO NA FORMA DA LEI N. 9.703/98 E QUANDO DA REPETIÇÃO DE INDÉBITO TRIBUTÁRIO NA FORMA DO ART. 167, PARÁGRAFO ÚNICO DO CTN.

1. Não viola o art. 535, do CPC, o acórdão que decide de forma suficientemente fundamentada, não estando obrigada a Corte de Origem a emitir juízo de valor expresso a respeito de todas as teses e dispositivos legais invocados pelas partes.

2. Os juros incidentes na devolução dos depósitos judiciais possuem natureza remuneratória e não escapam à tributação pelo IRPJ e pela CSLL, na forma prevista no art. 17 do Decreto-lei n. 1.598/77, em cuja redação se espelhou o art. 373, do Decreto n. 3.000/99 - RIR/99, e na forma do art. 8º da Lei n. 8.541/92, como receitas financeiras por excelência. Precedentes da Primeira Turma: AgRg no Ag 1359761/SP, Primeira Turma, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe 6/9/2011; AgRg no REsp 346.703/RJ, Primeira Turma, Rel. Min.Francisco Falcão, DJ de 02.12.02; REsp 194.989/PR, Primeira Turma, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 29.11.99. Precedentes da Segunda Turma: REsp. n. 1.086.875 - PR, Segunda Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, Rel. p/acórdão Min. Castro Meira, julgado em 18.05.2012; REsp 464.570/SP, Segunda Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 29.06.2006; AgRg no REsp 769.483/RJ, Segunda Turma, Rel. Min.Humberto Martins, DJe de 02.06.2008; REsp 514.341/RJ, Segunda Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ de 31.05.2007; REsp 142.031/RS, Segunda Turma, Rel. Min. Franciulli Netto, DJ de 12.11.01; REsp. n.395.569/RS, Segunda Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ de 29.03.06.

3. Quanto aos juros incidentes na repetição do indébito tributário, inobstante a constatação de se tratarem de juros moratórios, se encontram dentro da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, dada a sua natureza de lucros cessantes, compondo o lucro operacional da empresa a teor art. 17, do Decreto-lei n. 1.598/77, em cuja redação se espelhou o art. 373, do Decreto n. 3.000/99 - RIR/99, assim como o art. 9º, §2º, do Decreto-Lei nº 1.381/74 e art. 161, IV do RIR/99, estes últimos explícitos quanto à tributação dos juros de mora em relação às empresas individuais.

4. Por ocasião do julgamento do REsp. n. 1.089.720 - RS (Primeira Seção, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 10.10.2012) este Superior Tribunal de Justiça definiu, especificamente quanto aos juros de mora pagos em decorrência de sentenças judiciais, que, muito embora se tratem de verbas indenizatórias, possuem a natureza jurídica de lucros cessantes, consubstanciando-se em evidente acréscimo patrimonial previsto no art. 43, II, do CTN (acréscimo patrimonial a título de proventos de qualquer natureza), razão pela qual é legítima sua tributação pelo Imposto de Renda, salvo a existência de norma isentiva específica ou a constatação de que a verba principal a que se referem os juros é verba isenta ou fora do campo de incidência do IR (tese em que o acessório segue o principal). Precedente: EDcl no REsp. nº 1.089.720 - RS, Primeira Seção, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 27.02.2013.

5. Conhecida a lição doutrinária de que juros de mora são lucros cessantes: "Quando o pagamento consiste em dinheiro, a estimação do dano emergente da inexecução já se acha previamente estabelecida. Não há que fazer a substituição em dinheiro da prestação devida. Falta avaliar os lucros cessantes. O código os determina pelos juros de mora e pelas custas" (BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Comentado, V. 4, Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1917, p. 221).

6. Recurso especial parcialmente provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C, do CPC, e da Resolução STJ n. 8/2008".[2] - Destaquei em tom escuro alguns trechos.

Ou seja, à luz desse julgado, de efeito repetitivo, os juros de mora só não serão ofertados à tributação do Imposto sobre Renda e Proventos de Qualquer Natureza e à Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, se o valor do qual se originaram não for tributado ou goze de isenção desses Tributos.

Vale dizer, esse E. Tribunal deu aos juros de mora a mesma natureza do valor dos quais se originaram, logo, não teriam natureza indenizatória.

Data maxima venia, esse entendimento não se amolda à tradição dos velhos comercialistas português e brasileiros, no sentido de que os juros de mora têm sempre natureza indenizatória, reparadora do uso do dinheiro alheio à margem da Lei ou do Contrato.

Na verdade, os juros de mora sempre têm natureza indenizatória, pois representam a recomposição da perda do uso de dinheiro alheio(Credor)  por outrem(Devedor).

Data maxima venia, nesse julgado da 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça findou-se por admitir que Leis Ordinárias e Diplomas Legais, como Decretos-Leis, que têm natureza de Lei Ordinária, modifiquem o art. 43 da Lei nº 5.172, de 1966(CTN, a qual, como já dissemos,  tem  status  de Lei Complementar), pois arrolou como fato gerador do IR fato não abrangido nesse artigo desse Código.

Então, no campo tributário, as definições do direito privado(civil e comercial) não podem ser alteradas pela legislação do Direito Tributário(art. 110 do Código Tributário Nacional), de forma que os juros de mora, decorrente de qualquer verba(submetida  ou não ao IRPJ e à CSLL), em face da sua natureza indenizatória, não podem sofrer a incidência do IRPJ, pois não causam nenhum acréscimo patrimonial, uma vez que apenas repõem aquele valor que não se obteve ou que deixou de ser obtido pelo uso indevido(no caso, cobrança indevida ou não ressarcimento no prazo legal) do dinheiro daquele que recebe tais juros(o Contribuinte) pelo Terceiro(no caso, a Fazenda Nacional).

E, consequentemente, os juros de mora também não podem sofrer incidência da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido - CSLL, que tem, quanto ao fato gerador, a mesma estrutura do Imposto sobre Renda e Proventos de Qualquer Natureza da Pessoa Jurídica - IRPJ. Ademais, não se pode admitir que quem recebe juros de mora goza de algum tipo de lucro, senão apenas reparação jurídico-econômico-financeira.

2.2.1-3 - O Plenário do Supremo Tribunal Federal e Juros de Mora Recebidos por Pessoas Físicas.

O Plenário do Supremo Tribunal Federal, quanto às pessoas físicas, já pacificou o assunto, quando julgou o Recurso Extraordinário - RE nº 855.091, sob repercussão geral,  e o respectivo acórdão ficou com a seguinte ementa:

"EMENTA Recurso extraordinário. Repercussão Geral. Direito Tributário. Imposto de renda. Juros moratórios devidos em razão do atraso no pagamento de remuneração por exercício de emprego, cargo ou função. Caráter indenizatório. Danos emergentes. Não incidência.

1. A materialidade do imposto de renda está relacionada com a existência de acréscimo patrimonial. Precedentes.

2. A palavra indenização abrange os valores relativos a danos emergentes e os concernentes a lucros cessantes. Os primeiros, correspondendo ao que efetivamente se perdeu, não incrementam o patrimônio de quem os recebe e, assim, não se amoldam ao conteúdo mínimo da materialidade do imposto de renda prevista no art. 153, III, da Constituição Federal. Os segundos, desde que caracterizado o acréscimo patrimonial, podem, em tese, ser tributados pelo imposto de renda.

3. Os juros de mora devidos em razão do atraso no pagamento de remuneração por exercício de emprego, cargo ou função visam, precipuamente, a recompor efetivas perdas (danos emergentes). Esse atraso faz com que o credor busque meios alternativos ou mesmo heterodoxos, que atraem juros, multas e outros passivos ou outras despesas ou mesmo preços mais elevados, para atender a suas necessidades básicas e às de sua família.

4. Fixa-se a seguinte tese para o Tema nº 808 da Repercussão Geral: "Não incide imposto de renda sobre os juros de mora devidos pelo atraso no pagamento de remuneração por exercício de emprego, cargo ou função".

5. Recurso extraordinário não provido."[3].

Ora, o Trabalhador que recebe parcelas de remuneração em atraso, não sofre apenas danos emergentes, como parece ter constado na fundamentação desse d. julgado do Plenário da Suprema Corte, mas também poderia sofrer perdas de possíveis lucros cessantes, com operações nas quais aquele dinheiro, indevidamente retido pelo Empregador e que lhe foi pago com atraso, poderia ter sido aplicado  em atividade lucrativa ou, no mínimo, no mercado financeiro.

Dessa forma, os juros de mora, em qualquer vertente, sempre têm natureza indenizatória, natureza essa, estruturada no direito privado, pelo que não pode, como vimos, por força do art. 110 do Código Tributário Nacional - CTN, ser modificada para fins tributários.

Diante desse julgado da Suprema Corte, a mencionada 1ª Seção do STJ, no julgamento do Resp 1.470.443/PR, 1ª SEÇÃO DO STJ, 25.08.2021, tendo por Relator o Ministro Mauro Campbell, findou por mudar aquele julgado acima transcrito, e adaptou o entendimento dessa Corte Especial .ao do Plenário do Supremo Tribunal Federal.

2.2.1.4 - O Plenário do Supremo Tribunal Federal e os Juros de Mora Recebidos por Pessoas Jurídicas.

No que diz respeito à pessoa jurídica, o assunto foi enfrentado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, sob repercussão geral nos autos do referido RE 1.063.187/SC, em julgado realizado em 27/09/2021, decidir

"..., por unanimidade, apreciando o Tema 962 da repercussão geral, negou provimento ao recurso extraordinário, dando interpretação conforme à Constituição Federal ao § 1º do art. 3º da Lei nº 7.713/88, ao art. 17 do Decreto-Lei nº 1.598/77 e ao art. 43, inciso II e § 1º, do CTN (Lei nº 5.172/66), de modo a excluir do âmbito de aplicação desses dispositivos a incidência do imposto de renda e da CSLL sobre a taxa SELIC recebida pelo contribuinte na repetição de indébito tributário, nos termos do voto do Relator. Os Ministros Gilmar Mendes e Nunes Marques, inicialmente, não conheciam do recurso e, vencidos, acompanharam o Relator, para negar provimento ao recurso extraordinário da União, pelas razões e ressalvas indicadas em seus votos. Foi fixada a seguinte tese: "É inconstitucional a incidência do IRPJ e da CSLL sobre os valores atinentes à taxa Selic recebidos em razão de repetição de indébito tributário". Falaram: pela recorrente, a Dr. Andrea Mussnich Barreto, Procuradora da Fazenda Nacional; pelo recorrido, o Dr. Juliano Fernandes de Oliveira; e, pelo amicus curiae, o Dr. Roque Antonio Carrazza. Plenário, Sessão Virtual de 17.9.2021 a 24.9.2021".[4] 

Então, esse entendimento da Suprema Corte afasta o acima referido julgado da 1º Seção do STJ, segundo o qual os juros de mora recebidos por pessoas jurídicas só não necessitarão ser ofertados a tais tributos, se originados de verbas que sejam  isentas ou não sofram a incidência de tais tributos, de forma que sinto-me dispensado da obrigação do inciso III do art. 927 do CPC quanto ao julgado dessa Corte Especial, passando a ser obrigado, pela mesma regra legal, a seguir o referido julgado do STF, cujo entendimento amolda-se àquele que venho adotando há muitos anos.

2.2.1 5- Juros de Mora não decorrentes de índices da tabela SELIC

Os juros  de mora recebidos por Trabalhadores, decorrentes de recebimento de parcelas de salários/vencimentos em atraso, não são apurados pelos índices da tabela SELIC, e, mesmo assim, em face da sua natureza indenizatória, o Plenário do STF firmou o entendimento que sobre tais valores não incide o IRPF(v. subitem 2.2.1-3 supra).

O importante não é o índice pelo qual se apuram os juros de mora, mas sim a natureza jurídica destes, qual seja, natureza jurídica indenizatória, pelo que o respectivo valor não gera acréscimo patrimonial, pelo que não se submete ao fator gerador do IR(art. 43 do Código Tributário Nacional), pelo que nunca poderá sofrer incidência desse imposto e, se for pessoa jurídica, também não poderá sofrer incidência da CSLL, pelas razões já expostas(v. subitem 2.2.1-4 supra).

Logo, os valores relativos a juros de mora que a ora Impetrante recebe de pessoas físicas, pessoas jurídicas privadas ou pessoas jurídicas públicas(decorrenes de repetição de indébito tributário ou de outros créditos não tributários)também não sofrem  incidência desses dois tributos, pela mesma fundamentação supra.

2.2.2 - Tem-se que, em mandado de segurança,  persiste a validade de suas Súmulas  267 e 269, com as quais não se chocam as seguintes Súmulas do STJ: Súmula nº 271 do STJ: "A concessão de mandado de segurança não produz efeitos patrimoniais em relação a período pretérito, os quais devem ser reclamados administrativamente ou pela via judicial própria"; Súmula 213 do STJ "O mandado de segurança constitui ação adequada para a declaração do direito à compensação tributária."; e Súmula 212 do STJ "A compensação de créditos tributários não pode ser deferida em ação cautelar ou por medida liminar cautelar ou antecipatória.". 

Logo, quanto ao pedido de restituição/compensação, será, na sentença, reconhecido esse direito apenas com relação às verbas a partir da data da impetração deste mandamus, sem prejuízo da observância das regras do art. 166 e 170-A do CTN.

Assim, as parcelas anteriores à data da distribuição deste mandado de segurança não podem ser objeto de delibração neste processo de mandado de segurança.

3. Dispositivo

Diante de todo o exposto

3.1. Diante de todo o exposto, ratifico a decisão sob Id. 4058300.20500029 e concedo a segurança em caráter definitivo, assegurando à Impetrante o direito líquido e certo de não submeter à incidência do Imposto de Renda e de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido os ingressos caracterizados como juros moratórios, inclusive, os decorrentes de restituição/compensação de indébito tributário - nos âmbitos federal (juros de mora equivalentes à SELIC), estadual e municipal - e os provenientes de atraso de pagamento devido por adquirentes de seus produtos;

 3.2 - autorizo a ora Impetrante a requerer, na via administrativa própria, observadas as regras da Lei 9.430, de 1996 e as regras dos arts. 166 e 170-A do CTN, a restituição ou compensação das parcelas indevidamente pagas e que incidiram a partir da data da impetração deste mandado de segurança, parcelas essas que serão atualizadas pelos índices da tabela SELIC;

 3.3. Sem honorários, nos termos do art. 25 da Lei n.º 12.016/2009 e Súmula 512 do STF.

 3.4. Custas ex lege.

 3.5. De ofício, submeto esta sentença ao duplo grau de jurisdição(§ 1º do art. 14 da Lei nº 12.016, de 2009), sem efeito suspensivo(§ 3º do mesmo artigo). 

 Recife, 22.11.2021

Francisco Alves dos Santos Júnior

 Juiz Federal da 2a Vara da JFPE

(lsc)


___________ 

[1] Nesse sentido, Édison Freitas de Siqueira, in "Taxa SELIC - Origem, Conceito, Bórmula e Legalidade" no site Thomsom Reuters FISCO on Line 

[2]  Brasil. Supremo Tribunal Federal. Plenário. Agravo de Instrumento no Recurso Extraordinário 1216078 RG/ SP, Relator Ministro Dias Tofolli, julgado em 29.08.2019.

Disponível em

https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=750934994

Acesso em 01.10.2021, às 10h32.

[3]  Brasil Superior Tribunal de Justiça. 1ª Seção REsp 1.138.695 / SC RECURSO ESPECIAL 2009/0086194-3, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, Julgamento em 22.05.2013, in DJe de 31.05.2013 e in RDTAPET vol. 38 p. 223.

Disponível em

https://scon.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?i=1&b=ACOR&livre=((%27RESP%27.clas.+e+@num=%271138695%27)+ou+(%27REsp%27+adj+%271138695%27.suce.))&thesaurus=JURIDICO&fr=veja

Acesso em 06.08.2021[4]  Brasil. Supremo Tribunal Federal. Plenário. Recurso Extraordinário 855.091, Relator Ministro Dias Toffoli, Julgamento em 15.03.2021, Publicação em 08.04.2021.

Disponível em

https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search?base=acordaos&sinonimo=true&plural=true&page=1&pageSize=10&queryString=855091%20&sort=_score&sortBy=desc

Acesso em 06.08.2021

[5] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Plenário. RE 1.063.187/SC. Julgado em 27/09/2021(repercussão geral)..

  Disponível em

stjus.br

Acesso em 27.09.2021. 

[6] ________________________________Recurso Extraordinário  870.947/Sergipe. Relator Ministro Luiz Fux, julgado em 20/09/2017(repercussão geral)

Disponível em

https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=14080728

Acesso em 01.10.2021.

Processo: 0816921-19.2021.4.05.8300
Data e hora da inclusão: 16/11/2021 13:14
Identificador: 4058300.21188275

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