quarta-feira, 14 de julho de 2021

O Poder-Dever do Judiciário no Campo Sócio-Assistencial.

 Por Francisco Alves dos Santos Júnior


O Judiciário, principalmente para os menos favorecidos, finda por ainda ser a última trincheira que lhes resta para salvar-lhes do péssimo serviço público brasileiro,  mormente no campo previdenciário e assistencial. 

Se o Legislador Ordinário, buscando fazer valer os princípios constitucionais da duração razoável do processo e da celeridade processual,  no campo administrativo da Previdência e da Assistência Social, fixa prazos para que os Administradores  cumpram com o seus poderes-deveres constitucionais e legais, caso estes não observem esses prazos, resta aos Prejudicados, normalmente os que estão na base da pirâmide social, socorrer-se do Poder Judiciário. 

Então, o Judiciário, principalmente quando o infrator faz parte da Administração Pública, em qualquer campo,  não pode dizer que determinada Entidade Pública,  porque está com problemas administrativos, pode, de forma ilesa, descumprir os prazos legais. 

Não, o Judiciário tem que fixar penalidades pecuniárias, como lhe autorizou o Poder Legislativo, que serão pagas aos Administrados prejudicados. 

Estes não podem ficar na chamada "rua da amargura", sem ter à quem apelar. 

Na sentença que segue, essa problemática é detalhadamente debatida na área assistencial,  tendo em vista o péssima gestão atual do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS. 

Boa leitura. 

 

PROCESSO Nº: 0802333-07.2021.4.05.8300 - MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL
IMPETRANTE: PAULO ROBERTO DA SILVA QUEIROZ
ADVOGADO: Paulianne Alexandre Tenório
IMPETRADO: GERENTE EXECUTIVO DA AGÊNCIA DA PREVIDÊNCIA SOCIAL DE RECIFE- CASA AMARELA e outro
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO)



Sentença tipo B



EMENTA: - ADMINISTRATIVO. DIREITO PREVIDENCIÁRIO-ASSISTENCIAL.

-Princípios, incorporados na Constituição da República, cujas orientações foram incorporadas em Leis, fixadoras de prazos rígidos, não podem ser descumpridos por maus Gestores Públicos.

-Concessão da segurança.

Vistos, etc.

1.Relatório

PAULO ROBERTO DA SILVA QUEIROZ impetrou este Mandado de Segurança com pedido Liminar em face de ato do GERENTE EXECUTIVO DA AGÊNCIA DA PREVIDÊNCIA SOCIAL DE RECIFE - Casa Amarela.

Alegou, em síntese: teria requerido a concessão do Benefício de Prestação Continuada ao Idoso - BPC LOAS Idoso, protocolado em 20 de outubro de 2020; até a presente data, a decisão administrativa não teria sido proferida; não haveria razão para a morosidade administrativa; passados mais de 3 meses desde a Data de Entrada do Requerimento - DER, a Autarquia Previdenciária teria se quedado inerte quanto à conclusão do processo administrativo instaurado. Ao final, pugnou pela ": "(...) CONCESSÃO DA MEDIDA LIMINAR, determinando de imediato à Autoridade Coatora que conclua a análise do requerimento do impetrante exarando decisão, em prazo determinado pelo Juízo, sob pena de multa. 2. Confirmado o direito do impetrante, requer que seja proferida sentença de mérito concedendo a segurança deferida em sede de liminar, ratificando a obrigação de análise do requerimento administrativo. 3. Determinar a notificação da autoridade coatora, no endereço declinado no preâmbulo desta, do conteúdo da petição inicial, a fim de que, no prazo de 10 (dez) dias, preste as informações necessárias; 4. A citação, nos termos da Súmula nº 631 do STF, da pessoa Jurídica interessada, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL, na pessoa do seu representante legal, para querendo integrar a lide; 5. Determinar a intimação do digno representante do Ministério Público Federal, nesta Vara, para sua manifestação acerca do presente pedido. 6. A concessão do benefício JUSTIÇA GRATUITA, por não ter a parte autora como arcar com as custas processuais e honorários advocatícios sem prejuízo de seu sustento, uma vez que não está recebendo benefício previdenciário e não possui emprego fixo." Atribuiu valor à causa. Instruiu a inicial com Instrumento de Procuração e documentos.

R. Decisão do Magistrado Federal Substituto Isaac Batista de Carvalho Neto, que atuou no exercício da titularidade desta 2ª Vara Federal/PE, nas férias deste Magistrado, na qual foi deferido o benefício da assistência judiciária gratuita e concedida a medida liminar, com prazo de 30(trinta) dias, sob pena de multa diária de R$ 500,00.

O INSS, na manifestação sob id. 4058300.17309738, requereu a juntada de requerimento administrativo, no qual consta que o requerimento administrativo do (a) Impetrante não foi concluído.

Em seguida, o INSS comunicou a interposição de recurso de agravo de instrumento em face da r. decisão supra.

Anexada comunicação e anexo da comunicação da r. decisão exarada pelo E. TRF-5ª Região, nos autos do recurso de agravo de instrumento, a qual concluiu pela ausência de inércia ou mora da Administração. E, quanto à aplicação da multa diária, ressaltou que a E. Segunda Turma do TRF-5ª Região possui posicionamento consolidado no sentido da impossibilidade de aplicação de astreintes contra a Fazenda Pública como meio de coação ao cumprimento da obrigação de fazer. Finalmente, deferiu o pedido liminar e determinou a suspensão da decisão agravada.

Por fim, o INSS informou que o processo administrativo aguardando o cumprimento de exigência pelo Impetrante.

Certificado o decurso do prazo sem que a Autoridade Impetrada tivesse apresentado suas Informações.

Despacho no qual foi determinado o cumprimento da r. Decisão proferida pelo E. TRF-ª Região que suspendeu a r. Decisão agravada.

O Impetrante comunicou que a exigência documental exigida pelo INSS já teria sido cumprida; que a Administração já teria toda a documentação necessária à análise do pleito; o requerimento permaneceria em análise; portanto, a liminar teria sido desobedecida; pugnou pela renovação da intimação do Impetrado para cumprir a obrigação de fazer, concluindo a análise do requerimento, sob pena de multa. Juntou documentos.  

O Ministério Público Federal ofertou seu r. parecer, no qual deixou de se manifestar neste feito, sem prejuízo de revisão do entendimento em face de fato superveniente que torne necessária a sua intervenção.

2- Fundamentação

2.1- Medida Liminar

Inicialmente, quanto ao requerimento do Impetrante formulado na petição sob id. 4058300.17934657, no sentido de renovar a intimação da Autoridade Impetrada para cumprir a r. Decisão, da lavra do d. Juiz Federal Substituto Isaac Batista de Carvalho Neto, na qual se concedeu a medida liminar, resta prejudicado, tendo em vista que o E. TRF-5ª Região julgou o mérito do Agravo de Instrumento interposto pelo INSS, e revogou aquela r. Decisão.

2.2 - Do mérito

Trata-se de mandado de segurança no qual se busca compelir a Autoridade Impetrada a analisar o requerimento administrativo previdenciário-assistencial do Impetrante.

Alega o Impetrante haver mora da Administração.

Obviamente, o mencionado r. acórdão da 2a Turma do E. TRF5R, acostado sob id  4050000.26662609, diz respeito apenas à referida r. Decisão, pela qual se concedeu a medida liminar, mas não afasta o poder-dever deste Magistrado de  exercer a sua jurisdição de primeiro grau, apreciando o mérito da questão ora em debate, até mesmo porque referido poder-dever não pode ser usurpado nem mesmo pelo pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal, muito menos por Magistrados de 2a Instância do referido E. Tribunal, porque o exercício da jurisdição de qualquer Magistrado é-lhe concedido pelo Legislador Constituinte. 

Então, passo a examinar o mérito da causa.

Primeiramente, data maxima venia, o Judiciário não pode deixar os Segurados do INSS, tampouco os que pleiteiam Benefícios Assistenciais(caso dos autos) à mercê da péssima gestão dessa Autarquia Federal, cujos cargos de direção são ocupados geralmente por Pessoas indicadas politicamente, sem qualquer conhecimento técnico do assunto, causando o caos no qual se encontra atualmente referido Ente Previdenciário Federal.

Se a culpa não é do Segurado ou de quem pode ter direito a Benefício Assistencial, este tem que receber alguma verba que lhe tire da agrura financeira decorrente da referida péssima gestão da Autarquia Previdenciária e Assistencial, que não aprecia o seu pleito legal,  nos largos prazos que se encontram fixados em Leis específicas ou na Lei Geral do Processo Administrativo.

E, para situações como essa, o  Legislador Processual, observando a regra constitucional que incorporou os princípios da duração razoável do processo e da celeridade processual(art. 5º, LXXVIII, Constituição da República), concedeu ao Judiciário instrumentos fortes para que os Gestores, públicos ou privados, cumpram com essa importante estrutura jurídico-constitucional e legal, qual seja, o de fixar multa punitiva e ao mesmo tempo reparatória: punindo o mau gestor e trazendo algum consolo para aquele que sofre os prejuízos da respectiva má-gestão.

Realmente, como se sabe, o princípio da duração razoável do processo e o princípios da celeridade processual, incluídos no art. 5ª da Constituição da República/88 pela Emenda Constitucional 45/04, a Administração Pública deve solucionar, em tempo razoável, o processo administrativo(princípios esses que também são dirigidos aos próprios Magistrados, aos quais não me refiro aqui, porque em debate falhas de um certo setor da Administração Pública):

"Art. 5º. Omissis             

LXXVIII - A todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.".

Antes dessa EC, a Lei nº 9.784/99 já estabelecia "normas básicas sobre o processo administrativo no âmbito da Administração Federal direta e indireta, visando, em especial, à proteção dos direitos dos administrados e ao melhor cumprimento dos fins da Administração" (art. 1º).

No presente caso, PAULO ROBERTO DA SILVA QUEIROZ, ora Autor, pediu na via administrativa, no já distante 20.10.2020, a concessão do denominado Benefício de Prestação Continuada - BPC, de caráter assistencial, regido pela Lei 8.742, de 1993, conhecida por LOAS.

As pessoas que pedem esse benefício assistencial encontram-se na parte mais baixo da pirâmide social, vale dizer, na miséria total.

Deixar essas Pessoas à sanha irresponsável da Administração Pública seria um crime social sem tamanho.

Assusta-me, pois, que os d. Magistrados da 2a Turma do E.TRF5R, por UNANIMIDADE, tenham decidido da forma que decidiram.

Pois bem, referida Lei específica criou vários procedimentos para que a Administração Pública possa, finalisticamente, apreciar tal pleito administrativo, todavia não fixou prazos, pelo que, à luz da regra do art. 69 da Lei nº 9.784, de 1999, que traça regras gerais para o processo administrativo, aplicam-se então os prazos fixados nessa Lei Geral.

E nessa Lei Geral, consta do seu art. 24 que os procedimentos terão que ser realizados no prazo de 5(cinco) dias, prazo esse que poderá ser dobrado, quando houver a necessária fundamentação. E, findos os procedimentos, o Julgador Administrativo terá o prazo de 30(trinta) dias para decidir o pleito administrativo.

Como a Lei 8.742, de 1993, estabelece, no seu art. 40-B(com alteração da Lei 14.176, de 2021, DOU de 23.06.2021),  dois procedimentos tendentes ao julgamento do pedido de concessão do BPC, quais sejam, visita social e, se necessária, perícia médica, temos que esses dois procedimentos, em vista da degradante situação administrativa do INSS, teriam que ser realizados, cada uma, no prazo dobrado de 10(dez) dias corridos(não se trata de prazo processual), logo os dois procedimentos teriam que ter sido realizados no prazo máximo de 20(vinte) dias corridos.

E, finda essa parte instrutória, teria o Julgador Administrativo de apreciar definitivamente, em tal via, o pleito do Segurado no largo prazo de 30(trinta) dias.

Pois, bem, tendo em vista a data do protocolamento do pedido administrativo, no já distante 20.10.2020, o Magistrado Federal Substituto deste Juízo concedeu, na r. Decisão de id 4058300.17295170, datada de 02.02.2021, à DD Autoridade apontada como coatora mais 30(trinta) dias para julgar o pleito administrativo do ora Impetrante.

Diante da cassação dessa r. Decisão pelo d. Relator da 2a Turma do E. TRF5R, a DD Autoridade apontada como coatora sentiu-se à vontade e até agora não cumpriu com o seu poder-dever legal de julgar o pleito administrativo do ora Impetrante, deixando este na popular "rua da amargura".

Nessa situação, o pleito do Impetrante não pode ser negado.

E, desta vez, tendo em vista o absurdo e abusivo atraso da DD Autoridade apontada como coatora,  o prazo máximo de 10(dezp) dias úteis(prazo processual[1] para cumprir com o seu poder-dever legal de julgar o pleito administrativo do ora Impetrante, quer me parecer mais do que suficiente.

3 - Dispositivo

Posto isso:

3.1- Dou por prejudicado o pedido do Impetrante formulado na petição sob id. 4058300.17934657, para restabelecimento da medida liminar;

3.2- Julgo procedentes os pedidos desta ação mandamental e concedo a Segurança, fixando prazo de 10(dez) dias úteis(prazo processual[1]) para que a DD Autoridade Impetrada  aprecie definitivamente o pedido administrativo de concessão do referido Benefício Assistencial Continuado do ora Impetrante, sob pena de o INSS ser obrigado a pagar ao ora Impetrante multa mensal de R$ 1.100,00(hum mil e cem reais), sendo o mês contados em 30(trinta)dias corridos(prazo não processual[1]), sem prejuízo da responsabilização pessoal da referida DD Autoridade apontada como coatora, no campo civil(ressarcimento aos cofres do INSS) e na forma do art. 26 da Lei nº 12.016, de 2009.

3.3 - Submeto esta sentença ao duplo grau de jurisdição(§ 1º do art. 14 da Lei por último referida), sem efeito suspensivo(§ 3º desse mesmo artigo da referida Lei).

3.4 - Sem condenação em honorários (art. 25 da Lei nº. 12.016/09), e não há custas a ressarcir.

3.5 - Por fim, dou por extinto este processo, com resolução do respectivo mérito (CPC, art. 487, I);

R.I.

Recife, 14.07.2021

Francisco Alves dos Santos Júnior

Juiz Federal, 2ª Vara da JFPE

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[1] Brasil. Superior Tribunal de Justiça. Terceira Turma. Recurso Especial RESP nº 1708348 2017.02.92104-9, Relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, in Diário Judicial Eletrônico - DJe de 01/08/2019

 

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