quinta-feira, 29 de julho de 2021

AUXÍLIO ACIDENTE: A PARTIR DE QUANDO É DEVIDO.

 Por Francisco Alves dos Santos Júnior

Debate-se, na sentença infra, detalhes sobre as regras e a jurisprudência do STJ relativas ao Auxílio-Acidente. Atente-se, também, para as parcelas de atualização(correção monetária e juros de mora), com afastamento da aplicação da Súmula 204 do STJ, por se tratar de parcelas abrangidas pelos arts. 397 e 398 do vigente Código Civil, à luz da ressalva do art. 240 do vigente Código de Processo Civil. 

Boa leitura. 



Obs.: Sentença parcialmente minutada e pesquisada pela Assessora 

Rossana Maria Cavalcanti Reis da Rocha Marques





PROCESSO Nº: 0818357-81.2019.4.05.8300 - PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL

AUTOR: CARLOS EDUARDO MICELI
ADVOGADO: Thiago Cantarelli De Andrade Lima Albuquerque e outro
RÉU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO)



Sentença tipo A.


EMENTA.:- PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-ACIDENTE. REQUISITOS PREENCHIDOS. REDUÇÃO DA CAPACIDADE LABORAL (STJ/TEMA 416). PERICIA JUDICIAL. COMPROVAÇÃO. TERMO INICIAL (STJ/TEMA 862).

Preenchidos os requisitos legais (Lei nº 8.213/91, art. 86), faz jus o Autor ao benefício de Auxílio-Acidente, a contar do dia seguinte à cessação do benefício de Auxílio-Doença.

-Procedência.


Vistos etc.

1- Relatório

CARLOS EDUARDO MICELI, qualificado na Petição Inicial, ajuizou esta ação em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS na qual pretende a concessão do benefício previdenciário de auxílio-acidente, pois, segundo alega, em decorrência de acidente automobilístico ocorrido em novembro de 2014, enquanto estava guiando um quadriciclo no Município de Bonito/PE, teria ficado com sequelas que teriam reduzido a sua força de trabalho, porque não conseguiria mais deambular  com a mesma intensidade anterior ao acidente; teria recebido Auxílio-doença previdenciário até 15.08.2015; sentiria fortes dores quando ficaria em uma única posição durante muito tempo, de modo que sua atividade de representante comercial da indústria farmacêutica teria ficado prejudicada diante do acidente, apesar de ter recuperado a sua capacidade laboral. Requer, portanto, a concessão do benefício de Auxílio-Acidente, a contar de 15.08.2015; a produção de todas as provas; a nomeação de médico ortopedistas; apresentou quesitos para a perícia. Atribuiu valor à causa e juntou instrumento de procuração e documentos. Comprovou o pagamento das custas processuais.

Regulamente citado, o INSS apresentou Contestação na qual arguiu exceção de prescrição quinquenal das parcelas vencidas e não reclamadas nos últimos cinco anos; e preliminar de incompetência absoluta da Justiça Federal haja vista que o benefício seria decorrente de acidente do trabalho. No mérito, alegou, em síntese, que não existiria prova de sequela comprometedora efetiva para a incapacidade habitual; não estaria comprovada a redução da capacidade laborativa para o trabalho que habitualmente exercia. Teceu outros comentários, e pugnou pela improcedência dos pedidos, e também formulou pedidos subsidiários. Requereu, ainda, o acolhimento da incompetência do Juízo e da exceção de prescrição quinquenal das parcelas. Juntou documentos.

O Autor apresentou Réplica na qual impugnou a exceção de prescrição quinquenal e reiterou o pedido de realização de perícia médica.

R. Decisão na qual foi rejeitada a preliminar de incompetência e a exceção de prescrição quinquenal arguidas pelo INSS; deferiu a realização de perícia médica; e apresentou os quesitos do Juízo.

As Partes apresentaram quesitos.

O Médico Perito nomeado solicitou a apresentação de exames complementares pelo ora Autor.

O Autor apresentou exames.

Apresentado o Laudo Pericial - id. 4058300.17895523.

Regularmente intimado sobre o Laudo Pericial, o Autor apresentou proposta de acordo e requereu a intimação do INSS para se manifestar.

O INSS, de sua feita, aduziu que não seria razoável atestar com segurança a condição clínica do Autor naquela época (2015); o mais correto seria analisar a possibilidade de concessão do benefício com efeitos financeiros a contar da data da perícia judicial, entretanto, visando a uma solução intermediária, no intuito de fomentar a prática da transação como meio para a rápida solução dos litígios no Poder Judiciário, o INSS apresentou Proposta, e pugnou pela intimação do Autor.

Acerca do acordo apresentado pelo INSS, o Autor pugnou realização de audiência de conciliação entre o seu Advogado e o Procurador da Autarquia.

O INSS informou que não teria como retroagir benefício, e requereu a intimação do Autor sobre os termos do acordo apresentados pela Autarquia.

O Autor discordou da proposta do INSS, e pugnou pela concessão do auxílio-acidente com efeitos desde o corte do auxílio-doença previdenciário.

É o relatório, no essencial.

Fundamento e decido.

2- Fundamentação

2.1- O Autor pretende a concessão do benefício previdenciário de Auxílio-Acidente e, ainda, o pagamento das diferenças desde a data da cessação do Auxílio-Doença, em 15.08.2015.

O benefício em tela está previsto no art. 86 da Lei nº 8.213/91, e é devido como uma forma de indenização ao segurado, quando, após a consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza que tenha sofrido, resultarem sequelas que impliquem redução da capacidade para o trabalho habitualmente exercido.

Em síntese, são quatro os requisitos para a concessão do Auxílio-Acidente: qualidade de segurado; superveniência de acidente de qualquer natureza; redução parcial da capacidade para o trabalho habitual; e, finalmente, o nexo causal entre o acidente e a redução da capacidade.

Ademais, a concessão do Auxílio-Acidente não está condicionada ao grau de incapacidade para o trabalho habitual do segurado, sendo apenas exigida a redução da capacidade laborativa decorrente das sequelas do acidente.

Com efeito, o Auxílio-Acidente é devido ainda que mínima a lesão, consoante entendimento consolidado pelo E. STJ, no Recurso Especial de Efeito Repetitivo, Resp. 1109591/SC (Tema 416), in verbis:

"PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. AUXÍLIO-ACIDENTE. LESÃO MÍNIMA. DIREITO AO BENEFÍCIO.

1. Conforme o disposto no art. 86, caput, da Lei 8.213/91, exige-se, para concessão do auxílio-acidente, a existência de lesão, decorrente de acidente do trabalho, que implique redução da capacidade para o labor habitualmente exercido.

2. O nível do dano e, em consequência, o grau do maior esforço, não interferem na concessão do benefício, o qual será devido ainda que mínima a lesão.

3. Recurso especial provido."

BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. REsp 1109591/SC, Rel. Ministro CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 25/08/2010, DJe 08/09/2010.

Eis a Tese jurídica firmada no Tema 416:

"Exige-se, para concessão do auxílio-acidente, a existência de lesão, decorrente de acidente do trabalho, que implique redução da capacidade para o labor habitualmente exercido. O nível do dano e, em consequência, o grau do maior esforço, não interferem na concessão do benefício, o qual será devido ainda que mínima a lesão."

Com relação à data do início do benefício de Auxílio-Acidente, o E. STJ, ao julgar o Tema 862, consolidou a Tese de que é devido desde o dia seguinte ao da cessação do Auxílio-Doença que lhe deu origem.

A conclusão do julgamento do Tema nº 862 ocorreu em 09.06.2021, e os respectivos Acórdãos representativos da controvérsia, de observância obrigatória pelos Juízes e Tribunais (CPC/2015, art. 927, III), foram publicados em 01.07.2021.

Eis a respectiva Tese jurídica firmada no Tema 862:

"O termo inicial do auxílio-acidente deve recair no dia seguinte ao da cessação do auxílio-doença que lhe deu origem, conforme determina o art. 86, § 2º, da Lei 8.213/91, observando-se a prescrição quinquenal da Súmula 85/STJ."

Após essas considerações iniciais, passa-se a examinar o caso concreto.

2.2- Do caso concreto

Registre-se, inicialmente, a inexistência de controvérsia acerca da condição de segurado do Autor e à natureza do acidente sofrido (comum, acidente de lazer).

Mesmo assim, devo salientar que a qualidade de segurado à época do infortúnio e na data do ajuizamento da ação está comprovada ante a CTPS apresentada e o CNIS do Autor; também está comprovado o acidente "comum", pelos documentos anexados à Inicial, sobretudo os seguintes: declaração do SAMU acerca da ocorrência atendida no dia 23.11.2014, no Hotel Fazenda Pedra do Rodeadouro, ao Sr. CARLOS EDUARDO MICELI, ora Autor, com queixa de trauma (queda de quadiciclo); a concessão, pelo INSS, de auxílio doença previdenciário espécie 31 (acidente comum); e registros médicos que se reportam ao acidente comum.

Ademais, tratando-se de benefício em decorrência de alegada redução da capacidade laborativa decorrente de acidente, o julgador firma a sua convicção, via de regra, por meio da prova pericial.

A perícia judicial designada nos autos, realizada por Médico Ortopedista da confiança do Juízo, concluiu que o Autor possui sequelas permanentes decorrentes do trauma sofrido no acidente (queda de um quadriciclo em atividade de lazer), que reduziram a sua capacidade laboral em 30% (trinta por cento), para o exercício de sua atividade habitual de representante de vendas de indústria farmacológica, já que foi atribuído, pelo Sr. Perito, o percentual de 70%, quando perguntado acerca da capacidade do periciando para o trabalho que habitualmente exercia.  

Ademais, ao responder a quesito formulado pelo Juízo, quanto à possibilidade de precisar o termo inicial da redução da capacidade laboral do Autor, o Sr. Perito assim respondeu, de forma clara e objetiva, e que não deixa a menor dúvida:

"R - A partir do acidente sofrido em 23/11/2014. O autor foi submetido a tratamento cirúrgico e a partir de então permaneceu com estas limitações, as quais têm caráter definitivo."

Em suas Conclusões, o Expert observou que o Autor pode realizar a atividade laborativa habitual com maior esforço, porém, não tem condições de realizar outras atividades que demandem grande esforço físico. (v. Laudo id. 4058300.17895523).

Pois bem, de acordo com as conclusões a que chegou o Perito do Juízo, reputa-se comprovada a redução parcial da capacidade para o trabalho habitual do Autor (redução de 30%), bem como o nexo causal entre o acidente por ele sofrido durante o seu lazer, em 23.11.2014, e a redução da capacidade laboral habitual.

Destarte, é de rigor reconhecer que o Autor preenche os requisitos legais para o recebimento do Auxílio-Acidente (Lei nº 8.213/91, art. 86), devendo ser julgado procedente o pedido formulado na Inicial.

Ademais, em decorrência da aplicação da Tese firmada no Tema nº 862 do E. STJ, o termo inicial do benefício é de ser fixado desde o dia seguinte ao da cessação do Auxílio-Doença, data em que se consideram consolidadas as lesões.

No que diz respeito à atualização(correção monetária e juros de mora), não se aplica o entendimento da Súmula 204 do STJ, porque se trata de parcelas vencidas sob amparo dos arts. 397 e 398 do vigente Código Civil, cuja aplicação é ressalvada pelo art. 240 do vigente Código de Processo Civil.  Registre-se que este artigo deste diploma processual corresponde ao art. 219 do revogado Código de Processo Civil de 1973, invocado na mencionada Súmula.

3- Dispositivo

3.1- Julgo procedentes os pedidos formulados na Petição Inicial, condeno o INSS a pagar ao Autor CARLOS EDUARDO MICELI o benefício previdenciário de Auxílio-Acidente, bem como a pagar as parcelas vencidas e vincendas, aquelas a contar do dia imediatamente posterior ao da cessação do Auxílio-Doença, até a data da implantação do benefício, atualizadas(correção monetária e juros de mora), desde a data dos respectivos vencimentos até a data da expedição do(s) requisitório(s) [STF, Plenário, RE 579-431/RS] E [STJ, Corte Especial, QO no REsp nº 1665599RS, Questão de Ordem no REsp nº 2017/0086957-6, Tema Repetitivo 291], pelos índices do manual de cálculos do CJF, no qual já se encontra consignado o entendimento do julgado do Plenário do STF no RE 870.947/SE, a ser efetuada pelo setor próprio do TRF5R,  conforme Resolução nº 2017/00458 do CJF-RES, de 04/10/2017,

3.2 - Condeno ainda o INSS ao pagamento de honorários advocatícios que, por força da simplicidade do caso, pelo que não deve ter exigido muito esforço do(a) I. Patrono(a) da Parte Autora, com base no § 2º do art. 85 do CPC, arbitro no mínimo legal, sobre o toatl das parcelas vencidas e sobre as diferenças entre o valor do auxílio-doença e o valor do auxílio acidente das 12(doze) primeiras parcelas vincendas(§ 9º do art. 85, CPC), observada a gradação do § 3º desse mesmo artigo do CPC e, se necessário, também as regras dos seus §§ 4º e 5º, quando da apuração, por cálculos do Contador, na fase executiva.

3.3-  Finalmente, dou o processo por extinto com resolução do mérito (CPC, art. 487, I).

Deixo de submeter esta sentença ao duplo grau de jurisdição (CPC, art. 496[1], §3º, I e §4º, II)

R.I.

Recife, 29.07.2021.

Francisco Alves dos Santos Júnior

Juiz Federal, 2ª Vara/PE

(rmc)



 



[1] Código de Processo Civil:

"Art. 496. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença:

(...)

§ 3º Não se aplica o disposto neste artigo quando a condenação ou o proveito econômico obtido na causa for de valor certo e líquido inferior a:

I - 1.000 (mil) salários-mínimos para a União e as respectivas autarquias e fundações de direito público;

§ 4º Também não se aplica o disposto neste artigo quando a sentença estiver fundada em:

(...)

II - acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;"



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