sábado, 20 de março de 2021

APOSENTADORIA ESPECIAL. TRABALHO COM ELETRICIDADE.

Por Francisco Alves dos Santos Júnior

Segue interessante e bem fundamentada sentença relativa a aposentadoria especial concedida a trabalhador que lidava com eletricidade. 

Boa leitura. 



Obs.: pesquisa e minuta de sentença feitas pela Assessora Rossana Maria Cavalcanti Reis da Rocha Marques


PROCESSO Nº: 0809127-20.2016.4.05.8300 - PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL
AUTOR: EDIMILSON AURELIANO DE CASTRO
ADVOGADO: Ricardo De Souza
ADVOGADO: Sofia Ferreira Alencar Correa Debassolles
RÉU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO)





Sentença tipo A



EMENTA:- PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. REQUISITO DO TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL IMPLEMENTADO NA DER - DATA DE ENTRADA DO REQUERIMENTO. PROCEDÊNCIA.

-Implementado o tempo de 25 (vinte e cinco) anos de tempo de serviço especial, o Autor faz jus ao benefício na DER.

-Procedência.



Vistos etc.

1-Relatório 

EDMILSON AURELIANO DE CASTRO, qualificado na Inicial, ajuizou em 21/11/2016, esta ação em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS pretendendo a concessão do benefício de Aposentadoria Especial desde a data do requerimento administrativo, com o pagamento das prestações vencidas desde então. Requereu, inicialmente, o benefício da assistência judiciária gratuita e alegou, em síntese, que: teria ingressado na CBTU em 24/10/1984 e permaneceria na referida empresa até a presente data; teria requerido sua aposentadoria em 30/03/2015, sob o nº 171.741.418-1, que teria sido indeferida, pois o INSS teria entendido que o Autor não teria tempo mínimo de contribuição, o que seria descabido, pois o Autor teria exercido função com exposição de risco no tempo laborado, e teria apresentado os documentos necessários à comprovação do pleito; os documentos apresentados comprovariam a efetiva exposição ao risco eletricidade e ruído acima dos limites permitidos de forma habitual e  permanente, não ocasional e nem  intermitente, por mais de 25 anos, tempo necessário para a concessão da Aposentadoria Especial. Discorreu sobre o seu tempo de contribuição e aduziu que, no período anterior a Lei nº 9.032/95, estaria enquadrado como ferroviário, para fins de aposentadoria especial pela categoria profissional, o que dispensaria prova pericial; e aduziu que o INS teria o dever de conceder o benefício mais favorável ao segurado; faria jus a conversão da aposentadoria por tempo de contribuição em especial. Transcreveu ementas de decisões judiciais, e requereu, ao final: "(...) 3-Procedência da ação, com a condenação da Autarquia Previdenciária/Ré na concessão da Aposentadoria Especial do Autor, com fixação da renda mensal inicial nos termos da lei; acrescido de juros e correção monetária;4-Condenação da Acionada no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios a se rem estabelecidos por V. Exa.; 5-Condenação da Acionada ao pagamento das prestações vencidas desde a data do requerimento administrativo, corrigidas monetariamente e acrescidas de juros de 1% ao mês;6-Produção de todos os meios de provas em direitos admitidos, por mais especiais que sejam tal como juntada de documentos, perícias médicas, depoimentos das partes, oitiva de testemunhas e tudo mais que se fizer necessário ao total esclarecimento da verdade;" Inicial instruída com instrumento de procuração e documentos.

Despacho no qual foi concedido à Parte Autora o benefício da justiça gratuita e determinou a citação do INSS.

O INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS apresentou Contestação na qual afirmou, em síntese, que: o requerimento administrativo do Autor teria sido indeferido porque a atividade do  Autor, de técnico em telecomunicações por ele exercida, não o sujeitaria ao agente eletricidade de forma habitual e permanente, durante toda a jornada de trabalho; o campo 15.5 do PPP do Autor, não conteria a técnica descrita para a avaliação do agente alegado; constaria no Laudo Técnico que o Autor teria formulado requerimento administrativo de adicional de periculosidade, mas o Autor teria omitido o resultado do requerimento; a eletricidade não constituiria agente nocivo após 05 de março de 1997; nem todo funcionário da CBTU estaria exposto ao agente eletricidade de forma habitual e contínua, com maior razão o Autor que exerceria a função de técnico em comunicações; os peritos do SST teriam se deparado com um documento da CBTU, no caso, a Ficha de Credenciamento ao Adicional de Periculosidade do segurado, e teriam constatado que, em tal documento haveria um campo específico em que constaria a informação a respeito da habitualidade e permanência da exposição do trabalhador ao agente eletricidade; embora a documentação fornecida pela CBTU (PPP e Laudos Técnicos) normalmente atestasse a exposição habitual e permanente, não ocasional nem intermitente, a própria CBTU possuiria um documento que, em certos casos, infirmaria tais declarações; no caso dos autos, não constaria a Ficha de Credenciamento ao Adicional de Periculosidade, portanto, sem tal documentação, não se teria como concluir pela efetiva exposição do segurado ao agente em comento de forma habitual e permanente, ora impugnado pelo INSS, diante disso, o INSS requereu a "citação da CBTU" para apresentar a documentação; e acrescentou que não teria sido comprovada a habitualidade e permanência da exposição ao agente, pois, sem a mencionada Ficha, não haveria como  concluir pela efetiva exposição do Autor ao agente em comento de modo habitual e permanente, e também não seria possível considerar como especial o período posterior a 05/03/1997. Discorreu sobre o benefício de Aposentadoria Especial e, ao final, requereu, a improcedência dos pedidos; "(...) b) a condenação da parte autora, em qualquer caso, ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios (art. 23, da Lei nº 8.906/94, nos termos do art. 85, §3, §14 e §19, art. 98, parágrafo segundo, do CPC e art. 29 da Lei 13.327/2016 c) Na hipótese improvável de condenação: c.1) seja fixado o termo inicial da condenação na data da citação válida, desde que comprovado tempo de contribuição suficiente; c.2) a fixação dos juros de mora e da correção monetária, nos termos do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97; c.3) sejam os honorários advocatícios arbitrados em respeito ao art. 85 do CPC, com a observância, em qualquer caso, do quanto estabelecido na Súmula n° 111, do STJ. c.4.) que sejam os honorários processuais decorrentes da sucumbência parcial devidos pela parte autora aos advogados públicos sejam retidos do precatório ou RPV que eventualmente vier a receber em decorrência desta lide Assim, pugna o Instituto Previdenciário: a) pela citação da CBTU - Companhia Brasileira de Trens Urbanos, empregadora do autor, cuja Superintendência em Recife fica na R. José Natário, 478 - Areias, Recife/PE, 50900-000, para que apresente a FICHA DE CREDENCIAMENTO DO ADICIONAL DE PERICULOSIDADE referente ao autor, nos termos do art. 401 do CPC/15, como comprove: a) todas as atribuições do emprego público de assistente operacional, incluindo atribuições administrativas, em especial auxiliar de técnico em telecomunicações (vide fl. 12 da CTPS de ID 4058300.2599807); b) as atividades administrativas e de chefia desenvolvidas pelo autor e) as competências nas quais o autor não recebeu adicional de periculosidade, bem como as competências nas quais recebeu, especificando o nível\grau e a respectiva voltagem. b) PELO DEPOIMENTO como Testemunhas referidas nos autos, o Profissional responsável pelos registros ambientais no PPP e pela elaboração do Laudo Técnico Pericial Sr. ALEXANDRE MAURO ALBUQUERQUE DE LIMA, e a Técnica que assinou o referido PPP, como representante legal da CBTU, a Srª MONICA MARIA CANTINI RIBEIRO, para que prestem depoimento na audiência acima designada, relativamente ao conteúdo do PPP e do Laudo Técnico Pericial. As testemunhas referidas nos autos serão ouvidas após a oitiva da Partes Autora, que deverá ser intimada, por mandado, para depor sob pena de confissão. Requer que a Secretaria deste Juízo diligencie nos sistemas SERPRO e INFOJUD acerca dos endereços de ALEXANDRE MAURO ALBUQUERQUE DE LIMA e de LÍVIA MARTINS ESTRELA, para fins de intimação. Caso infrutífera a pesquisa, que seja expedido ofício à CBTU solicitando o fornecimento dos endereços ou para que já realize a intimação dos mesmos." Juntou documentos.

O Autor apresentou Réplica à Contestação; em seguida, ingressou com petição na qual informou a existência de alguns "casos selecionados", cujo conjunto probatório guardaria simetria com o caso em tela.

Decisão na qual foi determinada a expedição de ofício à CBTU solicitando a apresentação (s) FICHA (s) DE CREDENCIAMENTO DO ADICIONAL DE PERICULOSIDADE referente ao Autor, EDIMILSON AURELIANO DE CASTRO, bem como para informar  todas as atribuições do emprego público de assistente operacional, incluindo atribuições administrativas; as atividades administrativas e de chefia desenvolvidas pelo Autor; e as competências nas quais o Autor não recebeu adicional de periculosidade, bem como as competências nas quais recebeu.

Intimado para se manifestar sobre a última petição apresentada pelo Autor, o INSS afirmou que, nos casos trazidos pelo Autor, os Autores exerceriam na CBTU o cargo de Agente Operacional, diferente do cargo do Autor, que é de Técnico em Telecomunicações.

Certidão da Secretaria do Juízo que atesta a juntada do ofício resposta da CBTU (id. 4058300.6377055).

Regularmente intimado para se manifestar sobre os documentos apresentado pela CBTU, o INSS alegou, em síntese, que: "Percebe-se que o autor pleiteia o reconhecimento de tempo especial a partir de 24/10/1984. A CBTU ANEXA DOCUMENTOS QUE EVIDENCIA A PERCEPÇÃO DE ADICIONAL DE PERICULOSIDADE TÃO-SOMENTE A PARTIR DE OUTUBRO/87; OUTROSSIM, PERCEBE-SE DOS AUTOS QUE O AUTOR EXERCEU POPR DIVERSOS PERÍODOS FUNÇÕES ADMINISTRATIVAS, O QUE IMPEDE O RECONHECIMENTO DE TEMPO ESPECIAL. 3. Outrossim, percebe-se que o órgão da CBTU que responde ao ofício é diverso do setor de Recursos Humanos. Pela prática recorrente nesta justiça, restou comprovado que as informações constantes nos documentos desta empresa diferem, na prática, das atividades efetivamente desempenhadas pelos autores. A resposta da CBTU é embasada na documentação anexada. Mas não consta nenhuma afirmação do setor de Recursos Humanos que indique, de forma categórica, em que setor a parte demandante efetivamente desempenhou suas atividades."

O Autor ingressou com petição na qual juntou a cópia do Laudo Pericial produzido em processo que tramitou perante a 21ª Vara Federal/PE, e transcreveu observações contidas no laudo acerca da análise dos aspectos de intermitência, habitualidade e EPI.

Em seguida, o Autor atravessou petição com a qual juntou uma relação com decisões que teriam sido proferidas pelo E. TRF-5ª Região, favoráveis a sua tese.

Regularmente intimado, o INSS observou que a documentação acostada pelo Autor não fortaleceria a pretensão exordial, já que a função desenvolvida pelo Autor (técnico em telecomunicações) seria diversa daquela do Autor da ação que tramitou no Juízo da 21ª Vara Federal (agente de estação), objeto do laudo produzido naqueles autos; ratificou os termos da Contestação, e reiterou que seria improvável exposição à eletricidade no exercício do cargo de técnico de telecomunicações.

O Autor noticiou a desistência pelo INSS em processo similar ao presente, e requereu a intimação do INSS para se manifestar sobre a eventual intenção de renunciar à presente demanda, pelos motivos que teriam sido externados pelo INSS no mencionado feito. Juntou documentos.

O INSS, a respeito da manifestação e documentos juntados pelo Autor acima aludidos, salientou que, ao contrário do presente caso, as ações citadas pelo Autor estavam na fase recursal e eventual pedido de desistência de recurso interposto pelo INSS teria se dado em respeito ao enunciado da Súmula nº 07 do STJ (matéria fática); reiterou os termos da contestação, requereu a juntada do processo administrativo e requereu o regular prosseguimento do feito.  

Intimado acerca da manifestação do INSS, o Autor pugnou pelo prosseguimento do feito

É o relatório, no essencial.

Fundamento e decido.

2- Fundamentação

2.1- Tendo em vista que o conjunto probatório acostado aos autos, DOCUMENTOS E LAUDOS PERICIAIS, dispensa a realização de prova testemunhal, como pretendido pelo INSS. 

Então, à luzo do inciso I do art. 355 do CPC, tenho por bem partir para o julgamento antecipado, de acordo com a prova dos autos.

2.2- Sem preliminares ou exceções, examina-se o mérito.

2.3- O Autor pleiteia a concessão do benefício de Aposentadoria Especial, sob a alegação de que teria trabalhado em condições especiais por mais de 25 (vinte e cinco) anos. E, ainda, o pagamento das parcelas vencidas a contar do requerimento administrativo.

2.2.2 - A respeito da Aposentadoria Especial e da prestação do serviço em condições prejudiciais à saúde e à integridade física, regradas nos artigos 57 e 58 da Lei nº 8.213, de 1991, constato que, a teor do § 5º desse art. 57, é permitida a conversão do tempo de serviço prestado em condições especiais para tempo de serviço comum, com o acréscimo pertinente.

O tempo mínimo de exercício da atividade geradora do direito à Aposentadoria Especial é estipulado pelo art. 57 da Lei nº 8.213/91, em 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos.

Registre-se, no tocante à conversão do tempo prestado em condições especiais para tempo de serviço comum, que, a despeito da vigência, durante determinado período, de norma obstativa da conversão, é esta atualmente permitida, como se extrai da letra expressa do artigo 1o do Decreto nº 4.827, de 3.9.2003, a seguir reproduzido:

"Art. 1º O art. 70 do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto nº 3.048, de 6 de maio de 1999, passa a vigorar com a seguinte redação:

'Art. 70. A conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade comum dar-se-á de acordo com a seguinte tabela:

§ 2o As regras de conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade comum constantes deste artigo aplicam-se ao trabalho prestado em qualquer período'."






MULTIPLICADORES

MULHER (PARA 30)

HOMEM (PARA 35)

DE 15 ANOS

2,00

2,33

DE 20 ANOS

1,50

1,75

DE 25 ANOS

1,20

1,40

§ 1o A caracterização e a comprovação do tempo de atividade sob condições especiais obedecerá ao disposto na legislação em vigor na época da prestação do serviço."

Resta verificar, portanto, se o (s) período (s) referido (s) pelo Autor pode (em) ser tido (s) como prestado (s) em condições prejudiciais à saúde ou à integridade física.

A contagem do tempo de serviço é disciplinada pela lei vigente à época do serviço prestado(Lei do  tempo  dos fatos).

Lei novas com regras modificadoras, com novas exigências, não retroagem, aplicam-se apenas a fatos posteriores à respectiva vigência (princípio da irretroatividade das Leis). 

Relevante destacar que a obtenção de uma Aposentadoria Especial demandaria ter o segurado, ora Autor,  desempenhado todo o seu tempo de serviço sob condições penosas, insalubres e perigosas.

Verifica-se, assim, a seguinte evolução legislativa quanto ao tema:

Até a edição da Lei nº 9.032, de 29/04/1995, era possível o reconhecimento do exercício de atividade especial com base apenas na categoria profissional do trabalhador, observada a classificação constante nos anexos dos decretos nº 53.831/64 e 83.080/79 (Anexos I e II), cujo rol não é taxativo, não sendo necessário fazer prova efetiva da exposição às condições prejudiciais à saúde ou à integridade física; ou ainda quando demonstrada a sujeição do segurado a agentes nocivos, por qualquer meio de prova, exceto para os agentes nocivos ruído e calor, que exigem a mensuração de seus níveis por meio de perícia técnica, trazida aos autos ou noticiada em formulário emitido pela empresa, a fim de se verificar a existência ou não de nocividade.

A partir de 29/04/95, com a edição da Lei n.º 9.032/95, que alterou a Lei n.º 8.213/91, passou a ser exigida a comprovação da efetiva exposição aos agentes agressivos, mediante a apresentação de documentos conhecidos como SB 40, DISES-BE 5235, DSS-8030 e DIRBEN 8030.

Com o advento da Medida Provisória nº. 1.523/96, posteriormente convertida na Lei nº. 9.528/97 (DOU 11/12/1997), a redação do art. 58 da Lei nº. 8.213/91 foi modificada, passando-se a exigir a elaboração de laudo técnico assinado por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho.

No entanto, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça - STJ firmou posicionamento no sentido de que essa exigência só é possível a partir da edição daquele Lei de 1997, e não da data da Medida Provisória mencionada.

Saliento, por importante, que o laudo pericial não contemporâneo ao período trabalhado é apto à comprovação da atividade especial do segurado, consoante pacificado pela Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais - TNU, nos termos da Súmula nº 68 de sua jurisprudência.

Ainda quanto à extemporaneidade dos laudos técnicos, os Tribunais já se manifestaram no sentido de que não desnatura a sua força probatória, uma vez que inexiste previsão legal para tanto, e, além disso porque as condições do ambiente de trabalho tendem a aprimorar-se com a evolução tecnológica, podendo se supor que, em tempos pretéritos, a situação era pior ou quando menos semelhante à constatada na data da elaboração.

E, quanto à utilização de equipamentos de proteção coletiva ou individual, nos termos do § 2º do art. 58 da Lei nº 8.213/91, o Supremo Tribunal Federal concluiu, nos autos do ARE nº 664.335/SC, com repercussão geral, que "na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual - EPI, não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria".[1]

No que diz respeito ao ruído, a TNU,  na Súmula nº 09, seguiu essa orientação do STF.

Saliento que utilização de equipamentos de proteção individual é irrelevante para o reconhecimento das condições especiais, prejudiciais à saúde ou à integridade física do trabalhador, da atividade exercida no período anterior a 03 de dezembro de 1998, a partir de quando a exigência de seu fornecimento e uso foi disposta pela MP nº 1.729/98, convertida na Lei nº 9.732/89.

Com relação aos limites de tolerância do agente nocivo "ruído", aplica-se da seguinte maneira:

- superior a 80 decibéis, na vigência do Decreto n. 53.831/64 (1.1.6);

- superior a 90 decibéis, na vigência do Decreto n. 2.172, de 5/3/1997 (2.0.1) e,

- superior a 85 decibéis, a partir da edição do Decreto n. 4.882, de 18/11/2003.

No que concerne ao agente nocivo eletricidade, a previsão do referido agente nocivo consta no item 1.1.8, do quadro anexo ao Decreto nº 53.831/64.

Com o advento do Decreto nº 2.172/97 (DOU de 05/03/1977), deixaram de vigorar os Decretos nºs. 53.831/64 e 83.080/79, os quais previam diversas ocupações que ensejavam a contagem majorada do tempo de serviço, dentre elas a de eletricista. Passaram a ser listados apenas os agentes considerados nocivos ao trabalhador, classificados como químicos, físicos ou biológicos. Não há no Decreto nº 2.172/97 nenhuma referência à eletricidade e nem um único indicativo de periculosidade.

Entretanto, a supressão, pelo Decreto nº 2.172/1997, da eletricidade e demais agentes periculosos do rol de agentes nocivos não inviabiliza o reconhecimento do tempo especial a partir do advento do decreto regulamentar, conforme decidido pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça em sede de Recurso Especial submetido ao rito do art. 543-C do Código de Processo Civil. Confira-se a ementa do aludido recurso:

"RECURSO ESPECIAL. MATÉRIA REPETITIVA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ 8/2008. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ATIVIDADE ESPECIAL. AGENTE ELETRICIDADE. SUPRESSÃO PELO DECRETO 2.172/1997 (ANEXO IV). ARTS. 57 E 58 DA LEI 8.213/1991. ROL DE ATIVIDADES E AGENTES NOCIVOS. CARÁTER EXEMPLIFICATIVO. AGENTES PREJUDICIAIS NÃO PREVISTOS. REQUISITOS PARA CARACTERIZAÇÃO. SUPORTE TÉCNICO MÉDICO E JURÍDICO. EXPOSIÇÃO PERMANENTE, NÃO OCASIONAL NEM INTERMITENTE (ART. 57, § 3º, DA LEI 8.213/1991).

1. Trata-se de Recurso Especial interposto pela autarquia previdenciária com o escopo de prevalecer a tese de que a supressão do agente eletricidade do rol de agentes nocivos pelo Decreto 2.172/1997 (Anexo IV) culmina na impossibilidade de configuração como tempo especial (arts. 57 e 58 da Lei 8.213/1991) de tal hipótese a partir da vigência do citado ato normativo.

2. À luz da interpretação sistemática, as normas regulamentadoras que estabelecem os casos de agentes e atividades nocivos à saúde do trabalhador são exemplificativas, podendo ser tido como distinto o labor que a técnica médica e a legislação correlata considerarem como prejudiciais ao obreiro, desde que o trabalho seja permanente, não ocasional, nem intermitente, em condições especiais (art. 57, § 3º, da Lei 8.213/1991). Precedentes do STJ.

3. No caso concreto, o Tribunal de origem embasou-se em elementos técnicos (laudo pericial) e na legislação trabalhista para reputar como especial o trabalho exercido pelo recorrido, por consequência da exposição habitual à eletricidade, o que está de acordo com o entendimento fixado pelo STJ.

4. Recurso Especial não provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução 8/2008 do STJ." (RESP 201200357988, HERMAN BENJAMIN, STJ - PRIMEIRA SEÇÃO, DJE DATA:07/03/2013.[1]) (G.N.)

Feitas essas observações iniciais, analisa-se o caso concreto.

Deve-se observar que não há nos documentos carreados aos autos qualquer indicação de que o Autor estivera exposto ao agente nocivo ruído no período em que trabalhara na CBTU, embora o referido fator de risco tenha sido mencionado na Petição Inicial, como gerador do direito à Aposentadoria Especial.

Disso resulta que não faz jus, a Parte Autora, ao benefício de Aposentadoria Especial, com fundamento no agente nocivo ruído, pois não comprovada a exposição ao mencionado agente insalubre (ruído) nos documentos anexados.

Ainda, deve-se observar que a nomenclatura da função do Autor na CBTU foi alterada no curso da prestação da atividade laboral, em função dos Planos de Cargos e Salários - PCS que aconteceram na referida Empresa, a saber: Técnico em Telecomunicação, Técnico de Manutenção e, finalmente, Técnico Industrial. Tais informações foram prestadas pelo representante da CBTU nos documentos trazidos pela CBTU/Empregadora do Autor, em cumprimento a decisão deste Juízo (id. 4058300.6377055).

Especificamente com relação ao agente nocivo eletricidade, verifica-se, na documentação constante dos autos (PPP, Laudos Técnicos e documentos apresentados pela CBTU), a informação de que o Autor esteve exposto ao agente nocivo eletricidade durante o seu vínculo laboral com a CIA Brasileira de Trens Urbanos, no período controvertido, compreendido entre 24/10/1984 e 30/03/2015 (DER).

Cumpre verificar se a exposição ao agente nocivo eletricidade ocorreu de forma habitual e permanente, não ocasional nem intermitente, conforme exigido pela Lei nº 8.213/91 (art. 57, §3º) e o precedente (repetitivo-STJ) citado alhures, para fins de reconhecimento da especialidade do interstício laboral.

Nesse particular, no Laudo Técnico Pericial que embasou a elaboração do PPP, consta a informação do método e da técnica pertinentes à aferição do agente nocivo eletricidade, in verbis:

"Avaliação qualitativa /quantitativa da presença do agente; Análise das atividades executadas em suas respectivas áreas;".

Registrou-se, ademais, no referido Laudo Técnico, que:

"a empresa integra o sistema elétrico de potência, não havendo necessidade de usar equipamentos de medicação na avaliação, operando em níveis de tensão acima de 250 volts (380 volts, 3.300 volts, 6.600 volts, 13.800 volts e 69.000 volts) controlados por equipamentos instalados no sistema, tais como Waltímetro, Voltímetro e Amperímetro." (id. 4058300.2599810).

Diante de tais informações consignadas no Laudo Técnico, não prospera o argumento do INSS no sentido de que, por não constar no PPP, no campo 15.5, a técnica descrita para a avaliação do agente alegado, o Autor não faria jus ao benefício de Aposentadoria Especial.

Do mesmo modo, não prospera o argumento levantado pela defesa do INSS, no sentido de que a eletricidade, após 05 de março de 1997, não constituiria agente nocivo apto a ensejar a concessão do benefício de Aposentadoria Especial, ante o decidido em sentido contrário pelo E. STJ, no Recurso Especial com efeito repetitivo acima transcrito.

Note-se que o INSS, em sua peça de defesa, lançou dúvida sobre a efetiva exposição do Autor, de modo habitual e permanente, ao agente nocivo eletricidade e, com o objetivo de comprovar as suas alegações, de que não existiria a habitualidade e a permanência na exposição, o INSS requereu que a CBTU fosse instada a apresentar a Ficha de Credenciamento ao Adicional de Periculosidade, pois, segundo afirmou, os técnicos do INSS teriam constatado que, em tal documento, haveria um campo específico no qual constaria a informação a respeito da habitualidade e permanência da exposição do trabalhador ao agente eletricidade, o que foi deferido pelo Juízo.

A CBTU/Empregadora do Autor, apresentou Ficha de Credenciamento ao Adicional de Periculosidade e outros documentos pertinentes ao Autor (id. 4058300.6377055).

No tocante aos documentos apresentados pela CBTU, que dizem respeito às atividades exercidas pelo Autor na referida empresa, após a data da entrada do requerimento de concessão do benefício de aposentadoria, protocolado em 30/03/2015 (DER), não serão consideradas na presente análise.

Em razão disso, o Laudo Técnico de Periculosidade Individual datado de 19/04/2018, e a Verificação de Atividades Perigosas - VAP datada de 24/04/2018, relativas ao período em que o Autor passou a exercer as atividades inerentes ao cargo de Coordenador Operacional de Sistemas Eletrônicos, não serão objeto de análise, pois situados fora do período controvertido.

Especificamente quanto ao período controvertido, extraem-se da Ficha de Credenciamento ao Adicional de Periculosidade e demais documentos apresentados pela CBTU, as seguintes informações:

I)Atestou-se, na Ficha de Credenciamento ao Adicional de Periculosidade, que o trabalhador preenche os requisitos do Decreto nº 93.412/86.

O "atesto" no documento foi dado por três profissionais integrantes da Unidade de Segurança do Trabalho, dentre os quais um Engenheiro de Segurança do Trabalho, e o requerimento foi homologado.

Importante lembrar que o Decreto nº 93.412, de 14 de outubro de 1986, vigente à época, regulamentava a Lei nº 7.369/85, que instituiu o adicional de periculosidade para os trabalhadores que exercem Atividades/Áreas de Risco inseridas no quadro de seu Anexo.

O Decreto nº 93.412/86, ora revogado pelo Decreto nº 9.917/2019, condicionou a incidência do adicional de periculosidade, à permanência habitual do trabalhador em área de risco (art. 2º, inc. I); ou ao ingresso intermitente e habitual em área de risco (art. 2º, inc. II). E, no Anexo ao Decreto, foram estabelecidas as atividades em condição de periculosidade

Verifica-se, na Ficha de Credenciamento ao Adicional de Periculosidade, as seguintes observações:

"Em levantamento realizado em campo foi constatado que o requerente executa as seguintes atividades:

Inspeção em: conversores DCDC 72V 10a, transceptores RTU 151, variação a 220 volts, unidade de sonorização interfonia, sobressalente de energia 60Kv.

Utiliza os equipamentos: fonte de alimentação 300 volts, osciloscópio (medição até 1700 volts), retificadores de tensão, KS, aparelhos até 125 volts."

E a seguinte conclusão:

"O EMPREGADO SE ENQUADRA NO ITEM 03 DA COLUNA DE ATIVIDADES E NO ITEM 03 DA COLUNA DA ÁREA DE RISCO DO QUADRO DE ATIVIDADES/ÁREAS DE REISCO DO DECRETO Nº 93.412, DE 14.10.86. O PERCENTUAL SERÁ ESTABELECIDO PELA COMISSÃO PARITÁRIA ESPECIFICAMENTE CRIADA PARA ESTE FIM." (G.N.)

Também estão assinalados na Ficha aludida, que o Autor exercia as atividades constantes do Decreto e nas respectivas áreas de risco estabelecidas no seu art. 2º; o equipamento ou a instalação elétrica que opera ou ao qual está exposto, está energizado/desenergizado, mas suscetível de energização acidental por falha do sistema ou defeito do equipamento ou instalação, e as situações podem gerar incapacidade, invalidez permanente ou morte.

II) O requerimento de concessão do adicional de periculosidade datado de 09/03/1987 está atestado e homologado por três funcionários da CBTU, com a especificação das atividades periculosas exercidas pelo Autor.

III) O requerimento de concessão do adicional de periculosidade datado de 15/08/2012 também está atestado por funcionários da CBTU, com a especificação das atividades periculosas exercidas pelo Autor.

IV) Uma outra Ficha de Credenciamento assinada por dois funcionários da CBTU (técnico de segurança do trabalho e coordenador operacional de segurança do trabalho), com o atestado de que o empregado, ora Autor, preenche os requisitos do Decreto nº 93.412.

Consta, na mencionada ficha, a observação de que o requerente, ora Autor, enquadra-se no art. 2º, inciso I do Decreto nº 93.412/86, que diz respeito justamente ao recebimento do adicional de periculosidade em razão da permanência habitual do trabalhador em área de risco.

Pois bem, pela descrição das atividades na Ficha de Credenciamento ao Adicional de Periculosidade, verifica-se que o Autor se dedicava rotineiramente, de modo habitual e permanente ao trabalho com exposição a fontes energizadas de alta voltagem, superiores a 250 volts, o que representa risco concreto de acidente devido ao agente periculoso da eletricidade.

Mencionados documentos apresentados pela CBTU, que repercutem na esfera trabalhista, corroboram os documentos específicos previdenciários (PPP e Laudo Técnico) que foram juntados pelo Autor no momento da distribuição do feito, nos quais consta que a exposição ao agente nocivo eletricidade acima de 250 Volts, se dava de forma habitual e permanente, não ocasional nem intermitente.

Ademais, consta no Laudo Técnico Pericial que, mesmo o fornecimento dos equipamentos de proteção adequados, não elimina ou neutraliza a periculosidade do risco a que está exposto o trabalhador/Autor, pois não são 100% eficazes na proteção contra o choque elétrico, não sendo possível neutralizar eficazmente o perigo decorrente do desempenho da atividade de risco.

Portanto, à luz dos documentos carreados aos autos, cumpre reconhecer, no período em questão, o tempo especial da atividade laboral desenvolvida pelo Autor na CBTU, até mesmo porque o INSS não se desincumbiu do ônus de retirar a legitimidade da documentação coligida aos autos pela Parte Autora e também por sua Empregadora, a CBTU.

Note-se que o fato de o Autor ter passado a receber, conforme demonstrado na planilha apresentada pela CBTU, o adicional de periculosidade somente a partir de julho de 1987 (até set/2018), não significa que, anteriormente a este marco temporal, não tenha exercido atividade com exposição habitual e permanente, não eventual nem intermitente, ao agente nocivo eletricidade, ante o que se apurou nos autos.

Dessa forma, restando comprovado que a Parte Autora exerceu por mais de 25 anos as suas atividades sob condições especiais, é de se lhe conceder o benefício de Aposentadoria Especial, a partir do requerimento administrativo (DER 30/03/2015), porque, desde esse termo, os requisitos para o gozo do direito já se faziam presentes.

O tempo de atividade especial encontrado, descontados os interstícios em que exercera atividades administrativas de gerência e coordenação (de 09 a 28/01/2006; de 10 a 29/09/2007; de 07 a 26/01/2013; de 02 a 21/01/2014), no total de 30 anos, 02 meses e 12 dias, contados até 25/03/2015 (data informada no Laudo Técnico), supera os 25 anos mínimos na DER (30/03/2015).

3- Dispositivo

3.1- julgo procedente o pedido formulado na Petição Inicial, reconheço a especialidade do trabalho desempenhado pelo Autor nos períodos de 24/10/1984 a 08/01/2006, de 29/01/2006 a 09/09/2007, de 30/09/2007 a 06/01/2013, de 27/01/2013 a 01/01/2014, de 22/01/2014 a 25/03/2015, condeno o INSS a averbar como de atividade especial os mencionados períodos, e a conceder ao Autor o benefício de Aposentadoria Especial;

3.2 - outrossim, condeno o INSS ao pagamento dos atrasados desde a data do requerimento administrativo, ocorrido em 30/03/2015, uma vez que naquela data já ultrapassados 25 anos de contribuição e o exercício da atividade em condições especiais, até a data da implantação do benefício, atualizadas monetariamente e com juros de mora desde a citação, observados os índices e formas do Manual de Cálculos do Conselho da Justiça Federal que estiver em vigor no momento do cumprimento desta Sentença;

3.3 - condeno, ainda, o INSS ao pagamento de honorários advocatícios que, considerando a relativa simplicidade do caso, que não deve ter exigido muito esforço do(a) d. Patrono(a) da Parte Autora, arbitro em 10% (§ 2º c\c §3º-I do art. 85 do CPC) do total das parcelas vencidas e das 12(doze) primeiras parcelas vincendas decorrentes desta sentença(§ 9º do art. 85 do CPC);

De ofício, submeto esta Sentença ao duplo grau de jurisdição obrigatório.

R.I.

Recife,  19.03.2021

Francisco Alves dos Santos Júnior

Juiz Federal, 2a Vara Federal/PE


Rossana Maria Cavalcanti Reis da Rocha Marques

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