sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

UM CASO CONCRETO DE APLICAÇÃO DA DECADÊNCIA DO ART. 54 DA LEI 9.784, DE 1999

 Por Francisco Alves dos Santos Júnior

A FAZENDA PÚBLICA pode rever ato administrativo, no qual tenha concedido benefício indevido para Servidores e/ou para Administrados, todavia tem o prazo legal de 5(cinco) anos para fazê-lo. 

Na sentença que segue, um caso concreto em que a UNIÃO perdeu esse prazo. 

Boa leitura. 



PROCESSO Nº: 0824027-03.2019.4.05.8300 - PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL

AUTOR: S S DA S 
ADVOGADO: S  B
RÉU: UNIÃO FEDERAL - UNIÃO.
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)

 

 Sentença tio B, registrada eletronicamente.


EMENTA: - DIREITO ADMINISTRATIVO. MILITAR. AERONÁUTICA. TAIFEIRO. REVISÃO DE PROVENTOS PELA ADMINISTRAÇÃO. DECADÊNCIA.

- A Administração Pública tem o poder-dever de rever seus próprios atos, conforme a Súmula nº 473 do Supremo Tribunal Federal, desde que o faça no prazo legal de 5(cinco) anos(art. 54 da Lei nº 9.784, de 1999).

- Reconhecimento da decadência  do direito de a UNIÃO exercer o seu poder-dever revisional dos proventos  do  Autor.

- Condenação da UNIÃO a restabelecer os proventos do Autor, pagando as respectivas diferenças da noticiada redução, bem como em verba honorária.

- Concessão da tutela provisória de urgência de antecipação. 

- Procedência.


Vistos, etc.

1. Relatório

Trata-se de Ação de Nulidade de Ato Administrativo com Pedido de Antecipação de Tutela ajuizada por J S DA S em face da UNIÃO, pretendendo liminarmente o restabelecimento dos proventos com base no soldo de Segundo Tenente. Inicialmente, requereu a concessão dos benefícios da justiça gratuita e a tramitação prioritária do feito. Alegou que: a) seria militar da inatividade da Aeronáutica, integrante do Quadro de Taifeiros da Aeronáutica, tendo ingressado na reserva remunerada em 1995, conforme a Portaria DIRAP Nº 042/1RC, de 04.01.1995; b) por ter ido para reserva em período anterior a dezembro de 2000, beneficiou-se da legislação vigente à época, que outorgava o direito de - ao ingressar na reserva - ter os proventos calculados no soldo do posto/graduação imediatamente superior, de acordo com o art. 34 da Medida Provisória nº 2.215-10, de 31 de agosto de 2001; c) com a promulgação da Lei nº 12.158, de 28 de dezembro de 2009, regulamentada pelo Decreto nº 7.188, de 27 de maio de 2010, foi assegurado o acesso do Autor, por ser integrante do Quadro de Taifeiros da Aeronáutica, às graduações a que fazia jus; d) no caso do Autor, foram dados os benefícios da graduação de SUBOFICIAL com os proventos baseados do posto de SEGUNDO TENENTE, conforme PORTARIA DIRAP Nº 7197/3HI1, DE 08.10.2010, publicada no Boletim do Comando da Aeronáutica nº 193, de 15/10/2010 e o Título de Proventos na Inatividade nº 2648/10, datado em 01.07.2010; e) ocorre que, a partir de uma nova interpretação (sem qualquer alteração legislativa), a Administração Militar passou a entender que não deveria ter aplicado de forma concomitante a Lei 12.158/2009 com o art. 34 da Medida Provisória nº 2.215-10; f) com isso, o Autor foi surpreendido com a publicação da Portaria DIRAP Nº 3851/IP4-3, de 15 de junho de 2019, publicada no Boletim do Comando da Aeronáutica nº 105, de 18.06.2019, com fins de "Revisão de proventos de Graduados do Quadro de Taifeiros em decorrência das graduações alcançadas, na forma do disposto na Lei nº 12.158/2009."; g) assim, em outubro/2019 os proventos do Autor teriam sofrido drástica redução, passando para o soldo de SUBOFICIAL; h) a anulação praticada pela administração militar seria ilegal, carecendo de imediata intervenção do Poder Judiciário. Teceu outros documentos. Juntou procuração e documentos.

O despacho de identificador 4058300.12860780, determinou a intimação do Autor para apresentar as últimas 2(duas) declarações integrais do Imposto de Renda, para o devido exame da sua real situação econômico-financeira para fins de concessão do benefício da assistência judiciária gratuita.

Em decisão proferida sob Id. 4058300.13411078, foi indeferido o pedido para concessão dos benefícios da Justiça Gratuita e se determinou que o Autor recolhesse as custas iniciais sob pena de cancelamento da distribuição e consequente indeferimento da inicial e extinção do processo sem julgamento do mérito.

O Autor, em petição acostada sob Id. 4058300.13758395, requereu a juntada do comprovante de pagamento das custas judiciais.

Decisão proferida e anexada sob Id. 4058300.14459518, pela qual foi deferido a tramitação prioritária do feito e indeferido naquele momento o pedido de tutela provisória de urgência para apreciação após a contestação. Determinou-se a citação da Ré.

Citada, a UNIÃO apresentou contestação (Id.4058300.15010448). Alegou em síntese, não prosperar a alegação de decadência da Administração de ter revisto o ato questionado na presente demanda tendo em vista que teria iniciado a revisão dos atos administrativos em junho de 2015, por meio da Portaria COMGEP nº 1.471-T/AJU, de 25 de junho de 2015, por meio da qual teria cientificado todos os interessados. Aduziu que a revisão questionada neste feito decorreu do poder de autotutela da Administração, que lhe obriga a afastar a vigência de atos administrativos viciados tão logo constatado defeito de tal monta, haja vista o princípio constitucional da legalidade.  Pugnou pela improcedência do pedido.

O Autor, apesar de devidamente intimado por Ato Ordinatório a manifestar-se sobre a contestação, deixou transcorrer o prazo e não apresentou réplica.

Vieram os autos conclusos.

 É o breve relatório.

Passo a fundamentar e a decidir.

2. Fundamentação

Julgo este feito antecipadamente, de acordo com o estado do processo (art. 355, CPC), por entender desnecessária qualquer dilação probatória.

2.1. Do Mérito

Objetiva a Parte Autora provimento judicial para que seja cancelado o ato administrativo Federal, consubstanciado na PORTARIA DIRAP Nº 3851/IP4-3, de 15 de junho de 2019, e que seja restabelecido os seus proventos ao soldo de Segundo Tenente.

Pelos documentos acostados aos autos, PORTARIA DIRAP nº 7.197/3HI1, de 08 de outubro de 2010 (Id. 4058300.12852458), consta que foi assegurado ao Autor, a contar de 1º de julho de 2010, o acesso à graduação de Suboficial, nos termos do art. 1º, parágrafo único, combinado com o art. 5º, inciso V, do Decreto nº 7.188 de 27.05.2010, produzindo efeitos financeiros a contar de 1º de julho de 2010.

O título de proventos com os dados financeiros a partir de 1/07/2010 está anexado sob Id. 4058300.12852489 e as fichas financeira a partir de 2010 até o ano de 2018 estão anexadas sob Id. 4058300.12852506, atestam que de julho de 2010 até dezembro de 2018, o Autor recebera os seus proventos de acordo com a PORTARIA DIRAP nº 7.197/3HI1, de 08 de outubro de 2010 que lhe assegurou o acesso à graduação de Suboficial.

Não foram anexadas aos autos as fichas financeiras do ano de 2019, que atestem a alegação do Autor de que teria havido a redução em seu salário. Entretanto, foi anexada sob Id. 4058300.12852542 a Portaria, DIRAP nº 3.851/IP4-3, de 15 de junho de 2019, que determinou a revisão do valor dos proventos do Autor, fixados na Portaria DIRAP nº 7197/3HI1, de 08 de outubro de 2010.

 Portanto, o Autor recebeu seus proventos por quase 9 anos (de 2010 até 2019), sem que Administração tenha exercido no tempo hábil o direito de anulação, qual seja, no prazo de 5(cinco) anos, conforme regra do art. 54 da Lei nº 9.784, de 1999.

Realmente, conforme assentado na jurisprudência, a Administração Pública tem o poder-dever de rever seus próprios atos, e nesse sentido é a Súmula nº 473 do Supremo Tribunal Federal:

"Súmula n.º 473 - A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial."

Mas, desde que a Administração o faça no prazo legal, acima indicado.

Teria ocorrido o prazo decadencial de cinco anos para a revisão em tela, nos termos do art. 54 da Lei 9.784/1999, conforme alega o Autor em sua exordial?

Creio que sim.

Vejamos.

Eis o texto do art 54 da Lei nº 9.784/1999:

"Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé. 

§ 1º No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo de decadência contar-se-á da percepção do primeiro pagamento. 

§ 2o Considera-se exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato.". 

A UNIÃO FEDERAL - UNIÃO, alegou, em sua contestação, que não teria ocorrido a decadência tendo em vista que teria iniciado a revisão dos atos administrativos em junho de 2015, por meio da Portaria COMGEP nº 1.471-T/AJU, de 25 de junho de 2015, publicada no Boletim do Comando da Aeronáutica nº 121, de 01 de julho de 2015, por meio da qual teria cientificado todos os interessados antes de passados 5 anos do primeiro pagamento em parcela maior da qual seria devida, que no caso em tela teria ocorrido em 1º de agosto de 2010.

Ora, reza o art. 207 do Código Civil, que a fluência do prazo de decadência não se suspende, nem se interrompe, exceto expressa previsão legal.

Não há Lei estabelecendo a suspensão ou a interrupção do prazo de prescrição para o caso concreto

Então, Portaria instaurando procedimentos para, genericamente, apurar a legalidade/ilegalidade de atos administrativos em determinado setor da Administração Pública, como a Portaria noticiada pela ora Requerida, não tem força suspensiva ou interruptiva da fluência do prazo de decadência em debate.

Aliás, a respeito do assunto, reza o § 2º, acima transcrito, do art.54 da Lei nº 9.784, de 1999.

"§ 2o Considera-se exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato.". 

Sendo assim, não há como admitir que a mencionada Portaria COMGEP nº 1.471-T/AJU, de 25 de junho de 2015, seja considerada como efetivo exercício do direito de autotutela da Administração, porque consiste em mero ato preparatório para instauração do processo de anulação de ato administrativo.

Depreende-se que o Autor vem recebendo os seus proventos, de boa-fé, com base em Portaria do Comando da Aeronáutica, há quase 9 anos, sem qualquer impugnação por parte da Administração Pública.

Então, quando a Administração Pública baixou Portaria, DIRAP Nº 3.851/IP4-3, em 15 de junho de 2019, modificando o valor dos proventos do Autor, fixados na Portaria  DIRAP nº 7.197/3HI1, de 08 de outubro de 2010, portanto, quase 9(nove) anos depois, já não poderia fazê-lo, porque esse seu poder-dever já se encontrava fulminado pela decadência quinquenal legal,  acima apontada.

3. Dispositivo                                                

Posto isso:

3.1. julgo procedentes os pedidos desta ação, com acolhimento da exceção de decadência quinquenal, levantada pela Parte Autora, pronuncio a decadência do direito de a UNIÃO FEDERAL - UNIÃO exercer o seu poder-dever de editar Portaria modificando o ato de concessão de aposentadoria do Autor, Portaria cancelando a Portaria DIRAP nº 7.197/3HI1, de 08 de outubro de 2010, pelo que cancelo a Portaria DIRAP Nº 3.851/IP4-3, de 15 de junho de 2019, pela qual mencionada modificação foi concretizada, restabeleço aquela Portaria DIRAP nº 7.197/3HI1, 08 de outubro de 2010, e condeno a ora Requerida a restabelecer os proventos de aposentadoria (reforma remunerada) do Autor nos valores e parâmetros pagos até o mês anterior em que foi alterado os seus proventos com base na Portaria DIRAP nº 3.851/IPA-3 de 15.06.2019, sem prejuízo de eventuais reajustes/aumentos concedidos em datas posteriores, bem como a pagar as diferenças vencidas, retroativamente à data que sofreu redução por conta da mencionada Portaria DIRAP Nº 3.851/IP4-3, de 15.06.2019, ora cancelada, com correção monetária e juros de mora  na forma indicada no Manual de Cálculos do Conselho da Justiça Federal - CJF, no qual já se encontra incorporado o entendimento do Plenário do Supremo Tribunal Federal no acórdão relativo ao RE 870.945/SE[1], estendendo-se mencionada atualização até a data da expedição do(s) requisitório(s), conforme julgado do Plenário do Supremo Tribunal Federal [2].

 3.2. Preenchidos os requisitos autorizadores da concessão da liminar, probabilidade jurídica do direito do Autor e o perigo da demora, exigidos pelo art. 300 do atual Código de Processo Civil, defiro a tutela provisória de urgência de antecipação requerida e determino que a UNIÃO FEDERAL - UNIÃO se abstenha de promover desconto/redução nos proventos percebidos pelo Autor, cancelando o ato administrativo Federal consubstanciado na PORTARIA DIRAP Nº 3.851/IP4-3, de 15 de junho de 2019 e que restabeleça os proventos do Autor de acordo com os critérios aplicados até junho de 2019, sem prejuízo de eventuais reajustes/aumentos concedidos posteriormente a essa data e o faça no prazo  máximo de 30(trinta) dias, sob pena de pagamento de multa  mensal, no valor de R$ 3.000,00(três  mil reais) a favor do Autor,  sem prejuízo da responsabilização pessoal do Servidor e/ou Dirigente que der azo ao pagamento dessa multa, no campo administrativo, civil e criminal.

3.3. Outrossim, com base nos §§ 2º ao 5º do art. 85 do CPC, condeno a UNIÃO a pagar ao(s) Patrono(s) do Autor verba honorária, que arbitro no mínimo legal, observada a gradação do invocado § 3º do art. 85 do CPC, sobre o valor total das diferenças acima indicadas, bem como sobre as 12(doze) primeiras parcelas das diferenças em questão que voltarão a ser pagas nos proventos do Autor(§ 9º do art. 85 do CPC).

Sentença não sujeita ao duplo grau de jurisdição, porque o valor total não corresponderá ao valor de 1.000 (hum mil) salários mínimos (art. 496, §3º, inciso I do CPC).

Registre-se. Intime-se.

Recife, 04.12.2020

Francisco Alves dos Santos Júnior

 Juiz Federal da 2a Vara da JFPE


                                (arf)



[1]  O Plenário do STF, no julgamento do RE 870.947/SE, sob repercussão geral, tema 810, concluiu que, mesmo depois da Lei 11.960, de 2009, continua válido o índice de correção monetária IPCA-E.

Brasil Supremo Tribunal Federal. Plenário. Recurso Extraordinário -  RE nº  870947/SE, Repercussão Geral. Tema 810. Relator Ministro Luiz Fux. Julgado em 20.09.2017. Ainda não publicado.

Disponível em:

http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=870947&classe=RE-RG&codigoClasse=0&origem=JUR&recurso=0&tipoJulgamento=M

[2] Brasil Supremo Tribunal Federal. Plenário. Recurso Extraordinário-RE 579.431/RS. Relator Ministro Marco Aurélio, Publicado no Diário Judicial Eletrônico - Dje de 19.04.2017[Repercussão Geral, Tema 96, Mérito].

 Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2598262

 Acesso em 10.10.2017.




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