segunda-feira, 27 de julho de 2020

NÃO HÁ LEI AUTORIZANDO A EXCLUSÃO DA RECEITA BRUTA DO VALOR QUE SE PAGA PELO USO DE BANDEIRAS DE CARTÕES DE CRÉDITO. ENCARGO NÃO CARACTERIZADO COMO INSUMO ESSENCIAL À ATIVIDADE DA EMPRESA QUE EFETUA O PAGAMENTO.

Por Francisco Alves dos Santos Júnior

Imagine o seguinte exemplo: a Empresa "A" vende o seu produto para João por R$ 200,00. João paga com o cartão de crédito da bandeira MasterCard. A Empresa "A", pelo uso da bandeira desse cartão, paga à Empresa MasterCard R$ 10,00. Òbvio que a receita bruta da Empresa "A" foi R$ 200,00. Então, este é o valor que comporá a base de cálculo da COPIS e da COFINS,  porque as Leis que delas tratam dizem que a base de cálculo de ambas é a receita bruta total. 
Seria o uso do cartão um insumo essencial às atividades da Empresa "A", de forma que teria  direito a creditar-se do valor que paga pelo  uso do cartão?
Na sentença que segue, essa matéria  é debatida. 
Boa  leitura. 



PROCESSO Nº: 0810154-96.2020.4.05.8300 - MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL
IMPETRANTE: D R DE P LTDA
ADVOGADO: A A Da S e outro
IMPETRADO: FAZENDA NACIONAL
AUTORIDADE COATORA: DELEGADO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL EM RECIFE/PE
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO)







Sentença tipo A




EMENTA:- MANDADO DE SEGURANÇA. TRIBUTÁRIO.

-Não há Lei autorizando a dedução ou não inclusão na receita bruta da Impetrante da parcela do valor que recebe dos seus Clientes, via cartão de crédito, e repassa, a título de pagamento,  para as Empresas de Cartões de Crédito pelo uso da bandeira do Cartão.


-Negação da segurança.


Vistos, etc. 



1. Breve Relatório 




D R DE P LTDA, qualificada na Petição Inicial, impetrou este Mandado de Segurança com pedido liminar em face do DELEGADO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL EM RECIFE/PE. Aduziu, em síntese, que: seria sociedade empresária com finalidade eminentemente lucrativa, que desempenharia atividades econômicas (doc. 06 - Amostra de Notas Fiscais) e com acentuada frequência - perceberia a contraprestação pecuniária de seus clientes por intermédio de Instituições Financeiras que operam Cartões de Crédito e Débito; nos contratos de prestação de serviços financeiros estariam previstos percentuais sobre o valor de cada uma das transações eletrônicas realizadas, a fim de remunerar as respectivas Operadoras de Cartões; seria patente que a ausência desse meio de pagamento implicaria evidentemente em uma redução no resultados e nas vendas do negócio, uma vez que 170.000,00 (cento e setenta mil reais) seriam vendidos por meio de cartão, o que qualificaria tal serviço como insumo, pela tese do impacto no resultado/operação da empresa, ou seja, relevância, pois sem tal haveria uma volumosa queda nas vendas da empresa; não haveria de se falar em relevância de tal insumo, pois, os meios de pagamentos disponibilizados ao cliente fariam evidentemente parte do serviços (contexto, estrutura da loja, meios de pagamento e qualidade e condições do produto) ofertados pela empresa, os quais representariam uma oportunidade e conveniência para o cliente (serviço de meio para geração das vendas), sem o qual haveria inclusive de se estabelecer uma verdadeira subtração do serviço ofertado, mudando assim a qualidade do complexo (produto + estabelecimento + atendimento = serviço) ofertado ao cliente; tais importâncias não chegariam, sequer,  a se incorporar ao caixa da Autora, porquanto seriam retidas diretamente pela Instituição Financeira, por ocasião do pagamento dos recebíveis (doc. 10 - Amostra dos Pagamentos pelas Administradoras); não se trataria, pois, de receita sua, mas de verdadeira prestação de serviços de intermediação de negócios, que na realidade seria pago pela clientela da Impetrante; teriam sido editados dois precedentes vinculantes (artigo 927, inciso III, do CPC/15) plenamente aplicáveis em favor da Postulante; o Recurso Extraordinário com Repercussão Geral nº 574.706/PR, por intermédio do qual o Supremo Tribunal Federal teria asseverado que uma receita de terceiro, ainda que implicasse ingresso temporário de caixa, não poderia integrar a base de cálculo das Contribuições para o PIS/PASEP e da COFINS (doc. 13 - Acórdão 1); ii) o Recurso Especial Representativo de Controvérsia nº 1.221.170/PR, em cujo seio a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça pontificou que o conceito de insumo, para  fins de creditamento das Contribuições para o PIS/PASEP e da COFINS não-cumulativos, deveria ser aferido sob a óptica da essencialidade ou relevância, imprescindibilidade ou importância, ao desenvolvimento das atividades econômicas da Contribuinte; diante de tal contexto fático,  a Contribuinte buscaria o reconhecimento de seu direito líquido e certo, mormente para:  




"(a) ter o seu direito à restituição - via compensação ou precatório - daquilo que excessivamente pagou nos últimos 5 (cinco) anos; e, de agora em diante, (b) apurar a Contribuição para o PIS/PASEP e a COFINS com as exclusões ou creditamentos dos valores relativos às taxa/comissões retidas pelas entidades que operam os cartões de crédito e débito utilizados pelos consumidores na hora de adquirir produtos, mercadorias ou serviços." 




Protestou o de estilo. Inicial instruída co procuração e documentos.




Decisão sob Id.  4058300.14739085, na qual se indeferiu o pedido de medida liminar.




A União (Fazenda Nacional), na petição sob Id.  4058300.14818394, aduziu, dentre outros aspectos, que: caso houvesse  a subtração das despesas referentes às taxas pagas às administradoras de cartão de crédito/débito, a atividade da autora permaneceria se desenvolvendo de forma regular, dada a possibilidade da utilização de outras formas de pagamento; os dispêndios realizados pela Impetrante, referentes à taxa em questão, não passariam pelo "teste de subtração", não podendo ser considerados essenciais para o desenvolvimento da atividade desempenhada pela contribuinte, motivo pelo qual não se enquadrariam no conceito de insumo preconizado no REsp 1.221.170. Teceu outros comentários. Pugnou, ao final, pela denegação da segurança requestada.






Certificado o prazo sem manifestação da autoridade coatora (Id.4058300.15160481




O Ministério Público Federal não se manifestou sobre o mérito da questão (Id. 4058300.15233001)




É o relatório, no essencial




Passo a decidir.




2. Fundamentação






Conforme já registrado na decisão sob Id. 4058300.14739085, já faz algum tempo que as COPIS e COFINS têm por base de cálculo a receita bruta total, sendo que a definição de receita bruta encontra-se na atual redação do art. 12 e respectivos incisos e parágrafos do Decreto-lei nº 1.598, de 1977.




A Impetrante quer autorização para não incluir nessa receita bruta total as parcelas de valores que recebe nos  pagamentos feitos por seus Clientes com cartão de crédito e que é obrigada a pagar às  Empresas de Cartões de Crédito, de cujas bandeiras se utiliza, porque teria por receita apenas o valor líquido da operação(valor recebido do Cliente menos o valor que paga às Empresas de Cartões de Crédito).
Ocorre que o Legislador elegeu como base de cálculo de tais  Contribuições a receita bruta e não a receita líquida.




A tese do RE 574.706/PR do Plenário do STF não se aplica ao caso, porque tratou da exclusão do valor do ICMS da base de cálculo das COPIS e COFINS, com utilização de argumentos constitucional-tributários inaplicáveis ao encargo que a Impetrante tem para com as Empresas de Cartões de Crédito. 




A Impetrante também invocou o Resp nº 1.221.170/PR.




Eis a ementa desse d. julgado:




"PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC/1973. INEXISTÊNCIA. CONTRIBUIÇÕES AO PIS/PASEP E COFINS NÃO CUMULATIVAS. TAXA PAGA ÀS OPERADORAS DE CARTÃO DE CRÉDITO E DÉBITO.
FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL. CONCEITO DE INSUMO AFERIDO À LUZ DOS CRITÉRIOS DA ESSENCIALIDADE OU RELEVÂNCIA. NÃO PROVIMENTO.
1. Não ocorre contrariedade ao art. 535, II, do CPC/1973 quando o Tribunal de origem decide fundamentadamente todas as questões postas ao seu exame, assim como não há que se confundir entre decisão contrária aos interesses da parte e inexistência de prestação jurisdicional.
2. Segundo a jurisprudência desta Corte Superior, o tema da inclusão da taxa paga às operadoras de cartão de crédito e débito na base de cálculo do PIS e da COFINS passa pela definição e conceito de receita e faturamento previstos no art. 195, I, "b", da Constituição Federal/1988, sendo, portanto, matéria afeta à competência do Supremo Tribunal Federal. Precedentes.
3. "O conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios da essencialidade ou relevância, vale dizer, considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de determinado item - bem ou serviço - para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo contribuinte" (REsp 1.221.170/PR, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Seção, DJe 24/4/2018).
4. Inviável reconhecer que as despesas com as operadoras de cartão de crédito e débito sejam consideradas insumos em face da sua não essencialidade no processo produtivo, na medida em que se trata de forma de pagamento complementar à disposição dos consumidores.
5. Agravo interno a que se nega provimento.". [1]




Noto que nesse julgado não se adotou a tese invocada pela ora  Impetrante, pois nele não se analisou a questão da composição da receita bruta e não se admitiu que a ora  Impetrante se creditasse,  a titulo de insumo, dos valores que paga como "taxa" às Empresas de Cartões de Crédito. É que não vejo mencionado encargo como insumo essencial da atividade da ora Impetrante, pois se não existir a atividade persistirá.
Diz a Impetrante que,  sem o cartão de crédito, haverá redução dos ganhos, por isso se caracterizaria como  insumo esse serviço prestados pelas Empresas de Cartões de Crédito.
Não se sabe. Não há provas em tal sentido. Talvez até aumente,  pois se a Impetrante optar por cobrar em dinheiro, com desconto do valor que iria  pagar para as Empresas de Cartões de crédito, talvez até houvesse um incremento nas suas vendas. 




Embora o STJ, no julgado supra, tenha entendido que a matéria seria  constitucional, data maxima venia, não vejo assim, pois a vigente  Constituição da República, no seu art. 195, I. b, apenas elegeu como possíveis bases de cálculo da COFINS o faturamento ou a receita bruta e, quanto à COPIS-PASEP, da base de cálculo não tratou(a base de cálculo desta contribuição sempre foi fixada, inicialmente, por Lei Complementar, depois  por Medida Provisória e por Lei).




O Legislador Ordinário elegeu a receita bruta total como base de cálculo para essas duas Contribuições.




Então, a questão posta diz respeito ao que compõe a receita bruta legal, portanto, nada tendo a matéria de constitucional.




Na definição de receita bruta, no acima referido art. 12 e respectivos incisos e parágrafos do Decreto-lei 1.598, de 1977, não há nenhuma regra que autorize nenhum Contribuinte a não incluir ou deduzir dos valores que recebe dos seus Clientes, e que comporão a receita bruta, as parcelas que paga às  Empresas de Cartões de Crédito, pelo uso da  bandeira destas, quando realiza vendas por esse meio de pagamento.




Com efeito, a única verba que pode ser  excluída é a indicada  no § 4ª do referido dispositivo legal, na qual não se  enquadra mencionado encargo que a ora  Impetrante cobra dos seus Clientes, nos  preços dos seus  produtos/serviços, e depois repassa para as Empresas de Cartões de Crédito.




Assim, a denegação da segurança é medida que se impõe.






3. Dispositivo




Diante de tudo o que foi exposto, denego a pretendida segurança e extingo o processo com resolução do mérito(art. 487, I,  CPC).




Sem condenação em honorários em respeito ao art. 25 da Lei n.12.016/2009.




Registre-se. Intimem-se.




Recife, 27.07.2020




Francisco Alves dos Santos Júnior 




Juiz Federal, 2ª Vara/PE


(lsc)
 ______________________________________
[1] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. (AgInt nos EDcl no AREsp 1176156/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/05/2019, DJe 07/06/2019.
Disponível em https://scon.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?livre=1.221.170%2FPR+E+TAXA+E+CART%C3O+E+CR%C9DITO&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO&p=true.
Acesso em 09.06.2020.


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