quarta-feira, 14 de agosto de 2019

CONTRATAÇÃO DE ADVOGADO POR MUNICÍPIO. NECESSIDADE DE LICITAÇÃO PÚBLICA.


Por Francisco Alves dos Santos Júnior

Os Prefeitos não podem contratar advogados ou escritórios de advocacia particulares sem licitação pública. Óbvio que, caso o Município tenha Procuradoria própria, caberá ao respectivo Procurador representar o Município em processos administrativos e principalmente em processos judiciais. E, caso não tenha Procuradoria constituída, o Município poderá contratar advogado ou um escritório de advocacia para tal fim, mas só poderá fazê-lo por meio de licitação, por força de exigência de regras legais. 
E é bom que assim seja, porque privilegia a moralidade pública,  evitando-se que o Sr. Prefeito dê preferência na contratação desse ou daquele advogado e também finda por afastar a possibilidade de corrupção nesse tipo de contratação. 
A decisão que segue trata desse assunto, indicando inclusive precedente da 1ª Seção do Superior Tribuna de Justiça a respeito do assunto. 
Boa leitura.



PROCESSO Nº: 0814242-17.2019.4.05.8300 - PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL
AUTOR: MUNICÍPÍO DE SÃO LOURENÇO DA MATA. 
ADVOGADO: P M De M B
RÉU: UNIÃO - FAZENDA NACIONAL 
2ª VARA FEDERAL - PE


D E C I S Ã O


1. Breve Relatório
Pugna o Município-Autor por provimento jurisdicional que lhe assegure a concessão a tutela de urgência, para determinar-se à União Federal se abstenha de exigir da municipalidade autora o recolhimento à Secretaria da Receita Federal do Brasil do Imposto de Renda Retido na Fonte pelo Município-autor, incidente sobre rendimentos pagos por este a pessoas jurídicas, decorrentes de contratos de fornecimento de bens e/ou serviços, bem como que se abstenha de exigir a declaração na DCTF dos valores relativos ao IRRF incidente sobre rendimentos pagos a qualquer título, bem como as suas Autarquias e Fundações. 
É o relatório, no essencial.
Passo a fundamentar e a decidir.

2. Fundamentação

2.1. Da suspensão do processo
Insta consignar, inicialmente, que a Presidente do STF, Ministra Cármen Lúcia, proferiu decisão na PET n.º 7.001/RS, publicada no DJe de 01.02.2018,  suspendendo os "atos decisórios de mérito de controvérsia constante de todos os processos, individuais ou coletivos, em curso no território nacional, que versem sobre a questão objeto do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas n. 5008835- 44.2017.4.04.0000, admitido no Tribunal Regional Federal da Quarta Região (§ 4o do art. 1.029 do Código de Processo Civil), mantendo-se a possibilidade jurídica de adoção dos atos e das providências necessárias à instrução das causas instauradas ou que vierem a ser ajuizadas e do julgamento dos eventuais pedidos distintos e cumulativos deduzidos", ou seja, em relação aos processos cujo objeto seja a discussão da interpretação do art. 158, inciso I, da Constituição Federal, no âmbito da distribuição das receitas arrecadadas a título de Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF), incidente sobre valores pagos pelos Municípios, a qualquer título, a pessoas físicas ou jurídicas contratadas para prestação de bens ou serviços.

Diante de tal contexto, tenho que, de fato, as determinações de suspensão em sede de recurso repetitivo não afastam, de regra, a necessidade de analisar pedido de medida liminar ou de tutela provisória de urgência, em face de questão que tenha que ser resolvida de plano, sob pena de restar afrontado o direito fundamental da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, da CF).

Com efeito, é adequada a aplicação por analogia da regra inserta no art. 982, § 2º, do CPC, relativa ao sobrestamento de processos pela admissão de Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas ("Durante a suspensão, o pedido de tutela de urgência deverá ser dirigido ao juízo onde tramita o processo suspenso"),  cumulada com a disposição contida no art. 314 do CPC ("Durante a suspensão é vedado praticar qualquer ato processual, podendo o juiz, todavia, determinar a realização de atos urgentes a fim de evitar dano irreparável, salvo no caso de arguição de impedimento e de suspeição").

Entretanto, diante de tal panorama e dos precedentes colacionados na petição inicial, reservo-me a deliberar sobre o pleito antecipatório após o decurso do prazo para a Contestação.

2.2. Da representação do Município
Constato haver fortes indícios de que o Sr. Prefeito contratou Advogados para representação judicial do Município autor sem a devida licitação pública (pelo menos não há nos autos a respectiva prova, tampouco a prova do respectivo contrato).   
Como se sabe, qualquer Unidade da Federação pode ter o Órgão Procuradoria, para a defesa judicial e extrajudicial dos seus interesses e, na ausência desse Órgão, pode contratar Escritório de Advocacia ou Advogado, mas, para tanto, tendo em vista regras constitucionais e legais vigentes, só poderá fazê-lo por licitação pública, uma vez que nessa seara não existe a figura legal denominada de "notória especialização", que poderia dispensar a licitação(inciso II do art. 25 da Lei nº 8.666, de 21.06.1993, e, principalmente, o respectivo § 1º).

A Revista CONJUR, de 17.12.2017, noticiou que o Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco - TCE/PE já se posicionara, em julgado pioneiro, sobre esse assunto e não afastou a necessidade de licitação, exceto para contratação de jurista de notório saber jurídico.

Obviamente, como está na Lei e como já decidiu o Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco - TCE/PE, para casos muito especiais, o Município poderá contratar, sem licitação, mas por meio do processo administrativo próprio, jurista de notória especialidade para um parecer ou até mesmo para funcionar como advogado, mas essa notória especialidade tem que ser clara e sem necessidade de delongas para a sua comprovação, o que não parece ser o caso dos autos.

Aliás, o Estado de Pernambuco teve a sua Constituição alterada pela Emenda Constitucional nº 45, de 130.502019, com inclusão de dispositivo tratando especificamente desse assunto, verbis:

"Art. 81-A. No âmbito dos Municípios, bem como de suas autarquias e fundações públicas, o assessoramento e a consultoria jurídica, bem como a representação judicial e extrajudicial, serão realizadas pela Procuradoria Municipal. (AC)
§ 1º As atribuições da Procuradoria Municipal poderão ser exercidas, isolada ou concomitantemente, através da instituição de quadro de pessoal composto por procuradores em cargos permanentes efetivos ou da contratação de advogados ou sociedades de advogados. (AC)
§ 2º No caso de opção pela instituição de quadro de pessoal serão observadas as seguintes regras: (AC)
I - os procuradores municipais serão organizados em carreira, cujo ingresso dependerá de aprovação em concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases; e, (AC)
II - A Procuradoria Municipal terá por chefe o Procurador-Geral do Município, cuja forma e requisitos de investidura serão definidos em lei municipal. (AC)
§ 3º A contratação de advogados ou sociedades de advogados pelos entes municipais obedecerá aos ditames da legislação federal que disciplina as normas para licitações e contratos da Administração Pública. (AC)
§ 4º As Câmaras Municipais poderão instituir Procuradorias Legislativas, nos moldes previstos no § 1º, para o desempenho das funções de assessoramento e consultoria jurídica, bem como p ara a representação judicial e extrajudicial. (AC)
§ 5º A representação judicial da Câmara Municipal pela Procuradoria Legislativa ocorrerá nos casos em que seja necessário praticar em juízo, em nome próprio, atos processuais na defesa de sua autonomia e independência frente aos demais Poderes e órgãos constitucionais." (AC)”.
O assunto não é desconhecido do Superior Tribunal de Justiça, cuja 2ª Turma teve oportunidade de decidir a respeito do assunto, no qual determinado Prefeito e determinado Advogado foram enquadrados no art. 12 da Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429, de 1992), porque o primeiro contratou o segundo para representar judicialmente o Município sem licitação pública, para serviços advocatícios que não se enquadravam na denominada "notória especialidade", com a agravante de que o Município tinha o Órgão Procuradoria Jurídico-Judicial.[1].

Mais recentemente a 1ª Seção dessa Corte Superior manteve mencionado entendimento, no sentido de que Município não pode contratar escritório de advogado particular, tampouco advogado particular, sem a devida  licitação pública[2].

É verdade que o assunto encontra-se sob repercussão geral no  Supremo Tribunal Federal, nos autos do RE 656.558, cujo julgamento (ainda não concluído) teve início no dia 14/06/2017.

Então, enquanto a Suprema Corte não decidir a matéria, prevalecem os acima invocados julgados do Superior Tribunal de Justiça, especialmente o último, que é da sua 1ª Seção.

E, enquanto isso, os Senhores  Prefeitos devem privilegiar a moralidade pública, não contratando advogados ou escritórios de advocacia particulares sem licitação pública, tenha o Município, ou não, Procuradoria devidamente constituída.

Registro que inúmeros fatos como este foram comunicados ao Ministério Público Federal, em outras ações, e este opinou, no Declínio de Atribuições nº 35/2017/PRM/STA, Ref. N.F n] 1.26.003.000107/2017-12, com base nos Enunciados nºs 2 e 4 da 1ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, que, doravante, a comunicação deveria ser feita aos mencionados Órgãos Estaduais, aos quais competem as providências supra.

Registro ainda que em um  dos  inúmeros casos que comuniquei ao Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco - TCE/PE, recebi da d. Procurador-Geral do Ministério Público de Contas de Pernambuco, DD Dra. GERMANA GALVÃO CAVALCANTI AUREANO, o Ofício TCMPCO-MP 631/2018, informando-me que fora expedido “Alerta de Responsabilização” à Prefeitura do Município de Brejão, pelo Relator das contas, d. Conselheiro Ranilson Brandão Ramos, via Ofício TC/GC02 nº 00188/2018.

Mencionado Ofício chegou-me com cópia de todo o procedimento, inclusive, inclusive do referido “Alerta de Responsabilização”, do qual destaco o seguinte trecho:

“Frente ao exposto, urge a necessidade de promover a regularização da representação processual do Município nos autos da aludida Ação Ordinária, Processo nº 0807193-58.2018.4.05.8300, dada a notícia extraída do Ofício 091/2018-GAB, enviado a este Órgão Ministerial e subscrito pela Prefeita, da existência de, ao menos, um procurador nos quadros do Município de Brejão, alertando para as consequências oriundas da não adoção da medida ora determinada, ficando V. Exa exortada da responsabilização por possíveis danos ao erário municipal, ressalvando que este Tribunal não acolherá alegações de desconhecimento dos fatos consignados pelo Ministério Público de Contas, quando da eventual apresentação de defesa.”.

Nessa situação, tenho que este feito deve ficar suspenso até que essa questão seja devidamente esclarecida pelo Município, ora Autor.

3. Dispositivo
Posto isso:
Diante de todo o exposto:
a)     determino que a Secretaria remeta cópia desta decisão, instruída com a petição inicial, procuração, diploma de Prefeito e Termo de Posse do Prefeito na respectiva Prefeitura, para o Tribunal de Constas do Estado de Pernambuco - TCE/PE e para o Ministério Público do mesmo Estado, para os fins acima indicados, e que mencionados Órgãos Estaduais encaminhem, posteriormente, para este Juízo, para juntada nestes autos, cópia das providências que venham a tomar;
b)      suspendo o andamento do feito até que sejam dadas as explicações necessárias sobre o consignado  no subitem 2.2 da fundamentação supra.
Cumpra-se.
Intimem-se.

Recife, 12.08.2019

Francisco Alves dos Santos Júnior
 Juiz Federal, 2a Vara Federal/PE.


[1] Brasil. Superior Tribunal de Justiça. 2ª Turma. Relator Ministro Humberto Martins. Recurso Especial - REsp nº 1..368.129/GO, julgado em 27/10/2015, publicado no Diário da Justiça Eletrônico - DJe de 12/02/2016).
[2] __________________________. 1ª Seção. Embargos de Divergência no REsp nº 1.192.186 - PR (2009/0096181-3). Relator para o Acórdão Ministro Og Fernandes. Julgado em 26.06.2019, in Diário Justiça Eletrônico – DJe de 10.08.2019.

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