Por Francisco Alves dos Santos Júnior
Os Prefeitos não podem contratar advogados ou escritórios de advocacia particulares sem licitação pública. Óbvio que, caso o Município tenha Procuradoria própria, caberá ao respectivo Procurador representar o Município em processos administrativos e principalmente em processos judiciais. E, caso não tenha Procuradoria constituída, o Município poderá contratar advogado ou um escritório de advocacia para tal fim, mas só poderá fazê-lo por meio de licitação, por força de exigência de regras legais.
E é bom que assim seja, porque privilegia a moralidade pública, evitando-se que o Sr. Prefeito dê preferência na contratação desse ou daquele advogado e também finda por afastar a possibilidade de corrupção nesse tipo de contratação.
A decisão que segue trata desse assunto, indicando inclusive precedente da 1ª Seção do Superior Tribuna de Justiça a respeito do assunto.
Boa leitura.
PROCESSO Nº:
0814242-17.2019.4.05.8300 - PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL
AUTOR: MUNICÍPÍO DE SÃO LOURENÇO DA MATA.
AUTOR: MUNICÍPÍO DE SÃO LOURENÇO DA MATA.
ADVOGADO: P M De M B
RÉU: UNIÃO - FAZENDA NACIONAL
2ª VARA FEDERAL - PE
RÉU: UNIÃO - FAZENDA NACIONAL
2ª VARA FEDERAL - PE
D E C I S Ã O
1. Breve Relatório
Pugna o
Município-Autor por provimento jurisdicional que lhe assegure a concessão a
tutela de urgência, para determinar-se à União Federal se abstenha de exigir da
municipalidade autora o recolhimento à Secretaria da Receita Federal do Brasil
do Imposto de Renda Retido na Fonte pelo Município-autor, incidente sobre
rendimentos pagos por este a pessoas jurídicas, decorrentes de contratos de
fornecimento de bens e/ou serviços, bem como que se abstenha de exigir a
declaração na DCTF dos valores relativos ao IRRF incidente sobre rendimentos
pagos a qualquer título, bem como as suas Autarquias e Fundações.
É o relatório, no
essencial.
Passo a fundamentar e
a decidir.
2. Fundamentação
2.1. Da suspensão do
processo
Insta consignar,
inicialmente, que a Presidente do STF, Ministra Cármen Lúcia, proferiu decisão
na PET n.º 7.001/RS, publicada no DJe de 01.02.2018, suspendendo os "atos decisórios de mérito de controvérsia constante
de todos os processos, individuais ou coletivos, em curso no território
nacional, que versem sobre a questão objeto do Incidente de Resolução de
Demandas Repetitivas n. 5008835- 44.2017.4.04.0000, admitido no Tribunal
Regional Federal da Quarta Região (§ 4o do art. 1.029 do Código de Processo
Civil), mantendo-se a possibilidade jurídica de adoção dos atos e das
providências necessárias à instrução das causas instauradas ou que vierem a ser
ajuizadas e do julgamento dos eventuais pedidos distintos e cumulativos
deduzidos", ou seja, em relação aos processos cujo objeto seja
a discussão da interpretação do art. 158, inciso
I, da Constituição Federal, no âmbito da distribuição das receitas arrecadadas
a título de Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF), incidente sobre valores
pagos pelos Municípios, a qualquer título, a pessoas físicas ou jurídicas
contratadas para prestação de bens ou serviços.
Diante de tal
contexto, tenho que, de fato, as determinações de suspensão em sede de recurso
repetitivo não afastam, de regra, a necessidade de analisar pedido de medida
liminar ou de tutela provisória de urgência, em face de questão que tenha que ser
resolvida de plano, sob pena de restar afrontado o direito fundamental da
inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, da CF).
Com efeito, é
adequada a aplicação por analogia da regra inserta no art. 982, § 2º,
do CPC, relativa ao sobrestamento de processos pela admissão de Incidente de
Resolução de Demandas Repetitivas ("Durante a suspensão, o pedido
de tutela de urgência deverá ser dirigido ao juízo onde tramita o processo
suspenso"), cumulada com a disposição
contida no art. 314 do CPC ("Durante a suspensão é vedado
praticar qualquer ato processual, podendo o juiz, todavia, determinar a
realização de atos urgentes a fim de evitar dano irreparável, salvo no caso de
arguição de impedimento e de suspeição").
Entretanto, diante de
tal panorama e dos precedentes colacionados na petição inicial, reservo-me a
deliberar sobre o pleito antecipatório após o decurso do prazo para a
Contestação.
2.2. Da representação
do Município
Constato haver fortes
indícios de que o Sr. Prefeito contratou Advogados para representação judicial
do Município autor sem a devida licitação pública (pelo menos não há nos autos
a respectiva prova, tampouco a prova do respectivo contrato).
Como se sabe,
qualquer Unidade da Federação pode ter o Órgão Procuradoria, para a defesa
judicial e extrajudicial dos seus interesses e, na ausência desse Órgão, pode
contratar Escritório de Advocacia ou Advogado, mas, para tanto, tendo em vista
regras constitucionais e legais vigentes, só poderá fazê-lo por licitação
pública, uma vez que nessa seara não existe a figura legal denominada de
"notória especialização", que poderia dispensar a licitação(inciso II
do art. 25 da Lei nº 8.666, de 21.06.1993, e, principalmente, o respectivo §
1º).
A Revista CONJUR, de
17.12.2017, noticiou que o Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco - TCE/PE
já se posicionara, em julgado pioneiro, sobre esse assunto e não afastou a
necessidade de licitação, exceto para contratação de jurista de notório saber
jurídico.
Obviamente, como está
na Lei e como já decidiu o Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco - TCE/PE,
para casos muito especiais, o Município poderá contratar, sem licitação, mas
por meio do processo administrativo próprio, jurista de notória especialidade
para um parecer ou até mesmo para funcionar como advogado, mas essa notória
especialidade tem que ser clara e sem necessidade de delongas para a sua
comprovação, o que não parece ser o caso dos autos.
Aliás, o Estado de
Pernambuco teve a sua Constituição alterada pela Emenda Constitucional nº 45,
de 130.502019, com inclusão de dispositivo tratando especificamente desse
assunto, verbis:
“"Art. 81-A. No âmbito dos
Municípios, bem como de suas autarquias e fundações públicas, o assessoramento
e a consultoria jurídica, bem como a representação judicial e extrajudicial,
serão realizadas pela Procuradoria Municipal. (AC)
§ 1º As atribuições da Procuradoria Municipal poderão
ser exercidas, isolada ou concomitantemente, através da instituição de quadro
de pessoal composto por procuradores em cargos permanentes efetivos ou da
contratação de advogados ou sociedades de advogados. (AC)
§ 2º No caso de opção pela instituição de quadro de
pessoal serão observadas as seguintes regras: (AC)
I - os procuradores municipais serão organizados em
carreira, cujo ingresso dependerá de aprovação em concurso público de provas e
títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas
fases; e, (AC)
II - A Procuradoria Municipal terá por chefe o
Procurador-Geral do Município, cuja forma e requisitos de investidura serão
definidos em lei municipal. (AC)
§ 3º A contratação de advogados ou sociedades de
advogados pelos entes municipais obedecerá aos ditames da legislação federal
que disciplina as normas para licitações e contratos da Administração Pública.
(AC)
§ 4º As Câmaras Municipais poderão instituir
Procuradorias Legislativas, nos moldes previstos no § 1º, para o desempenho das
funções de assessoramento e consultoria jurídica, bem como p ara a
representação judicial e extrajudicial. (AC)
§ 5º A representação judicial da Câmara Municipal pela Procuradoria
Legislativa ocorrerá nos casos em que seja necessário praticar em juízo, em
nome próprio, atos processuais na defesa de sua autonomia e independência
frente aos demais Poderes e órgãos constitucionais." (AC)”.
O assunto não é
desconhecido do Superior Tribunal de Justiça, cuja 2ª Turma teve oportunidade
de decidir a respeito do assunto, no qual determinado Prefeito e determinado
Advogado foram enquadrados no art. 12 da Lei de Improbidade Administrativa (Lei
8.429, de 1992), porque o primeiro contratou o segundo para representar
judicialmente o Município sem licitação pública, para serviços advocatícios que
não se enquadravam na denominada "notória especialidade", com a agravante
de que o Município tinha o Órgão Procuradoria Jurídico-Judicial.[1].
Mais recentemente a 1ª Seção dessa Corte Superior manteve mencionado entendimento, no sentido de que Município não pode contratar escritório de advogado particular, tampouco advogado particular, sem a devida licitação pública[2].
É verdade que o
assunto encontra-se sob repercussão geral no Supremo Tribunal Federal,
nos autos do RE 656.558, cujo julgamento (ainda não concluído) teve início no
dia 14/06/2017.
Então, enquanto a
Suprema Corte não decidir a matéria, prevalecem os acima invocados julgados do
Superior Tribunal de Justiça, especialmente o último, que é da sua 1ª Seção.
E, enquanto isso, os
Senhores Prefeitos devem privilegiar a moralidade pública, não contratando advogados ou escritórios de
advocacia particulares sem licitação pública, tenha o Município, ou não,
Procuradoria devidamente constituída.
Registro que inúmeros
fatos como este foram comunicados ao Ministério Público Federal, em outras
ações, e este opinou, no Declínio de Atribuições nº 35/2017/PRM/STA, Ref. N.F
n] 1.26.003.000107/2017-12, com base nos Enunciados nºs 2 e 4 da 1ª Câmara de
Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, que, doravante, a
comunicação deveria ser feita aos mencionados Órgãos Estaduais, aos quais
competem as providências supra.
Registro ainda que em
um dos inúmeros casos que comuniquei ao Tribunal de Contas do
Estado de Pernambuco - TCE/PE, recebi da d. Procurador-Geral do Ministério
Público de Contas de Pernambuco, DD Dra. GERMANA GALVÃO CAVALCANTI AUREANO, o Ofício
TCMPCO-MP 631/2018, informando-me que fora expedido “Alerta
de Responsabilização” à Prefeitura do Município de Brejão, pelo Relator
das contas, d. Conselheiro Ranilson Brandão Ramos, via Ofício TC/GC02 nº
00188/2018.
Mencionado Ofício
chegou-me com cópia de todo o procedimento, inclusive, inclusive do referido “Alerta
de Responsabilização”, do qual destaco o seguinte trecho:
“Frente
ao exposto, urge a necessidade de promover a regularização da representação
processual do Município nos autos da aludida Ação Ordinária, Processo nº
0807193-58.2018.4.05.8300, dada a notícia extraída do Ofício 091/2018-GAB,
enviado a este Órgão Ministerial e subscrito pela Prefeita, da existência de,
ao menos, um procurador nos quadros do Município de Brejão, alertando para as
consequências oriundas da não adoção da medida ora determinada, ficando V. Exa
exortada da responsabilização por possíveis danos ao erário municipal,
ressalvando que este Tribunal não acolherá alegações de desconhecimento dos
fatos consignados pelo Ministério Público de Contas, quando da eventual
apresentação de defesa.”.
Nessa situação, tenho
que este feito deve ficar suspenso até que essa questão seja devidamente
esclarecida pelo Município, ora Autor.
3. Dispositivo
Posto isso:
Diante de todo o exposto:
a) determino
que a Secretaria remeta cópia desta decisão, instruída com a petição inicial,
procuração, diploma de Prefeito e Termo de Posse do Prefeito na respectiva
Prefeitura, para o Tribunal de Constas do Estado de Pernambuco - TCE/PE e para
o Ministério Público do mesmo Estado, para os fins acima indicados, e que
mencionados Órgãos Estaduais encaminhem, posteriormente, para este Juízo, para
juntada nestes autos, cópia das providências que venham a tomar;
b)
suspendo o andamento do feito até que sejam dadas as explicações
necessárias sobre o consignado no subitem 2.2 da fundamentação supra.
Cumpra-se.
Intimem-se.
Recife, 12.08.2019
Francisco Alves dos
Santos Júnior
Juiz Federal,
2a Vara Federal/PE.
[1] Brasil. Superior
Tribunal de Justiça. 2ª Turma. Relator Ministro Humberto Martins. Recurso
Especial - REsp nº 1..368.129/GO, julgado em 27/10/2015, publicado no Diário da
Justiça Eletrônico - DJe de 12/02/2016).
[2] __________________________. 1ª Seção.
Embargos de Divergência no REsp nº 1.192.186 - PR (2009/0096181-3). Relator
para o Acórdão Ministro Og Fernandes. Julgado em 26.06.2019, in Diário Justiça
Eletrônico – DJe de 10.08.2019.
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