quinta-feira, 31 de agosto de 2017

PRESCRIÇÃO. CONTRATO. INADIMPLÊNCIA. VENCIMENTO ANTECIPADO DAS PRESTAÇÕES FALTANTES. MANUTENÇÃO DO TERMO INICIAL DA FLUÊNCIA DO PRAZO PRESCRICIONAL: DIA SEGUINTE AO VENCIMENTO DA ÚLTIMA PARCELA DO CONTRATO ANTES DO VENCIMENTO ANTECIPADO. PRECEDENTES DO STJ.

Por Francisco Alves dos Santos Júnior

Segue sentença que trata da prescrição de obrigação contratual civil, à luz de sedimentado entendimento de Turmas do Superior Tribunal de Justiça, posterior ao vigente Código Civil de 2002. 
Boa leitura. 

Obs.: pesquisa feita pelo Assessor Marcos Eduardo França Rocha.



PROCESSO Nº: 0803621-63.2016.4.05.8300 - PROCEDIMENTO COMUM
AUTORA: C M DE A T
ADVOGADO: L A Da S e outro
RÉS: EMPRESA GESTORA DE ATIVOS - EMGEA e outro
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)





  Sentença tipo B





EMENTA: CONTRATO. INADIMPLÊNCIA. ANTECIPAÇÃO DAS PRESTAÇÕES VINCENDAS. INÍCIO DA FLUÊNCIA DO PRAZO DE PRESCRIÇÃO. VERBA HONORÁRIA. CONDIÇÃO SUSPENSIVA.
A antecipação do vencimento das prestações vincendas, em decorrência de inadimplência do Devedor, não modifica o início da fluência do prazo de prescrição da pretensão do Credor, que continua sendo o dia seguinte ao do vencimento da última prestação do contrato, como se a antecipação não tivesse ocorrido.
Verba honorária fixada no mínimo legal, com cobrança submetida à condição suspensiva, em face do gozo da assistência judiciária da Parte Autora, pelo tempo fixado n§ 3º do art. 98 do vigente Código de Processo Civil.
Improcedência.



Vistos, etc.

1. Relatório



C M T DE C P propôs a presente ação declaratória de prescrição da dívida contra a CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CAIXA e a EMPRESA GESTORA DE ATIVOS - EMGEA, requerendo, preliminarmente, a concessão do benefício da justiça gratuita. Aduziu, em síntese, que: o Sr. ÂNGELO DE COIMBRA PINTO, em 29/10/1991, teria firmado contrato por instrumento particular de compra e venda, mútuo com obrigações e quitação, consoante espécie de adesão, figurando como cessionária e credora hipotecária a Caixa Econômica Federal, tendo como vendedora do mencionado imóvel a Construtora O M Ltda.; o contrato seria de um financiamento imobiliário para aquisição da casa própria, pactuado no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação - SFH (Lei nº 4.380/64), vinculado ao Plano de Equivalência Salarial por Categoria Profissional - PES, com prazo de financiamento em 19 anos; a Autora teria se separado do Sr. Â DE C P,  ficando cordado na separação que a Autora ficaria na posse do referido imóvel, motivo pelo qual estaria movendo a presente ação, requerendo que seja reconhecida a prescrição da dívida já que conforme a cláusula 29ª  do contrato teria ocorrido a antecipação da dívida com o seu inadimplemento, estando a Autora inadimplente desde o dia 28/02/1994; o pagamento do financiamento só teria sido realizado até a 27ª prestação, em 28/02/1994, devido a um litígio existente entre a construtora O M e a Caixa Econômica Federal, processo nº 93.0008067-9, que estaria em tramitação na 10º Vara Federal; a partir do momento em que a última parcela teria sido paga, teria ocorrido a antecipação da dívida desde o seu inadimplemento, qual seja, a 27ª prestação, contando a partir dali o prazo prescricional da dívida; a ré teria restado inerte em realizar a cobrança da dívida, ocorrendo, portanto, a prescrição quinquenal da dívida exigida pela ré. Teceu outros comentários. Requereu a concessão da tutela antecipada para suspender a execução enquanto não for julgado o mérito da presente demanda; existiria em andamento um processo para revisão contratual do contrato celebrado entre o Sr. Ângelo de Coimbra Pinto e a CEF sob o nº 0020456-77.2007.4.05.8300, contudo a revisão contratual não teria sido realizada; requer, portanto, a concessão da tutela antecipada para suspender a execução extrajudicial, a qual pretenderia promover a ré, enquanto não for realizada a revisão contratual conforme o processo de nº 0020456-77.2007.4.05.8300, já que, realizada a execução extrajudicial, o processo supracitado perderia o seu sentido de existir. Ao final, requereu: a) citação da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL e da EMGEA EMPRESA GESTORA DE ATIVOS, b) que seja declarada a prescrição da dívida e dos juros na forma código civil artigo 206, § 3º, III e § 5º, I; c) procedência da Ação, com a condenação da Requerida, nas custas processuais, honorários advocatícios em 20%, e demais cominações legais, sem exceção. Protestou o de estilo. Deu valor à causa. Instruiu a Inicial com instrumento de procuração e documentos.



Decisão (ID. 4058300.2000465), na qual foi concedido os benefícios da justiça gratuita e foi indeferido o pedido de tutela provisória de urgência.



A CAIXA apresentou contestação (ID. 4058300.2106780). No mérito esclareceu que o contrato habitacional teve sua assinatura em 29.10.1991, com recursos do FGTS, com prazo de amortização de 240 meses, taxa de juros de 10,5% a.a., sem cobertura pelo FCVS e com garantia hipotecária, oportunidade na qual pugnou pela força obrigacional do contrato de mútuo firmado entre a parte Autora e o Agente Financeiro; que ao contrário do afirmado pela autora, o prazo pra reconhecimento da prescrição do dívida não tem como início da sua contagem a data da última parcela não paga e sim a data em que findaria o contrato; que o contrato possui 92 prestações em atraso, referentes ao período entre janeiro de 1994 até agosto de 2001, totalizando uma dívida de R$ 847.820,25. Ao final, pugnou pela total improcedência dos pedidos e a condenação da autora em honorários advocatícios.



A parte autora apresentou réplica (ID. 4058300.2264793), e reiterou os termos de sua petição inicial.



Vieram os autos conclusos.



É o relatório. 
Fundamento e decido.



2. Fundamentação
Alega a Autora:
"Como se sabe o Art. 206 do CC, traz previsão acerca da prescrição senão vejamos:"Art. 206. Prescreve: § 5º Em cinco anos: I - a pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular; § 3º Em três anos: III - a pretensão para haver juros, dividendos ou quaisquer prestações acessórias, pagáveis, em períodos não maiores de um ano, com capitalização ou sem ela;[...]".Portanto, verifica-se que a dívida foi antecipada desde 28.02.1994, com o inadimplemento do pagamento o que ensejou na antecipação da dívida conforme a cláusula vigésima nona do contrato celebrado, o que enseja o pedido de prescrição por inércia do credor."
Primeiro, incide apenas a o prazo de prescrição quinquenal do inciso I do § 5º do art. 206 do Código Civil, porque o que está em discussão são as prestações, como um todo, inclusive dos juros de mora, do contrato em questão. Aqui, os juros de mora são meros acessórios do principal.
Só incidiria o prazo de prescrição trienal do inciso III do § 3º do mesmo artigo, se estivesse em cobrança apenas juros de mora, isoladamente, o que, como se vê nos autos, não é o caso.
Teria havido a prescrição quinquenal do inciso I do § 5º do art. 206 do vigente Código Civil?
Examinemos o caso.
É sabido que o termo inicial para fluência do prazo prescricional não é a data da celebração do contrato de crédito (29.10.1991), mas sim a data de vencimento da dívida e se a dívida encontra-se em prestações mensais, por anos a fio, a fluência desse prazo só se inicia após a data da última prestação.
Não importa que, por força de cláusula do contrato, haja vencimento antecipado das prestações que faltam, quando, como no caso dos autos, houver atraso em uma única prestação(Cláusula Décima Nona), que no caso ocorreu em 28.02.1994, quando a Parte Autora deixou de honrar a 27.ª (vigésima sétima) prestação.



Todavia, essa antecipação das prestações vincendas não modificou o marco inicial da prescrição, que continuou sendo o dia seguinte à data do vencimento da última prestação contratual
E nesse sentido firmou-se o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, conforme precedentes cujas ementas transcrevo a seguir:

"ADMINISTRATIVO. CONTRATO. INADIMPLÊNCIA. ANTECIPAÇÃO DO VENCIMENTO. PRAZO DE PRESCRIÇÃO. MANUTENÇÃO DO TERMO INICIAL.

1. Trata-se de ação monitória referente ao contrato de abertura de crédito para financiamento estudantil em que a origem afastou a prescrição reconhecida pelo juízo de primeiro grau.
2. Esta Corte pacificou seu entendimento no sentido de que, mesmo diante do vencimento antecipado da dívida, subsiste inalterado o termo inicial do prazo de prescrição - no caso, o dia do vencimento da última parcela, 10.2.2008. Precedentes.
3. Note-se, ainda, que a ninguém é admitido valer-se da própria torpeza. Ora, entender em favor da antecipação do prazo em questão beneficiaria o próprio devedor que criou o óbice para o recebimento do crédito. 4. Recurso especial não provido.".
Nota 1 - Brasil. Superior Tribunal de Justiça, 2ª Turma. Recurso Especial(REsp) nº 1.247.168/RS, Relator Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES,  julgado em 17/05/2011, Diário Judicial Eletrônico - DJe de 30/05/2011
"PROCESSUAL. EXECUÇÃO. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. VENCIMENTO ANTECIPADO. IMPROPRIEDADE.
I. O vencimento antecipado do contrato não antecipa o termo inicial da prescrição da ação de execução em favor dos inadimplentes, que deram causa à rescisão.
II. Agravo improvido."
Nota 2 - _________________________4ª Turma. Relator Ministro Aldir Passarinho Júnior, Agravo Regimental(AgRg) no Recurso Especial(REsp) nº 802688/RS 2005/0203397-9 - Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, julgado em  28/11/2006, publicado no Diário Judicial - DJ  de  26.02.2007 p. 604.

E esse entendimento das Turmas desse E. Tribunal continua, pois em julgado recente da sua 3ª Turma consta:
"1. A jurisprudência desta Corte de Justiça tem reiterado o entendimento de que o vencimento antecipado do contrato de financiamento imobiliário por inadimplemento do devedor não altera o termo inicial da prescrição, o qual deve ser contado do término da avença nos termos em que estipulado.
2. Agravo interno a que se nega provimento".
Nota 3 - ______________________3ª Turma. Agint nos EDcl no REsp nº 1.635.172/PR, Relator Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, julgado em 04.05.2017, Diário da Justiça Eletrônico - DJe de 18.05.2017.
Na "Planilha de Evolução do Financiamento" acostado (ID. 4058300.2102656), consta que o contrato em questão estaria atrasado desde 28.02.1994.

A data de vencimento da última parcela (240) estava prevista para o dia 29.10.2011, de tal sorte que o prazo de prescrição da dívida encerrar-se-ia em 29.10.2016 (inciso I do § 5º do art. 206 do Código Civil).

Com a propositura desta ação, em 18.05.2016, a Devedora das prestações do referido contrato, a ora Autora, findou por reconhecer a dívida, causando, assim, a interrupção da fluência do prazo de prescrição, conforme inciso VI do art. 202 do Código Civil.
Caso a ora Autora tivesse esperado por mais 5(cinco) meses e alguns dias, teria, de fato,  ocorrido a prescrição.

Conclui-se, então, que não ocorreu a alegada prescrição.
A simplicidade do caso autoriza fixar a verba honorária, à luz do § 2º do art. 85 do vigente Código de Processo Civil, qual seja, no mínimo legal de 10%(dez por cento) do valor da causa, atualizado(correção monetária e juros de mora) a partir do mês seguinte ao da propositura desta ação, pelos índices do manual de cálculos do Conselho da Justiça Federal - CJF.


3. Dispositivo


Posto isso, julgo improcedentes os pedidos desta ação e extingo o processo com resolução do mérito, nos termos do art. 487, I, do Código de Processo Civil.

Condeno a Parte Autora nas custas e em verba honorária e arbitro esta no mínimo legal, qual seja, 10%(dez por cento) do valor da causa, atualizado na forma acima indicada;  todavia, como a Autora está em gozo do benefício da denominada Justiça Gratuita,  à luz do § 3º do art. 98 do mencionado diploma processual, submeto a respectiva cobrança à condição suspensiva pelo período ali fixado.
Sentença não sujeita ao reexame necessário art. 496, inciso I, do Código de Processo Civil.


Recife,  31 de agosto de 2017. 



Francisco Alves dos Santos Junior

Juiz Federal, 2ª Vara/PE

mef

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