Por Francisco Alves dos Santos Júnior
Segue uma questão interessantíssima, que mostra que sempre haverá um fato da vida que não pode ser enquadrado em normas administrativas, por melhor que seja a intenção dos respectivos Legisladores, e que suplanta essas normas, porque amparado por negras da própria Constituição da República e de Lei que trata do importantíssimo assunto: a família e suas diversas formas de constituição.
Obs.: decisão pesquisada e minuta pelo Assesor Antonio Ricardo Ferreira.
Boa leitura.
PROCESSO
Nº: 0809406-06.2016.4.05.8300 - MANDADO DE SEGURANÇA
IMPETRANTE: L M DE L A F (e outros)
ADVOGADO: P H F B
IMPETRADO: CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO ESTADO DE PERNAMBUCO - CREMEPE
2ª VARA FEDERAL - JUIZ FEDERAL TITULAR
IMPETRANTE: L M DE L A F (e outros)
ADVOGADO: P H F B
IMPETRADO: CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO ESTADO DE PERNAMBUCO - CREMEPE
2ª VARA FEDERAL - JUIZ FEDERAL TITULAR
DECISÃO
1.
RELATÓRIO
L M DE L A F, J A A F, S C DE L A E C A P B, qualificados
na inicial, impetraram o presente MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO, com
pedido de medida liminar, em que objetiva impedir que o Sr. Presidente do
Conselho Regional de Medicina do Estado de Pernambuco promova processo
ético-disciplinar, fundamentado em alegada violação ao sigilo de
doadores/receptores, contra os profissionais de saúde que estiverem envolvidos
no procedimento de fertilização da primeira Impetrante, com o óvulo da terceira
Impetrante. Aduziram, em síntese que: a) a primeira impetrante, L M DE L A F seria casada com o segundo impetrante, J A A F desde 06 de janeiro de 2004 e não têm filhos; b) por graves
problemas de saúde, ela só teria sido liberada por sua médica, para engravidar,
no ano de 2011; c) teria engravidado por 03 vezes, porém todas teriam resultado
em abortamentos espontâneos, foi quando teria iniciado tratamento para
fertilização assistida; d) teria conseguido mais uma gravidez, porém, também
teria resultado em abortamento; e) teria feito duas tentativas de estimulação
de óvulos para fertilização in vitro, entretanto, por causa de sua idade
já não produziria óvulos suficientes; f) a tentativa agora seria para a
fecundação heteróloga, com ovodoação, onde sua irmã, a terceira impetrante, S C DE L A, doar-lhe-ia óvulos, sendo este caminho mais seguro,
por conta da compatibilidade genética e semelhança fenotípica; g) o quarto
impetrante, C A P B, marido da impetrante doadora,
teria manifestado sua inteira concordância; h) o grande problema estaria no
fato de que o Conselho Federal de Medicina - CFM, por meio da Resolução
2.121/2015, ao estabelecer normas de conduta ética no acompanhamento médico de
tratamentos de Fertilização IN VITRO (FIV), previu que, na doação de
gametas ou embriões, os receptores não poderiam conhecer os doadores, somente
poderia haver doação anônima; i) em virtude de tal Resolução, nenhum médico se
habilitaria a realizar o procedimento, porque seria latente o risco de ser punido
pelo seu órgão de fiscalização profissional. Teceu considerações sobre o caso,
mencionou que a oncologista da primeira Impetrante estaria querendo submetê-la
a uma quimioterapia, mas estaria postergando ao máximo esse tratamento, em face
desse seu sonho de maternidade. Citou textos da jurisprudência e legislação
pátria em defesa de seu pleito e ao final requereu:
a) CONCEDER LIMINAR, inaudita altera pars, para
determinar à autoridade coatora que se abstenha de mover processo
ético-disciplinar fundamentado em violação ao sigilo de doadores/receptores
contra os profissionais de saúde envolvido no procedimento de fertilização da
primeira Impetrante, L M de L A F, com o óvulo da
terceira Impetrante, Suzana Maria de Lima Antunes;
b) NOTIFICAR a digna autoridade indigitada
coatora, nos endereços constantes do pórtico da presente proemial, para que,
querendo, prestem as informações no prazo legal.
c) OFICIAR o douto representante do
Ministério Público para intervir no feito, ofertando seu parecer.
d)
JULGAR, ao final, procedente o presente writ para, no mérito, confirmar a
liminar, declarando incidentalmente a inconstitucionalidade do dispositivo da
Resolução 2121/2015 do CFM que impõe o anonimato do doador e receptor de doação
de gametas, impedindo, desse modo, a doação entre irmãos, e proibindo o
Impetrado/Ré de mover processo ético-disciplinar fundamentado em violação ao
sigilo de doadores/receptores contra os profissionais de saúde envolvido no
procedimento de fertilização da primeira Impetrante, L M de L A F, com o óvulo da terceira Impetrante, S M de L A.
Vieram-me conclusos.
Decido.
2.
FUNDAMENTAÇÃO
Tratam os presentes autos de mandado de segurança
preventivo, em tentativa de afastar a norma contida na Resolução do Conselho
Federal de Medicina n.º 2.121/2015, que adota as normas éticas para a
utilização das técnicas de reprodução assistida, como dispositivo a ser seguido
pelos médicos, para que o casal, L M DE L A F e J A A F, possa se submeter ao procedimento de fertilização in
vitro, com óvulos doados pela impetrante S C DE L A, irmã
de L M de L A F.
De acordo com o item IV da referida Resolução (Id.
4058300.2638929), os doadores de gametas ou embriões não devem conhecer a
identidade dos receptores, portanto, o procedimento pleiteado pelos
Impetrantes, encontrariam uma vedação legal através da mencionada Resolução.
No entanto, tenho que a referida norma não deve ser
aplicada ao caso em apreço.
Explico.
A questão trazida aos autos, encontram guarida no
direito ao planejamento familiar assegurado pelo art. 226, § 7º, da
Constituição Federal e pela Lei nº 9.263/1996 que regula o mencionado artigo.
Constituição Federal
"Art. 226. A família, base da sociedade, tem
especial proteção do Estado.
§ 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa
humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do
casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para
o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de
instituições oficiais ou privadas.".
. Lei nº 9.263/1996
"Art. 1º O planejamento familiar é direito de
todo cidadão, observado o disposto nesta Lei.
Art. 9º Para o exercício do direito ao planejamento
familiar, serão oferecidos todos os métodos e técnicas de concepção e
contracepção cientificamente aceitos e que não coloquem em risco a vida e a
saúde das pessoas, garantida a liberdade de opção.".
Da leitura dos mencionados dispositivos
constitucionais e legais, infere-se que o planejamento familiar é livre decisão
do casal, que poderá se valer dos métodos e técnicas de concepção e
contracepção cientificamente aceitos e que não coloquem em risco a vida e a
saúde das pessoas.
No caso dos autos, os Impetrantes pretendem se
submeter ao procedimento de fertilização in vitro, com óvulos doados por
terceira pessoa, sendo certo que esse procedimento está em plena consonância
com a legislação acima citada, por ser uma técnica de concepção cientificamente
aceita e que não coloca em risco a vida nem a saúde das pessoas envolvidas.
A questão ética, colocada com muita propriedade na
noticiada Resolução do Conselho Federal de Medicina, não será arranhada, porque
mencionada norma administrativa é própria para fecundação heteróloga, com
ovodoação de pessoas alheias à família, com a finalidade de proteger essa
família e o futuro rebento.
Mas, conforme se deflui da petição inicial, toda a
operação de fecundação será feita com pessoas da família, sendo a doadora irmã
da principal interessada e futura mamãe.
Assim, referida Resolução CFM 2.013, de 2013, com
todo respeito aos d. Médicos dirigentes do mencionado Conselho e dos d. Médicos
que a editaram, há de ser interpretada, nesse particular, com certa parcimônia,
em face da prevalência dos dispositivos constitucionais e legais acima
transcritos, que orientam quanto ao reforço das células familiares.
Então, diante da ausência de vedação legal, e com
base no direito constitucional do livre planejamento familiar, tenho que deve
ser concedido ao casal Impetrante o direito de receber óvulos doados por uma
pessoa da família para fins de realização do procedimento de fertilização in
vitro. Especialmente porque essa "pessoa da família" demonstrou, de
forma inequívoca, a livre vontade de praticar este ato que é elogiável sob
todos os aspectos e inclusive aqui se apresenta também, com o seu Esposo, como
Impetrantes. .
E, para o exercício pleno de tal direito, deve também
ser assegurado aos Impetrantes que não haja intervenção da DD. Autoridade
impetrada, Dirigente do Conselho Regional de Medicina em Pernambuco -
CREMEPE, seja por meio de interferência direta no procedimento clínico, seja
por meio da confecção de qualquer denúncia, representação ou abertura de
processo ético-disciplinar contra o Médico que venha a ser escolhido pelos
Impetrantes para a realização da fertilização.
A concessão de medida liminar em mandado de
segurança exige a concorrência dos dois pressupostos legais: a relevância do
fundamento ("fumus boni juris") e o perigo de um prejuízo se do
ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida, se for concedida só no
final("periculum in mora").
No caso em tela, a impetração não se volta contra
norma em tese, mas contra possível procedimento, que se teme, venha o Conselho
Regional de Médica de Pernambco - CREMEPE, por algum ou alguns dos seus
ilustres Membros da sua Direção, a assumir, no sentido de punir o(s) Médico(s)
que venham a realizar a referida fertilização, em razão da referida norma
administrativa, .
Presente, portanto, o justo receio, exigido pela
Lei, de que mencionado ato de Autoridade possa acontecer, que seria feridor das
regras constitucionais e legais acima mencionadas, e que também teria faceta de
abusivo, é que justifica este mandado de segurança preventivo, com a concessão
da pretendia medida liminar.
Ante os argumentos expostos e os documentos
anexados aos autos, tenho por preenchido o requisito do fumus boni iuris a
socorrer a tese da Impetrante. A urgência que o caso requer e que caracteriza a
presença do "periculum in mora" se extrai da declaração da
médica oncologista da primeira impetrante, o qual destaco: " Há
recomendação para iniciar uma nova droga aprovada no Brasil (Vandetanibe),
porém, em virtude de seu desejo de engravidar, seu início tem sido postergado,
o que pode acarretar prejuízo na sua saúde, em consequência da progressão da
doença."
3.
CONCLUSÃO
Posto isso, com essas considerações:
3.1. defiro a liminar requerida e determino
que o Conselho Regional de Medicina no Estado de Pernambuco se abstenha de
adotar quaisquer medidas ético-disciplinares contra os profissionais(médicos e
quais profissionais subordinados à fiscalização desse Conselho)escolhidos pelos
Impetrantes para a realização da fertilização in vitro pelo casal J A A F e L M DE L A F, a partir de óvulos doados
pela irmã da impetrante, S C DE L A.
3.2. notifique-se a DD. Autoridade apontada como
coatora, para as informações, em 10 (dez) dias e para cumprir a decisão supra,
sob as penas do art. 26 da Lei nº 12.016/2009 e dê-se ciência ao órgão de
representação judicial da Entidade a qual se encontra vinculada essa Autoridade,
na forma e para os fins do art. 7º-II da Lei nº 12.016, de 2009.
3.3. No momento oportuno, ao MPF para o r. Parecer
legal.
Intimem-se.
Recife, 01 de dezembro de 2016
Francisco Alves dos Santos Júnior
Juiz Federal, 2ª Vara-PE
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