sexta-feira, 11 de novembro de 2016

Atraso de Obras. Programa Minha Casa, Minha Vida. Responsabilização financeira da Caixa Econômica Federal. Pagamento de Alugueres até a Entrega do Imóvel.

Por Francisco Alves dos Santos Júnior

Segue uma decisão com importante matéria relativa à responsabilidade da Caixa Econômica Federal no que diz respeito a contratos relativos ao programa Minha Casa, Minha Vida, envolvendo o angustiante atraso nas obras. 

Obs.: decisão pesquisada e minutada pela Assessora Maria Patrícia Pessoa de Luna. 

Boa leitura. 



PROCESSO Nº: 0808762-63.2016.4.05.8300 - PROCEDIMENTO COMUM
AUTOR: S R C F
ADVOGADO: R S A
RÉU: CAIXA ECONOMICA FEDERAL - CEF.
2ª VARA FEDERAL - JUIZ FEDERAL TITULAR

 DECISÃO

1. Relatório


S R C F, qualificada na petição inicial, ajuizou esta "AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS COM PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA" em face da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF, pretendendo, em sede de tutela de urgência, que a Ré "arque com o pagamento mensal dos lucros cessantes/aluguéis/pela bilaterização da cláusula contratual até a entrega definitiva do imóvel, com a entrega das chaves e sua imissão na posse, correspondente a 0,5% (meio por cento) sobre o valor venal da propriedade adquirida, que corresponde a R$ 1.596,18 (mil, quinhentos e noventa e seis reais e dezoito centavos), via depósito judicial, fixados a partir da data do atraso, ou sucessivamente, a partir da data da distribuição, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 (mil reais)." Inicialmente, requereu os benefícios da Justiça gratuita. Aduziu, em síntese, que: em 24/11/2010 teria firmado com a Construtora Saint Enton, o Contrato de Promessa de Compra e Venda de Imóvel, referente à unidade autônoma discriminada no referido contrato, do empreendimento Edifício Sítio Jardins, localizado na Rua Oliveira Fonseca, s/n, Campo Grande, Recife-PE; que teria sido assinado Termo de Cooperação entre a CEF e a construtora, tendo a instituição financeira assumido a responsabilidade pela execução e conclusão da obra; que a Caixa não se limitaria a financiar a compra do imóvel, pois teria a obrigação contratual de acompanhar e fiscalizar o cronograma da construção do empreendimento; em 19/06/2012, teria sido firmado perante a instituição financeira ré, com interveniência da construtora, Contrato por Instrumento Particular de Compra e Venda de Terreno e Mútuo para Construção de Unidade Habitacional com Fiança, Alienação Fiduciária em Garantia e Outras Obrigações - Programa Carta de Crédito FGTS e Programa Minha Casa Minha Vida - PMCMV - Recurso FGTS Pessoa Física - Recurso FGTS, para fins de financiamento a compra e construção do imóvel; teria ficado previsto inicialmente prazo para conclusão das obras do imóvel e entrega física de suas unidades autônomas a data de 31/03/2013, conforme disposto no Item III.2 do Contrato de Promessa de Compra e Venda, o que não teria sido cumprido até o momento, totalizando mais de 03 (três) anos de atraso até esta data; a parte autora viria cumprindo com o pagamento das prestações do contrato pactuado, todavia, a empresa ré, em contrapartida, teria descumprido o pacto firmado, uma vez que não teria honrado o prazo de entrega do imóvel estipulado no contrato, e estaria em atraso; teria sido pactuado Termo de Ajustamento de Conduta - TAC da Construtora junto ao Ministério Público, em 20/02/2015, em que a Construtora reconheceu o atraso na entrega e se comprometeu a entregar a obra no prazo de mais 8 (oito) meses, ou seja, em 20/10/2015, mediante cumprimento do novo cronograma físico-financeiro aprovado junto a CEF; que, para a CEF, o cronograma físico-financeiro original teria prazo de conclusão de 30 (trinta) meses, a partir de 19/06/2012, finalizando em 19/06/2014, no entanto, a Construtora já estaria em atraso na construção há longa data, descumprindo percentual de evolução da obra previsto no cronograma físico-financeiro, em período superior a 30 (trinta) dias; para fins de comprovar o cumprimento do novo cronograma, teria sido celebrado contrato de cooperação e gestão compartilhada da obra com a empresa Mult Técnica, que também atestou o novo descumprimento, indicando que até a data da audiência em 12/05/2015 deveria a obra ter evoluído 6% (seis por cento), mas só evoluiu 2% (dois por cento); na realidade, até 15/06/2015, teria havido avanço de menos de 1% (um por cento) na evolução da obra, atestados pela engenharia da CEF através da Planilha de Levantamento de Serviços - PLS no percentual acumulado de 84,46%; a CEF teria anuído com uma nova prorrogação do TAC por mais 1 (um) ano, a partir de 21/10/2015; a Construtora teria ingressado com Recuperação Judicial em 14/12/2015, sob nº 0025914-10.2015.8.17.2001, em trâmite na Seção A da 7ª Vara Cível da Capital, sem qualquer informação prévia à CEF ou aos adquirentes, penalizando ainda mais a parte autora; a referida recuperação judicial ainda não teria sido aprovada pela Assembleia Geral de Credores, tendo sido indicado um passivo de R$ 20.091.325,58; ante a inércia da ré em adotar postura efetiva para empreender meios passíveis de atingir o término da obra, o adquirente teria notificado extrajudicialmente a CEF, por meio de cartório com recebimento no dia 31/03/2016, para proceder com o acionamento da seguradora e substituição da construtora; até a presente data não haveria notícias acerca da efetivação da substituição da construtora, com a contratação de nova empresa através de seguro; a problemática do atraso estaria se agravando tendo em vista que a parte autora tem que continuar morando em um imóvel locado juntamente com seu marido, com custo atual de R$ 1.258,00; teria a autora adquirido uma série de móveis e eletrodomésticos para mobiliar seu novo imóvel, considerando a data prevista de entrega, contudo, ficaram todos estocados  no local de moradia, dentro de caixas, o que ocasiona extremo desconforto na família, e perdendo a garantia. Teceu outros comentários. Transcreveu ementas de decisões judiciais. Requer, ao final, a confirmação da tutela de urgência, bem como o pagamento de danos materiais e morais. Protestou o de estilo. Inicial instruída com procuração e documentos.

É o relatório, no essencial.

Passo a decidir.


2. Fundamentação


2.1. Dos benefícios da Justiça Gratuita


Merece ser concedido à Parte Autora o benefício da justiça gratuita, porque presentes os requisitos legais, mas com as ressalvas da legislação criminal pertinente, no sentido de que se, mais tarde, ficar comprovado que declarou falsamente ser pobre, ficará obrigada ao pagamento das custas e responderá criminalmente (art. 5º, LXXXIV da Constituição da República e art. 98 do NCPC).

Outrossim, o benefício ora concedido não abrange as prerrogativas previstas no § 5º, art. 5º da Lei nº 1.060/50, porque a Parte Autora não é assistida por Defensor Público.


2.2 Do pedido da tutela de urgência antecipada


2.2.1 - Nos termos do art. 300 do novo Código de Processo Civil, a concessão da tutela provisória de urgência antecipada demanda elementos que evidenciem a probabilidade do direito alegado e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo, in verbis:

"Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
§ 1o Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la.
§ 2o A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia.
§ 3o A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão."

Em sede de tutela provisória de urgência antecipada, pretende o Autor que a Ré "arque com o pagamento mensal dos lucros cessantes/aluguéis/pela bilaterização da cláusula contratual até a entrega definitiva do imóvel, com a entrega das chaves e sua imissão na posse, correspondente a 0,5% (meio por cento) sobre o valor venal da propriedade adquirida, que corresponde a R$ 1.596,18 (mil, quinhentos e noventa e seis reais e dezoito centavos), via depósito judicial, fixados a partir da data do atraso, ou sucessivamente, a partir da data da distribuição, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 (mil reais)." 


2.2.2 - No caso dos autos, reputo presentes os requisitos autorizadores da tutela provisória de urgência de antecipação porque os documentos anexados à Inicial indicam, com segurança, que a entrega da obra de construção do imóvel está atrasada em mais de três anos, tendo em vista que o Contrato entabulado entre as Partes tem previsão de conclusão das obras em 31/03/2013, conforme previsto no item III do "Preâmbulo - Quadro Resumo" (Identificador nº 4058300.2556453), o que não ocorreu até o momento.

Do mesmo modo consta na alínea B4 do "Contrato por Instrumento Particular de Compra e Venda de Terreno e Mútuo para Construção de Unidade Habitacional com Fiança, Alienação Fiduciária em Garantia e Outras Obrigações - Programa Carta de Crédito FGTS e Programa Minha Casa Minha Vida - PMCMV - Recurso FGTS Pessoa Física - Recurso FGTS" que o prazo para a conclusão da obra "será aquele estipulado no cronograma físico-financeiro e não poderão ultrapassar o estipulado nos atos normativos do Sistema Financeiro da Habitação e da CEF."

Configurada a omissão da Caixa em cumprir com o seu dever contratual de zelar pelo desenvolvimento e execução da obra, de acordo com os prazos contratuais, é de ser deferida a pretendida tutela de urgência, diante da necessidade de a parte autora pagar aluguel de imóvel para sua moradia, em razão de não ter recebido, no momento acordado, a unidade habitacional objeto do contrato.

O dever de a Caixa zelar pelo desenvolvimento e execução da obra está previsto em várias cláusulas contratuais: "Parágrafo Terceiro (Cláusula Terceira) - O acompanhamento da execução das obras, para fins de liberação de parcelas, será efetuado pela Engenharia da CEF (...)"; "Parágrafo Quinto (Cláusula Terceira) - Verificada a paralisação das obras por período igual ou superior a 90 dias, sem prejuízo das demais penalidades previstas neste instrumento, a CEF providenciará o cancelamento, em caráter irreversível, da utilização das cotas do FGTS (...)"; Cláusula Quarta - PRAZO DE CONSTRUÇÃO - O prazo para o término da construção será de 25 meses, não podendo ultrapassar o estatuído nos atos normativos do CCFGTS, do SFH  e da CEF (...)"; Parágrafo Segundo (Cláusula Décima Nona) - "A INTERVENIENTE CONSTRUTORA e a INCORPORADORA declaram estar cientes de que atraso na obra por período igual ou superior a 30 (trinta) dias, constatado pela Engenharia será acionada a Seguradora, ensejará a substituição da INTERVENIENTE CONSTRUTORA."

Diante de todo o exposto, considerando que há fortes elementos (documentos) nos autos que evidenciam a probabilidade do direito alegado, e, ainda, que está presente o perigo de dano pelo fato de a Autora ter que arcar, com recursos próprios, um imóvel para sua moradia, é de ser concedida parcialmente a tutela provisória de urgência.


3. Conclusão


Diante de todo o exposto:

a) Defiro o pedido de gratuidade da justiça, nos termos do artigo 98 do Código de Processo Civil;

b) Defiro, parcialmente, o pedido de tutela provisória de urgência antecipada e determino que a Ré arque mensalmente, a contar da intimação desta decisão e até que a obra seja concluída e entregue à Autora, com os alugueres do imóvel atualmente ocupado pela Parte Autora ou de outro que venha a ocupar, limitado a R$ 1.596,18, teto indicado na petição inicia,  via depósito judicial, a contar da data de intimação desta decisão,  sob pena de incidência de multa diária no valor de R$ 100,00 (cem reais), a favor da Autora,  sem prejuízo da responsabilização funcional, administrativa e penal do Servidor ou Dirigente que der azo ao pagamento dessa multa;

c) Determino à Secretaria que, juntamente com o Centro de Conciliação, designe data para realização de audiência de conciliação, a qual poderá ser cancelada na hipótese do artigo 334, parágrafo quarto, inciso I, do mesmo diploma;

d) Cite-se a Ré para, querendo, apresentar contestação  nos termos do artigo 335 do Código de Processo Civil, e a cientifique que, não o fazendo, presumir-se-ão aceitos como verdadeiros os fatos articulados pelo Autor, conforme dispõe o artigo 344 do mesmo diploma legal, e a intime para cumprir esta decisão.

 Intimem-se. Cumpra-se.

Recife, 11.11.2016

FRANCISCO ALVES DOS SANTOS JUNIOR                                  
JUIZ FEDERAL DA 2ª VARA (PE)

(PL)

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