sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

AUDITOR DE TRIBUNAL DE CONTAS NÃO PODE SER ADVOGADO. INCOMPATIBILIDADE. APLICAÇÃO DE REGRAS LEGAIS C/C PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E LEGAIS.

Por Francisco Alves dos Santos Jr.


Na sentença que segue, discute-se o seguinte problema: pode um auditor de um Tribunal de Contas inscrever-se como advogado na OAB, obter a respectiva carteira e cumular o exercício da referida atividade pública com a advocacia. Os princípios constitucionais da moralidade, isonomia e legalidade, mesclado com os princípios legais da segurança jurídica e do interesse público admitem essa cumulação?

Boa Leitura. 

Obs.: sentença pesquisada pelo assessor Marcos Eduardo França Rocha.



PROCESSO Nº: 0802282-06.2015.4.05.8300 - MANDADO DE SEGURANÇA
IMPETRANTE: A A DE O J
ADVOGADO: A R S L
IMPETRADO: ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL SECÇÃO DE PERNAMBUCO
AUTORIDADE COATORA: PRESIDENTE DA COMISSÃO DE SELEÇÃO E INSCRIÇÃO DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL - SECÇÃO PERNAMBUCO
2ª VARA FEDERAL - JUIZ FEDERAL

 
Sentença tipo A
 EMENTA: ADMINISTRATIVO. AUDITOR DE CONTAS PÚBLICAS. INCOMPATIBILIDADE COM A ADVOCACIA. ART. 28, II, DA LEI 8.906/1994.PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E LEGAIS. DENEGAÇÃO DA SEGURANÇA.
- O espírito do art. 28, II, do Estatuto da OAB é o de afastar do exercício da advocacia aquele que, no âmbito do Tribunal de Contas, detém informações privilegiadas acerca de fiscalizações, processos e julgamentos e pode vir a substituir Conselheiros desse Tribunal.
-Os princípios da moralidade, isonomia, legalidade, segurança jurídica e do interesse público não admitem que um Auditor de Tribunal de Contas possa também exercer a profissão de Advogado.
-Turma de Tribunal Regional Federal que modifica decisão de magistrado federal de primeiro grau, na qual se nega medida liminar em mandado de segurança, e no respectivo acórdão de agravo de instrumento esgota o mérito da causa, finda por se transformar em juízo originário, desrespeitando, assim,  o inciso VIII do art. 109 da Constituição da República e usurpando a jurisdição do magistrado federal de primeiro grau.
-Prevalência da sentença de mérito ao referido acórdão do Tribunal(Precedente do Superior Tribunal de Justiça)..
 -Negação da segurança.



Vistos, etc.

1. Relatório

A A DE O J, qualificado na petição inicial, impetrou este mandado de segurança em face de ato denominado coator que teria sido praticado pelo Ilmº Sr. PRESIDENTE DA COMISSÃO DE SELEÇÃO E INSCRIÇÃO DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL - SECÇÃO PERNAMBUCO. Alegou, em síntese, que no segundo semestre de 2014 teria concluído o curso de Bacharelado em Direito no Centro Universitário Maurício de Nassau, e colado grau no dia 25/01/2015; que teria sido aprovado no XIV Exame de Ordem Unificado; que, em 22/01/2015, teria peticionado eletronicamente pedindo sua inscrição no quadro de Advogados da OAB, Seccional Pernambuco; que, juntamente com a petição eletrônica teriam sido anexados todos os documentos requisitados e necessários; que teria sido apresentada declaração da entidade pública a qual o Impetrante encontra-se vinculado, haja vista que seria Servidor Público Estadual e ocuparia o quadro de pessoal do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco, onde exerceria, desde janeiro de 2009, o cargo de Auditor das Contas Públicas, cargo que faria parte do Grupo Ocupacional de Controle Externo (GOCE), conforme Lei Estadual nº 12.595/2004; que, após o pagamento da taxa e a assinatura das declarações, teria sido informado de que deveria aguardar um comunicado sobre a cerimônia de Juramento que ocorreria no dia 01/03/2015; que, no dia 26/02/2015, teria recebido um e-mail da Srª Maria do Carmo Araújo, Secretária da CSI/CSA/CEEO da OAB/PE, comunicando-o que o cargo de Auditor das Contas Pública do TCE/PE seria incompatível com a advocacia, razão pela qual o Impetrante deveria aguardar a notificação para comparecer a Sessão da Primeira Câmara, quando poderia fazer sustentação oral e defender o seu pleito; que o aludido e-mail seria relativo ao indeferimento do pedido de inscrição ao quadro dos Advogados da OAB/PE, com base na Súmula 02/2009, do Órgão Especial do Conselho Federal da OAB, em combinação com o art. 28, inc. II da Lei 8.906/94 e Súmula 01/2013 da OAB/PE; que teria sido surpreendido com a forma pela qual teria sido notificado, o que teria sido questionado pelo Impetrante em resposta ao mencionado e-mail; que a resposta ao seu e-mail apenas teria acontecido em 30/03/2015, muito tempo após o "ato coator" praticado e o juramento dos novos advogados, impedindo a sua inclusão, mesmo que sub judice; que, diante da ausência de informações e desse ato coator (e-mail enviado pela Sra. Maria do Carmo Araújo, Secretária da CSI/CSA/CEEO da OAB/PE), não teria comparecido ao ato solene de cerimônia de Juramento (ato de compromisso legal da profissão) que ocorreu no dia 01/03/2015; que o Impetrante não estaria inserido no rol de incompatibilidades em razão do seu cargo, pois a função exercida seria a de um servidor do Tribunal de Contas, sem poder de julgamento, e sempre necessitaria da autorização do Auditor Substituto para praticar seus atos e jamais poderia substituir um membro do TCE (ministros ou Conselheiros); que o cargo de Auditor Substituto seria compatível com o exercício da Advocacia, porque exigiria seleção de ingresso diferenciada, teria sua remuneração em Subsídio e caracterizaria o "status" de "membro" do TCE, ao contrário da função do impetrante, que seria, exclusivamente, de assessoramento, e não teria poder de Direção; que, portanto, não haveria que se falar em incompatibilidade no caso do impetrante, mas sim de impedimento. Teceu outros comentários, e requereu a concessão da medida liminar determinando a expedição de ofício à Impetrada para que proceda ao registro do Impetrante no quadro de advogados da OAB/PE, disponibilizando ao mesmo numero e carteira de identificação profissional. Inicial instruída com procuração e documentos.
Decisão[1] que indeferiu o pedido de concessão de medida liminar.
Certidão[2] de interposição de Agravo de Instrumento.
A ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL - SECCIONAL DE PERNAMBUCO (OAB/PE), representada por seu Presidente, apresentou as informações[3] pertinentes ao Mandado de Segurança. No mérito apontou que a função desempenhada pelo Impetrante, Auditor de Contas Públicas do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco, seria totalmente incompatível com o exercício da advocacia. Destacou a previsão legal, precedentes jurisprudenciais e, ao final, pugnou pela denegação da segurança.
O Ministério Público Federal apresentou seu r. parecer[4] opinando pela denegação da segurança.
O Impetrante requereu[5] a juntada de prova emprestada[6].
Anexos de comunicação[7] que encaminhou cópia do voto e do acórdão no qual a Terceira Turma do E. TRF da 5ª Região, acórdão sob a Relatoria do Magistrado de 2ª Grau Cid Marconi,  deu provimento ao Agravo de Instrumento.
O Impetrante requereu[8] o cumprimento da liminar.
A ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL - SECCIONAL DE PERNAMBUCO (OAB/PE) informou[9] o cumprimento da v. decisão em agravo de instrumento que deferiu o pedido de liminar e determinou a inscrição do Impetrante no quadro geral de advogados da OAB - Seccional Pernambuco.
Vieram os autos conclusos.
É o relatório. Passo a decidir.

2. Fundamentação

2.1 O cerne da presente questão consiste na possibilidade de o Impetrante poder ter garantida a sua inscrição no quadro de advogados da OAB/PE, mesmo ocupando o importante cargo de Auditor de Contas Públicas, integrante do Grupo Ocupacional de Controle Externo (GOCE), do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco (TCE/PE).
Na oportunidade da apreciação do pedido de medida liminar, este magistrado entendeu não assistir razão ao Impetrante quanto ao direito pleiteado, pela ausência do fumus boni iuris.
Eis a íntegra da fundamentação da decisão inicial:

"2-Fundamentação
2.1- A Lei nº 8.906, de 04 de julho de 1994 - Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (EOAB), relaciona os requisitos para a inscrição em seus Quadros, dentre os quais, o do não exercício de atividade incompatível com a advocacia, verbis:Art. 8º Para inscrição como advogado é necessário:I - capacidade civil;II - diploma ou certidão de graduação em direito, obtido em instituição de ensino oficialmente autorizada e credenciada;III - título de eleitor e quitação do serviço militar, se brasileiro;IV - aprovação em Exame de Ordem;V - não exercer atividade incompatível com a advocacia;
VI - idoneidade moral;VII - prestar compromisso perante o conselho. (G.N.).


Ademais, estão arroladas no art. 28 do Estatuto da OAB as atividades consideradas incompatíveis (caso dos autos) com a Advocacia, e no art. 30 do referido Diploma Legal, os impedidos de exercer a Advocacia.Eis a redação do art. 28 do EOAB, verbis:Art. 28. A advocacia é incompatível, mesmo em causa própria, com as seguintes atividades:I - chefe do Poder Executivo e membros da Mesa do Poder Legislativo e seus substitutos legais;II - membros de órgãos do Poder Judiciário, do Ministério Público, dos tribunais e conselhos de contas, dos juizados especiais, da justiça de paz, juízes classistas, bem como de todos os que exerçam função de julgamento em órgãos de deliberação coletiva da administração pública direta e indireta;III - ocupantes de cargos ou funções de direção em Órgãos da Administração Pública direta ou indireta, em suas fundações e em suas empresas controladas ou concessionárias de serviço público;IV - ocupantes de cargos ou funções vinculados direta ou indiretamente a qualquer órgão do Poder Judiciário e os que exercem serviços notariais e de registro;V - ocupantes de cargos ou funções vinculados direta ou indiretamente a atividade policial de qualquer natureza;VI - militares de qualquer natureza, na ativa;VII - ocupantes de cargos ou funções que tenham competência de lançamento, arrecadação ou fiscalização de tributos e contribuições parafiscais;VIII - ocupantes de funções de direção e gerência em instituições financeiras, inclusive privadas.§ 1º A incompatibilidade permanece mesmo que o ocupante do cargo ou função deixe de exercê-lo temporariamente.§ 2º Não se incluem nas hipóteses do inciso III os que não detenham poder de decisão relevante sobre interesses de terceiro, a juízo do conselho competente da OAB, bem como a administração acadêmica diretamente relacionada ao magistério jurídico. (G.N.).Em tempo, ainda de acordo com o art. 27 do EAOB, a incompatibilidade determina a proibição total e o impedimento, a proibição parcial do exercício da advocacia.2.2- No caso em análise, o Autor ocupa o cargo de Auditor das Contas Públicas do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco, regido, dentre outras normas, pela Lei nº 12.595, de 04 de junho de 2004, e pela Resolução TC nº 0015/2010, que institui o Regimento Interno do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco.De acordo com o art. 108 da Resolução TC nº 0015/2010, os Auditores serão nomeados pelo Presidente do Tribunal, dentre cidadãos portadores de diploma de curso superior de Direito, Administração, Economia ou Ciências Contábeis, mediante concurso público de provas ou de provas e  títulos e que satisfaçam os requisitos exigidos para o cargo de Conselheiro.Por seu turno, a competência dos Auditores está elencada no art. 109 da aludida Resolução, verbis:
Art. 109. Compete aos Auditores:I - elaborar proposta de voto, por despacho do Conselheiro-Relator, após a instrução dos processos, podendo solicitar-lhe diligências de qualquer natureza que entender necessárias à realização dos trabalhos;II - mediante convocação do Presidente do Tribunal, observados o rodízio e a ordem de preferência:a) exercer as funções inerentes ao cargo de Conselheiro, em caso de vacância, até novo provimento;b) substituir os Conselheiros, em suas ausências e impedimentos;III - mediante convocação do Presidente do Tribunal ou do Presidente de uma das Câmaras, substituir os Conselheiros para efeito de quórum, ou para completar a composição do Pleno ou das Câmaras, sempre que for comunicada a impossibilidade de comparecimento dos titulares à sessão;IV - atuar junto ao Pleno e à Câmara, presidindo a instrução dos processos que lhes forem distribuídos para relatar, mesmo depois de cessada a substituição.V- Nos processos que lhes forem distribuídos originariamente, relatar e presidir a instrução processual, apresentar propostas de deliberações, sem prejuízo de emitirem decisões interlocutórias.Pois bem, embora os Auditores não sejam membros do Tribunal de Contas, na acepção jurídica do termo, podem vir a substituir os Conselheiros em suas ausências e impedimentos, o que torna incimpatível a função de Auditor com o exercício da Advocacia (EOAB, art. 28-II). Ademais, considerando que a atividade de Auditor do TCE possui nítido caráter decisório, também por esta razão, a respectiva atividade profissional é incompatível com o exercício da Advocacia (EAOB, art. 28, III).
Com efeito, consultando a legislação específica, não identifico a existência de distinção entre as funções de "auditor de contas públicas" e "auditor substituto", para o efeito pretendido pelo ora Autor, no sentido de que apenas os "auditores substitutos" é que teriam incompatibilidade com a advocacia.Nesse sentido, colaciono o seguinte precedente do E. TRF-5ª Região, verbis:ADMINISTRATIVO. AUDITOR DE CONTAS PÚBLICAS. ADVOCACIA. INCOMPATIBILIDADE. ART. 28, II, DA LEI 8.906/1994. DISTINÇÃO ENTRE AUDITOR DE CONTAS PÚBLICAS E AUDITOR SUBSTITUTO. DIFERENÇA NÃO CONTEMPLADA NA LEI. AGRAVO DE INSTRUMENTO NÃO PROVIDO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO PREJUDICADOS.1. Agravo de instrumento contra decisão que indeferiu o pedido liminar consistente na inscrição de auditor de contas públicas nos quadros da OAB.2. O art. 28, II, da Lei 8.906/1994 diz que membros dos tribunais e conselhos de contas possuem função incompatível com a advocacia, mesmo a exercida em causa própria.3. Forçoso reconhecer, nos termos do referido artigo, a vedação legal para o exercício da advocacia para determinados cargos, inclusive o de auditor de contas públicas.4. A lei não excepciona tal cargo da vedação legal. Não pode, assim, este eg. Tribunal fazê-lo.3. Agravo de instrumento a que se nega provimento.4. Embargos de declaração prejudicados. (PROCESSO: 00023560620114050000, AG113377/PB, RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL SÉRGIO MURILO WANDERLEY QUEIROGA (CONVOCADO), Segunda Turma, JULGAMENTO: 10/05/2011, PUBLICAÇÃO: DJE 19/05/2011 - Página 207)Diante do exposto, não verifico a presença da fumaça do bom direito, imprescindível à concessão da almejada medida liminar."
          Nota 1 - Decisão sob identificador 4058300.989484, datado de 15.04.2015.

2.2 - Então, temos que o Auditor das Contas Públicas do Tribunal de Contas do Estado exerce esse importantíssimo cargo à luz da Lei nº 12.595, de 04.06.2004 do Estado de Pernambuco e da Resolução  TC nº 0015, de 2010, que instituiu o Regimento Interno do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco.
Segundo o art. 108 dessa Resolução esses Auditores são nomeados pelo Presidente desse Tribunal dentre cidadãos portadores de diploma de curso superior de Direito, Administração, Economia ou Ciências Contábeis, mediante concurso público de provas ou de provas e títulos e que satisfaçam os requisitos exigidos para o cargo de Conselheiro.
E, como consta do art. 109, acima transcrito, dessa Resolução, esse gabaritado Servidor Público Estadual, data maxima venia,  realiza atividades que são completamente incompatíveis com o exercício da advocacia. 

2.3 - Ora, data maxima venia, conceder a esse tipo de Servidor Público a carteira da OAB, para que ele passe a atuar como Advogado-Auditor, não só fere os dispositivos legais invocados por este magistrado na fundamentação da sua decisão inicial, acima transcrita, e na qual se negou medida liminar para obrigar a OAB local a lhe fornecer  o referido documento, como equivale a rasgar literalmente os princípios constitucionais da moralidade(art. 37 da Constituição da República e art. 2º, caput, e respectivo Parágrafo Único, inciso IV, da Lei nº 9.784, de 29.01.1999), da isonomia(caput do art. 5º da mesma Carta),  da legalidade (inciso II do art. 5º da mesma Carta e art. 2º e respectivo Parágrafo Único, inciso I, da referida Lei), e ainda os princípios da segurança jurídica e do interesse público, expressamente previstos no caput do mencionado art. 2º e respectivo Parágrafo Único.

2.4 - E aí me vejo forçado a imaginar algumas situações práticas em que o Advogado-Auditor poderá se deparar no exercício simultâneo dessas duas importantes funções de munus público.
       Eis alguns casos concretos com os quais ele possa vir a se deparar:
      2.4.1 - Fica sócio de uma Banca de Advogados e, usando do seu título de Auditor do TCE, consegue convencer Prefeitos de vários Municípios do Estado de Pernambuco para contratar essa Banca de Advogados para dar assessoria jurídica aos respectivos Municípios, especialmente no campo dos direitos financeiro, administrativo e tributário. Um dos Municípios, cliente da referida Banca de Advogados, é autuado por um outro auditor. O recurso administrativo, interposto por essa Banca, vai para o Órgão Julgador onde esse auditor está lotado. Mesmo que o ilustre ora Impetrante venha a se dar por suspeito, o que garante que não terá, à margem dos autos, como influenciar os seus colegas que irão decidir?
         2.4.2 - A mesma Banca de Advogados tem uma Empresa por cliente. Essa Empresa vence uma licitação e não cumpre o respectivo contrato. É punida pelo TCE. Defende-se na via administrativa. Mesmo não assinando a sua defesa e dando-se por impedido na qualidade de julgador ou de assistente de algum julgador, não terá essa Empresa um tratamento no mínimo diferenciado?
Poderíamos imaginar, aqui, uma outra centena de situações, não só constrangedoras, mas que ferem de morte os princípios da moralidade e da segurança jurídica(estes com mais intensidade), da isonomia(as outras Empresas que são patrocinadas por outros Advogados, que não sejam também Auditores, teriam o mesmo tratamento no TCE ou perante outros órgãos da Administração Pública do Estado?). 
E o princípio do interesse público, onde fica nessas constrangedoras situações?
E na captação de clientes, não terá esse Advogado-Auditor algo mais que aqueles que são simplesmente Advogados? Aqui, não teremos, mais uma vez, o ferimento ao princípio da isonomia?
Assusta-me, com todo respeito, que a referida Turma do nosso E. TRF/5ªR não tenha feito nenhuma referência a tantos princípios constitucionais e legais existentes e tenha obrigado a OAB local a lhe fornecer inscrição na Ordem e a fornecer-lhe carteira de Advogado, no que o transformou num privilegiado Advogado-Auditor, numa violência total, data maxima venia, aos mencionados princípios, à letra da Lei, e ao já frágil tecido social, tão assustado com a sua violação diária com atos de corrupção que decorrem, exatamente, das facilidades que os seus atores encontram nos frágeis controles da administração pública.

2.5 - Noto que o d. Relator do noticiado acórdão do E. TRF/5ªR(documento sob identificador 4050000.2838636)invocou um precedente desse E. Tribunal, que foi relatado pelo "Desembargador Federal Convocado" Frederico Pinto de Azevedo, no qual uma sentença foi reformada e obrigou-se a OAB-PE admitir inscrição, como advogado, de um outro Auditor do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco. 
Mas poderia ter invocado o precedente que segue e que foi invocado na decisão inicial, a nosso sentir, data maxima venia, muito mais de acordo com o sistema jurídico-constitucional-legal acima descrito,  verbis:
ADMINISTRATIVO. AUDITOR DE CONTAS PÚBLICAS. ADVOCACIA. INCOMPATIBILIDADE. ART. 28, II, DA LEI 8.906/1994. DISTINÇÃO ENTRE AUDITOR DE CONTAS PÚBLICAS E AUDITOR SUBSTITUTO. DIFERENÇA NÃO CONTEMPLADA NA LEI. AGRAVO DE INSTRUMENTO NÃO PROVIDO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO PREJUDICADOS.
1. Agravo de instrumento contra decisão que indeferiu o pedido liminar consistente na inscrição de auditor de contas públicas nos quadros da OAB.
2. O art. 28, II, da Lei 8.906/1994 diz que membros dos tribunais e conselhos de contas possuem função incompatível com a advocacia, mesmo a exercida em causa própria.
3. Forçoso reconhecer, nos termos do referido artigo, a vedação legal para o exercício da advocacia para determinados cargos, inclusive o de auditor de contas públicas.
4. A lei não excepciona tal cargo da vedação legal. Não pode, assim, este eg. Tribunal fazê-lo.
3. Agravo de instrumento a que se nega provimento.
4. Embargos de declaração prejudicados."
(PROCESSO: 00023560620114050000, AG113377/PB, RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL SÉRGIO MURILO WANDERLEY QUEIROGA (CONVOCADO), Segunda Turma, JULGAMENTO: 10/05/2011, PUBLICAÇÃO: DJE 19/05/2011 - Página 207)"

2.6 - Merece destaque, pela seriedade e preparo do seu signatário, o d. Procurador da República, Dr. Edson Virgínio Cavalcante Júnior, o r. parecer do Ministério Público Federal, no qual se opinou pena denegação da segurança, verbis:

"O cargo de Auditor de Contas Públicas do TCE, ora em análise, em que pese não conferir ao seu ocupante o status de "membro" da Corte de Contas (expressão reservada a Conselheiros e a seus substitutos), possibilita-lhe concorrer a uma das vagas reservadas a "Auditores" (sem distinção) para preenchimento de vaga da Conselheiro. É o que dispõe a norma do art. 32, §2º, I, da Constituição do Estado de Pernambuco:"Art. 32. O Tribunal de Contas do Estado, com sede na Capital e jurisdição em todo o Território do Estado, disporá de quadro próprio para o seu pessoal.()§ 2º Os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado serão escolhidos:()I - três (03) pelo Governador do Estado, com aprovação da Assembléia Legislativa, sendo dois (02), alternadamente, dentre Auditores e Membros do Ministério Público junto ao Tribunal, indicados em lista Tríplice pelo Tribunal, segundo os critérios de antigüidade e merecimento" (grifo e destaque nossos).
Assim, diante da inexistência de distinção, no âmbito da Constituição pernambucana, sobre que tipo de Auditor pode ser escolhido para compor, vitaliciamente, o Tribunal de Contas, inócua a discussão acerca da existência de uma categoria própria de Auditor (no caso, Auditor Substituto[10]) com prerrogativas exclusivas de poder desempenhar, apenas transitoriamente, as funções de membro daquela Corte.(...)Não bastasse tal aspecto, pode-se ainda argumentar que o espírito do art. 28, II, do Estatuto da OAB é o de afastar do exercício da advocacia aquele que, no âmbito do Tribunal de Contas, detém informações privilegiadas acerca de fiscalizações e processos, algo consonante com os princípios da moralidade e da isonomia."

Argumentos esses que corroboram a decisão que indeferiu o pedido de concessão de medida liminar.

2.7 - No que diz respeito à eficácia desta sentença, diante do noticiado acórdão da referida Turma do E. TRF/5ª, lançado em autos de agravo de instrumento, no qual se decidiu se uma medida liminar poderia ou não ser concedida, cabem as considerações que seguem.
O assunto foi debatido no E. Superior Tribunal de Justiça, nos autos da  da Reclamação nº 1444/MA, oportunidade em que a então d. Ministra Eliana Calmon, verberou:

"Há uma corrente minoritária nesta Corte, inclusive com recente julgado da Segunda Turma, a qual, filiando-se à teoria da hierarquia, entende que não pode o julgador revogar expressa ou tacitamente uma medida adotada pelo Tribunal, mesmo em juízo exauriente e de mérito, como o que ocorreu na hipótese.
O meu entendimento é no sentido de não aceitar a manutenção de uma tutela antecipada outorgada pelo Tribunal, se ela está em desacordo com a sentença de mérito proferida pelo juiz de primeiro grau.".

O d. Min. Luiz Fux, concordando com o entendimento da d. Min. Eliana Calmon, chegou a afirmar o seguinte:

"Essa reclamação seria o mesmo que dizer o seguinte: 'Se o tribunal defere tutela antecipada, paralisa-se o processo e o juiz não pode proferir uma sentença de mérito'. Se acolhêssemos a reclamação, geraríamos essa perplexidade"
"E com isso o Superior Tribunal de Justiça terminou por entender que a superveniência da sentença de mérito esvaziava o conteúdo do julgamento do recurso especial interposto contra acórdão do tribunal, no qual se denegava a concessão da tutela antecipada."[11]

Ademais, data maxima venia, não poderia a referida Turma do E. TRF/5ªR ter se transformado em juízo originário e apreciado o mérito da causa, porque assim procedendo usurpou a jurisdição deste magistrado,  ferindo de morte a regra do inciso VIII do art. 109 da Constituição da República, que atribui aos Juízes Federais o julgamento desse tipo de mandado de segurança. O mencionado Juízo ad quem poderia apenas, data maxima venia, manter ou reformar a decisão inicial, mas sem esgotar o mérito da causa, como findou por fazê-lo. Por isso, com maior justificativa há de prevalecer o entendimento acima transcrito do E. Superior Tribunal de Justiça quanto à prevalência desta sentença de mérito ao mencionado acórdão lançado nos autos do noticiado agravo de instrumento, que apenas modificou a decisão inicial deste Juízo, na qual se negou medida liminar.


3. Dispositivo

Posto isso, julgo improcedentes os pedidos desta ação mandamental e denego a segurança.
Custas pelo Impetrante, ex lege.
Sem verba honorária, art. 25 da Lei nº 12.016, de 2009 e Súmula 512 do STF .
Procedam-se às intimações necessárias, observando-se as novas disposições legais (Lei nº 12.016, de 2009, art. 13).

Publique-se Registre-se. Intimem-se.

Recife, 25 de fevereiro de 2016.


Francisco Alves dos Santos Jr.
   Juiz Federal, 2a Vara.



(mef)


[1] Decisão NUM: 4058300.989484.
[2] Certidão de Interposição NUM: 4058300.1032296.
[3] Informações MS NUM: 4058300.1039635.
[4] Parecer do MPF NUM: 4058300.1059720.
[5] Prova Emprestada NUM: 405830.1163611.
[6] Decisão caso idêntico Prova Emprestada NUM: 4058300.1163613.
[7] Anexos de Comunicação NUM: 2952513.
[8] Cumprimento da liminar NUM: 4058300.1304172.
[9] Petição de Cumprimento de Decisão NUM: 4058300.1376475.
[10] Embora caiba a ressalva de que, de fato, a Lei Estadual nº 12.600, de 14/06/2004 (Lei Orgânica do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco) prevê a existência de categoria própria de Auditores, os "Auditores Substitutos de Conselheiros" ou "Auditores Substitutos", como demonstram, por exemplo,os seguintes artigos: "Art. 90. Os Conselheiros,em suas ausências e impedimentos por motivo de licença, férias ou outro afastamento legal, serão substituídos, mediante convocação do Presidente do Tribunal, pelos Auditores Substitutos, na forma do Regimento Interno () Art. 119. A Auditoria Geral, integrada por Auditores Substitutos de Conselheiros, tem sua organização e atribuições previstas nesta Lei e no Regimento Interno. () Art. 121. Os Auditores Substitutos de Conselheiros serão nomeados pelo Presidente do Tribunal, dentre cidadãos portadores de diploma de curso superior de Direito, Administração, Economia ou Ciências Contábeis e que satisfaçam os requisitos exigidos para o cargo de Conselheiro mediante concurso público de provas ou de provas e títulos".
[11] DIDIER JR, Fredie & CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil, 3ª ed. Salvador: JusPODIVM, 2007, v. 3, p.152-153.[Negritei].


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