sábado, 5 de dezembro de 2020

MARECHAL HUMBERTO DE ALENCAR CASTELO BRANCO PODE SER HOMENAGEADO DANDO NOME A PRÓPRIO PÚBLICO FEDERAL.

 

Por Francisco Alves dos Santos Júnior

Na sentença que segue, uma interessante questão é discutida, a respeito do alcance das recomendações da denominada Comissão da Verdade, envolvendo o nome do primeiro Presidente do regime Militar de 1964, o Marechal Humberto de Alencar Castelo Branco. 

Boa  leitura. 



PROCESSO Nº: 0812782-58.2020.4.05.8300 - AÇÃO CIVIL PÚBLICA
AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
RÉU: UNIÃO FEDERAL - UNIÃO.
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)



Sentença tipo A

EMENTA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ADMINISTRATIVO. COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE. RECOMENDAÇÃO Nº 28. CARÁTER NÃO VINCULANTE. .

-As recomendações da Comissão Nacional da Verdade não têm caráter vinculante e a recomendação referida nestes autos não goza da unanimidade do que pensam todos os Historiadores, relativamente ao papel do Marechal Humberto Alencar Castelo Branco no regime militar que se implantou no Brasil em março de 1964.

-Leis Municipais e Estaduais, relativas à denominação de próprios públicos, não obrigam a UNIÃO na fixação de nomes para os seus próprios públicos.

-Improcedência.  

 

Vistos, etc. 

1-Relatório

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL ajuizou esta Ação Civil Pública com pedido de tutela de urgência em face da UNIÃO, por ato do Ministério da Defesa - Exército Brasileiro, na qual almeja, primordialmente: 

"(...) a alteração do nome destinado ao prédio que está sendo construído pelo Comando da 7ª Região Militar do Exército, 'Edifício Marechal Castelo Branco', no imóvel situado na Avenida Rosa e Silva, s/n, Bairro da Tamarineira, Recife/PE (em frente ao Hospital Psiquiátrico Ulisses Pernambucano), obra financiada com recursos federais."

Alegou que a Procuradoria da República no Estado de Pernambuco instaurou o Inquérito Civil em anexo (IC n.º 1.26.000.002978/2018-81) para "Apurar notícia de construção de edifício, pelo Exército Brasileiro, na Avenida Conselheiro Rosa e Silva, em frente ao Hospital Ulysses Pernambucano, no bairro da Tamarineira, Recife/PE, cuja placa de descrição da obra indica, além do financiamento com recursos federais, a denominação 'Edifício Marechal Castelo Branco', ex-presidente da República relacionado entre os autores de graves violações de direitos humanos pela Comissão Nacional da Verdade (CNV), em seu Relatório Final, Capítulo 16 ("A autoria das graves violações de direitos humanos"), a fim de se verifique eventual descumprimento da Recomendação nº 28 do referido Relatório Final da CNV."

E aduziu, em síntese, que: instado a se manifestar, considerando o teor da referida Recomendação da CNV, o Comando da 7ª Região Militar do Exército teria defendido a denominação atribuída ao edifício sob os seguintes argumentos: "i) a União é possuidora de imóveis, Próprios Nacionais Residenciais (PNR), com a finalidade de moradia para os militares na ativa; ii) todos os imóveis jurisdicionados ao Exército possuem denominações de data, fatos ou personalidades históricas; iii) o marechal Humberto de Alencar Castelo Branco, militar do Exército Brasileiro, foi um dos principais responsáveis pela campanha do Brasil, por meio da Força Expedicionária Brasileira (FEB) durante a 2ª Guerra Mundial, tendo a escolha da denominação considerado a sua carreira militar exitosa; iv) como órgão da administração pública, está adstrito "a cumprir à lei (em sentido formal), o que não se subsome ao caso em tela"; v) não houve procedimento formal prévio para a aludida escolha, tendo a administração militar se valido da discricionariedade que lhe cabe para optar pelo nome escolhido (OFÍCIO 904/2018 PE-COMANDO - PR-PE-00057914/2018)"; em seguida, os autos administrativos teriam sido arquivados pela Procuradora da República oficiante à época; todavia, apreciando o recurso interposto pelo Exma. Procuradora da República Carolina de Gusmão Furtado, na condição de noticiante e integrante do Grupo de Trabalho Direito à Memória e à Verdade, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) decidiu não homologar o arquivamento pelos seguintes fundamentos: "i) 'respeito ao valor jurídico do Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade e postulados da Justiça de Transição; ii) não observância da jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos; iii) manifestação do Grupo de Trabalho Memória e Verdade da PFDC" (DECISÃO MONOCRÁTICA 616/2019 PFDC - PGR-00456662/2019)."; e assim, retomada a instrução dos autos extrajudiciais, o Comando Militar teria sido novamente instado a prestar informações atualizadas sobre a obra, bem como para encaminhar cópia do processo de tombo e do ato de registro do imóvel; em resposta enviada em 25/11/2019, o Chefe do Estado-Maior da 7ª Região Militar teria reiterado as informações iniciais e acrescentado que "i) a denominação do aludido edifício é a mesma inicialmente prevista (Ed. Marechal Castelo Branco), denominação atribuída conforme os requisitos previstos na Portaria Ministerial nº. 039, de 12 JAN 1996; ii) a obra do Edf. Castelo Branco foi objeto de inexecução e que a retomada da construção estava prevista para o ano de 2020, com prazo de 18 (dezoito) meses para a execução dos serviços remanescentes por nova empresa contratada (OFÍCIO 903/2019 7ª RM/PE - PR-PE-00059962/2019)."; no curso do procedimento administrativo, a Assembleia Legislativa de Pernambuco  também teria sido oficiada para informar as providências adotadas com o objetivo de cumprir a Recomendação nº 28 da CNV, e teria aduzido que "i) em 20 de setembro de 2019 foi promulgada a lei estadual nº 16.629 que proíbe a administração pública estadual de fazer qualquer tipo de homenagem ou exaltação ao golpe militar de 1964 e ao período ditatorial subsequente, incluindo na vedação a atribuição de nome a prédios, rodovias, repartições públicas e bens de qualquer natureza de pessoa que conste no Relatório Final da CNV como responsável por violações de direitos humanos (art. 1º e parágrafo único); ii) como resultado da Comissão da Verdade instituída em âmbito estadual no ano de 2017, foi recomendado ao governo do Estado que promova a alteração de logradouros, vias de transporte, edifícios e instituições públicas que se referiram a agentes ou particulares que notoriamente tenham tido participação direta em atos de graves violações de direitos humanos durante o período de ditadura previsto na Lei nº 12.528, de 18 de novembro de 2018". E prosseguiu: ante o posicionamento do Comando do Exército local, que teria afrontado a Recomendação nº 28 da CNV, a promoção dos direitos humanos, assim como a preservação do patrimônio histórico e cultural imaterial brasileiro, não teria restado ao MPF outra alternativa senão a judicialização do caso com vistas a impedir que fosse perpetuada e festejada grave violação de direitos humanos promovida pelo homenageado da ora demandada. Sustentou a competência da Justiça Federal e a legitimidade ativa do Ministério Público Federal para propor a presente ação e transcreveu trecho da Petição Inicial na ACP nº 1000944-36.2018.4.01.3800, que tramita perante a Justiça Federal do Estado de Minas Gerais/MG, subscrita pelo procurador da República Edmundo Antônio Dias Netto Junior, no qual teriam sido abordadas as graves violações de direitos ocorridas no Brasil durante a ditadura. Transcreveu trechos de livros do jornalista Elio Gaspari, autor de um conjunto de obras sobre a ditadura militar brasileira, e acrescentou que: o ex-presidente Castelo Branco teria sido um dos protagonistas desse período, pois era o chefe do Estado-Maior do Exército quando eclodiu o golpe militar de 1964, que derrubou o presidente constitucional João Goulart e teria instaurado a ditadura militar no Brasil, tendo sido escolhido pelos militares para terminar o mandato do presidente deposto; assim, teria sido incluído no Capítulo 16  do Relatório Final da CNV, na qualidade de "responsável político-institucional pela definição geral da doutrina que permitiu as graves violações e das correspondentes estratégias, e pelo estabelecimento das cadeias de medidas que determinaram o cometimento desses ilícitos (Vol. I, p. 844)"; alegou que Castelo Branco, como primeiro presidente da ditadura militar instaurada pelo golpe de 1964, governou o país entre 1964 e 1967; em seu governo teriam sido gestados os elementos que teriam constituído o alicerce do autoritarismo e das ilegalidades, consistentes no completo aniquilamento de direitos e garantias fundamentais, que teriam marcado esse período de exceção da história do Brasil; os elementos históricos comprovariam e seriam suficientes para caracterizar a impertinência jurídica de lhe serem prestadas homenagens por órgãos componentes da administração pública, seja ela federal, estadual ou municipal; celebrar Castelo Branco, longe de festejar sua "carreira militar exitosa", seria promover o desprezo pelas instituições democráticas e, indiretamente, apoiar a possibilidade de rupturas constitucionais; lembrou que, à luz da Constituição Federal, sua conduta seria, nos tempos atuais, um crime inafiançável e imprescritível, nos termos do inciso XLIV do artigo 5º; tais motivos teriam levado a CNV a relacionar o marechal Castello Branco entre os autores de graves violações de direitos humanos, e não poderia ser ignorado pela administração quando da denominação de prédios públicos e promoção de homenagens. Discorreu sobre: a "democracia como valor constitucional"; a "Justiça de Transição, direito a não-repetição e reparação dos danos causados às vítimas", e acrescentou que: no dia 10/12/2014, a CNV teria apresentado seu Relatório Final, contendo 29 recomendações de ações, medidas institucionais e iniciativas de reformulação normativa, destinadas à prevenção de graves violações de direitos humanos, bem como a assegurar sua não repetição e a promover o aprofundamento do Estado Democrático de Direito; dentre elas, a Recomendação nº 28 que dispõe: "28 - Preservação da memória das graves violações de direitos humanos; com a mesma finalidade de preservação da memória, a CNV teria proposto a revogação de medidas que, durante o período da ditadura militar, objetivaram homenagear autores das graves violações de direitos humanos; dentre outras, deveriam ser adotadas medidas visando "b) promover a alteração da denominação de logradouros, vias de transporte, edifícios e instituições públicas de qualquer natureza, sejam federais, estaduais ou municipais, que se refiram a agentes públicos ou a particulares que notoriamente tenham tido comprometimento com a prática de graves violações"; a conduta perpetrada pelo Comando do Exército afrontaria a recomendação da CNV, pois teria atribuído ao prédio, ainda em construção, em homenagem a representante do longo período de ditadura militar no pais, entre 1964 e 1985, conforme verificar-seia da placa afixada na obra em imagem extraída do google maps; o relatório da CNV possuiria valor jurídico e suas conclusões representariam a manifestação oficial do Estado sobre a violação de direitos humanos durante a ditadura militar, conforme teria destacado Procurador da República e ex-Procurador Federal dos Direitos do Cidadão Adjunto, Marlon Alberto Weichert, entre os anos de 2018 e 2020, também coordenador do Grupo de Trabalho Memória e Verdade; os órgãos civis e militares do Poder Executivo deveriam respeitar as conclusões e as recomendações da CNV; ao denominar prédio público em homenagem a "reconhecido agente envolvido na perpetração de graves violações aos direitos humanos, o Exército Brasileiro, arbitrariamente, viola os postulados constitucionais que visam o fortalecimento da democracia no país em afronta à preservação e reconstrução da memória histórica perseguida pelos ordenamentos pátrio e internacional.";  a Corte Interamericana de Diretos Humanos, em mais de uma oportunidade, teria condenado o Brasil a reconhecer sua responsabilidade - em âmbito interno e internacional - pelos abusos e violações de direitos humanos cometidos durante a ditadura militar, a reparar e amparar as famílias de desaparecidos políticos, para além de investigar e punir os autores dos crimes de desaparecimento forçado de pessoas, considerados crimes contra humanidade, conforme sentenças proferidas nos casos Herzog e outros vs Brasil e Gomes Lund vs Brasil, em relação aos quais não se aplicaria anistia, consoante teria entendido a Corte; uma das condenações visaria justamente a garantia de não repetição desses fatos. Discorreu sobre as limitações normativas para a nomeação de bens públicos que teriam sido trazidas pela Constituição da República/88 e afirmou que a Lei nº 6.454/77, na redação dada pela Lei nº 12.781/2013, proibiria que se atribuísse nome de pessoa viva a logradouros públicos, mencionaria a atividade dos homenageados e disporia que aquele que defender ou explorar mão de obra escrava não poderia ter seu nome atribuído a bens públicos; o Estado de Pernambuco teria editado a Lei nº 16.629, de 20 de Setembro de 2019 que veda à "Administração Pública Estadual fazer qualquer tipo de homenagem ou exaltação ao Golpe Militar que sofreu o Brasil em 1964 e ao período de ditadura subsequente ao golpe e proíbe de homenagens a pessoas que tenham praticado violações de direitos humanos durante o período da ditadura militar". Teceu outros comentários, e requereu a concessão da tutela provisória, tanto na modalidade do art. 300, como na prevista no art. 311 do Código de Processo Civil, a fim de ser:

"(..) determinado à União, até julgamento definitivo da ação, obrigação de não fazer consistente em abster-se de utilizar a atual denominação conferida ao edifício ainda em construção na Avenida Conselheiro Rosa e Silva, s/n, bairro da Tamarineira, Recife/PE, retirando o nome da placa colocada na frente da obra.". Requereu, ao final:

"1) o recebimento desta petição inicial, do Inquérito Civil nº 1.26.000.0002978/2018-81 que a instrui e demais documentos juntados;

2) a concessão da tutela de urgência, para determinar à União Federal, por intermédio do EXÉRCITO BRASILEIRO, que suspenda imediatamente a utilização do nome "Edifício marechal Castelo Branco" nas placas indicativas da obra em execução de imóvel destinado à residência militar situado na Avenida Conselheiro Rosa e Silva, s/n, bairro da Tamarineira, Recife/PE;

3) a citação da demandada para contestar a ação, com as advertências de praxe, inclusive quanto à confissão da matéria de fato, em caso de revelia;

4) a condenação da União, por intermédio do Ministério da Defesa-EXÉRCITO BRASILEIRO, à obrigação de fazer consistente em implementar a Recomendação de nº 28, emitida pela Comissão Nacional da Verdade em seu Relatório Final, se abstendo de atribuir ao prédio em construção na Av. Conselheiro Rosa e Silva, s/n (em frente ao Hospital Psiquiátrico Ulisses Pernambucano), Tamarineira, Recife/PE, a denominação de Marechal Castelo Branco ou qualquer outro personagem que tenha tido comprometimento com a prática de graves violações aos direitos humanos;

6) julgado procedente o pedido, sejam renovados na sentença os efeitos da tutela liminar concedida, para que sejam mantidos seus efeitos até o trânsito em julgado da presente ação. Requer-se, ainda, o julgamento antecipado da lide, conforme art. 335, inc. I do NCPC, por se tratar de matéria exclusivamente de direito e, caso Vossa Excelência entenda necessária dilação probatória, pugna pela produção de todas as provas em direito admitidas."

Juntou o Inquérito Civil - IC 1.26.000.002978/2018-81.

Decisão na qual este Juízo indeferiu o pedido de tutela de urgência.

Regularmente citada, a UNIÃO apresentou Contestação na qual levantou preliminar de ausência de interesse processual do Ministério Público Federal, pois, segundo afirmou, a via utilizada não seria a adequada. No mérito, alegou, em síntese, que: o pleito do MPF atentaria contra os artigos 2º, 5º e 142 da Constituição da República/88, pois invadiria a seara de ato interno das Forças Armadas, que teria sido praticado sem qualquer ilegalidade;  imóvel cujo nome estaria sendo questionado na presente demanda se trataria de um imóvel Próprio Nacional Residencial (PNR), jurisdicionado ao Exército, com a finalidade de moradia para os militares na ativa, que seriam frequentemente transferidos de cidades, dentro do Brasil; no âmbito específico do Comando Exercito, todos os imóveis sob sua jurisdição possuiriam denominações de data, fatos ou personalidades históricas, conforme preceituaria a Portaria Ministerial nº 39/1996. Transcreveu esclarecimento do Comando da 7ª Região Militar, por meio do Ofício nº 455-Asse Ap As Jurd/Ch EM/7ª RM, sobre o nome do imóvel objeto da irresignação do MPF, e aduziu que: a atuação da Administração Pública, ao escolher o nome do imóvel, teria seguido os ditames legais e  regulamentares, razão pela qual não haveria motivo jurídico para a insurgência do MPF, haja vista que a escolha do nome estaria inserida na seara discricionária do Exército. Acrescentou que o fundamento da Exordial estaria escorado na Recomendação n. 28 da Comissão Nacional da Verdade, todavia, as Recomendações da Comissão Nacional da Verdade, como o próprio nome sugeriria, não vinculariam a atuação do Poder Público, e apenas teriam caráter sinalizador, consoante se extrairia da Lei nº 12.528/11, que criou a Comissão Nacional da Verdade; aduziu que, em caso similar ao presente, em demanda ajuizada pelo MPF em Minas Gerais, o pedido teria sido julgado improcedente; a medida proposta pelo MPF estaria inserida na órbita da discricionariedade administrativa, e representaria ofensa à separação dos poderes; o nome dado ao imóvel sob jurisdição do Exército não ofenderia mandamento legal e/ou constitucional, de forma que o ato não poderia ser tido por ilegal; pugnou pela improcedência dos pedidos formulados na Petição Inicial, e requereu, ao final: "a) seja acolhida a preliminar de ausência de interesse processual, na modalidade "adequação", a ensejar a extinção do processo sem julgamento do mérito, nos termos do art. 485, VI do CPC; b) caso assim  não entenda, seja reconhecida a total improcedência do pedido formulado, na forma do art. 487, inciso I, do Diploma Processual em referência." Protestou o de estilo e juntou documentos.

O MPF comunicou a interposição do recurso de Agravo de Instrumento em face da Decisão que indeferiu a tutela de urgência. Em seguida, pugnou pela reconsideração da decisão impugnada.

Decisão do Desembargador Federal Fernando Damasceno, nos autos do agravo de instrumento nº 0810758-28.2020, negou efeito suspensivo à decisão deste Juízo de primeiro grau.

Despacho no qual se indeferiu o pedido de reconsideração formulado pelo Parquet, decidindo-se pela manutenção da decisão agravada por seus próprios fundamentos; outrossim, determinou-se que o MPF fosse intimado para se manifestar acerca da Contestação apresentada pela União.

A União manifestou ciência acerca do despacho supra.

O MPF apresentou Réplica na qual rebateu a preliminar arguida pela União ao contestar o feito.

É o relatório, no essencial.

Fundamento e decido.

2- Fundamentação

2.1- Do julgamento antecipado da lide

A hipótese é de julgamento antecipado do mérito, porque o acervo documental constante dos autos é suficiente ao deslinde da matéria em apreciação (CPC, art. 355, I).

Destaque-se que a decisão inicial deste Juízo, negando a  pretendida tutela provisória de urgência antecipatória, foi mantida pelo Desembargador Relator do Agravo de Instrumento, interposto pelo MPF, conforme acima relatado.

Feitas essas considerações iniciais, passa-se ao exame do feito.

2.2- Da preliminar de ausência de interesse processual por inadequação da via eleita.

A União alega ser necessário, para a propositura da Ação Civil Pública, que haja o descumprimento de um dever legal que inexistiria no presente caso, já que não haveria obrigação legal preestabelecida, e o MPF teria baseado seu pleito em Recomendação da Comissão Nacional da Verdade, o que inviabilizaria o conhecimento da presente demanda.

As razões aduzidas pela União para fundamentar a preliminar em tela, na realidade, dizem respeito ao mérito desta ACP, a seguir apreciado. Tanto assim que o MPF, em sede de Réplica à Contestação, rebateu a preliminar com razões ligadas ao mérito da ação.

Ante o exposto, resta prejudicada a análise da preliminar arguida pela União.

2.3 - Do Mérito

O Ministério Público Federal - MPF pretende, com a presente Ação Civil Pública, obter a:

"(...) condenação da União, por intermédio do Ministério da Defesa-EXÉRCITO BRASILEIRO, à obrigação de fazer consistente em implementar a Recomendação de nº 28, emitida pela Comissão Nacional da Verdade em seu Relatório Final, se abstendo de atribuir ao prédio em construção na Av. Conselheiro Rosa e Silva, s/n (em frente ao Hospital Psiquiátrico Ulisses Pernambucano), Tamarineira, Recife/PE, a denominação de Marechal Castelo Branco ou qualquer outro personagem que tenha tido comprometimento com a prática de graves violações aos direitos humanos;"

Verifico que não há nos autos elemento novo de convicção trazido pelas Partes que justifique a mudança de orientação adotada por ocasião do exame da tutela provisória de urgência antecipada, razão pela qual reitero as razões aduzidas na Decisão sob id. 4058300.15478349, a título de fundamentação desta Sentença, in verbis:

"(...)

Do que consta dos autos, observa-se que o Inquérito Civil - IC que subsidia a presente Ação Civil Pública foi instaurado em 24/08/2018, para apurar a notícia da construção de edifício, pelo Exército Brasileiro, na Av. Conselheiro Rosa e Silva, no bairro da Tamarineira, Recife/PE, cuja placa de descrição indica, além do financiamento com recursos federais, a denominação "Edifício Marechal Castelo Branco"; com a finalidade de verificar eventual descumprimento da Recomendação nº 28 do referido Relatório Final da CNV, sob o fundamento de que o ex-presidente da República estaria relacionado entre os autores de graves violações de direitos humanos pela Comissão Nacional da Verdade - CNV, em seu Relatório Final, Capítulo 16 ("A autoria a graves violações de direitos humanos").

O IC teve regular andamento e, em 18/01/2019, Órgão do Ministério Público Federal oficiante à época, em substituição,  promoveu o seu arquivamento, mediante apresentação da respectiva Promoção de Arquivamento.

Na fase de revisão do ato de arquivamento do IVC, pelo colegiado do MPF, deliberou-se, por unanimidade, pela homologação do arquivamento, nos termos do voto do (a) relator (a), o que aconteceu em 27/02/2019. Em seu r. Voto, o Relator referendou os motivos e fundamentos declinados pelo órgão ministerial que apresentou a Promoção de Arquivamento.

No entanto, no dia 19/03/2019, Órgão do MPF que figurou como noticiante dos fatos ["construção de um edifício, pelo Exército Brasileiro, na Avenida Conselheiro Rosa e Silva, em frente ao Hospital Ulysses Pernambucano, (...), cuja placa de descrição da obra indica, além do financiamento com recursos federais, a denominação 'Edifício Marechal Castelo Branco', ex-presidente da República relacionado entre os autores de graves violações de direitos humanos pela Comissão Nacional da Verdade - CNV(...)]", por discordar da decisão administrativa de arquivamento, e considerando que findou o período de substituição da signatária no 9º Ofício, apresentou Recurso da decisão de arquivamento, que findou, em 02.09.2019,  por ser acolhido, para que se desse continuidade à tramitação do referido IC, que embasa a presente ACP.

Analisa-se, prima facie, se a Parte Requerida está obrigada a cumprir a Recomendação nº 28 do Relatório Final da CNV, que assim dispõe:

"28 - Preservação da memória das graves violações de direitos humanos;

48. Devem ser adotadas medidas para preservação da memória das graves violações de direitos humanos no período investigado pela CNV e, principalmente, da memória de todas as pessoas que foram vítimas dessas violações. Essas medidas devem ter por objetivo, entre outros:

(...)

49. Com a mesma finalidade de preservação da memória, a CNV propõe a revogação de medidas que, durante o período da ditadura militar, objetivaram homenagear autores das graves violações de direitos humanos. Entre outras, devem ser adotadas medidas visando:

a) (...)

b) promover a alteração da denominação de logradouros, vias de transporte, edifícios e instituições públicas de qualquer natureza, sejam federais ou municipais, que se refiram a agentes públicos ou a particulares que notoriamente tenham tido comprometimento com a prática de graves violações." (G.N.)

Inicialmente, oportuno registrar que este magistrado reconhece a importância da Comissão Nacional da Verdade - CNV, criada pela Lei nº 12.528, de 18 de novembro de 2011, com a finalidade de examinar e esclarecer as graves violações de direitos humanos praticadas no período fixado no art. 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, a fim de efetivar o direito à memória e à verdade histórica e promover a reconciliação nacional.  (art. 1º).

Reconciliação nacional, destaco.

Uma imagem (print) colada na Petição Inicial comprova que está afixada uma placa indicativa de uma obra de alvenaria em execução situada na Av. Conselheiro Rosa e Silva, s/n, nesta cidade do Recife/PE, com a denominação: "EDIFÍCIO MARECHAL CASTELO BRANCO".

O prédio está sendo construído pelo Ministério da Defesa/Exército Brasileiro, segundo anotado na placa, destinado à residência militar; trata-se, portanto, de próprio público federal.

A pessoa do "Marechal Humberto de Alencar Castello Branco", Marechal de Exército Brasileiro (1897-1967) e Presidente da República (de 15/04/1964 a 15/03/1967), aparece no Relatório Final da CNV como agente público responsável por graves violações de direitos humanos,  descritas na Lei nº 12.528/2011, na categoria "responsabilidade político-institucional", porque, no período em que foi Presidente da República, foi criado, em  junho de 1964, o Serviço Nacional de Informação - SNI, para coordenar a ação repressiva do Estado brasileiro. (Id. 4058300.15403882).

No entanto, como já dito, embora reconheça a relevância das Recomendações expedidas pela Comissão Nacional da Verdade, com destaque para a Recomendação nº 28, objeto destes autos, o mencionado instrumento - Recomendação - não tem  caráter vinculante para a Administração Pública, logo, não obriga os órgãos públicos ao seu cumprimento.  

O fato de o mencionado Militar-Marechal, quando Presidente da  República, ter assinado os atos legais que deram origem ao Serviço Nacional de Informação - SNI, exatamente para obter dados informativos tendentes à defesa dos interesses do País, não o acumpliciam a eventuais desvios que tenham sido praticados por alguns membros desse Órgão de Informação  contra os adversários político-administrativos daquele regime.

Por outro lado, além de a finalidade da Comissão da Verdade ter sido de buscar a RECONCILIAÇÃO NACIONAL, a Suprema Corte brasileira já  decidiu que a Lei da Anistia teve a força de perdoar e apagar eventuais males(excessos) da época do regime militar, tanto os praticados  pelos que estavam no poder,  como os praticados pelos opositores daquele  regime.

Nesse ponto, conforme muito bem exposto na Promoção de Arquivamento do MPF (o arquivamento não prevaleceu, consoante narrado), as Recomendações da Comissão Nacional da Verdade - CNV são:

"(...) mera orientação aos órgãos públicos e entidades sociais para o balizamento de suas ações, não tendo o condão de vincular a Administração Pública em suas decisões. In casu, cabe ao Exército, no âmbito de sua discricionariedade, a denominação dos seus prédios (...)" (Id. 4058300.15403709).

Registro que o Estado de Pernambuco, pela Lei nº 16.629, passou a vedar, a partir de 20 de setembro de 2019, a atribuição de nome de pessoa que conste no Relatório Final da CNV, como responsável por violações de direitos humanos, a prédios, rodovias, repartições publicasse e bens de qualquer natureza pertencente ou sob gestão da Administração Pública Estadual direta e indireta. (Id. 4058300.15403732).

Lei recente do Estado do Ceará (Lei nº 16.832, de 14 de janeiro de 2019) e, pelo que se tem notícia, Lei do Estado do Piauí, também passaram a estabelecer a vedação, mas ainda não veio a lume lei federal estabelecendo tal vedação.

Note-se que esses Estados, quando do advento de tais Leis, eram e são administrados por Partidos Políticos cuja orientação era contrária ao referido regime militar.

Todavia, também cabe registrar, o próprio em questão, por meio do qual se homenageia o referido Personagem da história do Brasil, não é Estadual, mas sim Federal, logo a ele não se aplicam as reprimendas das referidas Leis Estaduais."

Aliás, o Marechal Humberto de  Alencar Castelo Branco, cearense de Fortaleza-CE,  sempre foi considerado, por vários historiadores, como um militar moderado que até pensava em realizar eleições antes do final do seu mandato como primeiro Presidente da República do regime militar, instalado em 1964, e aventa-se até que, por isso, o acidente de avião no qual faleceu pode não ter sido um mero acidente.

Então, mencionada Recomendação da denominada Comissão Nacional da Verdade, além de não ter caráter vinculante, nesse particular, parece não gozar da unanimidade dos Historiadores.

3- Dispositivo

3.1- rejeito a preliminar arguida pela União;

3.2 - julgo improcedentes os pedidos desta ação e extingo o processo,  com resolução do mérito (CPC, art. 487, I).

Sem condenação em custas processuais ou honorários advocatícios (Lei nº 7.347/85, art. 18).

Sentença sujeita ao duplo grau de jurisdição obrigatório (Lei nº 4.717/65, art. 19).

Remeta-se, com urgência,  cópia desta Sentença para os autos do recurso de Agravo de Instrumento noticiado nos autos, para os fins legais.

R.I.

Recife, 01.12.2020.

Francisco Alves dos Santos Júnior

Juiz Federal da 2ª Vara Federal/PE

(rmc)


A Sentença supra foi mantida no TRF5R e o respectivo acórdão já transitou em julgado. 

Eis o voto condutor e o acórdão

"VOTO 

 

De início, observa-se que a União sustentou, preliminarmente, a ausência de interesse processual do Ministério Público Federal, diante da inadequação da via eleita, pois para propositura da Ação Civil Pública é necessário o descumprimento de um dever legal, inexistente no presente caso, já que ausente obrigação legal preestabelecida, tendo o MPF baseado seu pleito em Recomendação da Comissão Nacional da Verdade, o que inviabiliza o conhecimento da demanda. A meu ver, tal questão confunde-se com o mérito da demanda, que se passa a analisar.

Na presente ação, o MPF defende, em apertada síntese, que a conduta perpetrada pelo Comando do Exército de atribuir denominação ao prédio, ainda em construção, em homenagem ao ex-presidente da República Marechal Castello Branco, representante do longo período de ditadura militar no país entre 1964 e 1985, afronta cabalmente a recomendação nº 28 do Relatório Final da CNV - Comissão Nacional da Verdade, que, buscando a preservação da memória das graves violações de direitos humanos, propôs que fossem adotadas medidas visando promover a alteração da denominação de logradouros, vias de transporte, edifícios e instituições públicas de qualquer natureza, sejam federais, estaduais ou municipais, que se refiram a agentes públicos ou a particulares que notoriamente tenham tido comprometimento com a prática de graves violações.

Conforme pontuado na sentença, observa-se que o Inquérito Civil - IC que subsidia a presente Ação Civil Pública foi instaurado em 24/08/2018, para apurar a notícia da construção de edifício, pelo Exército Brasileiro, na Av. Conselheiro Rosa e Silva, no bairro da Tamarineira, Recife/PE, cuja placa de descrição indica, além do financiamento com recursos federais, a denominação "Edifício Marechal Castelo Branco"; com a finalidade de verificar eventual descumprimento da Recomendação nº 28 do referido Relatório Final da CNV, sob o fundamento de o ex-presidente da República estar relacionado entre os autores de graves violações de direitos humanos pela Comissão Nacional da Verdade - CNV, em seu Relatório Final, Capítulo 16 ("A autoria a graves violações de direitos humanos").

O IC teve regular andamento e, em 18/01/2019, Órgão do Ministério Público Federal oficiante à época, em substituição,  promoveu o seu arquivamento, mediante apresentação da respectiva Promoção de Arquivamento.

Na fase de revisão do ato de arquivamento do IVC, pelo colegiado do MPF, deliberou-se, por unanimidade, pela homologação do arquivamento, nos termos do voto do (a) relator (a), o que aconteceu em 27/02/2019. Em seu r. Voto, o Relator referendou os motivos e fundamentos declinados pelo órgão ministerial que apresentou a Promoção de Arquivamento.

No entanto, no dia 19/03/2019, Órgão do MPF que figurou como noticiante dos fatos ["construção de um edifício, pelo Exército Brasileiro, na Avenida Conselheiro Rosa e Silva, em frente ao Hospital Ulysses Pernambucano, (...), cuja placa de descrição da obra indica, além do financiamento com recursos federais, a denominação 'Edifício Marechal Castelo Branco', ex-presidente da República relacionado entre os autores de graves violações de direitos humanos pela Comissão Nacional da Verdade - CNV(...)]", por discordar da decisão administrativa de arquivamento, e considerando que findou o período de substituição da signatária no 9º Ofício, apresentou Recurso da decisão de arquivamento, que findou, em 02.09.2019,  por ser acolhido, para que se desse continuidade à tramitação do referido IC, que embasa a presente ACP.

Em relação à questão devolvida ao Tribunal, comunga-se do entendimento do juízo sentenciante no sentido de que: i) A pessoa do "Marechal Humberto de Alencar Castello Branco", Marechal de Exército Brasileiro (de 1897 a 1967) e Presidente da República (de 15/04/1964 a 15/03/1967), aparece no Relatório Final da CNV como agente público responsável por graves violações de direitos humanos,  descritas na Lei nº 12.528/2011, na categoria "responsabilidade político-institucional", porque, no período em que foi Presidente da República, foi criado, em  junho de 1964, o Serviço Nacional de Informação - SNI, para coordenar a ação repressiva do Estado brasileiro; ii) Embora se reconheça a relevância das Recomendações expedidas pela Comissão Nacional da Verdade, com destaque para a Recomendação nº 28, objeto destes autos, o mencionado instrumento - Recomendação - não tem  caráter vinculante para a Administração Pública, logo, não obriga os órgãos públicos ao seu cumprimento. Conforme exposto na Promoção de Arquivamento do MPF (o arquivamento não prevaleceu, consoante narrado), as Recomendações da Comissão Nacional da Verdade - CNV são: "(...) mera orientação aos órgãos públicos e entidades sociais para o balizamento de suas ações, não tendo o condão de vincular a Administração Pública em suas decisões. In casu, cabe ao Exército, no âmbito de sua discricionariedade, a denominação dos seus prédios (...)"; iii) Registre-se que o Estado de Pernambuco, pela Lei nº 16.629, passou a vedar, a partir de 20 de setembro de 2019, a atribuição de nome de pessoa que conste no Relatório Final da CNV, como responsável por violações de direitos humanos, a prédios, rodovias, repartições publicasse e bens de qualquer natureza pertencente ou sob gestão da Administração Pública Estadual direta e indireta.  O prédio público em questão, por meio do qual se homenageia o referido Personagem, da história do Brasil, não é Estadual, mas sim Federal, logo a ele não se aplicam a lei estadual.

Diante desse contexto, tratando-se de mera recomendação, conclui-se que o nome dado ao imóvel sob jurisdição do Exército não ofende mandamento legal e/ou constitucional, não se vislumbrando ilegalidade.

Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO à apelação.

É como voto.

 

PROCESSO Nº: 0812782-58.2020.4.05.8300 - APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA
APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
APELADO: UNIÃO FEDERAL
RELATOR(A): Desembargador(a) Federal Fernando Braga Damasceno - 3ª Turma
JUIZ PROLATOR DA SENTENÇA (1° GRAU): Juiz(a) Federal Francisco Alves Dos Santos Júnior

 

 

EMENTA: ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. ALTERAÇÃO DE NOME DE PRÉDIO PÚBLICO EM CONSTRUÇÃO. RECOMENDAÇÃO DA COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE. CARÁTER NÃO VINCULANTE.

1. Trata-se de apelação interposta contra sentença que julgou improcedente o pedido formulado pelo Ministério Público Federal, em sede de ação civil pública, na qual se pretende "a condenação da União, por intermédio do Ministério da Defesa-EXÉRCITO BRASILEIRO, à obrigação de fazer consistente em implementar a Recomendação de nº 28, emitida pela Comissão Nacional da Verdade em seu Relatório Final, se abstendo de atribuir ao prédio em construção na Av. Conselheiro Rosa e Silva, s/n (em frente ao Hospital Psiquiátrico Ulisses Pernambucano), Tamarineira, Recife/PE, a denominação de Marechal Castelo Branco ou qualquer outro personagem que tenha tido comprometimento com a prática de graves violações aos direitos humanos".

2. De início, observa-se que a União sustentou, preliminarmente, a ausência de interesse processual do Ministério Público Federal, diante da inadequação da via eleita, pois para propositura da Ação Civil Pública é necessário o descumprimento de um dever legal, inexistente no presente caso, já que ausente obrigação legal preestabelecida, tendo o MPF baseado seu pleito em Recomendação da Comissão Nacional da Verdade, o que inviabiliza o conhecimento da demanda. A meu ver, tal questão confunde-se com o mérito da demanda, que se passa a analisar.

3. Na presente ação, o MPF defende, em apertada síntese, que a conduta perpetrada pelo Comando do Exército de atribuir denominação ao prédio, ainda em construção, em homenagem ao ex-presidente da República Marechal Castello Branco, representante do longo período de ditadura militar no país entre 1964 e 1985, afronta cabalmente a recomendação nº 28 do Relatório Final da CNV - Comissão Nacional da Verdade, que, buscando a preservação da memória das graves violações de direitos humanos, propôs que fossem adotadas medidas visando promover a alteração da denominação de logradouros, vias de transporte, edifícios e instituições públicas de qualquer natureza, sejam federais, estaduais ou municipais, que se refiram a agentes públicos ou a particulares que notoriamente tenham tido comprometimento com a prática de graves violações.

4. Conforme pontuado na sentença, observa-se que o Inquérito Civil - IC que subsidia a presente Ação Civil Pública foi instaurado em 24/08/2018, para apurar a notícia da construção de edifício, pelo Exército Brasileiro, na Av. Conselheiro Rosa e Silva, no bairro da Tamarineira, Recife/PE, cuja placa de descrição indica, além do financiamento com recursos federais, a denominação "Edifício Marechal Castelo Branco"; com a finalidade de verificar eventual descumprimento da Recomendação nº 28 do referido Relatório Final da CNV, sob o fundamento de o ex-presidente da República estar relacionado entre os autores de graves violações de direitos humanos pela Comissão Nacional da Verdade - CNV, em seu Relatório Final, Capítulo 16 ("A autoria a graves violações de direitos humanos").

5. O IC teve regular andamento e, em 18/01/2019, Órgão do Ministério Público Federal oficiante à época, em substituição,  promoveu o seu arquivamento, mediante apresentação da respectiva Promoção de Arquivamento.

6. Na fase de revisão do ato de arquivamento do IVC, pelo colegiado do MPF, deliberou-se, por unanimidade, pela homologação do arquivamento, nos termos do voto do (a) relator (a), o que aconteceu em 27/02/2019. Em seu r. Voto, o Relator referendou os motivos e fundamentos declinados pelo órgão ministerial que apresentou a Promoção de Arquivamento.

7. No entanto, no dia 19/03/2019, Órgão do MPF que figurou como noticiante dos fatos ["construção de um edifício, pelo Exército Brasileiro, na Avenida Conselheiro Rosa e Silva, em frente ao Hospital Ulysses Pernambucano, (...), cuja placa de descrição da obra indica, além do financiamento com recursos federais, a denominação 'Edifício Marechal Castelo Branco', ex-presidente da República relacionado entre os autores de graves violações de direitos humanos pela Comissão Nacional da Verdade - CNV(...)]", por discordar da decisão administrativa de arquivamento, e considerando que findou o período de substituição da signatária no 9º Ofício, apresentou Recurso da decisão de arquivamento, que findou, em 02.09.2019,  por ser acolhido, para que se desse continuidade à tramitação do referido IC, que embasa a presente ACP.

8. Em relação à questão devolvida ao Tribunal, comunga-se do entendimento do juízo sentenciante no sentido de que: i) A pessoa do "Marechal Humberto de Alencar Castello Branco", Marechal de Exército Brasileiro (de 1897 a 1967) e Presidente da República (de 15/04/1964 a 15/03/1967), aparece no Relatório Final da CNV como agente público responsável por graves violações de direitos humanos,  descritas na Lei nº 12.528/2011, na categoria "responsabilidade político-institucional", porque, no período em que foi Presidente da República, foi criado, em  junho de 1964, o Serviço Nacional de Informação - SNI, para coordenar a ação repressiva do Estado brasileiro; ii) Embora se reconheça a relevância das Recomendações expedidas pela Comissão Nacional da Verdade, com destaque para a Recomendação nº 28, objeto destes autos, o mencionado instrumento - Recomendação - não tem  caráter vinculante para a Administração Pública, logo, não obriga os órgãos públicos ao seu cumprimento. Conforme exposto na Promoção de Arquivamento do MPF (o arquivamento não prevaleceu, consoante narrado), as Recomendações da Comissão Nacional da Verdade - CNV são: "(...) mera orientação aos órgãos públicos e entidades sociais para o balizamento de suas ações, não tendo o condão de vincular a Administração Pública em suas decisões. In casu, cabe ao Exército, no âmbito de sua discricionariedade, a denominação dos seus prédios (...)"; iii) Registre-se que o Estado de Pernambuco, pela Lei nº 16.629, passou a vedar, a partir de 20 de setembro de 2019, a atribuição de nome de pessoa que conste no Relatório Final da CNV, como responsável por violações de direitos humanos, a prédios, rodovias, repartições publicasse e bens de qualquer natureza pertencente ou sob gestão da Administração Pública Estadual direta e indireta.  O prédio público em questão, por meio do qual se homenageia o referido Personagem, da história do Brasil, não é Estadual, mas sim Federal, logo a ele não se aplicam a lei estadual.

9. Diante desse contexto, tratando-se de mera recomendação, conclui-se que o nome dado ao imóvel sob jurisdição do Exército não ofende mandamento legal e/ou constitucional, não se vislumbrando ilegalidade.

10. Apelação improvida.

 

PROCESSO Nº: 0812782-58.2020.4.05.8300 - APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA
APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
APELADO: UNIÃO FEDERAL
RELATOR(A): Desembargador(a) Federal Fernando Braga Damasceno - 3ª Turma
JUIZ PROLATOR DA SENTENÇA (1° GRAU): Juiz(a) Federal Francisco Alves Dos Santos Júnior

 

 

ACÓRDÃO

Decide a Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do voto do Relator, na forma do relatório e notas taquigráficas que passam a integrar o presente julgado.





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Processo: 0812782-58.2020.4.05.8300
Assinado eletronicamente por:
FERNANDO BRAGA DAMASCENO - Magistrado
Data e hora da assinatura: 23/11/2021 10:45:38
Identificador: 4050000.29004808

Para conferência da autenticidade do documento:
https://pje.jfpe.jus.br/pje/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam

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21112310391600000000022182198

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sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

UM CASO CONCRETO DE APLICAÇÃO DA DECADÊNCIA DO ART. 54 DA LEI 9.784, DE 1999

 Por Francisco Alves dos Santos Júnior

A FAZENDA PÚBLICA pode rever ato administrativo, no qual tenha concedido benefício indevido para Servidores e/ou para Administrados, todavia tem o prazo legal de 5(cinco) anos para fazê-lo. 

Na sentença que segue, um caso concreto em que a UNIÃO perdeu esse prazo. 

Boa leitura. 



PROCESSO Nº: 0824027-03.2019.4.05.8300 - PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL

AUTOR: S S DA S 
ADVOGADO: S  B
RÉU: UNIÃO FEDERAL - UNIÃO.
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)

 

 Sentença tio B, registrada eletronicamente.


EMENTA: - DIREITO ADMINISTRATIVO. MILITAR. AERONÁUTICA. TAIFEIRO. REVISÃO DE PROVENTOS PELA ADMINISTRAÇÃO. DECADÊNCIA.

- A Administração Pública tem o poder-dever de rever seus próprios atos, conforme a Súmula nº 473 do Supremo Tribunal Federal, desde que o faça no prazo legal de 5(cinco) anos(art. 54 da Lei nº 9.784, de 1999).

- Reconhecimento da decadência  do direito de a UNIÃO exercer o seu poder-dever revisional dos proventos  do  Autor.

- Condenação da UNIÃO a restabelecer os proventos do Autor, pagando as respectivas diferenças da noticiada redução, bem como em verba honorária.

- Concessão da tutela provisória de urgência de antecipação. 

- Procedência.


Vistos, etc.

1. Relatório

Trata-se de Ação de Nulidade de Ato Administrativo com Pedido de Antecipação de Tutela ajuizada por J S DA S em face da UNIÃO, pretendendo liminarmente o restabelecimento dos proventos com base no soldo de Segundo Tenente. Inicialmente, requereu a concessão dos benefícios da justiça gratuita e a tramitação prioritária do feito. Alegou que: a) seria militar da inatividade da Aeronáutica, integrante do Quadro de Taifeiros da Aeronáutica, tendo ingressado na reserva remunerada em 1995, conforme a Portaria DIRAP Nº 042/1RC, de 04.01.1995; b) por ter ido para reserva em período anterior a dezembro de 2000, beneficiou-se da legislação vigente à época, que outorgava o direito de - ao ingressar na reserva - ter os proventos calculados no soldo do posto/graduação imediatamente superior, de acordo com o art. 34 da Medida Provisória nº 2.215-10, de 31 de agosto de 2001; c) com a promulgação da Lei nº 12.158, de 28 de dezembro de 2009, regulamentada pelo Decreto nº 7.188, de 27 de maio de 2010, foi assegurado o acesso do Autor, por ser integrante do Quadro de Taifeiros da Aeronáutica, às graduações a que fazia jus; d) no caso do Autor, foram dados os benefícios da graduação de SUBOFICIAL com os proventos baseados do posto de SEGUNDO TENENTE, conforme PORTARIA DIRAP Nº 7197/3HI1, DE 08.10.2010, publicada no Boletim do Comando da Aeronáutica nº 193, de 15/10/2010 e o Título de Proventos na Inatividade nº 2648/10, datado em 01.07.2010; e) ocorre que, a partir de uma nova interpretação (sem qualquer alteração legislativa), a Administração Militar passou a entender que não deveria ter aplicado de forma concomitante a Lei 12.158/2009 com o art. 34 da Medida Provisória nº 2.215-10; f) com isso, o Autor foi surpreendido com a publicação da Portaria DIRAP Nº 3851/IP4-3, de 15 de junho de 2019, publicada no Boletim do Comando da Aeronáutica nº 105, de 18.06.2019, com fins de "Revisão de proventos de Graduados do Quadro de Taifeiros em decorrência das graduações alcançadas, na forma do disposto na Lei nº 12.158/2009."; g) assim, em outubro/2019 os proventos do Autor teriam sofrido drástica redução, passando para o soldo de SUBOFICIAL; h) a anulação praticada pela administração militar seria ilegal, carecendo de imediata intervenção do Poder Judiciário. Teceu outros documentos. Juntou procuração e documentos.

O despacho de identificador 4058300.12860780, determinou a intimação do Autor para apresentar as últimas 2(duas) declarações integrais do Imposto de Renda, para o devido exame da sua real situação econômico-financeira para fins de concessão do benefício da assistência judiciária gratuita.

Em decisão proferida sob Id. 4058300.13411078, foi indeferido o pedido para concessão dos benefícios da Justiça Gratuita e se determinou que o Autor recolhesse as custas iniciais sob pena de cancelamento da distribuição e consequente indeferimento da inicial e extinção do processo sem julgamento do mérito.

O Autor, em petição acostada sob Id. 4058300.13758395, requereu a juntada do comprovante de pagamento das custas judiciais.

Decisão proferida e anexada sob Id. 4058300.14459518, pela qual foi deferido a tramitação prioritária do feito e indeferido naquele momento o pedido de tutela provisória de urgência para apreciação após a contestação. Determinou-se a citação da Ré.

Citada, a UNIÃO apresentou contestação (Id.4058300.15010448). Alegou em síntese, não prosperar a alegação de decadência da Administração de ter revisto o ato questionado na presente demanda tendo em vista que teria iniciado a revisão dos atos administrativos em junho de 2015, por meio da Portaria COMGEP nº 1.471-T/AJU, de 25 de junho de 2015, por meio da qual teria cientificado todos os interessados. Aduziu que a revisão questionada neste feito decorreu do poder de autotutela da Administração, que lhe obriga a afastar a vigência de atos administrativos viciados tão logo constatado defeito de tal monta, haja vista o princípio constitucional da legalidade.  Pugnou pela improcedência do pedido.

O Autor, apesar de devidamente intimado por Ato Ordinatório a manifestar-se sobre a contestação, deixou transcorrer o prazo e não apresentou réplica.

Vieram os autos conclusos.

 É o breve relatório.

Passo a fundamentar e a decidir.

2. Fundamentação

Julgo este feito antecipadamente, de acordo com o estado do processo (art. 355, CPC), por entender desnecessária qualquer dilação probatória.

2.1. Do Mérito

Objetiva a Parte Autora provimento judicial para que seja cancelado o ato administrativo Federal, consubstanciado na PORTARIA DIRAP Nº 3851/IP4-3, de 15 de junho de 2019, e que seja restabelecido os seus proventos ao soldo de Segundo Tenente.

Pelos documentos acostados aos autos, PORTARIA DIRAP nº 7.197/3HI1, de 08 de outubro de 2010 (Id. 4058300.12852458), consta que foi assegurado ao Autor, a contar de 1º de julho de 2010, o acesso à graduação de Suboficial, nos termos do art. 1º, parágrafo único, combinado com o art. 5º, inciso V, do Decreto nº 7.188 de 27.05.2010, produzindo efeitos financeiros a contar de 1º de julho de 2010.

O título de proventos com os dados financeiros a partir de 1/07/2010 está anexado sob Id. 4058300.12852489 e as fichas financeira a partir de 2010 até o ano de 2018 estão anexadas sob Id. 4058300.12852506, atestam que de julho de 2010 até dezembro de 2018, o Autor recebera os seus proventos de acordo com a PORTARIA DIRAP nº 7.197/3HI1, de 08 de outubro de 2010 que lhe assegurou o acesso à graduação de Suboficial.

Não foram anexadas aos autos as fichas financeiras do ano de 2019, que atestem a alegação do Autor de que teria havido a redução em seu salário. Entretanto, foi anexada sob Id. 4058300.12852542 a Portaria, DIRAP nº 3.851/IP4-3, de 15 de junho de 2019, que determinou a revisão do valor dos proventos do Autor, fixados na Portaria DIRAP nº 7197/3HI1, de 08 de outubro de 2010.

 Portanto, o Autor recebeu seus proventos por quase 9 anos (de 2010 até 2019), sem que Administração tenha exercido no tempo hábil o direito de anulação, qual seja, no prazo de 5(cinco) anos, conforme regra do art. 54 da Lei nº 9.784, de 1999.

Realmente, conforme assentado na jurisprudência, a Administração Pública tem o poder-dever de rever seus próprios atos, e nesse sentido é a Súmula nº 473 do Supremo Tribunal Federal:

"Súmula n.º 473 - A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial."

Mas, desde que a Administração o faça no prazo legal, acima indicado.

Teria ocorrido o prazo decadencial de cinco anos para a revisão em tela, nos termos do art. 54 da Lei 9.784/1999, conforme alega o Autor em sua exordial?

Creio que sim.

Vejamos.

Eis o texto do art 54 da Lei nº 9.784/1999:

"Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé. 

§ 1º No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo de decadência contar-se-á da percepção do primeiro pagamento. 

§ 2o Considera-se exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato.". 

A UNIÃO FEDERAL - UNIÃO, alegou, em sua contestação, que não teria ocorrido a decadência tendo em vista que teria iniciado a revisão dos atos administrativos em junho de 2015, por meio da Portaria COMGEP nº 1.471-T/AJU, de 25 de junho de 2015, publicada no Boletim do Comando da Aeronáutica nº 121, de 01 de julho de 2015, por meio da qual teria cientificado todos os interessados antes de passados 5 anos do primeiro pagamento em parcela maior da qual seria devida, que no caso em tela teria ocorrido em 1º de agosto de 2010.

Ora, reza o art. 207 do Código Civil, que a fluência do prazo de decadência não se suspende, nem se interrompe, exceto expressa previsão legal.

Não há Lei estabelecendo a suspensão ou a interrupção do prazo de prescrição para o caso concreto

Então, Portaria instaurando procedimentos para, genericamente, apurar a legalidade/ilegalidade de atos administrativos em determinado setor da Administração Pública, como a Portaria noticiada pela ora Requerida, não tem força suspensiva ou interruptiva da fluência do prazo de decadência em debate.

Aliás, a respeito do assunto, reza o § 2º, acima transcrito, do art.54 da Lei nº 9.784, de 1999.

"§ 2o Considera-se exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato.". 

Sendo assim, não há como admitir que a mencionada Portaria COMGEP nº 1.471-T/AJU, de 25 de junho de 2015, seja considerada como efetivo exercício do direito de autotutela da Administração, porque consiste em mero ato preparatório para instauração do processo de anulação de ato administrativo.

Depreende-se que o Autor vem recebendo os seus proventos, de boa-fé, com base em Portaria do Comando da Aeronáutica, há quase 9 anos, sem qualquer impugnação por parte da Administração Pública.

Então, quando a Administração Pública baixou Portaria, DIRAP Nº 3.851/IP4-3, em 15 de junho de 2019, modificando o valor dos proventos do Autor, fixados na Portaria  DIRAP nº 7.197/3HI1, de 08 de outubro de 2010, portanto, quase 9(nove) anos depois, já não poderia fazê-lo, porque esse seu poder-dever já se encontrava fulminado pela decadência quinquenal legal,  acima apontada.

3. Dispositivo                                                

Posto isso:

3.1. julgo procedentes os pedidos desta ação, com acolhimento da exceção de decadência quinquenal, levantada pela Parte Autora, pronuncio a decadência do direito de a UNIÃO FEDERAL - UNIÃO exercer o seu poder-dever de editar Portaria modificando o ato de concessão de aposentadoria do Autor, Portaria cancelando a Portaria DIRAP nº 7.197/3HI1, de 08 de outubro de 2010, pelo que cancelo a Portaria DIRAP Nº 3.851/IP4-3, de 15 de junho de 2019, pela qual mencionada modificação foi concretizada, restabeleço aquela Portaria DIRAP nº 7.197/3HI1, 08 de outubro de 2010, e condeno a ora Requerida a restabelecer os proventos de aposentadoria (reforma remunerada) do Autor nos valores e parâmetros pagos até o mês anterior em que foi alterado os seus proventos com base na Portaria DIRAP nº 3.851/IPA-3 de 15.06.2019, sem prejuízo de eventuais reajustes/aumentos concedidos em datas posteriores, bem como a pagar as diferenças vencidas, retroativamente à data que sofreu redução por conta da mencionada Portaria DIRAP Nº 3.851/IP4-3, de 15.06.2019, ora cancelada, com correção monetária e juros de mora  na forma indicada no Manual de Cálculos do Conselho da Justiça Federal - CJF, no qual já se encontra incorporado o entendimento do Plenário do Supremo Tribunal Federal no acórdão relativo ao RE 870.945/SE[1], estendendo-se mencionada atualização até a data da expedição do(s) requisitório(s), conforme julgado do Plenário do Supremo Tribunal Federal [2].

 3.2. Preenchidos os requisitos autorizadores da concessão da liminar, probabilidade jurídica do direito do Autor e o perigo da demora, exigidos pelo art. 300 do atual Código de Processo Civil, defiro a tutela provisória de urgência de antecipação requerida e determino que a UNIÃO FEDERAL - UNIÃO se abstenha de promover desconto/redução nos proventos percebidos pelo Autor, cancelando o ato administrativo Federal consubstanciado na PORTARIA DIRAP Nº 3.851/IP4-3, de 15 de junho de 2019 e que restabeleça os proventos do Autor de acordo com os critérios aplicados até junho de 2019, sem prejuízo de eventuais reajustes/aumentos concedidos posteriormente a essa data e o faça no prazo  máximo de 30(trinta) dias, sob pena de pagamento de multa  mensal, no valor de R$ 3.000,00(três  mil reais) a favor do Autor,  sem prejuízo da responsabilização pessoal do Servidor e/ou Dirigente que der azo ao pagamento dessa multa, no campo administrativo, civil e criminal.

3.3. Outrossim, com base nos §§ 2º ao 5º do art. 85 do CPC, condeno a UNIÃO a pagar ao(s) Patrono(s) do Autor verba honorária, que arbitro no mínimo legal, observada a gradação do invocado § 3º do art. 85 do CPC, sobre o valor total das diferenças acima indicadas, bem como sobre as 12(doze) primeiras parcelas das diferenças em questão que voltarão a ser pagas nos proventos do Autor(§ 9º do art. 85 do CPC).

Sentença não sujeita ao duplo grau de jurisdição, porque o valor total não corresponderá ao valor de 1.000 (hum mil) salários mínimos (art. 496, §3º, inciso I do CPC).

Registre-se. Intime-se.

Recife, 04.12.2020

Francisco Alves dos Santos Júnior

 Juiz Federal da 2a Vara da JFPE


                                (arf)



[1]  O Plenário do STF, no julgamento do RE 870.947/SE, sob repercussão geral, tema 810, concluiu que, mesmo depois da Lei 11.960, de 2009, continua válido o índice de correção monetária IPCA-E.

Brasil Supremo Tribunal Federal. Plenário. Recurso Extraordinário -  RE nº  870947/SE, Repercussão Geral. Tema 810. Relator Ministro Luiz Fux. Julgado em 20.09.2017. Ainda não publicado.

Disponível em:

http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=870947&classe=RE-RG&codigoClasse=0&origem=JUR&recurso=0&tipoJulgamento=M

[2] Brasil Supremo Tribunal Federal. Plenário. Recurso Extraordinário-RE 579.431/RS. Relator Ministro Marco Aurélio, Publicado no Diário Judicial Eletrônico - Dje de 19.04.2017[Repercussão Geral, Tema 96, Mérito].

 Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2598262

 Acesso em 10.10.2017.




terça-feira, 1 de dezembro de 2020

O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE NO PARCELAMENTO ESPECIAL DA LEI Nº 13.496, DE 24.10.2017

Por Francisco Alves dos Santos Júnior

Na sentença abaixo, discute-se a necessidade de rígida observância do princípio da legalidade,  no campo tributário. 

Boa leitura.  

Obs.: sentença pesquisada e minutada  pela Assessora Luciana Simões Correa de Albuquerque



 PROCESSO Nº: 0810166-13.2020.4.05.8300 - MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL

IMPETRANTE: M DE F C - SOCIEDADE INDIVIDUAL DE ADVOCACIA
ADVOGADO: M De F C J 
IMPETRADO: FAZENDA NACIONAL
AUTORIDADE COATORA: PROCURADOR GERAL CHEFE DA PROCURADORIA GERAL DA FAZENDA NACIONAL - PGFN EM RECIFE - PE
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)


SENTENÇA TIPO A, REGISTRADA ELETRONICAMENTE


EMENTA:- TRIBUTÁRIO. PARCELAMENTO DE DÉBITOS. PROGRAMA ESPECIAL DE REGULARIZAÇÃO TRIBUTÁRIA - PERT. LEI Nº 13.496/17. CRÉDITOS DE PREJUÍZO FISCAL E DE BASE DE CÁLCULO NEGATIVA DE CSLL

-Portaria da PGFN não pode criar limites temporais, quanto às parcelas de prejuízos fiscais que podem ser deduzidas, não fixados na Lei de regência.

            -Concessão da segurança. Vistos, etc.


Vistos, etc.

1. Breve Relatório

Versam os presentes autos sobre Mandado de Segurança impetrado por M DE  C SOCIEDADE INDIVIDUAL DE ADVOCACIA em face do Ilmo Sr. ILMO. SR. PROCURADOR GERAL CHEFE DA PROCURADORIA GERAL DA FAZENDA NACIONAL -PGFN em RECIFE -PE, vinculado à União Federal (Fazenda Nacional).  Aduziu, em síntese, que: seria pessoa jurídica de direito privado que atuaria como escritório de advocacia e que terminara  por aderir ao Parcelamento Especial instituído pela Lei n.º13.496, de 24.10.2017, visando suspender a exigibilidade de créditos tributários constituídos contra a sua pessoa; apesar de ter CONFESSADO A DÍVIDA TRIBUTÁRIA, não poderia ser compelida a efetuar o pagamento de tributos baseados em normas INCONSTITUCIONAIS e/ou ILEGAIS; a impetrante seria pessoa jurídica de direito privado e que, quando exercia suas atividades teria sido um grande escritório de advocacia com sede na Cidade do Recife e inúmeras filiais espalhadas pelo país; em virtude de uma grave crise financeira, teria contraído um elevado passivo tributário devidamente constituído e inscrito em dívida ativa no âmbito federal e municipal, o que comprometera o exercício das suas atividades; no ano-calendário de 2015, a Impetrante teria apresentado sua Declaração do Imposto de Renda Pessoa Jurídica - DIPJ na condição de INATIVA, uma vez que naquele ano não teria auferido qualquer receita operacional naquele exercício (Doc. 04);  visando honrar com os seus compromissos, a Impetrante teria terminado incluindo todo o seu passivo tributário no âmbito federal no Programa Especial de Regularização Tributária (PERT), instituído pela Lei n.º 13.496, de 24.10.2017, fruto da conversão da Medida Provisória n.º 783, de 31.05.2017; como o passivo tributário previdenciário constituído contra a Impetrante seria inscrito em dívida ativa e no valor inferior a R$ 15.000.000,00 (quinze milhões de reais), teria incluído as suas dívidas no parcelamento previsto no art. 3º, inciso II, alínea "b", parágrafo único, tombado sob o n.º 191000172331081756 (Doc. 05); diferentemente do que acontecera com os parcelamentos no âmbito da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional - PGFN, os débitos controlados pela Receita Federal do Brasil - RFB poderiam ser compensados com prejuízo fiscal acumulado do Imposto de Renda Pessoa Jurídica - IRPJ e de base de cálculo negativa da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido - CSLL, desde que apurados em 2015 e declarados até 29/julho/2016, conforme se depreende da leitura do disposto no art. 2º, §§2º e 5º da Lei n.º 12.496/2017, nos termos ali transcritos; o legislador teria achado por bem NÃO limitar a utilização do prejuízo fiscal e da base de cálculo negativa da CSLL para quitação de débitos com a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional - PGFN;  visando regulamentar a matéria no tocante à compensação de créditos de prejuízos fiscais e de base de cálculo negativa com débitos inscritos em dívida ativa, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional - PGFN teria editado a Portaria/PGFN n.º 690, de 29.06.2017;  para surpresa da Impetrante, a PGFN teria editado a Portaria/PGFN n.º 1.207, de 28.12.2017, limitando a utilização do prejuízo acumulado da forma ali especificada; como a Impetrante teria apresentado sua Declaração do Imposto de Renda Pessoa Jurídica - IRPJ relativa ao ano-calendário de 2015, exercício de 2016, como estando INATIVA, teria ficado impossibilitada de utilizar os seus prejuízos fiscais e a base de cálculo negativa da CSLL; para agravar ainda mais a situação, o autoridade coatora teria determinado que a utilização dos créditos só poderia ser realizada se informados no Portal da PGFN no período de 02/janeiro/2018 a 31/janeiro/2018, conforme previsto no art. 2º, inciso I da referida Portaria; diante disso, a Impetrante teria ficado  impossibilitada de utilizar o seu prejuízo fiscal e base de cálculo negativa da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido - CSLL, o que faria com que liquidasse integral e antecipadamente o seu parcelamento, conforme se comprova pelo extrato em anexo (Doc. 06); ao fazer uma análise sobre a matéria, a Impetrante teria constatado que fora lesada pela Fazenda, uma vez que, caso tivesse sido permitido a utilização do seu prejuízo acumulado e da sua base de cálculo negativa da CSLL, o seu PERT já teria sido integralmente extinto; depois de abatido o valor do pedágio, a Impetrante poderia ter abatido o valor do seu prejuízo acumulado e da base de cálculo negativa da CSLL relativa ao ano-calendário de 2015 (Doc. 07), nos termos ali transcritos; a Impetrante teria ficado impossibilitada de compensar o seu prejuízo fiscal e a sua base de cálculo negativa da CSLL em virtude do disposto no art. 1º, inciso I da Portaria/PGFN n.º 1.207, de 28.12.2017, o que teria trazido prejuízos incalculáveis, posto que se fosse possível a realização da compensação, o PERT já teria sido integralmente extinto;  o Código Tributário Nacional teria determinado que caberia à lei regulamentar os procedimentos de compensação, e assim o fez o art. 3º, inciso II, alínea "b", parágrafo único, inciso II da Lei n.º 13.496/2017 ao possibilitar a compensação dos prejuízos fiscais e da base de cálculo negativa da CSLL com débitos do saldo remanescente do PERT; não caberia a uma Portaria restringir direitos concedidos por Lei, prejudicando substancialmente o patrimônio da Impetrante; não poderia continuar sendo compelida a efetuar o pagamento das prestações mensais do PERT objeto da presente ação até que a autoridade coatora procedesse com o recálculo do saldo remanescente, após a implementação da compensação do referido saldo com o prejuízo fiscal e da base de cálculo negativa seja no ano de 2015 (R$ 15.123.733,18) ou de 2016 (R$ 15.715.567,03), com o saldo do PERT;  só lhe  teria restado impetrar o presente writ visando assegurar o seu direito líquido e certo de ter retificado o saldo remanescente do parcelamento após o pagamento do pedágio, para fins de compensar o referido saldo com créditos de prejuízos fiscal e de base de cálculo negativa da CSLL e, consequentemente, que lhe seja assegurado o direito de compensar as prestações pagas indevidamente, atualizadas pela Taxa SELIC, com outros tributos administrados pela Receita Federal do Brasil - RFB, nos termos do art. 170-A do Código Tributário Nacional - CTN c/c art. 74 da Lei n.º 9.430, de 27.12.1996. Teceu outros comentários e pugnou pela:

a) Concessão da segurança definitiva, confirmando os efeitos da MEDIDA LIMINAR, com vistas a assegurar o seu direito líquido e certo de: (a)- ter recalculado o saldo do Parcelamento Especial de Regularização Tributária (PERT), previsto no art. 3º da Lei n.º 13.496/2017 e tombado sob o nº 191000172331081756, objeto da presente ação, considerando que após o pagamento do pedágio e da redução das multas e juros, deve ser realizada a compensação do saldo devedor com créditos do prejuízo fiscal e da base de cálculo negativa da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido - CSLL, prevista no art. 3º, inciso II, alínea "b", parágrafo único, inciso II da Lei n.º 13.496/2017;

(b) Compensações de todos os valores recolhidos a maior a título de prestações do Programa Especial de Regularização Tributária (PERT), atualizados pela Taxa SELIC, com outros tributos administrados pela Receita Federal do Brasil - RFB, nos termos do art. 170-A do Código Tributário Nacional - CTN c/c art. 74 da Lei n.º 9.430/96.

Foi determinada a notificação da autoridade apontada como coatora (Id. 4058300.14741850).

A União (Fazenda Nacional) manifestou seu interesse no feito (Id. 4058300.14824215).

A Impetrante pugnou pela juntada de precedentes favoráveis (Id. 4058300.14905158 e 4058300.15887780).

O Ministério Público Federal não se manifestou sobre o mérito da questão (Id. 4058300.15250954).

É o relatório , no essencial.

Passo a decidir.

2. Fundamentação

Defende a Impetrante, em apertada síntese, que teria ficado impossibilitada de compensar o seu prejuízo fiscal e a sua base de cálculo negativa da CSLL em virtude do disposto no art. 1º, inciso I,  da Portaria/PGFN n.º 1.207, de 28.12.2017, que assevera, verbis:

"Art. 1° O sujeito passivo que, na data da adesão ao Programa Especial de Regularização Tributária (Pert), possuir dívida total, sem reduções, de valor igual ou inferior a R$ 15.000.000,00 (quinze milhões de reais) e aderir a uma das modalidades previstas nos incisos II a IV do art. 3º Portaria PGFN nº 690, de 29 de junho de 2017, poderá utilizar, para amortização do saldo devedor:

I - os créditos próprios de prejuízo fiscal decorrentes da atividade geral ou da atividade rural e de base de cálculo negativa da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), existentes até 31 de dezembro de 2015 e declarados até 29 de julho de 2016, que estejam disponíveis para utilização;".

No caso dos autos, a ilegalidade apontada pela impetrante consistiria na ingerência da Portaria PGFN 1207/2017, em seara que só poderia ser tratada por Lei, de forma que, por meio desse ato normativo administrativo, no que a Procurador Geral da Fazenda Nacional teria exorbitado de seu poder instrumental, inovando de modo indevido no direito.

Pois bem.

Ao dispor sobre o Programa Especial de Regularização Tributária (PERT), a Lei nº 13.496/17, assim estabeleceu:

"Art. 2º No âmbito da Secretaria da Receita Federal do Brasil, o sujeito passivo que aderir ao Pert poderá liquidar os débitos de que trata o art. 1º desta Lei mediante a opção por uma das seguintes modalidades:

I - pagamento em espécie de, no mínimo, 20% (vinte por cento) do valor da dívida consolidada, sem reduções, em até cinco parcelas mensais e sucessivas, vencíveis de agosto a dezembro de 2017, e a liquidação do restante com a utilização de créditos de prejuízo fiscal e de base de cálculo negativa da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) ou de outros créditos próprios relativos aos tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, com a possibilidade de pagamento em espécie de eventual saldo remanescente em até sessenta prestações adicionais, vencíveis a partir do mês seguinte ao do pagamento à vista;

II - pagamento da dívida consolidada em até cento e vinte prestações mensais e sucessivas, calculadas de modo a observar os seguintes percentuais mínimos, aplicados sobre o valor da dívida consolidada:

a) da primeira à décima segunda prestação - 0,4% (quatro décimos por cento);

b) da décima terceira à vigésima quarta prestação - 0,5% (cinco décimos por cento);

c) da vigésima quinta à trigésima sexta prestação - 0,6% (seis décimos por cento); e

d) da trigésima sétima prestação em diante - percentual correspondente ao saldo remanescente, em até oitenta e quatro prestações mensais e sucessivas;

III - pagamento em espécie de, no mínimo, 20% (vinte por cento) do valor da dívida consolidada, sem reduções, em até cinco parcelas mensais e sucessivas, vencíveis de agosto a dezembro de 2017, e o restante:

a) liquidado integralmente em janeiro de 2018, em parcela única, com redução de 90% (noventa por cento) dos juros de mora e 70% (setenta por cento) das multas de mora, de ofício ou isoladas;

b) parcelado em até cento e quarenta e cinco parcelas mensais e sucessivas, vencíveis a partir de janeiro de 2018, com redução de 80% (oitenta por cento) dos juros de mora e 50% (cinquenta por cento) das multas de mora, de ofício ou isoladas; ou

c) parcelado em até cento e setenta e cinco parcelas mensais e sucessivas, vencíveis a partir de janeiro de 2018, com redução de 50% (cinquenta por cento) dos juros de mora e 25% (vinte e cinco por cento) das multas de mora, de ofício ou isoladas, e cada parcela será calculada com base no valor correspondente a 1% (um por cento) da receita bruta da pessoa jurídica, referente ao mês imediatamente anterior ao do pagamento, e não poderá ser inferior a um cento e setenta e cinco avos do total da dívida consolidada; ou

IV - pagamento em espécie de, no mínimo, 24% (vinte e quatro por cento) da dívida consolidada em vinte e quatro prestações mensais e sucessivas e liquidação do restante com a utilização de créditos de prejuízo fiscal e de base de cálculo negativa da CSLL ou de outros créditos próprios relativos aos tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil.

§ 1º Na hipótese de adesão a uma das modalidades previstas no inciso III do caput deste artigo, ficam assegurados aos devedores com dívida total, sem reduções, igual ou inferior a R$ 15.000.000,00 (quinze milhões de reais):

I - a redução do pagamento à vista e em espécie para, no mínimo, 5% (cinco por cento) do valor da dívida consolidada, sem reduções, em até cinco parcelas mensais e sucessivas, vencíveis de agosto a dezembro de 2017; e

II - após a aplicação das reduções de multas e juros, a possibilidade de utilização de créditos de prejuízo fiscal e de base de cálculo negativa da CSLL e de outros créditos próprios relativos aos tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, com a liquidação do saldo remanescente, em espécie, pelo número de parcelas previstas para a modalidade."

A Lei é clara ao estabelecer que os débitos no âmbito da PGFN poderão ser amortizados com créditos de Prejuízo Fiscal e Base Negativa de CSLL sem qualquer limitação temporal de exercício social/fiscal.
 
 A esse respeito, pretende a Portaria nº. 1207/17:
 
            "Art. 1° O sujeito passivo que, na data da adesão ao Programa Especial de Regularização Tributária (Pert), possuir dívida total, sem reduções, de valor igual ou inferior a R$ 15.000.000,00 (quinze milhões de reais) e aderir a  uma das modalidades previstas nos incisos II a IV do art. 3º da Portaria PGFN nº 690, de 29 de junho de 2017, poderá utilizar, para amortização do saldo devedor:
 
            I - os créditos próprios de prejuízo fiscal decorrentes da atividade geral ou da atividade rural e de base de cálculo negativa da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), existentes até 31 de dezembro de 2015 e             declarados até 29 de julho de 2016, que estejam disponíveis para utilização; e" 

A limitação temporal estabelecida na Portaria, circunscrevendo a utilização de créditos de Prejuízo Fiscal e Base Negativa de CSLL no âmbito de parcelamento da PGFN até a data de 31.12.2015, afronta o princípio da legalidade estrita, já que limita indevidamente a faculdade prevista em lei, estabelecido no inciso I e respectivo § 6º do art. 150 da vigente Constituição da República.

É certo, por um lado, que a outorga de parcelamento é uma faculdade do credor, que estipula as condições e os requisitos para que possa ser permitido.
 
 Nada obstante, o conteúdo da norma regulamentar (ou seja, da Portaria) não pode modificar, suspender, alterar, suprimir ou revogar disposição legal ou tampouco inovar.

A limitação estabelecida por norma hierarquicamente inferior restringiu o alcance da própria lei ordinária, sob o mote de regulamentá-la.

Portanto, patente a ilegalidade da Portaria, uma vez que inovou ao estabelecer limitação temporal não prevista na Lei de regência do parcelamento.

Nesse sentido, confira-se o precedente que se segue, aplicável mutatis mutandis ao caso em análise:

"E M E N T A     TRIBUTÁRIO. PARCELAMENTO DE DÉBITOS. PROGRAMA ESPECIAL DE REGULARIZAÇÃO TRIBUTÁRIA - PERT. LEI Nº 13.496/17. CRÉDITOS DE PREJUÍZO FISCAL E DE BASE DE CÁLCULO NEGATIVA DE CSLL DE CONTROLADORA. UTILIZAÇÃO PARA PAGAMENTO DE DÉBITOS JUNTO À PGFN. POSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA DA NORMA JURÍDICA.
1. A questão que ora se impõe cinge-se em saber se a impetrante pode utilizar créditos de prejuízos fiscais e de base de cálculo negativa da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido - CSLL de sua controladora, para o pagamento de débitos tributários incluídos no Programa Especial de Regularização Tributária - PERT, no âmbito da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional - PGFN. 2. A Medida Provisória nº 783/2017, convertida na Lei nº 13.496/2017, instituiu o Programa Especial de Regularização Tributária - PERT, que "abrange os débitos de natureza tributária e não tributária, vencidos até 30 de abril de 2017, inclusive aqueles objeto de parcelamentos anteriores rescindidos ou ativos, em discussão administrativa ou judicial, ou provenientes de lançamento de ofício efetuados após a publicação desta Medida Provisória" (art. 1º, § 2º). 3. O PERT tem como escopo a prevenção e a redução de litígios administrativos ou judiciais relacionados a créditos tributários e não tributários e o consequente aumento na arrecadação, bem assim a regularização de dívidas tributárias exigíveis, parceladas ou com exigibilidade suspensa, proporcionando às empresas condições de enfrentarem a crise econômica e possibilitando que voltem a gerar renda e empregos e a arrecadar seus tributos, conforme exposição de motivos da MP nº 783/2017. 4. Neste passo, o PERT permite a liquidação de débitos junto à Secretaria da Receita Federal do Brasil ou à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, vencidos até 30 de abril de 2017, mediante modalidades que combinam um percentual de pagamento em espécie, parcelamentos com prestações lineares, progressivas ou calculadas sobre percentual da receita bruta, reduções nos acréscimos legais ou utilização de créditos de prejuízos fiscais e de base de cálculo negativa da CSLL ou outros créditos relativos a tributos administrados pela RFB ou com o oferecimento de bens imóveis para dação em pagamento. 5. A Lei nº 13.496/2017 estabelece que, no âmbito da Secretaria da Receita Federal do Brasil, o sujeito passivo que aderir ao PERT poderá liquidar os débitos de que trata o artigo 1º desta Lei  mediante a opção, dentre outras modalidades, do "pagamento em espécie de, no mínimo, 20% (vinte por cento) do valor da dívida consolidada, sem reduções, em até cinco parcelas mensais e sucessivas, vencíveis de agosto a dezembro de 2017, e a liquidação do restante com a utilização de créditos de prejuízo fiscal e de base de cálculo negativa da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) ou de outros créditos próprios relativos aos tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, com a possibilidade de pagamento em espécie de eventual saldo remanescente em até sessenta prestações adicionais, vencíveis a partir do mês seguinte ao do pagamento à vista" (art. 2º, I). 6. Adiante, o legislador especifica a titularidade dos créditos de prejuízos fiscais e de base de cálculo negativa da CSLL que podem ser utilizados no PERT, no âmbito da RFB (art. 2º, § 2º). 7. Por seu turno, referido diploma legal assegura, no âmbito da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, aos devedores com dívida total, sem reduções, igual ou inferior a R$ 15.000.000,00 (quinze milhões de reais), que aderirem a uma das modalidades do PERT previstas no inciso II, do caput, do artigo 3º, "após a aplicação das reduções de multas e juros, a possibilidade de utilização de créditos de prejuízo fiscal e de base de cálculo negativa da CSLL e de outros créditos próprios relativos aos tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, com a liquidação do saldo remanescente, em espécie, pelo número de parcelas previstas para a modalidade" (art. 3º, parágrafo único, II). 8. Neste ponto, vale recordar que a possibilidade de utilização de créditos de prejuízo fiscal e de base de cálculo negativa da CSLL, prevista apenas no âmbito da RFB, quando da edição da MP nº 783/2017, foi estendida para os débitos administrados pela PGFN com a conversão da mencionada medida provisória na Lei nº 13.496/2017. 9. Note-se que, no âmbito da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, o legislador não especificou a titularidade dos créditos de prejuízos fiscais e de base de cálculo negativa da CSLL que podem ser utilizados no PERT, tampouco vedou expressamente que fossem de empresa controladora. 10. Entendo que, na interpretação da lei, deve-se observar além de sua letra fria, sem se deixar dominar pela preocupação de restringir, de modo a não se distanciar de suas finalidades. 11. Considerando-se a interpretação teleológica do dispositivo legal que versa sobre o cerne da questão sub examine, visando assegurar à norma máxima efetividade, bem como tendo em vista a expressa permissão no âmbito da RFB, impende reconhecer que a impetrante pode utilizar créditos de prejuízos fiscais e de base de cálculo negativa da CSLL de sua controladora (BCBF Participação S/A, inscrita no CNPJ/MF sob o nº 19.276.528/0001-16), para quitação dos débitos tributários constantes das CDA's indicadas na exordial, desde que preenchidos os demais requisitos legais. 12. Insta salientar que a Portaria PGFN nº 1.207, de 28 de dezembro de 2017, além de ter sido editada tão somente após o prazo final para adesão ao PERT (14/11/2017), a pretexto de regulamentar os procedimentos de utilização de créditos para amortização do saldo devedor incluído no parcelamento instituído pela Lei nº 13.496/2017, no âmbito da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, ainda restringiu o uso de créditos de prejuízo fiscal e de base de cálculo negativa da CSLL (art. 1º, I), extrapolando os limites de sua competência. 13. Portaria, como norma inferior, não tem o condão de impor restrições não previstas em lei, sob pena de ofensa ao princípio da estrita legalidade. 14. Apelação provida."[1]    
Há de se registrar, por fim, que restou certificado o decurso de prazo sem manifestação da DD Autoridade apontada como coatora, o que reforça a linha hermenêutica ora adotada ora adotada (Id. 4058300.15249683).

3. Dispositivo

 À luz dessas considerações, concedo a segurança pleiteada, para garantir que seja recalculado o saldo do Parcelamento Especial de Regularização Tributária (PERT), noticiado nestes autos, para viabilizar a compensação do saldo devedor com créditos do prejuízo fiscal e da base de cálculo negativa da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido - CSLL, observando-se o consignado na fundamentação supra.

Determino, ainda, que se proceda com as compensações de todos os valores recolhidos a maior a título de prestações do Programa Especial de Regularização Tributária (PERT), atualizados pela Taxa SELIC, com outros tributos administrados pela Receita Federal do Brasil - RFB, nos termos do art. 170-A do Código Tributário Nacional - CTN c/c art. 74 da Lei n.º 9.430/96.

Tudo sob as penas  do art. 26 da Lei nº 12.016, de 2009.

Custas na forma da Lei.

Sem honorários sucumbenciais (art. 25, da Lei n.º 12.016/2009).  

Sentença sujeita ao duplo grau obrigatório de jurisdição (art. 14, § 1º, Lei n. 12.016/2009).

Recife, 01.12.2020.

Francisco Alves dos Santos Júnior

Juiz Federal, 2ª Vara/PE

(lsc)

_____

[1] Brasil. Tribunal Regional Federal da 5ª Região. 3ª Turma. Apelação Cível - ApCiv nº 5003212-25.2018.4.03.6100.  Intimação via sistema DATA: 05/10/2020, sem indicação de veículo de publicação.

Disponível em https://www.cjf.jus.br/jurisprudencia/unificada/.

Acesso em 30.11.2020