quarta-feira, 23 de setembro de 2020

IRRF ACIMA DO VALOR REAL DEVIDO. APURAÇÃO NA DECLARAÇÃO DE AJUSTE ANUAL. DATA DA INCIDÊNCIA DOS JUROS DE MORA(SELIC) NA RESTITUIÇÃO.

 

Por Francisco Alves dos Santos Júnior

Interessante matéria tributária é debatida na sentença infra. Momento da incidência de juros de mora, no valor do imposto de renda retido além do valor devido, quando da restituição pelo Fisco Federal. 

Boa leitura. 



PROCESSO Nº: 0808083-92.2018.4.05.8300 - PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL

AUTOR: SINDICATO DOS POLICIAIS RODOVIARIOS FEDERAIS EM PE
ADVOGADO: Laércio De Souza Ribeiro Neto
SUBSTITUÍDO SINDICAL: J S C DA S
RÉU: FAZENDA NACIONAL
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR) 

Sentença tipo A

EMENTA:- TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA DA PESSOA FÍSICA - IRPF. RETENÇÃO NA FONTE. RESTITUIÇÃO. JUROS. TERMO INICIAL  ART. 16 DA LEI N. 9.250/95.

-O Estado, nos sistemas políticos liberais, não podem receber tratamento diverso do dado aos Contribuintes quanto às responsabilidades tributárias.

- A retenção na fonte de imposto de renda, para  o Contribuinte que sofre a retenção,  corresponde a pagamento.

-A parcela retida indevidamente tem que ser atualizada a partir da data em que esse fenômeno  ocorreu, da mesma forma que se atualiza o tributo quando o Contribuinte faz o pagamento com  atraso.  

-Aplicação do § 4º do art. 39 da Lei nº 9.250, de 1995 c/c incisos I e 1V do art. 150, alínea "b" do inciso III do art. 146, todos da Constituição e dos arts. 161 e 165 do Código Tributário Nacional.

-Procedência.


Vistos, etc.

1. Relatório

SINDICATO DOS POLICIAIS RODOVIÁRIOS FEDERAIS NO ESTADO DE PERNAMBUCO - SINPRF/PE propôs esta AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C PEDIDO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO, a favor do acima indicado Substituído Processual, em face de UNIÃO - FAZENDA NACIONAL, pessoa jurídica de direito público, através da ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO, e a Procuradoria - Regional da Fazenda Nacional - 5ª Região em nome do substituto processual JOSE SANDOVAL CORREIA DA SILVA. Aduziu, em síntese, que: o substituído seria servidor público federal e perceberia como remuneração o montante bruto de R$ 17.158,08 (dezessete mil, cento e cinquenta e oito reais e oito centavos); sua fonte pagadora descontaria de sua remuneração parcela no valor de R$ 2.850,96 (dois mil, oitocentos e cinquenta reais e noventa e seis centavos) a título de Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF), o qual seria retido diretamente na fonte (vide rubrica "Imposto de Renda Retido Fonte" constante do contracheque anexo); até a feitura da declaração anual de ajuste, o valor do IRRF permaneceria em posse da fazenda nacional em seu valor nominal, ou seja, sem os acréscimos legais em razão do tempo; a modalidade de retenção do tributo na fonte (rendimentos sujeitos a tributação exclusiva/definitiva) não admitiria compensação ou abatimento com os valores apurados ao final do período, diferenciando-se da regra contida no art. 16 da Lei n. 9.250/95; os juros e a correção monetária (SELIC), incidentes na ação de repetição do indébito tributário, relativo ao IRPF retido na fonte, deveria fluir a partir da retenção na fonte (antecipação). Teceu outros comentários. Pugnou, ao final, pela decretação da procedência dos pedidos, bem como a restituição dos valores recolhidos indevidamente nos últimos cinco anos. Inicial instruída com procuração e documentos.

Determinada a intimação da parte autora para promover o recolhimento das custas processuais (Id. 4058300.5750399), o Sindicato Autor pugnou pela correção do valor da causa para R$11.275,07, bem como o deferimento da isenção das custas processuais (Id. 4058300.5849303).

Foi concedido provisoriamente o benefício da Justiça Gratuita e determinada a citação (Id. 4058300.10117256).

A União (PRU) pugnou pela intimação exclusiva da Procuradoria Regional da Fazenda Nacional (Id. 4058300.10170703).

Citada, a União (Fazenda Nacional) apresentou Contestação (Id. 4058300.10342431), alegando, em apertada síntese, que o termo inicial dos juros e correção monetária no caso de restituição de IRPF retido na fonte estaria expressamente previsto no artigo 16 da Lei nº 9.250/95; a relação jurídico-tributária seria regida pela estrita legalidade de forma que até mesmo as questões em torno dos acréscimos legais, seja na cobrança, seja na repetição, deveriam obediência aos termos da lei; não teria sido por outra razão  que, mutatis mutandis, o Colendo STJ, em sede de recurso repetitivo, não teria reconhecido  o direito do contribuinte à correção monetária de crédito escritural de IPI decorrente do princípio da não-cumulatividade; nesses casos, o contribuinte teria um crédito em face de um recolhimento que se revelou maior diante do referido princípio; no entanto, mesmo assim, por ausência de previsão legal, não haveria direito à correção de tais valores, salvo se houvesse oposição do fisco à utilização do crédito, nos termos ali transcritos. Teceu outros comentários. Transcreveu precedentes. Pugnou, ao final, pela decretação de improcedência dos pedidos.

Determinou-se a exclusão do União Federal do polo passivo (Id. 4058300.12419208), mantendo-se nesse polo a UNIÃO - FAZENDA NACIONAL.

Certificado o decurso de prazo sem manifestação (Id. 4058300.14101807).

É o relatório, no essencial.

Passo a decidir.

2. Fundamentação

2.1 - O cerne da controvérsia consiste em examinar se, na hipótese de restituição de IRPF retido na fonte, os juros e correção monetária devem incidir a partir do mês seguinte ao da retenção propriamente dita ou a partir da data da declaração.

Estabelece o art. 16 da Lei nº 9.250, de 1995, que o termo inicial é a "data prevista para a entrega da declaração de rendimentos".

No mesmo sentido, o artigo 82 do atual Regulamento do Imposto de Renda,  Decreto nº 9.580/18.

Para melhor compreensão da matéria, passo a transcrever os dispositivos normativos referidos nos autos:

Lei nº 9.250/95:

"Art. 16. O valor da restituição do imposto de renda da pessoa física, apurado em declaração de rendimentos, será acrescido de juros equivalentes à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia - SELIC para títulos federais, acumulada mensalmente, calculados a partir da data prevista para a entrega da declaração de rendimentos até o mês anterior ao da liberação da restituição e de 1% no mês em que o recurso for colocado no banco à disposição do contribuinte." (Vide Lei nº 9.430, de 1996)

Decreto nº 9.580/2018:

"Art. 82.  O valor da restituição a que se refere o art. 81 será acrescido de juros equivalentes à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia - Selic, para títulos federais, acumulada mensalmente, calculados a partir do primeiro dia do mês subsequente ao previsto para a entrega tempestiva da declaração de ajuste anual até o mês anterior ao da liberação da restituição, e de um por cento no mês em que o recurso financeiro for disponibilizado ao contribuinte em instituição financeira.". (Lei nº 9.250, de 1995, art. 16; e Lei nº 9.430, de 1996, art. 62).

Vê-se, pois, que as previsões normativas acima transcritas baseiam-se na premissa de que, na generalidade dos rendimentos tributáveis, o eventual direito à repetição somente surge quando do ajuste anual, isto é, ao final do período, quando se apura o saldo devedor ou credor.

Há precedente  da 2ª Turma do STJ no mesmo sentido da legislação acima indicada,  verbis:

"TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA DA PESSOA FÍSICA - IRPF. RESTITUIÇÃO. TERMO INICIAL DE JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA (SELIC). DATA DA RETENÇÃO (ANTECIPAÇÃO) VS. DATA DA ENTREGA DA DECLARAÇÃO. RENDIMENTOS NÃO SUJEITOS A TRIBUTAÇÃO EXCLUSIVA / DEFINITIVA. ART. 16, DA LEI N. 9.250/95.

1. Ressalvados os casos em que o recolhimento do tributo é feito exclusivamente pela retenção na fonte (rendimentos sujeitos a tributação exclusiva/definitiva), que não admite compensação ou abatimento com os valores apurados ao final do período, os juros e correção monetária (SELIC) incidentes na ação de repetição do indébito tributário fluem a partir da data prevista para a entrega da declaração de rendimentos e não a partir da retenção na fonte (antecipação), consoante o art. 16 da Lei n. 9.250/95.

2. Precedentes em casos onde se analisou a exigibilidade para efeito de se fixar o termo inicial do prazo prescricional da ação de repetição de indébito: EDcl nos EDcl nos EDcl no REsp. n. 1.233.176/PR, Primeira Turma, Rel. Min. Ari Pargendler, julgado em 21/11/2013, DJe 27/11/2013; REsp. n. 1.472.182-PR, Segunda Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 19.05.2015.

3. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, parcialmente provido."[1]

2.2 - Data maxima venia, penso diferente.

2.2.1 - Inicialmente, não se pode confundir a hipótese de IRRF de rendimentos de pessoas físicas do respectivo IRR exclusivamente na fonte.

Na primeira hipótese,  a parcela de IR paga,  via retenção na fonte, leva em consideração o valor realmente devido do IR da Pessoa  Física, para aquele ato.

A respectiva apuração na declaração de ajuste anual é apenas para saber se houve retenção em valor acima do devido,  ou não.

Quando se constata que o Contribuinte pagou IR em valor superior ao realmente devido, recebe a restituição.

O valor que foi retido e pago exclusivamente na  fonte, como sói acontecer, por exemplo,  com a parcela  relativa ao  13º Salário, a ganhos em  loterias,  etc., não é considerada na determinação do valor definitivamente devido do IRPF na declaração anual de ajuste, posto a retenção é exclusivamente na fonte.

 2.2.2 - Mas, com relação ao IRRF que não seja  exclusivo na  fonte, é diferente, porque esse valor entra na apuração da determinação do valor realmente devido do IR na declaração de ajuste anual.

Então, se restar apurado, na declaração anual de ajuste do IR,  por exemplo, que em janeiro do ano-calendário (antigo ano-base) foi retido dos vencimentos de um Servidor Público Imposto de Renda em valor maior que o valor realmente devido, será do mês seguinte, fevereiro daquele ano-calendário, que passará a incidir atualização, pelos  índices da tabela SELIC, para a devida restituição, porque se tratou de um pagamento indevido, de forma  que se aplica, ao caso a regra do § 4º do art. 39 da referida Lei nº 9.250, de 1995. 

Imaginemos a situação contrária: apura-se,  na declaração de ajuste anual do IR de determinada  Pessoa  Física que ela deixou de recolher, por exemplo, parcela do IRPF de autônomo no mês de abril do ano calendário (antigo ano-base). Essa pessoa física vai recolher essa parcela do IRPF com atualização pelos índices da tabela SELIC a partir do mês  seguinte àquele em que aquela parcela deveria ter sido recolhida,  qual seja, a partir de maio do ano calendário (antigo ano-base) e não da data da entrega da declaração. 

Então, o tratamento deve ser igualitário para as duas Partes: Contribuintes e Fazenda Pública.

A parcela de atualização pelos índices da tabela SELIC corresponde a juros de mora, por isso tem que incidir a partir do mês seguinte àquele em que a Fazenda Pública(no primeiro exemplo) ou o Contribuinte(no segundo exemplo) passa a usar o dinheiro alheio indevidamente.

Aliás, aqui, além dos juros de mora, calculados dessa forma, o coitado do Contribuinte, do segundo exemplo, ainda terá que pagar a denominada  multa fiscal e, dependendo da situação, até mesmo a multa  penalidade.

Então, por que, quando ocorre a situação contrária, apura-se, na declaração de ajuste anual, que o Contribuinte pagou IRPF, via retenção fonte, valor superior ao que  realmente  devido(e consegue-se apurar exatamente em que mês do ano calendário isso aconteceu), a mesma  Fazenda Nacional só vai pagar juros de mora pelos índices da tabela SELIC a esse Contribuinte a partir da data prevista para a entrega da declaração do  IR?

Situações idênticas, soluções  diversas?

Óbvio que esse artigo 16 da Lei nº 9.250, de 1995, quanto à atualização, não pode prevalecer, porque, fere o inciso I do art. 150 da Constituição da República, pois estará sendo exigido imposto de renda sem base em Lei.

Realmente, não há Lei autorizando pagamento de IR acima  do realmente devido e, se houvesse, seria  inconstitucional, porque feriria o art. 43 e incisos do Código Tributário Nacional, cuja Lei 5.172, de 1966, que o instituiu tem status de Lei Complementar, conforme regra do art. 146 III, a e b da vigente Constituição da República.

E,  como bem alegado na petição inicial, mencionado artigo 16 da Lei nº 9.250, de 1995, provoca confisco, logo, choca-se com o inciso IV desse mesmo artigo 150 dessa mesma Carta Magna, que veda o confisco.

Mencionado art. 16 da Lei nº 9.250, de 1995, também choca-se, contrario sensu e  violentamente,  com os arts. 161 e 165 do Código Tributário Nacional. Note-se que este último estabelece que o Contribuinte, quando paga tributo indevidamente, faz jus à restituição do valor total que tenha pago nessa situação.

E, repito, contrariados tais dispositivos do Código Tributário Nacional(Lei 5.172, de 1966), contrariadas também restam as alíneas "a" e "b" do inciso III do art. 146 da referida Carta Magna, segundo a qual cabe à Lei Complementar[2]estabelecer as regras gerais sobre obrigação tributária e crédito tributário.

É que o Legislador Ordinário não pode contrariar regras do Código Tributário Nacional, exatamente por força dessa ora invocada regra da Constituição da República.

A data de apuração, data maxima venia, para tal finalidade, não poderia, NUNCA,  ter nenhuma  importância, porque contraria o sistema de responsabilização da Parte, no caso, credora, que exige indevidamente, antes do tempo, o pagamento relativo à  obrigação tributária de determinado parcela do tributo.

Se a Fazenda Pública exigiu o Imposto em valor maior que o devido, em determinada competência do ano, tem que indenizar o Contribuinte com  os noticiados juros de mora, a partir do mês seguinte da exigência indevida, conforme as regras da Constituição da República e do Código Tributário Nacional acima invocadas. 

Outrossim, em regimes democráticos e liberais, como o reinante no Brasil, se assim não for, restará também  ferido o princípio constitucional da igualdade de tratamento entre Fisco e Contribuinte nas  suas responsabilidades tributárias.

Nessas situações, a Fazenda Pública também deveria ser obrigada a pagar ao Contribuinte multa, como dele exige quando o Contribuinte atrasa o pagamento, culposa(multa fiscal) ou dolosamente(multa penalidade).

Por outro lado, como já indicado acima, a mesma Lei nº 9.250, de 1995, onde tem acento o acima  transcrito art. 16, tem regra própria  sobre compensação ou restituição de Imposto pago indevidamente, no § 4º do seu art. 39, com a seguinte redação:

"§ 4º A partir de 1º de janeiro de 1996, a compensação ou restituição será acrescida de juros equivalentes à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia - SELIC para títulos federais, acumulada mensalmente, calculados a partir da data do pagamento indevido ou a maior até o mês anterior ao da compensação ou restituição e de 1% relativamente ao mês em que estiver sendo efetuada.".

Note-se que essa regra, tendo  em vista a estrutura constitucional acima  invocada, especialmente o princípio da igualdade de tratamento nesse campo entre o Contribuinte e o Fisco, adveio do fato de que Lei anterior, a Lei nº 9.065, de 20.06.1995, instituiu regra semelhante(juros SELIC a partir do mês seguinte ao do vencimento, caso não houvesse o pagamento) apenas  à favor da Fazenda Pública e, diante da grita dos Contribuintes, o Poder Legislativo trouxe à luz o acima transcrito justo dispositivo de Lei(refiro-me ao § 4º do art. 39 da Lei nº 9.250, de 1995).

Com efeito, eis a regra do art. 13 da mencionada Lei  nº 9.065, de 20.06.1995:

"Art. 13. A partir de 1º de abril de 1995, os juros de que tratam a alínea c do parágrafo único do art. 14 da Lei nº 8.847, de 28 de janeiro de 1994, com a redação dada pelo art. 6º da Lei nº 8.850, de 28 de janeiro de 1994, e pelo art. 90 da Lei nº 8.981, de 1995, o art. 84, inciso I, e o art. 91, parágrafo único, alínea a.2, da Lei nº 8.981, de 1995, serão equivalentes à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia - SELIC para títulos federais, acumulada mensalmente.".

Então, totalmente sem sentido a regra do acima  transcrito art. 16 da Lei nº 9.250, de 26.12.1995, sobre a data do início da incidência dos juros de mora do Imposto de Renda Pessoa Física que a Fazenda Pública exigiu indevidamente em determinado mês do ano calendário, porque o assunto foi tratamento corretamente, e à  luz do sistema constitucional tributário e do Código Tributário Nacional, no § 4º do art. 39 dessa mesma Lei.

A retenção na fonte, para o Autor, correspondeu a pagamento, posto que retirado do valor que tinha a receber, tendo o recolhimento cabido à Pessoa que fez a retenção. Então, a incidência dos juros de mora,  a seu favor, tem que ser a partir do  mês seguinte ao da indevida retenção.

Data maxima  venia, a  matéria não vem recebendo o devido tratamento, dentro de uma visão justa e constitucional,  pelo que espero que a Primeira Seção do E. Superior Tribunal de Justiça faça a devida retificação quando for apreciá-la sob efeito repetitivo. 

NÃO HÁ dúvida que o avanço dos sistemas  eletrônicos da atualidade permitem que a Fazenda  Pública saiba exatamente quanto cada Contribuinte tem que recolher em cada competência  tributária, sem  necessidade de dele exigir parcela maior que a realmente devida, de forma que,  quando assim o fizer, deverá ser exemplarmente punida, da mesma forma que pune o Contribuinte quando este recolhe imposto em valor menor que o devido.

Nos sistemas políticos liberais, e não há dúvida que o Brasil vive atualmente sob um sistema  liberal exacerbado, o Estado tem que se submeter as Leis da mesma  forma que os  cidadãos.

2.3 - Obviamente, o recebimento das verbas aos  quais o Autor faz jus, decorrentes deste processo, não configurará fato gerador do Imposto de Renda, por se tratar de imposto de renda restituído em face de cobrança indevida, pelo que deverá ser declarado no tópico próprio da sua futura declaração do IRPF.

3. Dispositivo

Posto isso, julgo procedentes os pedidos desta ação e condeno a UNIÃO - FAZENDA NACIONAL a revisar as declarações do IRPF do Autor, relativas aos últimos cinco anos anteriores à data da propositura desta ação, fazendo incidir os juros de mora(índices da tabela SELIC) sobre as parcelas retidas na  fonte em valor maior que o realmente devido em cada competência do respectivo ano calendário(antigo ano-base), a partir do  mês seguinte ao da retenção indevida(que correspondente, para o Autor,  a pagamento indevido),  incidência de juros essa na forma estabelecida no acima transcrito § 4º do art. 39 da Lei nº 9.250, de 28.12.1995, e que mencionada atualização, pelos índices da tabela SELIC,  estenda-se até a data da expedição do(s) requisitório(s) constitucional(ais)[3] e efetivamente restituídos ao ora Autor, observando-se o 1%(um por cento) para o mês em que o respectivo valor for efetivamente pago.

Outrossim, condeno a UNIÃO - FAZENDA NACIONAL a ressarcir eventuais custas processuais que tenham sido pagas neste processo, bem como verba honorária que, considerando a simplicidade do caso, arbitro, com base no § 2º do art. 85 do vigente Código de Processo Civil, em 10%(dez por cento) do valor atualizado que venha a ser restituído ao Autor.

Deixo de submeter este processo ao duplo grau de jurisdição porque o valor econômico da demanda  é inferior a 1.000(mil) salários  mínimos(inciso I do § 3º do art. 496 do CPC).

Finalmente, dou este processo por extinto, com resolução do mérito(art. 487, I, do CPC).

Fica a UNIÃO - FAZENDA NACIONAL isenta do pagamento de custas, por força de Lei.

Intimem-se.

Recife, 23.09.2020.

Francisco Alves dos Santos Júnior

 Juiz Federal, 2a Vara Federal/PE.

(lsc)

_______________________________________


[1] Brasil. Superior Tribunal de Justiça. 2a Turma. Recurso Especial - REsp nº 1.434.703/RS, Relator Ministro Mauro Campbell Marques,  julgado em 08/09/2015, in Diário da Justiça  Eletrônico - DJe de 17/09/2015.

[2] Como se sabe, resta pacificado na doutrina e na jurisprudência que a Lei nº 5.172, de 1966, pela qual se instituiu o Código Tributário Nacional, em virtude da estrutura constitucional posterior ao seu advento, adquiriu o status de Lei Complementar e hoje tem esse status assegurado no art. 146 da vigente Constituição da República.

[3] "Decisão: O Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto do Relator, apreciando o tema 96 da repercussão geral, negou provimento ao recurso. Não votou, no mérito, o Ministro Alexandre de Moraes, sucessor do Ministro Teori Zavascki, que votara em assentada anterior. Em seguida, o Tribunal, por maioria, fixou a seguinte tese de repercussão geral: "Incidem os juros da mora no período compreendido entre a data da realização dos cálculos e a da requisição ou do precatório", vencido, em parte, na redação da tese, o Ministro Dias Toffoli. Ausentes, justificadamente, os Ministros Celso de Mello e Gilmar Mendes. Presidiu o julgamento a Ministra Cármen Lúcia. Plenário, 19.4.2017.". 

Brasil Supremo Tribunal Federal. Plenário. Recurso Extraordinário-RE 579.431/RS. Relator Ministro Marco Aurélio, Publicado no Diário Judicial Eletrônico - Dje de 19.04.2017[Repercussão Geral, Tema 96, Mérito].

Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2598262

Acesso em 10.10.2017.

 

 

REQUISITOS PARA FAZER O CURSO DE RECICLAGEM DE VIGILANTE NO DEPARTAMENTO DE POLÍCIA FEDERAL.

Por Francisco Alves dos Santos Júnior


A pessoa que exerce a atividade de Segurança/Vigilante só poderá fazer o curso de reciclagem na Polícia  Federal se não tiver antecedentes  criminais e, caso tenha condenação criminal, só se tiver sido reabilitado ou, após o término do cumprimento da pena, já tiver decorrido mais de cinco anos. 

Na sentença que segue, todos os detalhes desse assunto são dissecados. 

Boa leitura. 



Obs.: Sentença minutada pela Assessora LUCIANA SIMÕES DE ALBUQUERQUE.



 PROCESSO Nº: 0806849-07.2020.4.05.8300 - MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL

IMPETRANTE: J S DA S
ADVOGADO: M J J G A 
IMPETRADO: UNIÃO FEDERAL - UNIÃO.
AUTORIDADE COATORA: SUPERINTENDENTE DPF CARLOS HENRIQUE OLIVEIRA DE SOUZA, DIRETOR REGIONAL DA POLICIA FEDERAL EM PE
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO)



SENTENÇA TIPO A.


EMENTA:  MANDADO DE SEGURANÇA. CERTIFICADO DE RECICLAGEM DE CURSO DE VIGILANTE. CONDENAÇÃO CRIMINAL TRANSITADA EM JULGADO. PUNIBILIDADE EXTINTA, PELO CUMPRIMENTO DA PENA. REABILITAÇÃO NÃO COMPROVADA.

DENEGAÇÃO DA SEGURANÇA.

Vistos, etc.

1. Relatório

Versam os presentes autos sobre mandado de segurança impetrado por J S DA S contra o ato imputado ao DIRETOR REGIONAL DA POLÍCIA FEDERAL EM PERNAMBUCO, consubstanciado na negativa de inscrição do impetrante no curso de reciclagem da formação de vigilante, em virtude da exigência imposta pela Portaria nº 3.233/2012- DG/DPF, da Polícia Federal. Para tanto, narra na petição inicial, em apertada síntese, que: trabalharia como segurança patrimonial em empresa privada, sendo obrigado a se submeter a cursos periódicos de reciclagem para a permanência em suas funções; para participar de cursos de reciclagem, necessária seria a apresentação de antecedentes criminais; apesar de ter apresentado certidão negativa de antecedentes, fora impedido de participar do curso de reciclagem por possuir condenação penal por porte ilegal de arma; tal conduta teria sido praticada em 2015, o Impetrante teria sido preso em flagrante por porte ilegal de arma de fogo, crime previsto no art, 14 da Lei n. 10.826/2013; teria sido processado e julgado nos autos 83-59.2015.8.17.1580 e logo após a sentença condenatória, teria cumprido sua pena, através do Processo de Execução PENAL n. 252-07.2019.8.17.1518; a sentença de extinção da punibilidade pelo cumprimento já teria sido exarada;   tal ação já estaria arquivada e a pena extinta; para fins de Direito, seria considerada idoneidade moral um conjunto de qualidades que recomendam o indivíduo à consideração pública, com atributos como honra, respeitabilidade, seriedade, dignidade e bons costumes; a idoneidade significaria a qualidade de boa reputação; a condenação penal pelo porte ilegal de arma não teria trazido  para sua reputação nenhuma consequência no sentido de denegrir a sua imagem e nem teria feito a qualquer pessoa do seu convívio social acreditar que o mesmo teria se transformado em um criminoso pelo fato e utilizar uma arma; caso não participasse do curso, correria o risco de ficar desempregado. Teceu outros comentários. Pugnou, ao final, pela:

"Concessão da segurança para afastar o ato coator no sentido de declarar a idoneidade moral do Autor como critério para realização do curso de vigilantes, bem como, que determine a concessão de tal autorização e posterior homologação do certificado pelo Departamento da Policia Federal de  Pernambuco, mediante e imediatamente, o atendimento dos requisitos estabelecidos no art. 16 da Lei7.102, de20 de junho de1983, e do art. 155 da Portaria nº 3.233 -DG -DPF de 10 de dezembro de 2012.

Inicial instruída com procuração e documentos.

Notificada, a autoridade apontada como coatora apresentou Informações sob Id. 4058300.14433101, aduzindo, em apertada síntese, que:   a lei que regula a atividade de segurança privada no país seria a de nº 7.102/1983, regulamentada pelo Decreto nº 89.056/1983; o órgão incumbido de realizar a autorização, o controle e a fiscalização da atividade de segurança privada seria a Polícia Federal, nos termos do art. 20 da Lei nº 7.102/1983 c/c o art. 32 do Decreto nº 89.056/1983;  a Polícia Federal teria Editado a Portaria nº 387/2006 - DG/DPF, já revogada pela Portaria nº 3.233/2012 - DG/DPF, que seria  a portaria atualmente em vigor; a  lei de regência, em seu art. 16, VI, estabeleceria que um dos requisitos para o exercício da profissão de vigilante seria não ter antecedentes criminais registrados; com o intuito  de regulamentar referido dispositivo legal, a portaria em vigor, com efeito, em seu art. 155, VI, teria vedado o exercício da profissão de vigilante a quem possua registro de indiciamento em inquérito policial; entretanto,  tal vedação atualmente estaria  suspensa, em função de decisão judicial proferida pelo TRF - 1ª Região, nos autos da Ação Civil Pública nº 0039226-84.2013.4.01.3300/BA, que teria determinado que a Polícia Federal assegurasse "a quaisquer interessados, em todo o território nacional, o direito de matrícula e/ou homologação do curso deformação, reciclagem ou extensão para vigilantes, independentemente de estarem respondendo a processo criminal ou inquérito policial (..); assim, a orientação atualmente em vigor da Coordenação-Geral de Controle de Serviços e Produtos, órgão central da Polícia Federal sobre controle de segurança privada, seria de não obstar a matrícula/homologação de curso de formação/reciclagem/extensão do vigilante, contanto que ele não tivesse ainda sido condenado por sentença criminal transitada em julgado; no caso de condenação criminal transitada em julgado, o exercício da profissão só seria possível se o vigilante obtivesse a reabilitação criminal, ou quando decorrer o período de tempo superior a cinco anos, contados da data de cumprimento ou extinção da pena (art. 155, §4º, II e III da Portaria nº 3.233/2012-DG/DPF); já havendo o trânsito em julgado da condenação criminal do impetrante, e não havendo nos autos notícia de implementação de nenhuma das hipóteses previstas no art. 155, §4º, I Iou III, da Portaria nº 3.233/2012-DG/DPF, haveria causa impeditiva para homologação do curso de reciclagem do impetrante.

O Ministério Público Federal se manifestou pela denegação da segurança.

É o relatório, no essencial.

Passo a decidir.

2. Fundamentação

Versam os presentes autos sobre mandado de segurança impetrado por JOANIR SEVERINO DA SILVA contra o ato imputado ao DIRETOR REGIONAL DA POLÍCIA FEDERAL EM PERNAMBUCO, consubstanciado na negativa de inscrição do impetrante no curso de reciclagem da formação de vigilante, em virtude da exigência imposta pela Portaria nº3.233/2012- DG/DPF, da Polícia Federal.

De início, há de se registrar que, por desempenharem atividade que apresenta risco potencial à coletividade, as empresas de segurança privada se submetem a critérios rígidos de controle administrativo, estabelecidos pelo legislador.

Da leitura das Informações, vê-se que a autoridade apontada como coatora reconhece que orientação atualmente em vigor da Coordenação-Geral de Controle de Serviços e Produtos, órgão central da Polícia Federal sobre controle de segurança privada, por força de decisão exarada em sede de Ação Civil Pública, Tombada sob o número 0039226-84.2013.4.01.3300/BA[1], seria de não obstar a matrícula/homologação de curso de formação/reciclagem/extensão do vigilante, contanto que ele não tivesse ainda sido condenado por sentença criminal transitada em julgado.  Sustentou, ainda, que, no caso de condenação criminal transitada em julgado, o exercício da profissão só seria possível se o vigilante obtivesse a reabilitação criminal, ou quando decorresse o período de tempo superior a cinco anos, contados da data de cumprimento ou extinção da pena (art. 155, §4º, II e III da Portaria nº 3.233/2012-DG/DPF), o que não teria ocorrido no caso em análise.

Pois bem.

O art. 155, § 4º, II e III, da Portaria nº 3.233/2012-DG/DPF, que dispõe sobre as normas relacionadas às atividades de Segurança Privada, estabelece: 

"Art. 155. Para o exercício da profissão, o vigilante deverá preencher os seguintes requisitos, comprovados documentalmente:

(...)

§ 4o Não constituem obstáculo ao registro profissional e ao exercício da profissão de vigilante:

(...)

II - a condenação criminal quando obtida a reabilitação criminal fixada em sentença;

III - a condenação criminal quando decorrido período de tempo superior a cinco anos contados da data de cumprimento ou extinção da pena; e

(...)"

Quanto à reabilitação criminal, o Código Penal, em seu art. 94, preceitua:

"Art. 94 - A reabilitação poderá ser requerida, decorridos 2 (dois) anos do dia em que for extinta, de qualquer modo, a pena ou terminar sua execução, computando-se o período de prova da suspensão e o do livramento condicional, se não sobrevier revogação, desde que o condenado:

I - tenha tido domicílio no País no prazo acima referido;

II - tenha dado, durante esse tempo, demonstração efetiva e constante de bom comportamento público e privado;

III - tenha ressarcido o dano causado pelo crime ou demonstre a absoluta impossibilidade de o fazer, até o dia do pedido, ou exiba documento que comprove a renúncia da vítima ou novação da dívida.

Parágrafo único - Negada a reabilitação, poderá ser requerida, a qualquer tempo, desde que o pedido seja instruído com novos elementos comprobatórios dos requisitos necessários.".

Relativamente à noticiada Ação Civil Pública tombada sob o n. 0039226-84.2013.4.01.3300/BA, vê-se, por sua vez, que assim restou ementado [1]:

"ADMINISTRATIVO. PARTICIPAÇÃO EM CURSO DE FORMAÇÃO/RECICLAGEM/EXTENSÃO DE VIGILANTES. INEXISTÊNCIA DE ANTECEDENTES CRIMINAIS. INQUÉRITO POLICIAL E/OU PROCESSO CRIMINAL SEM DECISÃO CONDENATÓRIA TRANSITADA EM JULGADO. ILEGITIMIDADE. PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA.

I - Não obstante se reconheça a legitimidade da exigência de idoneidade moral para o exercício profissional de vigilante, eventual indiciamento do investigado em Inquérito Policial ou o oferecimento de denúncia em Ação Penal ainda em curso, não tem o condão, por si só, de configurar a ausência daquele requisito, até que seja efetivamente considerado culpado, com o trânsito em julgado de eventual sentença condenatória, em observância ao princípio constitucional da presunção de inocência (art. 5º, LVII, da CF/88), restando, assim, sem nenhum efeito jurídico as disposições do art. 155, VI c/c o art. 156, § 1º, da Portaria n. 3.233/2012 -DG/DPF.".

Assim, sob a égide da legislação transcrita acima e do decidido na noticiada Ação Civil Pública n. 0039226-84.2013.4.01.3300/BA, que orientou o novo posicionamento do Departamento da Polícia Federal, conclui-se que ao impetrante não é impossível o exercício da atividade profissional de segurança privada desde que comprove, após o cumprimento da pena imposta, a necessária reabilitação da prática do delito.

Nesse contexto, conforme salientado pelo Ministério Público Federal na sua manifestação,  o impetrante foi condenado a pena privativa de liberdade de 01 (um) ano e 08 (oito) meses de reclusão,  que restou substituída por duas penas restritivas de direito - prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária.

A decisão condenatória, por sua vez,  transitou em julgado em 15/01/2019 e a sentença de extinção da punibilidade pelo cumprimento da pena foi proferida em 06/12/2019, conforme consta do processo criminal juntado aos autos (ids. 4058300.14013429 e 4058300.14013435).

Acerca de tal hipótese, confira-se o precedente que se segue:

"E M E N T A CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. CURSO DE RECICLAGEM PARA FORMAÇÃO DE VIGILANTE. NÃO HOMOLOGAÇÃO PELA POLÍCIA FEDERAL. ANTECEDENTES CRIMINAIS. CONDENAÇÃO PENAL TRANSITADA EM JULGADO HÁ MENOS DE CINCO ANOS.
1. A Constituição Federal expressamente possibilita a restrição do exercício profissional caso não atendidas as qualificações estabelecidas em lei.
2. A Lei 7.102/83 prevê como requisito para o exercício da profissão de vigilante não ter antecedentes criminais registrados .
3. O art. 155, § 4º, incisos II e III do art. 155 da Portaria n. 3.233/12-DG/PF estabelece que a condenação criminal não constituirá óbice ao registro profissional e ao exercício da profissão de vigilante quando obtida a reabilitação criminal fixada em sentença ou quando decorrido o período de tempo superior a cinco anos contados da data de cumprimento ou extinção da pena, hipótese em que não se enquadra o impetrante. Inocorrência de violação ao art. 5º, inc. XLVII, alínea "b", da Constituição Federal.
4. Da análise dos autos, observa-se que a sentença condenatória transitou em julgado em 20/7/2015, e a extinção da pena ocorreu apenas em 24/5/2017; portanto, ainda não houve a reabilitação, nos termos dos requisitos expressos no art. 94 do Código Penal.
5. Apelação a que se nega provimento.".[2]

Assim, à vista de tais premissas,  observa-se que o Impetrante não comprovou ser reabilitado criminalmente pelo juízo da condenação, razão pela qual a denegação da segurança é medida que se impõe.

3. Dispositivo

POSTO ISSO,  DENEGO a segurança pleiteada e extingo o processo com resolução do mérito

Sem custas, ex lege.

Sem honorários, ex vi art. 25 da Lei nº 12.016, de 07.08.2009.

Sentença não sujeita ao duplo grau de jurisdição.

Registrada, intime-se.

Recife, 23.09.2020.

Francisco Alves dos Santos Júnior

Juiz Federal, 2ª Vara/PE


________________________________________

[1] Disponível em https://arquivo.trf1.jus.br/PesquisaMenuArquivo.asp?p1=00392268420134013300&pA=&pN=392268420134013300. Acesso em 23.09.2020. E da consulta da  movimentação processual da noticiada Ação Civil Pública, vê-se que o Recurso Especial em face do acórdão foi inadmitido (AgInt no REsp 1702724(2016/0210567-3 de 02/08/2017)

[2] BRASIL. Tribunal Regional Federal da 3ª Região. (TRF 3ª Região, 3ª Turma,  ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5000044-52.2017.4.03.6002, Rel. Desembargador Federal MAIRAN GONCALVES MAIA JUNIOR, julgado em 07/11/2019, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 11/11/2019)

Disponível em http://web.trf3.jus.br/base-textual/Home/ListaColecao/9?np=5.

Acesso em 22.09.2020.

terça-feira, 15 de setembro de 2020

AUXÍLIO RECLUSÃO: REQUISITOS.

Por Francisco Alves dos Santos Júnior

Na sentença que segue, um detalhamento sobre os requisitos para a obtenção do auxílio-reclusão. 
Boa leitura. 



Minuta de decisão elaborada pela Assessora Rossana Maria Cavalcanti Reis da Rocha Marques


PROCESSO Nº: 0817980-47.2018.4.05.8300 - PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL
AUTOR: I. I. S. S.
REPRESENTANTE(PAIS): N M DOS S 
ADVOGADO: F C M
RÉU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)

DECISÃO

1-Relatório

Y I S S, menor impúbere, representado por sua genitora N M DOS S, ajuizou em 13/12/2018 esta ação em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL, pretendendo, a título de tutela provisória de urgência, o benefício previdenciário de auxílio-reclusão, cujo instituidor, o Sr. ANTONIO JOÃO DA SILVA, seria seu genitor e estaria recluso desde o dia 08/05/2013. Requereu o benefício da assistência judiciária gratuita e juntou instrumento de procuração e documentos.

Alegou, em síntese, que: teria requerido ao INSS o benefício previdenciário de Auxílio-Reclusão em 27/09/2018, sob o número de protocolo 86.98.87.279, em razão do aprisionamento de seu genitor ANTONIO JOÃO DA SILVA que estaria recluso desde 08/05/2013, atualmente na penitenciária Tacaimbó/Tacaimbó; estaria presente a qualidade de segurado; teria legitimidade para pleitear a concessão do benefício; o INSS não teria respondido "ao direito do segurado"; estaria desprovido de qualquer renda; o INSS teria o prazo de trinta dias para responder, de acordo com a Lei nº 9.784/99, o que não teria sido observado; o INSS deveria analisar o caso em apreço com a máxima urgência, e implantar o benefício de Auxílio-Reclusão em favor da parte autora, pois estaria presente a qualidade de segurado, e a dependência econômica da parte autora; seria uma afronta do INSS à Constituição/88, a demora na análise do seu requerimento; o C. STF já teria decidido que as decisões administrativas deveriam ser proferidas no prazo legal; deveria ser deferida a tutela provisória de urgência para que o INSS defira o benefício de auxílio-reclusão, pois o Autor seria menor e necessitaria de provisão alimentar de maneira urgente; justificou o valor da causa, e requereu: "1- Requer que se digne Vossa Excelência de deferir-lhe os benefícios da Justiça Gratuita, nos termos do artigo 98 do CPC; 2 - O deferimento do Pedido Liminar para a concessão imediata do benefício do auxílio reclusão à autora; 3 - Que seja intimado o INSS para o PAGAMENTO do valor citado. e que seja pago o retroativo até a presente data. 4- Que Vossa Excelência se digne de julgar TOTALMENTE PROCEDENTE a presente ação, de maneira que condene o Réu à concessão do benefício do Auxílio Reclusão, a partir da data da reclusão do Reeducando, uma vez que a Parte Autora tem legitimidade e dependência em relação ao benefício pleiteado; 5 - Informa a Requerente que, a teor do § 4º, do art. 17, da Lei 10.259/2001, renuncia ao valor excedente à 60 salários mínimos; 6- Que seja o Órgão Requerido condenado ao pagamento de honorários advocatícios na base de 30% sobre o valor da condenação;" Protestou o de estilo. Atribuiu valor à causa e juntou instrumento de procuração e documentos.

Decisão que determinou a intimação da parte autora para regularizar a representação processual, a fim de que passasse a constar, no instrumento de procuração, a criança YGOR IZAIAS SANTOS SILVA representada por sua Genitora; a parte autora cumpriu a determinação.

Decisão na qual foi deferido, provisoriamente, o benefício da assistência judiciária gratuita; determinada a intimação do INSS para se manifestar sobre o pedido de tutela de urgência; e, no momento oportuno, que os autos seguissem para o MPF, ante a existência de interesse de menor impúbere.

O INSS apresentou Contestação, na qual afirmou que a Parte Autora não faria jus ao benefício pleiteado porque não teria juntado aos autos documentação suficiente que comprovasse o período em que alega ter o seu genitor laborado como trabalhador rural; os documentos coligidos não possuiriam valor probatório, eis que as informações neles contidas decorreriam de simples declaração da própria interessada, sem garantia de veracidade; não haveria probabilidade do direito; também não haveria receio de dano irreparável ou de difícil reparação, porque o recolhimento do genitor do Autor teria ocorrido em 2013 e apenas em 13/12/2018 é que teria resolvido procurar o Judiciário; também estaria presente o risco da irreversibilidade da medida. Transcreveu ementas de decisões judiciais e requereu: "a) sejam acolhidas as preliminares/prejudiciais articuladas; b) seja indeferido o pedido de tutela de urgência; c) sejam os pedidos julgados, por não possuir a parte autora o direito IMPROCEDENTES perseguido; d) a condenação da Autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios (art. 12, Lei n° 1.060/50); e) a admissão da prescrição quinquenal antecedente à propositura da demanda a) a fixação dos juros de mora e da correção monetária, nos termos do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97; b) sejam os honorários advocatícios fixados nos termos do § 4º, art. 20 do CPC. f) Requer, por fim, que a seja fixada a partir da citação da autarquia data de início do benefício nestes autos."

O Autor apresentou Réplica.

O Ministério Público Federal - MPF ofertou r. Parecer manifestando-se "pela concessão da segurança a fim de ser determinado ao INSS que aprecie o requerimento administrativo do Autor"(sic)..

2-Fundamentação

2.1- Da tutela de urgência

2.1.1 - Temo que o d. Representante do MPF não tenha lido o  processo,  pois não estamos diante de um mandado de segurança.

2.1.2 - O Autor, menor impúbere, representado por sua genitora, requer, a título de tutela de urgência, a concessão do benefício de Auxílio-Reclusão.

Os requisitos para o deferimento da tutela de urgência estão elencados no art. 300 do CPC, que assim dispõe:

"Art. 300.  A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.

§ 1o Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la.

§ 2o A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia.

§ 3o A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão."

Portanto, dois requisitos devem estar sempre presentes para a concessão da tutela de urgência: a probabilidade do direito alegado, que surge do confronto entre as alegações da parte autora e as provas constantes dos autos, baseada em uma cognição sumária; e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo, quando houver uma situação de urgência que não possa aguardar o desenvolvimento natural do processo, sob pena de ineficácia ou inutilidade do provimento final.

Quanto ao benefício pretendido, estabelece o art. 80 da Lei nº 8.213/91 que os requisitos para a sua concessão são semelhantes aos estabelecidos para a concessão da Pensão por morte, regendo-se pela lei vigente à época do recolhimento do segurado à prisão, a saber:

"Art. 80. O auxílio-reclusão será devido, nas mesmas condições da pensão por morte, aos dependentes do segurado recolhido à prisão, que não receber remuneração da empresa nem estiver em gozo de auxílio-doença, de aposentadoria ou de abono de permanência em serviço.

Parágrafo único. O requerimento do auxílio-reclusão deverá ser instruído com certidão do efetivo recolhimento à prisão, sendo obrigatória, para a manutenção do benefício, a apresentação de declaração de permanência na condição de presidiário.".

No caso concreto, tendo que quanto ao recolhimento à prisão de ANTONIO JOÃO DA SILVA, ocorrido em 08/05/2013, são aplicáveis as disposições da Lei nº 8.213/91, na redação dada pela Lei nº 9.032/95, pela Lei nº 9.528/97 (precedida da Medida Provisória n. 1.596-14, de 10-11-1997) e pela Lei nº 9.876/99, que estatui:

"Art. 74. A pensão por morte será devida ao conjunto dos dependentes do segurado que falecer, aposentado ou não, a contar da data:

I - do óbito, quando requerida até 30 dias depois deste;

II - do requerimento, quando requerida após o prazo previsto no inciso anterior;

III - da decisão judicial, no caso de morte presumida.

Art. 26. Independe de carência a concessão das seguintes prestações:

I - pensão por morte, auxílio-reclusão, salário-família e auxílio-acidente;".

Além disso, de acordo com o art. 201, inciso IV, da CR/88, e no art. 13 da Emenda Constitucional nº 20/98, o auxílio-reclusão será devido aos dependentes dos segurados de baixa renda da seguinte forma:

"Art. 13. Até que a lei discipline o acesso ao salário-família e auxílio-reclusão para os servidores, segurados e seus dependentes, esses benefícios serão concedidos apenas àqueles que tenham renda bruta mensal igual ou inferior a R$ 360,00 (trezentos e sessenta reais), que, até a publicação da lei, serão corrigidos pelos mesmos índices aplicados aos benefícios do regime geral de previdência social.".

O Decreto nº 3048/99, ao regulamentar o artigo 13, da EC nº 20/98, vinculou o deferimento do benefício de auxílio-reclusão aos proventos percebidos, ou não, pelo segurado-apenado:

"Art. 116. O auxílio-reclusão será devido, nas mesmas condições da pensão por morte, aos dependentes do segurado recolhido à prisão que não receber remuneração da empresa nem estiver em gozo de auxílio-doença, aposentadoria ou abono de permanência em serviço, desde que o seu último salário-de-contribuição seja inferior ou igual a R$ 360,00 (trezentos e sessenta reais).".

Tal limitação vem sendo reajustada periodicamente a partir de fevereiro de 2009 mediante portarias ministeriais.

Acrescente-se que o C. STF, em sede de repercussão geral, firmou o entendimento no sentido de que, nos termos do art. 201, IV da CR/88, a renda do segurado preso é a que deve ser utilizada como parâmetro para a concessão do benefício e não a de seus dependentes[1]).

Assim, para a concessão do auxílio-reclusão devem ser preenchidos os  seguintes requisitos: a) efetivo recolhimento à prisão; b) demonstração da qualidade de segurado do recluso à prisão; c) condição de dependente de quem objetiva o benefício; d) prova de que o segurado não está recebendo remuneração de empresa ou de que está em gozo de auxílio-doença, de aposentadoria ou abono de permanência em serviço; e) comprovação de baixa renda, para benefícios concedidos a partir da Emenda Constitucional nº 20/98.

Ocorre que, neste momento processual, reputo ausente o requisito da probabilidade do direito alegado, pois, com os documentos juntados aos autos não se pode decidir, com segurança, acerca do preenchimento do requisito "qualidade de segurado" do genitor do Autor, na categoria de segurado especial.

As provas até esse momento juntadas são insuficientes para comprovar que o genitor do Autor trabalhava "individualmente ou em regime de economia familiar" (Lei nº 8.213/91, art. 11, VII, §1º), a exemplo da declaração de exercício de atividade rural que apenas foi emitida pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Tacaimbó/PE mais de cinco anos depois do recolhimento do Sr. Antônio João da Silva ao cárcere (id. 4058300.9564756).

Portanto, ausente a probabilidade do direito alegado, não pode ser deferida a tutela provisória de urgência antecipada neste momento processual.

Ausente o pressuposto supracitado, desnecessária a análise da presença do perigo de dano, tendo em vista que a concessão do provimento demandaria a concomitância dos dois pressupostos.

3- Conclusão

Posto isso,

3.1 - indefiro o pedido de tutela de urgência;

3.2- digam as Partes se há provas a produzir, especificando-as e justificando o seu requerimento.

Prazo de quinze dias contado em dobro em favor do Réu/INSS/Advocacia Pública (CPC, art. 186).

Caso seja requerida a produção de prova testemunhal, apresentem de logo as Partes o respectivo rol de testemunhas, com seus endereços e demais informações previstas no art. 450 do CPC.

Após a manifestação das Partes, ao MPF, tendo em vista a existência de interesse de menor impúbere.

Int.

Recife, 15.09.2020.

Francisco Alves dos Santos Júnior

Juiz Federal, 2ª Vara Federal/PE

(rmc)

 

 

[1]BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Disponível em:  http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/visualizarEmenta.asp?s1=000087485&base=baseAcordaos. Acesso em: 05/11/2018