Por Francisco Alves dos Santos Jr.
Segue decisão sobre o aumento da contribuição previdenciária dos Juízes Federais, veiculado na Emenda Constituição nº 103, de 2019. Neste primeiro momento, analisou-se a questão apenas à luz dos princípios da progressividade e do não confisco, mas cabe o enfrentamento da questão também quanto ao Poder de Tributar frente à cláusula pétrea e também à luz de outros princípios, como o da capacidade contributiva, etc. Todos esses temas serão objeto de análise quando do julgamento do mérito se, antes, o Supremo Tribunal Federal não resolver a questão julgando as noticiadas ADIns.
Boa leitura.
PROCESSO
Nº: 0804055-13.2020.4.05.8300 - PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL
AUTOR: ASSOCIACAO REGIONAL DOS JUIZES DA 5A REGIAO
ADVOGADO: B N B C
RÉU: UNIAO FEDERAL/FAZENDA NACIONAL
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)
- A
DECISÃO
1-Relatório
A ASSOCIAÇÃO DOS JUÍZES FEDERAIS DA 5ª REGIÃO -
REJUFE, qualificada na Petição Inicial, ajuizou esta ação em face da UNIÃO
(PFN), na qual pretende, a título de tutela provisória de urgência antecipada,
seja determinado à Ré que:
"(...) se abstenha (...) de promover qualquer
tipo de retenção nos subsídios percebidos pelos associados da parte Autora, a
título de contribuição previdenciária, com base nas alíquotas progressivas
previstas no art. 11 da Emenda Constitucional nº 103/2019, mantendo-se a
retenção sob o patamar de alíquota anteriormente vigente. Requer-se, ainda,
para fins de cumprimento da medida liminar, a expedição de ofícios ao
Presidente do Tribunal Regional Federal da 5ª Região e aos Diretores do Foro de
cada uma das Seções Judiciárias integrantes da 5ª Região (JFAL, JFCE, JFPB,
JFPE, JFRN e JFSE).".
Alegou, em síntese, que: pretende afastar a
cobrança das alíquotas progressivas da previdência social sobre os ganhos dos
Juízes Federais membros da Associação Autora, que terá início no mês de março
de 2020; as alíquotas da contribuição previdenciária dos servidores federais
teriam sido majoradas, de forma progressiva, pela Emenda Constitucional nº
103/2019; o art. 11 da EC nº 103/2019 preveria faixas de cobrança de até 22%, o
que seria inconstitucional; segundo a nova regra, para os servidores públicos
federais ativos, previu-se a alíquota de referência de 14%, que seria reduzida
ou aumentada de acordo com a base de cálculo, considerando as diversas faixas
de incidência; pretende a suspensão da exigibilidade da majoração de alíquotas,
inclusive liminarmente, uma vez que a cobrança será iniciada em março de 2020, ou
então, subsidiariamente, a suspensão da exigibilidade até que sejam decididas
as Medidas Cautelares das ADIs 6255, 6256 e 6258.
Apontou as seguintes inconstitucionalidades nas
quais teria incorrido a EC 103/2019, que agravariam, diretamente, os Associados
da Autora: progressividade das alíquotas sem contrapartida adicional, porque
não se poderia instituir ou majorar contribuição para custear a seguridade
social sem que assistisse àquele que é compelido a contribuir, o direito de
acesso a novos benefícios ou a novos serviços; ofensa ao princípio da isonomia
decorrente da instituição de alíquotas progressivas, nas faixas de 7,5% até
22%, somente aos servidores públicos federais, enquanto os segurados
enquadrados no Regime Geral estariam submetidos a uma alíquota de 7,5% até 14%,
sendo que o maior déficit da Previdência Social estaria presente no Regime
Geral; caráter confiscatório da majoração das alíquotas ante a carga tributária
global excessiva, pois, com a soma da contribuição com o Imposto de Renda, o
servidor terá que pagar, aproximadamente, 47% do que recebe; violação da
garantia constitucional da irredutibilidade dos subsídios, e ao princípio da
isonomia aplicada à classe da magistratura, pois as alíquotas progressivas
seriam aplicáveis apenas aos servidores federais, sendo que, para os servidores
dos Estados e Municípios ainda permaneceriam vigentes alíquotas menores, o que
permitia a esdrúxula situação de dois servidores em igual situação (um federal
e outro estadual) submetidos a alíquotas "estrondosamente"
diferentes.
Teceu outros comentários. Sustentou estarem
presentes os requisitos para a concessão da tutela provisória de urgência
antecipada, e requereu:
"(a) o deferimento do pleito antecipatório de tutela,
nos termos em que formulado no item 4; (b) a citação da Ré para que,
querendo, oferte resposta no prazo legal; (c) ao final, a confirmação do
pedido de tutela antecipada, tornando-a definitiva, julgando-se procedentes os
pedidos, para declarar a inexistência de relação jurídica que obrigue os
associados da Autora a pagar contribuição previdenciária sob o regime de
alíquotas progressivas previsto no art. 11 da Emenda Constitucional nº
103/2019, condenando-se a União a repetir o indébito de valores indevidamente
descontados; (d) a intimação do douto representante do Parquet para
oferta de parecer, caso se entenda necessário; (e) a condenação da Ré
nos ônus sucumbenciais, inclusive em honorários advocatícios, a serem fixados
por este douto juízo; (f) que todas as notificações e
intimações relativas ao presente feito sejam realizadas em nome do Bel. Bruno
Novaes Bezerra Cavalcanti, OAB/PE 19.353, sob pena de nulidade." Protestou o de estilo. Atribuiu
valor à causa e juntou instrumento de procuração e documentos.
2- Fundamentação
2.1 - Considerações iniciais
2.1.1 - Comprovante de Custas e Rol dos
Substituídos Processuais
Inicialmente, não encontro nos autos o comprovante
do recolhimento das custas judiciais, nem o rol dos Magistrados Federais, ora
substituídos processuais, com os respectivos endereços, e autorizando a
propositura desta ação, para que possa ter regular tramitação
2.1.2 - Impedimento/suspeição
Este magistrado não é associado da Associação dos
Juízes Federais da 5ª Região - REJUFE e, por tal razão, não será beneficiado
com o resultado do presente feito, em caso de procedência dos pedidos.
Ademais, este magistrado não sofrerá as
consequências da EC 103, de 2019, quanto ao aumento das alíquotas da
contribuição em debate, porque já adquiriu o direito à aposentadoria desde
2006, de forma que já não paga essa contribuição, em gozo do respectivo
"abono de permanência" e, quando se aposentar, caso volte a pagar, em
face do direito adquirido, deverá voltar a pagar pela alíquota da época em que
completou o tempo para aposentadoria, conforme jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal.
Finalmente, não incidem quaisquer das hipóteses
previstas nos arts. 144 e 145 do vigente Código de Processo Civil, que tratam,
respectivamente, dos impedimentos e da suspeição.
2.1.3 - Da competência do Juízo de Primeiro Grau
Tendo em vista que a matéria em discussão
(majoração progressiva das alíquotas da contribuição previdenciária) é de
interesse de todos os Servidores Públicos Federais, até mesmo dos Estaduais e
Municipais, e não apenas dos Magistrados Federais, associados da REJUFE, ora
Autora, não vislumbro a possibilidade de incidir em usurpação da competência do
Supremo Tribunal Federal para apreciar, dar andamento, e no final julgar
este feito.
Em situação semelhante, assim decidiu mencionada
Suprema Corte:
"Ementa: CONSTITUCIONAL. AGRAVO REGIMENTAL EM
RECLAMAÇÃO. TERÇO CONSTITUCIONAL DE FÉRIAS. INCIDÊNCIA DE IMPOSTO DE RENDA.
PRETENSÃO DE AFASTAMENTO DO TRIBUTO FORMULADA POR MAGISTRADOS. ALEGAÇÃO DE
USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INOCORRÊNCIA. INTERESSE
COMUM A OUTRAS CATEGORIAS DE SERVIDORES PÚBLICOS. PRECEDENTES. AGRAVO
REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
(Rcl 16359 AgR, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, julgado
em 18/02/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-044 DIVULG 05-03-2014 PUBLIC 06-03-2014[1])
O caso dos autos, como será visto aproxima-se do
precedente acima transcrito, de modo que não vislumbro óbice à análise do
feito.
2.1.4 - Limitação territorial da decisão
judicial.
A respeito das finalidades da Associação dos Juízes
Federais da 5ª Região REJUFE, eis o que estabelece o respectivo Estatuto:
"Art. 2º. São finalidades da REJUFE:(...)VII - representar seus associados, judicial e
extrajudicialmente, na defesa de seus direitos e interesses, individuais e
coletivos (art. 5º, XXI, da Constituição Federal), desde que não incompatíveis
com seu Estatuto;".
A REJUFE congrega as seguintes "espécies"
de Associados:
"Art. 5º. São três as espécies de Associados: I - Efetivos, assim entendidos os Desembargadores,
Juízes Federais e Juízes Federais Substitutos da 5ª Região, bem como os
Ministros dos Tribunais Superiores oriundos da 5ª Região, ativos e inativos,
que o requeiram, na forma deste Estatuto; II - Beneméritos, assim entendidos aqueles
que tenham prestado relevantes serviços à REJUFE. III - Fundadores, aqueles que subscreveram o
documento de fundação da associação. Parágrafo único. Permanecem Associados
efetivos da REJUFE, desde que arquem com as obrigações previstas neste
estatuto, os juízes federais que, embora removidos para outra região, optem por
continuarem filiados."
A respeito da abrangência subjetiva da
decisão judicial a ser proferida na ação coletiva, eis o que dispõe o art. 2º-A
da Lei nº 9.494/97, verbis:
"Art. 2o-A. A
sentença civil prolatada em ação de caráter coletivo proposta por entidade
associativa, na defesa dos interesses e direitos dos seus associados, abrangerá
apenas os substituídos que tenham, na data da propositura da ação, domicílio no
âmbito da competência territorial do órgão prolator.".
Sobre a questão, o Supremo Tribunal Federal, ao
julgar o Recurso Extraordinário nº 612.043, firmou entendimento, com
repercussão geral reconhecida, no sentido de que a eficácia subjetiva da coisa
julgada formada a partir da ação coletiva, de rito ordinário, ajuizada por
associação civil na defesa de interesses de associados, somente alcança os
filiados, residentes no âmbito da jurisdição do órgão julgador.
Eis a ementa do v. Acórdão:
"EXECUÇÃO - AÇÃO COLETIVA - RITO ORDINÁRIO -
ASSOCIAÇÃO - BENEFICIÁRIOS.Beneficiários do título executivo, no caso de ação
proposta por associação, são aqueles que, residentes na área compreendida na
jurisdição do órgão julgador, detinham, antes do ajuizamento, a condição de
filiados e constaram da lista apresentada com a peça inicial.
(RE 612043, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em
10/05/2017, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-229 DIVULG
05-10-2017 PUBLIC 06-10-2017[2])
E a respectiva tese fixada:
"Tese A eficácia subjetiva da coisa julgada formada
a partir de ação coletiva, de rito ordinário, ajuizada por associação civil na
defesa de interesses dos associados, somente alcança os filiados, residentes no
âmbito da jurisdição do órgão julgador, que o fossem em momento anterior ou até
a data da propositura da demanda, constantes da relação jurídica juntada à
inicial do processo de conhecimento.[3]"
Saliente-se que, ante o decidido pela Suprema
Corte, em sede de Recurso Extraordinário com repercussão geral, embora a
REJUFE/Parte Autora congregue Desembargadores, Juízes Federais e Juízes
Federais Substitutos da 5ª Região, bem como os Ministros dos Tribunais
Superiores oriundos da 5ª Região, ativos e inativos, a eficácia da
sentença/decisão proferida neste feito deverá atingir apenas os Associados com
domicílio nesta Seção Judiciária (território da jurisdição do órgão julgador),
e não os Associados com domicílio na jurisdição do E. TRF-5ª Região como
um todo.
Nesse contexto, atento ao decidido pelo
Supremo Tribunal Federal, a Petição Inicial desta ação coletiva é de ser
recebida apenas com relação aos Associados/Representados processualmente,
domiciliados no território da jurisdição deste Juízo Federal.
2.1.4 - Rol de Substituídos Processuais e
Comprovante de Custas.
Percebo que, no dia 19 último, a Associação autora
juntou comprovante de recolhimento de custas e rol de Associados e respectiva
autorização para propositura desta ação.
Fixadas essas premissas, passamos a analisar a
questão constitucional e tributária em foco.
2.2 - Da tutela de urgência antecipada
2.2.1 - Matéria Processual
Nos termos do art. 300 do CPC/2015, a concessão da
tutela de urgência requer a presença de dois requisitos: probabilidade do
direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo.
A Associação/Autora requer, em sede de tutela de
urgência, que a Parte Ré: "(...) se abstenha "(...) de
promover qualquer tipo de retenção nos subsídios percebidos pelos associados da
parte Autora, a título de contribuição previdenciária, com base nas alíquotas
progressivas previstas no art. 11 da Emenda Constitucional nº 103/2019,
mantendo-se a retenção sob o patamar de alíquota anteriormente vigente.
Requer-se, ainda, para fins de cumprimento da medida liminar, a expedição de
ofícios ao Presidente do Tribunal Regional Federal da 5ª Região e aos Diretores
do Foro de cada uma das Seções Judiciárias integrantes da 5ª Região (JFAL,
JFCE, JFPB, JFPE, JFRN e JFSE)."
Fundamenta seu pleito em alegada
inconstitucionalidade da imposição.
Devo registrar, inicialmente, que a medida liminar
requerida na ADI nº 6258, proposta pela Associação dos Juízes Federais do
Brasil, na qual se questiona a progressividade das alíquotas da contribuição
previdenciária dos Juízes Federais, ainda não foi apreciada, ao menos
até esta data (20/02/2020), consoante informação obtida no site do Supremo
Tribunal Federal, no qual consta, como o último/recente andamento, datado de
17/02/2020, a seguinte anotação "Certidão Informações não prestadas.[4]"
Cumpre destacar ainda que, embora o Código de
Processo Civil/2015, art. 489, aluda à necessidade do enfrentamento, pelo órgão
julgador, de todos os argumentos deduzidos nos autos, a Corte Especial do
Superior Tribunal de Justiça, ao interpretar o mencionado dispositivo legal,
firmou o entendimento de que o Julgador não está obrigado a responder a
todas as questões suscitadas pelas partes, quando já tenha encontrado motivo
suficiente para proferir a decisão, a saber:
"PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO.
ART. 1.022 DO CPC. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO, OBSCURIDADE, ERRO MATERIAL. AUSÊNCIA.1. Os embargos de declaração, conforme dispõe o
art. 1.022 do CPC, destinam-se a suprir omissão, afastar obscuridade, eliminar
contradição ou corrigir erro material existente no julgado, o que não ocorre na
hipótese em apreço.2. Argumenta-se que as questões levantadas no
agravo denegado, capazes, em tese, de infirmar a conclusão adotada
monocraticamente, não foram analisadas pelo acórdão embargado (art. 489 do
CPC/2015). Entende-se, ainda, que o art. 1.021, § 3º, do CPC/2015 veda ao relator
limitar-se à reprodução dos fundamentos da decisão agravada para julgar
improcedente o agravo interno.3. O julgador não está obrigado a responder a todas
as questões suscitadas pelas partes, quando já tenha encontrado motivo
suficiente para proferir a decisão. A prescrição trazida pelo art. 489 do
CPC/2015 veio confirmar a jurisprudência já sedimentada pelo Colendo Superior
Tribunal de Justiça, sendo dever do julgador apenas enfrentar as questões
capazes de infirmar a conclusão adotada na decisão recorrida."4.Embargos de declaração rejeitados. (EDcl no AgRg
nos EREsp 1483155/BA, Rel. Ministro OG FERNANDES, CORTE ESPECIAL, julgado em
15/06/2016, DJe 03/08/2016[5])
Esclareça-se, pois, que, no caso sob análise, ao
menos neste momento processual, não serão enfrentados todos os argumentos
apresentados pela Associação/Autora, para efeito de conceder, ou não, liminarmente, o
pleito subsidiário da tutela provisória de urgência antecipada.
2.2.2 - A Matéria Principal
A contribuição previdenciária paga pelos servidores
públicos federais à alíquota fixa de 11% (Lei nº 10.887/2004, art. 4º), passa a
ter alíquotas progressivas, com a entrada em vigor da Emenda Constitucional nº
103/2019, que criou novas alíquotas, aplicadas de forma progressiva,
"sobre a base de contribuição do servidor ativo" (EC 103/2019, art.
11, §2º), da seguinte forma:
"Art. 11. Até que entre em vigor lei que
altere a alíquota da contribuição previdenciária de que tratam os arts. 4º, 5º e 6º da Lei nº 10.887, de 18 de junho de 2004,
esta será de 14 (quatorze por cento). § 1º A alíquota prevista no caput será
reduzida ou majorada, considerado o valor da base de contribuição ou do
benefício recebido, de acordo com os seguintes parâmetros:I - até 1 (um) salário-mínimo, redução de seis
inteiros e cinco décimos pontos percentuais;II - acima de 1 (um) salário-mínimo até R$ 2.000,00
(dois mil reais), redução de cinco pontos percentuais;III - de R$ 2.000,01 (dois mil reais e um centavo)
até R$ 3.000,00 (três mil reais), redução de dois pontos percentuais;IV - de R$ 3.000,01 (três mil reais e um centavo)
até R$ 5.839,45 (cinco mil, oitocentos e trinta e nove reais e quarenta e cinco
centavos), sem redução ou acréscimo;V - de R$ 5.839,46 (cinco mil, oitocentos e trinta
e nove reais e quarenta e seis centavos) até R$ 10.000,00 (dez mil reais),
acréscimo de meio ponto percentual;VI - de R$ 10.000,01 (dez mil reais e um centavo)
até R$ 20.000,00 (vinte mil reais), acréscimo de dois inteiros e cinco décimos
pontos percentuais;VII - de R$ 20.000,01 (vinte mil reais e um centavo)
até R$ 39.000,00 (trinta e nove mil reais), acréscimo de cinco pontos
percentuais; eVIII - acima de R$ 39.000,00 (trinta e nove mil
reais), acréscimo de oito pontos percentuais.§ 2º A alíquota, reduzida ou majorada nos termos do
disposto no § 1º, será aplicada de forma progressiva sobre a base de
contribuição do servidor ativo, incidindo cada alíquota sobre a faixa de
valores compreendida nos respectivos limites.".
Recentemente, a Portaria nº 2.963, de 3 de
fevereiro de 2020, do Ministério da Economia/Secretaria Especial de Previdência
e Trabalho, disciplinou o reajuste dos valores previstos nos incisos II a VIII
do §1º do art. 11 da EC nº 103/2019 acima transcritos; consignou, no §1º do seu
art. 1º, que as novas alíquotas entrarão em vigor em "1º de março de
2020"; e reajustou os parâmetros estabelecidos na EC nº 103/2019.
2.2.2.1 -
Princípios Constitucionais Tributários da Progressividade e do Não-Confisco
Gosto da visão de Juan Martin Queralt e outros,
juristas espanhois(in Curso de Derecho Financiero Y Tributário, 10ª
Edição, Madrid: Editorial Tecnos, 1999, fl. 214), sobre os princípios, a
respeito dos quais detectam uma tríplice função: "1) fundamento da ordem
jurídica; orientação para interpretação; e fonte de direito no caso de
insuficiência da Lei e dos costumes"[6].
A respeito desse assunto, também gosto da visão do
jurista brasileiro Fábio Konder Comparato(in A Afirmação Histórica dos
Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 139, que assim se expressa:
"A função dos princípios num sistema
constitucional: emprimeiro lugar, servem eles de critério superior de
interpretação das demais normas constitucionais, garantindo com isso a unidade
e coerência do sistema. Em segundo lugar, exercem os princípios, sejam eles
programáticos ou não, uma função por assim dizer genética, impondo a
complementação por meio de edição de outras normas".[7].
Então, à luz desses d. ensinamentos, examinaremos a
questão em debate à luz dos princípios da progressividade tributária e do não
confisco.
A primeira Constituição do Brasil que tratou do
princípio da progressividade foi a de 1934, art. 128, aplicável apenas ao
imposto de transmissões de bens por herança ou legado. As Constituições
posteriores foram omissas, até que veio expresso na vigente Constituição de 1988,
inicialmente, de forma obrigatória, apenas para o Imposto de Renda e
Proventos de Qualquer Natureza(inciso I do art. 153) e para o Imposto sobre a
Propriedade Territorial Rural(inciso I do § 4º do art. 153), ambos de
competência da UNIÃO, e de forma facultativa para o Imposto sobre a Propriedade
Territorial Urbana(§ 1º do art. 156 e inciso II do § 4º do art. 182), este
imposto de competência dos Municípios. Como se sabe, tem uma finalidade
"socialista", é tanto que previsto no velho Manifesto Comunista de
1847, pois busca tributar mais fortemente as maiores rendas e os patrimônios
mais valiosos.[8]
Qual o limite dessa progressividade?
A nossa Constituição de 1934 fixou um limite para
todos os impostos, no seu art. 185, segundo o qual nenhum imposto poderia ser
elevado além de vinte por cento do seu valor ao tempo do aumento, mas não tinha
limite para a criação do tributo.
A vigente Constituição prevê que Lei Complementar
tratará das limitações do Poder de Tributar, inclusive, certamente, do limite da
progressividade tributária(art. 146, inciso II), eis o seu texto:
"Art. 146. Cabe
à lei complementar:
II - regular as limitações constitucionais ao poder de tributar;"
Mas essa Lei Complementar nunca veio a lume.
O velho Código Tributário Nacional, de 1966, que
faz, atualmente, o papel dessa Lei Complementar Geral, ainda não foi adaptado à
Constituição de 1988, de forma que esses novos princípios nela
constitucionalizados não têm regulamentação em Lei Complementar Geral.
Diante dessa situação, tenho que o seu limite
objetivo é o Princípio do Não Confisco, previsto, pela primeira vez no nosso
direito, na vigente Constituição de 1988, art. 150, inciso IV.
E tenho também que cabe ao Supremo Tribunal
Federal, à falta da referida Lei Complementar Geral, aplicar este Princípio do
Não Confisco caso a caso.
Essa Suprema Corte aplicou este princípio em alguns
casos, como, por exemplo, para excluir multa tributária de 300% da Lei nº
8.846, de 1994.[9].
Também o aplicou em julgado indicado no próximo subitem,
que tem mais interesse à presente causa(v. outros casos no nosso livro,
referido na nota de rodapé 6, abaixo, p. 256-258)
2.2.2.2 - Poderia o princípio da Progressividade
ser aplicado a outros tributos, além daqueles previstos na vigente Constituição
de 1988?
Algumas Leis tentaram estendê-lo a outros tributos,
inclusive à Contribuição Previdenciária ora em debate, como foi o caso da Lei
nº 9.783, de 1999, mas o Plenário do Supremo Tribunal Federal, em decisão
cautelar, liminarmente, suspendeu a sua aplicação. Eis trechos da respectiva
ementa:
"Tratando-se de matéria sujeita a estrita previsão constitucional - CF,
art. 153, § 2º, I; art. 153, § 4º; art. 156, § 1º; art. 182, § 4º, II; art.
195, § 9º (contribuição social devida pelo empregador) - inexiste espaço de
liberdade decisória para o Congresso Nacional, em tema de progressividade
tributária, instituir alíquotas progressivas em situações não autorizadas pelo
texto da Constituição.
(...).
A proibição
constitucional do confisco em matéria tributária nada mais representa senão a
interdição, pela Carta Política, de qualquer pretensão governamental que possa
conduzir, no campo da fiscalidade, à injusta apropriação estatal, no todo ou em
parte, do patrimônio ou dos rendimentos dos contribuintes, comprometendo-lhes,
pela insuportabilidade da carga tributária, o exercício do direito a uma
existência digna, ou a prática de atividade profissional lícita ou, ainda, a
regular satisfação de suas necessidades vitais (educação, saúde e habitação,
por exemplo). A identificação do efeito confiscatório deve ser feita em função
da totalidade da carga tributária, mediante verificação da capacidade de que
dispõe o contribuinte - considerado o montante de sua riqueza (renda e capital)
- para suportar e sofrer a incidência de todos os tributos que ele deverá
pagar, dentro de determinado período, à mesma pessoa política que os houver
instituído (a União Federal, no caso), condicionando-se, ainda, a aferição do
grau de insuportabilidade econômico-financeira, à observância, pelo legislador,
de padrões de razoabilidade destinados a neutralizar excessos de ordem fiscal
eventualmente praticados pelo Poder Público. Resulta configurado o caráter
confiscatório de determinado tributo, sempre que o efeito cumulativo -
resultante das múltiplas incidências tributárias estabelecidas pela mesma
entidade estatal - afetar, substancialmente, de maneira irrazoável, o
patrimônio e/ou os rendimentos do contribuinte. - O Poder Público,
especialmente em sede de tributação (as contribuições de seguridade social
revestem-se de caráter tributário), não pode agir imoderadamente, pois a
atividade estatal acha-se essencialmente condicionada pelo princípio da
razoabilidade.(...).
A contribuição de
seguridade social não só se qualifica como modalidade autônoma de tributo (RTJ
143/684), como também representa espécie tributária essencialmente vinculada ao
financiamento da seguridade social, em função de específica destinação
constitucional. A vigência temporária das alíquotas progressivas (art. 2º da
Lei nº 9.783/99), além de não implicar concessão adicional de outras vantagens,
benefícios ou serviços - rompendo, em conseqüência, a necessária vinculação
causal que deve existir entre contribuições e benefícios (RTJ 147/921) - constitui
expressiva evidência de que se buscou, unicamente, com a arrecadação desse
plus, o aumento da receita da União, em ordem a viabilizar o pagamento de
encargos (despesas de pessoal) cuja satisfação deve resultar, ordinariamente,
da arrecadação de impostos."[10]
E findou, por medida cautelar liminar,
suspender a aplicação de quase todos os dispositivos da referida Lei.
Infelizmente, a Suprema Corte não julgou o mérito de tal ADIn, porque referida
Lei foi revogada em tais particularidades, de forma que a ADIn findou por ser
extinta, sem resolução do mérito.
Extrai-se da referida decisão liminar, que o STF
parece que iria dizer qualquer seria o limite da progressividade, ou seja,
quando era que um tributo teria caráter confiscatório.
Essa questão, por falta da Lei Complementar e por
falta de uma Decisão do Supremo Tribunal Federal, continua em aberto.
Num julgado isolado, uma das Turmas do STF aplicou
mencionada Decisão, verbis:
"RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL.
CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. ALÍQUOTA PROGRESSIVA. 1. O acórdão recorrido está
em consonância com o entendimento do Plenário deste Supremo Tribunal que, no
julgamento da ADI 2.010-MC, assentou que a instituição de alíquotas
progressivas para a contribuição previdenciária dos servidores públicos ofende
o princípio da vedação à utilização de qualquer tributo com efeito de confisco
(art. 150, IV, da Constituição). Tal entendimento estende-se aos Estados e
Municípios. 2. Agravo regimental improvido.".
(RE 414915 AgR, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em
21/03/2006, DJ 20-04-2006 PP-00031 EMENT VOL-02229-04 PP-00634[11])
2.2.2.4 - Quanto ao Pedido de Concessão Liminar
de Tutela Provisória
Cabe ou não a suspensão liminar da EC 103, de 2019,
como pleiteado nesta ação, ora sob análise?
Vimos que nos casos que a Suprema Corte suspendeu a
aplicação do princípio da progressividade e/ou do princípio do não confisco, os
tributos e a multa foram instituídos por Lei.
Agora não, estamos diante de uma Emenda
Constituconal, na qual se introduziu na vigente Constituição da República a
extensão da progressividade para a Contribuição em debate e, de plano, já foram
fixadas as alíquotas aplicáveis até o advento da Lei regulamentadora.
Como vimos, há três ADIns já distribuídas na
Suprema Corte e o respectivo Ministro Relator não ousou apreciar, de plano, a
pleiteada Medida Cautelar de Suspensão dos efeitos da mencionada EC 103, de
2019, determinando que antes fossem ouvidas as Pessoas indicadas para os
respectivos polos passivos.
Então, seria muita petulância deste simples
Magistrado de Primeiro Grau e de Província tomar qualquer decisão liminarmente,
tendente a suspender a aplicação das regras da mencionada EC 103, de 2019.
Tenho, pois, que, ponderadamente, mencionado
pleito só deve ser apreciado depois do prazo para a respectiva contestação.
3. Dispositivo
Posto isso, por cautela, deixo para apreciar o
pedido de tutela provisória de urgência, em qualquer das versões indicadas na
petição inicial, após o prazo para contestação e determino que a Parte
Requerida, UNIÃO - FAZENDA NACIONAL, seja citada, na forma e para os fins
legais.
Intime-se.
Recife, 20.02.2020
Francisco Alves dos Santos Júnior
Juiz Federal, 2a Vara Federal/PE.
[6] Apud SANTOS JÚNIOR, Francisco Alves dos. Direito
Tributário do Brasil: Aspectos Estruturais do Sistema Tributário Brasileiro. Olinda-PE: Livro Rápido, 2010, p. 60.
[7] Idibdem.
[8] Idem, p. 235-258.
[9] - Brasil. Supremo Tribunal Federal. Plenário. ADIMC 1075/DF. Relator
Ministro Celso de Mello. Julgamento em 17.06.1998. In Diário da Justiça de 24.11.2006,
p. 59. Revista Trimestral de Jurisprudência - RTJ 200-02, p. 647.
[10] _________________________________________. Ação Direta de
Inconstitucionalidade com Medida Cautelar nº 2.010-DF. Ministro Relator
Celso de Melo. Julgado em 13.06.2002. In Diário da Jusitça de 12-04-2002
p.00051 e EMENT VOL-02064-01 PP-00086.
Acesso em 20.02.2020
[11] ____________________________________________